Blog da Ana Maria Bahiana

Categoria : Estreias

Netflix: a TV saiu da TV… e José Padilha pode estar nela
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Ana Maria Bahiana

Kevin Spacey e Robin Wright numa cena de House of Cards

 

A criação de material original  para exibição exclusiva no serviço on demand Netflix vai continuar – e José Padilha pode ser um dos realizadores a tirar proveito da nova plataforma.

A Gaumount International Television está em negociações com a Netlflix para produzir Narcos, uma série dramática de 13 episódios sobre a ascensão e queda de Pablo Escobar, o poderoso chefão do Cartel de Medellin. Doug Miro e Carlo Bernard, autores de Filhos da Esperança, serão os roteiristas e , se as negociações chegarem a bom termo, a série estreará na Netflix em 2014.

Desde 2011, com a série Lilyhammer – uma co-produção com a sueca Rubicon TV- a Netflix vem investindo pesado na criação de conteúdo original para complementar seu cardápio habitual de filmes e séries de TV para download/aluguel. Dia 1 de fevereiro a Netlflix estreou House of Cards, adaptação norte-americana , produzida por David Fincher e estrelada por Kevin Spacey, da série homônima da BBC (mais detalhes e uma resenha em breve aqui no blog). A Netflix não divulgou números de audiência, mas a empresa de análise de consumo online Procera indicou um ótimo perfil de retenção da série, com um núcleo substancial de fãs que preferiram  ver os 13 episódios ao mesmo tempo, em sequência – uma opção disponível em todas as séries da Netflix.

Dia 19 de abril a Netflix estreia  a série de terror Hemlock, criada por Eli Roth. A série de comédia Derek, criada por Ricky Gervais e co-produzida com a BBC, a volta da super cult Arrested Development e a série de dramédia Orange is the New Black, produzia por Jenji Kohan, criador de Weeds, são os lançamentos seguintes.


Entre o fascismo e a compaixão: O Mestre por Paul Thomas Anderson
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Ana Maria Bahiana

Muitos e muitos anos atrás, quando Paul Thomas Anderson era o inacreditavelmente jovem (29 anos) diretor lançando seu terceiro longa- o poderoso Magnolia, até hoje um dos meus filmes favoritos de qualquer época – eu lhe fiz uma pergunta que teve um resultado inédito em minha longa carreira de conversas com pessoas criativas: ele desatou a chorar.

A pergunta era sobre algo que, para mim, parecia claro como o dia: que sua obra tinha como um de seus temas fundamentais a familia, fosse ela por sangue, escolha ou acaso. A explosão emocional se explicava pela intensidade de Magnolia, na qual, entre outros fios narrativos, ele comentava a morte recente (por câncer) de seu pai, Ernie Anderson, uma estrela menor mas super cult do rádio e da TV, e um homem com uma vida tão intensa e multi-facetada quanto qualquer personagem dos filmes de seu filho.

Ernie Anderson

Pais e filhos, familias consanguíneas ou inventadas continuaram a povoar a obra de Paul Thomas Anderson, e são um dos riffs centrais de O Mestre, que estreia hoje no Brasil. Além do comentário sobre a criação de uma “tecnologia psicológica”  que, como PTA confirma aqui, é inspirada no nascimento da Cientologia e seu “mestre”, o escritor de ficção científica L. Ron Hubbard, O Mestre é mais uma história de familias reais e inventadas : um homem à deriva (Joaquin Phoenix), vagando por um país onde não consegue se ancorar, em busca de algum sol que possa orbitar; e uma figura carismática (Philip Seymour Hoffman), um pater familias por excelência, cada vez mais fracionado pelo peso de suas múltiplas responsabilidades.

Numa ensolarada tarde de outono em Los Angeles, PTA conversou (sem lágrimas) sobre familias, música, os anos 1950 e Cientologia.

 O que inspirou você a fazer um filme sobre o início dos anos 1950?

_Foi um período inebriante na história dos Estados Unidos, uma época de grande prosperidade e poder como o país ainda não tinha visto. Os anos 1950 são como uma força da gravidade para mim : eles me atraem, prendem minha atenção.  Eu não sinto a mesma coisa por, por exemplo, filmes que se passam na Inglaterra medieval. Eu gosto de ver filmes assim, me divirto,mas eles não me prendem como qualquer coisa que se passe nos anos 1950 me prende. Alguma coisa nessa era, a música, os automóveis, o modo como as pessoas se vestiam… isso é como um alimento para mim. É lindo, é adorável. É a época do meu pai, ele cresceu ouvindo muito da música que usei no filme. Os detalhes desse tempo me parecem mais ricos.  As músicas também.

 

Em todos os seus filmes a música tem um papel muito importante. Como você escolheu as canções que fazem parte de O Mestre?

_Escolhi cada canção do filme com enorme cuidado, exatamente pelo que elas acrescentavam a cada cena. As canções dos anos 1950 são quase todas sobre ‘vamos nos ver novamente’, ‘um dia você vai voltar’, ‘vejo você nos meus sonhos’, ‘vamos nos encontrar algum dia’.  São letras elegantes de um modo como letras de canções não são mais. São canções de guerra, de tempos de separação, e me pareceram extremamente adequadas ao que, para mim, é o caso de amor sem saída entre o Mestre e Freddie. Especialmente “Slow Boat to China”, que é uma escolha muito importante do Mestre. Eu ajudei o Mestre a escolher, é claro mas… a letra faz tanto sentido para mim.

 

O Mestre é uma figura extremamente contraditória. Como você o concebeu?

_ Existem duas ideias que são atraentes para mim na figura do Mestre. Há uma tensão entre essas duas ideias que foi a base de todo o roteiro. Uma é a ideia do pavor do fascismo, consequencia direta da guerra. Qualquer grupo de pessoas em torno de alguém carismático era visto como uma ameaça em  potencial, um perigo. A outra é a natureza complexa do próprio Mestre. Eu não acho que, pelo menos no princípio, ele seja egoísta. Acho que ele está genuinamente interessado em ajudar as pessoas, mas na medida em que essa ideia se torna cada vez maior e maior e maior fica cada vez mais difícil controlar o que ele está realmente fazendo. As pessoas não querem mais apenas que ele proponha perguntas interessantes, mas que dê as respostas. E quando ele começa  a dar respostas, ele mentalmente vai para um outro lugar muito mais perigoso, onde ele acha que precisa controlar tudo à sua volta…e sem que ele perceba ele cai no modelo fascista de líder.

O Mestre é L. Ron Hubbard (o criador da Cientologia)?

_ Ele tem muita coisa de Hubbard. Não tenho o menor receio de dizer isso. Muita coisa mesmo. Mas é engraçado que, quando eu fiz Sangue Negro, que era inspirado numa pessoa, Edward Doheny, ninguém me perguntou sobre a conexão, ninguém se importou, ninguém conhecia Doheny. E lá como neste filme há muitas semelhanças e um monte de diferenças, mas este tópico desperta a atenção das pessoas. No caso de O Mestre, há muita semelhança física entre Philip Seymour Hoffman e L. Ron Hubbard. Muitas das ideias que Hubbard divulgou no início de seu trabalho com Dianetics estão no filme ,  principalmente a ideia de que é possível acessar vidas passadas onde ocorreram traumas que podem estar prejudicando sua vida no presente. Suas atividades com seus primeiros seguidores também são muito semelhantes.  Por outro lado, Hubbard não bebia. E eu não tenho a menor ideia de como era sua vida privada _ nessa hora é preciso que o escritor em mim assuma controle da narrativa e crie meu próprio personagem.

 

 Você pertence à Cientologia?

_ Não.  Não é meu jeito me filiar a coisa alguma. Tenho medo de me ligar a uma única coisa, uma ideia. Sou feito um ladrão – gosto de pegar ideias e conceitos aqui e ali que podem me ajudar. Mas li Dianetics e, numa época da minha vida, o livro me ajudou muito. Uma ideia especialmente me agrada muito: de que somos espíritos eternos movendo-nos de um corpo para outro. Acho uma ideia incrivelmente repleta de esperança. Quer dizer que quando você morre você não está morto, apenas indo para outro lugar.

 

Foi por isso que você fez este filme?

_ Foi uma das razões, sim. Na verdade toda vez que começo a trabalhar num filme eu tenho essa  vontade de que o projeto seja algo inteiramente novo, algo que nunca fiz antes. E você termina o projeto e vê que na verdade todas as suas preocupações estão lá, de um modo ou de outro. Eu não faria um filme sobre algo que eu achasse banal. Obviamente a ideia de uma figura carismática como o Mestre, a dinâmica entre suas ideias e o mundo à sua volta é algo que me interessa. Minha curiosidade sobre as ideias que inspiraram Hubbard e seu tempo guiou o projeto. Eu só consigo escrever sobre algo que me deixa curioso.

 

Muitos anos atrás, na época do lançamento de Magnolia, eu fiz uma pergunta a você que o deixou muito emocionado. Posso repeti-la?

(Sorrindo)_ É, eu me lembro. Pode sim.

 

Então lá vai: a familia parece ser um tema central de sua obra. Por que?

_ Eu mesmo estou nesta busca. Como disse, toda vez que me proponho a começar um novo trabalho, eu quero fazer algo que nunca fiz antes. E toda vez que concluo o projeto eu vejo que alguns temas são constantes. E eu ainda não sei por que. O que sei é que familias são um excelente condutor para uma história. É um tema que está em toda a história da dramaturgia, familias em luta, familias em crise…. É sempre um assunto apetitoso. Eu venho de uma familia muito, muito numerosa e esse universo sempre foi uma parte essencial de quem eu sou. O que exatamente, que parte é essa… ainda é um misterio para mim. Mas um mistério que vale a pena explorar…


A última safra do ano, parte II: a valsa dos revoltados
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Ana Maria Bahiana

Os dois últimos grandes lançamentos da temporada-ouro estrearam aqui no dia de Natal e, quando escrevo isto, estão brigando ferozmente pelo domínio da bilheteria: Os Miseráveis, de Tom Hooper, está na liderança com 18.2 milhões de dólares num número menor de telas  –2.808– que Django Livre, de Quentin Tarantino, no seu encalço com 15 milhões de dólares em 3.010 telas.

Como ambos estão indicados aos Globos de Ouro e seus respectivos distribuidores acreditam que vão mais longe, até os Oscars, o público brasileiro só vai vê-los respectivamente dia 18 de janeiro (Django) e 1 de fevereiro (Miseráveis). Só para vocês calibrarem seus calendários, as indicações ao Oscar saem dia 10 de janeiro e as estatuetas serão entregues dia 24 de fevereiro. Os Globos serão entregues dia 13 de janeiro. Comparem com as datas das estréias no Brasil e verão o quanto Universal (Miseráveis) e Weinstein/Sony (Django) estão contando com estatuetas e indicações para alavancar suas campanhas de lançamento.

Muito pessoalmente, os dois filmes apresentaram problemas para mim. Reforço o muito pessoalmente porque suspeito que, para muitos espectadores, as coisas que não me apeteceram são justamente as que vão encanta-los. Essa é a natureza do cinema (e da música também). E o seu poder, também.

Admiro em ambos o seu fôlego e audácia. Os Miseráveis ataca de frente um monstro sagrado do teatro musical –60 milhões de ingressos vendidos em 42 países- que por sua vez já digeria e simplificava  um monstro sagrado da literatura, o vasto épico de Victor Hugo sobre redenção e amor durante a Revolução de Junho que, na Paris de 1832, tentou em vão restaurar a república. Django Livre encara o esqueleto no armário das novas nações do continente americano: a escravidão. Para mim, os resultados desses projetos ambiciosos foram desiguais, mas fica registrado meu enorme respeito por Hooper e Tarantino por terem tentado, sem meias medidas.

Nota de esclarecimento: não sou fã de musicais. A não ser que se trate de documentários como Gimme Shelter (sobre os Rolling Stones em sua turnê de 1969) e Don’t Look Back (sobre como Bob Dylan virou Bob Dylan) ou filmes em que a trama, por ela mesma, pede momentos de música (como Quase Famosos), o artifício de parar tudo para que os personagens se expressem cantando tem apenas um efeito, comigo: me fazer imediatamente desconectar da narrativa.

Há exceções notáveis (uma delas em Magnolia, de Paul Thomas Anderson), mas vamos ficar por aqui. Basta dizer que, em Os Miseráveis, o recurso me incomodou muito menos por uma suprema ousadia de Hooper: em vez de dublar peças pré-gravadas em estudio, todos os atores foram captados cantando ao vivo, no set. Isso revelou, por exemplo, que Russel Crowe, no papel do implacável Javert, carcereiro e perseguidor do herói Jean Valjean (Hugh Jackman) não deveria ousar cantar além de sua banda de rock. Mas deu também a Jackman, Anne Hathaway (Fantine) e a grande revelação do filme, o britânico Eddie Redmayne (Sete Dias com Marilyn) como o revolucionário Marius, a oportunidade de cantar como uma extensão de seus personagens, e não como proeza vocal.

O resultado é gloriosamente imperfeito e intensamente dramático  — e aqui todos os que, como eu, tem reservas quanto às convenções do musical, vão começar a se afastar de Os Miseráveis. Porque este não é um filme onde se pratica contenção e sutileza: os heróis Jean Valjean, Fantine e sua filha Cosette (Amanda Seyfried) sofrem terrivelmente; Javert é um vilão implacável; jovens se sacrificam por amor e idealismo; e mesmo morrendo de tuberculose Fantine/Hathaway canta sem parar. Em 1862, a obra de Victor Hugo fundamentou o realismo na literatura. Um século e meio depois, ela serve de base a arroubos de ultra-romantismo.

Fãs da peça (e fiz questão de ver o filme, pela primeira vez, com uma verdadeira especialista ao meu lado, para compensar minha predisposicão contra musicais…) não vão se decepcionar. Vão, possivelmente, estranhar mas admirar a opção pelo canto dramático no lugar do canto exato, e notar onde o filme diverge da  peça como narrativa. São escolhas muito conscientes de Hooper, que compreende bem as necessidades diferentes de tela e palco, e usa todos os recursos do cinema para mostrar em larga escala tudo o que a obra de Victor Hugo descreve em detalhes e a peça menciona com poucos elementos de cena: os trabalhos forçados! Paris! As barricadas dos revolucionários!

Com Django Livre, minha admiração pela dupla ousadia de Tarantino – escolher a escavidão como tema e o spaguetti-western como forma – começou a esfriar quando certas pequenas coisas começaram a se empilhar em cima de suas bravas escolhas. Coisas como:

O fato de Christoph Waltz estar basicamente repetindo seu papel em Bastardos Inglórios – o cavalheiro extremamente educado, calmo e articulado, capaz de incríveis atos de violência sem perder nenhuma dessas qualidades.

A necessidade de colocar um europeu branco (o dentista/caçador de recompensas vivido por Waltz) como a porta da salvação/mentor/educador do escravo negro (Jamie Foxx).

Uma série de coisas displicentes, como uns bons 15 minutos de sobra, uma aparição desnecessária de Tarantino, erros pequenos e não tão pequenos de continuidade.

A ideia de compensar a medonha violência, a violação mesmo, da escravidão, com a super-violência da vingança de Django não me convenceu inteiramente. Eu gostaria de ver um filme em que Tarantino não  auto-referenciasse, em que ele se desafiasse a evoluir. Estou esperando por isso faz tempo, e outros realizadores da geração dele já dispararam na frente.

Tendo dito isso, Tarantino continua sendo um dos melhores dialoguistas que temos, e o que Leonardo Di Caprio faz com seu Calvin Candle, um senhor de escravos com o refinado sadismo que só o poder absoluto possibilita, é a melhor coisa e a mais exata medida do que Django Livre poderia ter sido.


A última safra do ano, parte I: uma visita ao inferno. E à Terra Média.
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Ana Maria Bahiana

Todo mundo que acha que tem chance de ganhar alguma coisa –uma indicação, no mínimo – lança filme nos últimos instantes do ano. E, como comentei há pouco no twitter, a estratégia, de tanto ser repetida nos últimos anos, treinou bem os votantes: porque estreou entre novembro e dezembro, muita gente se sente na obrigação de indicar.

Passei a peneira nos lançamentos “para sua consideração” que encheram meu calendário nestes últimos quinze dias e apenas alguns ficaram. Estes dois foram os primeiros:

A ideia de um filme sobre a caçada a Osama Bin Laden me pareceu, a princípio, prematura, imatura e possivelmente mal intencionada. Me lembrei da safra de filmes lançados nos anos imediatamente a seguir dos ataques do 11 de setembro, que me pareciam, todos, mal disfarçadas peças de propaganda. Ver A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty)  me obrigou a rever todos os meus temores.

Trabalhando mais uma vez com um roteiro de Mark Boal (Guerra ao Terror), Kathryn Bigelow mantem seu olhar ao mesmo tempo compassivo e impassível.

Os primeiros 20 minutos de Hora são absolutamente brutais e absolutamente necessários: os gritos e gemidos (verdadeiros) das pessoas encerradas nas Torres Gêmeas são mais eloquentes que qualquer imagem, e dissolvem-se em outros gritos e gemidos, os de um prisioneiro sendo torturado num dos muitos “centros especiais de confinamento” que se seguiram, na era Bush, aos ataques do 11 de setembro. Estamos num verdadeiro círculo do inferno descrito por Dante, onde violência sem sentido dá origem a mais violência sem sentido, onde carnificina gera tortura que gera mais carnificina.

É fútil (ainda bem) procurar uma agenda política em Hora. Bigelow conduz a história como um thriller do qual conhecemos o final mas não a trajetória, e seu olhar – as escolhas de composição, o ritmo das sequências – mantem-se equilibrado, pedindo que nós, na plateia, pensemos e tiremos nossas conclusões.

Boal usa um artifício comum em histórias baseadas em fatos verdadeiros: sintetiza várias pessoas em uma só, criando personagens fictícios que representam várias facetas dos reais protagonistas (algo ainda mais importante aqui, quando as fontes eram altamente confidenciais). Mas Maya, a protagonista interpretada (maravilhosamente) por Jessica Chastain é uma pessoa de verdade, uma funcionária do médio escalão da CIA cuja tenacidade e inteligência  levaram à localização de Bin Laden.

É facil notar a identificação de Bigelow com Maya – mulheres no centro de um mundo dominado por homens, conscientes de que suas meras presenças são sinais de mudanças radicais. Chastain é uma atriz de sutilezas, que Bigelow explora muito bem : há uma multidão de emoções em seu rosto, do horror à fúria, da repulsa à revolta. Mas sobre todas elas reina o autocontrole de quem sabe que, numa visita ao inferno, quem não se distancia se queima.

 A Hora Mais Escura estreia dia 14 nos EUA e dia 18 de janeiro no Brasil.

Alguns filmes tem um poder especial pelo menos sobre mim, não sei se sobre vocês: eles imediatamente me remetem aos primeiros anos do meu caso de amor com o cinema, quando ver um filme era me perder num outro mundo. O Hobbit (The Hobbit: An Unexpected Journey) teve esse efeito.

O que não é pouca coisa _ sou fã da trilogia Senhor dos Anéis, mas não gosto do livro O Hobbit. Sempre me pareceu uma obra superficial, apressada, com ideias que não eram plenamente desenvolvidas e um tom infantil que contrasta com o poder metafórico, adulto, de Senhor dos Anéis.

Talvez tudo o que o livro precisasse fosse mesmo o talento combinado das roteiristas Fran Walsh e Philippa Boyens e do diretor Peter Jackson. Está certo que ainda acho Senhor dos Aneis superior como obra mas, ao incorporar as notas e material inédito deixados por Tolkien, Walsh, Boyens e Jackson deram mais detalhe aos personagens e à trama, e fizeram a conexão com o mundo da Terra Média que se desenvolveria, de modo mais complicado, na trilogia.

Ainda acho, também, que, mesmo com essa nova perspectiva, O Hobbit dificilmente aguenta três filmes. Suspeito que, em circunstâncias diferentes, Jackson não teria esticado a primeira metade do seu filme como fez. Mesmo com todo o seu esplendor visual (mais sobre isso daqui a pouco) o filme só pega embalo mesmo quando Bilbo (Martin Freeman) e a companhia de anões liderada por Thorin (Richard Armitage) despencam terra abaixo pelo reino dos goblins, e nosso herói se vê cara a cara com aquele que, para mim, é o personagem mais fascinante de toda o ciclo de histórias: Gollum.

Neste momento eu faço uma pausa para lamentar, pela milionésima vez, o não-reconhecimento de Andy Serkis como um dos melhores atores que temos, hoje, e o pioneiro no desenvolvimento da complicada arte de criar um personagem através de mocap. Hobbit torna-se fascinante, terrível, empolgante a partir do momento em que o Gollum de Serkis esgueira-se de trás das rochas num lago subterrâneo e propõe a Bilbo um jogo de enigmas ( elemento clássico de toda boa lenda). Num mundo que, até então, era habitado unicamente por criaturas fantásticas, o Gollum de Serkis é supreendentemente humano, um ser aprisionado nas cavernas de seu próprio espírito. É o primeiro personagem com todo o fôlego metafórico que Tolkien imprimiria a trilogia Senhor dos Anéis, e sua entrada em cena eleva O Hobbit a um outro plano do qual, com todos os sustos, não queremos mais sair.

E os 48 quadros por segundo? Não me incomodaram nem um pouco. O hiper-realismo que eles dão às imagens tem uma qualidade que aproxima o fantástico de nossa visão cotidiana, como se um dia pudéssemos de fato acordar numa toca debaixo de uma colina e achá-la tão real quanto a geladeira, o microondas e a TV de nossas casas habituais. No 48 fps as sofisticadas composições digitais se integram naturalmente com as imagens captadas de modo tradicional, e os mundos da imaginação e da percepção se abraçam e se confundem.

Não é opção estética para qualquer filme. O 48 fps mataria, por exemplo, a sensacional composição naturalista que Cristian Mungiu imprimiu ao seu Além das Montanhas  (que estreia no Brasil dia 11 de janeiro e eu recomendo com entusiasmo) ou o estilismo expressionista de Nicolas Windig Refn em Drive. Mas numa obra de plena fantasia como esta, é um grande recurso.

O Hobbit estreia aqui e no Brasil dia 14.


Navegar é preciso
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Ana Maria Bahiana

As Aventuras de Pi (outra tradução pouco feliz.. o que há de errado com A Vida de Pi?) , de Ang Lee tem muita coisa em comum com Cloud Atlas, dos irmãos Wachowski e Tom Tykwer: ambos são sobre o ato de contar histórias, ambos são baseados em livros aclamados e ambos foram tidos como “infilmáveis”. Depois de ver e rever Pi, penso cada vez mais que o trio de diretores de Atlas deveria ter se aconselhado com Lee: o que era, no livro, uma jornada interior, filosófica, metafísica, tornou-se, na tela, um banquete visual, uma gloriosa manifestação do poder da imagem em movimento.

A Vida de Pi, do autor franco-canadense (nascido na Espanha) Yann Martel, tem como inspiração o livro Max e os Felinos, do brasileiro Moacyr Scliar.  Na obra de Scliar o protagonista Max,  judeu, foge da Alemanha nazista num cargueiro transportando animais para um zoológico no Brasil; quando o capitão afunda propositalmente o navio para dar um golpe na seguradora, Max se vê em pleno Atlântico num bote salva-vidas que é obrigado a dividir com uma onça.

No livro de Martel, o náufrago é um jovem indiano, o navio ruma para o Canadá, o oceano é o Pacífico e o animal com quem ele  divide o bote é um tigre de Bengala. Como na obra de Scliar, há um zoo sendo transportado no navio que afunda. E também como no livro do brasileiro, a história fica em aberto, deixando que a leitora ou leitor decidam o que realmente se passou no barco à deriva.

Martel sempre assumiu a origem de sua história, e teve uma longa conversa com Scliar cujo conteúdo nunca saberemos, mas que foi o bastante para convencer o escritor brasileiro da legitimidade da admiração de Martel por ele – Pi, o livro, é dedicado a Scliar, “por ter acendido a chama”.  E para fazê-lo desistir de mover um processo por plágio.

Ao descrever esse pano de fundo da trajetoria da mesma ideia – uma pessoa, um felino selvagem, um barco – me ocorreu que estou repetindo o próprio tema do filme: que o mundo secreto de nossas almas pertence apenas a quem conta a história; e que ao contar a história esse mundo secreto pode ser mudado. (Freud e Jung sabiam disso).

Ang Lee, um dos diretores de maior sensibilidade que conheço, compreendeu completamente o desafio de Pi: o livro é a narrativa de uma memória, uma história contada pelo protagonista, o indiano Pi (simplificação do nome absurdo e poético que ele recebeu de seu pai—Piscine Molitor Patel) ao escritor canadense sem nome (avatar do próprio Yann Martel) muitos anos depois do naufrágio.  Em essência, Pi se passa na cabeça do protagonista, no modo como ele escolhe recompor para seu interlocutor a história de sua vida (e não simplesmente de suas “aventuras”, como o título brasileiro afirma).

Lembrem disso quando o olhar preciso e elegante de Lee (realizado plenamente pela fotografia de Claudio Miranda) apresentar um zoológico que mais parece o Jardim do Eden ou uma India em cores de confeitaria : a memória é seletiva e nem por isso menos verdadeira.

Pi (o estreante Suraj Sharma na juventude, Irrfan Kahn quando adulto) é um jovem sedento de revelações: a possibilidade da comunhão com os animais , o poder transformador do amor, a transcendencia, seja por qualquer um, ou quem sabe todos os caminhos espirituais. Seu pai (Adil Hussain) é um pragmático que acredita em primeiro lugar no poder das limitações. Até o naufrágio, a vida de Pi é ordenada pelo confronto entre seu desejo de voar e a força da gravidade exercida por seu pai.

O naufrágio solta todas as amarras. Num bote salva-vidas primeiro com um grupo de animais – uma hiena, um orangotango e uma zebra – e depois apenas com o feroz tigre Richard Parker, Pi se vê no ponto absoluto no qual nenhuma das normas de uma vida “normal” se aplicam. Ele está, literal e simbolicamente, à deriva. Xamãs chamariam isso de uma “busca da visão”. E a visão , em muitas e espetaculares formas, vem em todo o seu esplendor e terror.

Ou será apenas o poder da memória que está filtrando assim, de modo tão absoluto, uma experiencia traumática?

Ang Lee destila essa questão essencial em puro cinema – uma narrativa fluida ( notem como a água é um elemento visual importante, desde o início do filme), essencialmente visual (descontada a narrativa em off, este é quase um filme mudo em sua economia de diálogos) e com uso perfeito de 3D.

É filme para não se perder – e para ver de coração aberto.

As Aventuras de Pi está em cartaz nos EUA e estreia no Brasil dia 21 de dezembro.


Heróis, vilões e o preço de ser humano: quatro lançamentos da temporada ouro
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Ana Maria Bahiana

Tanta coisa aconteceu nas últimas semanas por aqui que fiquei em super dívida com vocês… Aqui, os filmes que mais me impressionaram nesse tempo em que corri de um lado para o outro:

O conceito do presidente como herói/anti herói é comum na filmografia norte americana, atravessando praticamente todos os gêneros, do drama e thriller político à comédia romântica, rasgada e surreal (Marte Ataca!, por exemplo). É algo que dificilmente se imaginaria na produção de outros países, mas que faz sentido numa nação que elege presidentes há  237 anos, sem interrupções, ditaduras ou golpes militares.

Lincoln (em cartaz nos EUA, dia 25 de janeiro no Brasil) encontra Steven Spielberg em seu modo Amistad, refletindo sobre a história da nação norte americana, principalmente em uma de suas falhas fundamentais – a chaga da escravidão, e seus longos, dolorosos tentáculos até hoje.  Três elementos são o destaque do filme: o roteiro de Tony Kushner (Angels in America, Munique), veloz, erudito, incorporando tanto a complexidade do momento histórico (os momentos finais da Guerra Civil, a luta, no Congresso, para aprovar a lei que abole a escravidão) quanto o ainda mais complicado mundo interior do presidente; a fotografia espetacular de Janusz Kaminski, colaborador de fé de Spielberg; e o desempenho paranormal de Daniel Day Lewis como Abraham Lincoln.

Algo muito interessante aconteceu nesta colaboração: o roteiro de Kushner, centrado nos dilemas pessoais, sociais e políticos que, através de um grupo de pessoas – Lincoln, sua familia, seu braço direito William Seward (David Stathaim), o militante abolicionista Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones, genial) –  acabam impulsionando toda uma sociedade adiante, trava o impulso de Spielberg pela glamourização, pelo sentimental. E o calor passional de Spielberg ilumina e torna humano o que poderia ser um árido discurso sobre trâmites políticos na jovem nação norte-americana.

A notar: os igualmente ótimos desempenhos de Sally Field como Mary , esposa de Lincoln;  uma breve aparição de Joseph Gordon Levitt como Robert, seu filho mais velho; e James Spader, quase irreconhecível, como um antepassado de todos os lobbyistas que hoje  são a fauna mais comum de qualquer capital de Estado.

 Anna Karenina começou  como algo que, hoje, chamaríamos de novela: um folhetim encartado no periódico O Mensageiro Russo, suas oito complexas e generosas partes se estendendo de 1873 a 1877. Não é a toa que o que poderia se resumir a  um conto – mulher da alta sociedade da Russia Imperial, casada com influente político, tem um caso com um homem mais jovem e cai em desgraça —  tornou-se um vasto panorama da elite imperial, com um  15 personagens principais e mais um amplo sortimento de figuras secundárias.

Continuando seu ciclo de adoração cinematográfico-literária a Keira Knightley, Joe Wright (Orgulho e Preconceito,  Desejo e Reparação, Hanna) fez uma opção radical para sua adaptação do texto de Tolstoi: colocou  a maior parte de sua Anna Karenina (em cartaz nos EUA, dia 1 de fevereiro no Brasil) no interior de um velho (e lindo) teatro.

Como artifício dramático, é um espetáculo – Wright coloca os personagens de Tolstoi como elementos de uma grande performance pública, cada um representando seu papel no drama contínuo de uma sociedade altamente estratificada, dividida em classes hermeticamente fechadas. O artifício de transformar as coxias do teatro nas ruas de Moscou, a alta estilização da composição das cenas ( o balé dos burocratas, inspirado numa frase do texto de Tolstoi – “a burocracia é a alma da Russia”- é sensacional), o tom hiper-realista das caracterizações são empolgantes como estética.

O que se perde é a conexão emocional – Anna Karenina é uma obra linda mas fria, na qual o único ser humano parece ser o Karenin de Jude Law, atormentado entre a obrigação de agir de acordo com seu posto social e algo que pode ser, no fundo do seu coração, o pulsar de um afeto. Keira tem a estutura óssea de uma prima ballerina e a câmera está eternamente apaixonada por suas maçãs do rosto. Mas é talvez a mais gelada e distante de todos os lindos marionetes deste marzipan cinematográfico.

É um  sinal dos tempos: dois filmes se debruçam sobre a figura e a obra de Alfred Hitchcock. Um, feito para a TV (The Girl, de Julian Jarrold, para a HBO), ocupa-se de Hitch na época da realização de Os Pássaros; outro, com lançamento em circuito (Hitchcock, de Sacha Gervasi, estreia hoje nos EUA, dia 8 de fevereiro no Brasil) , é focado nos bastidores de Psicose.

E sabem qual é o melhor? O da TV. Jarrold preocupa-se em desconstruir a própria estética de Hitchcock e usar seus elementos para lançar luz nos vãos mais sombrios de sua alma, e Tobby Jones cria um Hitch de dentro para fora, organicamente e não como uma “personificação”.

Anthony Hopkins tenta fazer o mesmo em Hitchcock, mas, por incrível que possa parecer, a pesada maquiagem quase não deixa que ele trabalhe. Gervasi é um diretor simpático, responsável pelo delicioso documentário Anvil! The Story of Anvil. Mas me parece muito peso-leve para atacar um assunto complexo como Hitch. Trabalhando com um orçamento reduzidíssimo e apenas 35 dias de filmagem, ele criou um pequeno filme divertido que, ironicamente, teria sido mais apropriado para a TV.

Hitchcock oscila entre drama e comédia, aproximando-se da complicada mente do diretor mas temendo aprofundar-se em seu labirinto. Seus melhores momentos são os que comentam os eternos absurdos da indústria cinematográfica, a luta de Hitch para realizar seu projeto, as bizarras negociações com executivos e censores.

É interessante ver os dois lado a lado, em ordem cronológica – Hitchcock primeiro, The Girl em seguida. Alfred, o homem e o gênio, provavelmente não é nem nem outro.  Mas quem, décadas depois de sua passagem entre nós, pode ainda despertar tantas perguntas sem resposta?

E finalmente – eu não poderia deixar de comentar Skyfall.  O primeiro filme adaptado dos livros de Ian Fleming – 007 contra o Dr. No, de 1952 – trazia um conceito revolucionário no gênero “ação”: o espião como herói.  James Bond era um efeito colateral da guerra fria – até então, espiões, quando apareciam, eram sujeitos sórdidos, traiçoeiros, nada confiáveis. Um mundo em que conflitos passavam a ser, eles mesmos, secretos e indefinidos, abria espaço para que a atividade obscura fosse, enfim, heróica.

Mais de meio século depois, o impasse era: o que fazer com um ícone que já não parecia ter utilidade num mundo de guerras via bombardeios teleguiados, vírus pela internet e satélites-espião?

Trabalhando com um roteiro a três , mas principalmente do ótimo John Logan, Sam Mendes ataca o dilema de frente. Em suas mãos, o Bond de Daniel Craig é antes de mais nada um signo, um elemento dramático a ser composto como parte de lindos, elaborados panoramas visuais, de Xangai à Escócia. Humanos mesmo são o vilão Silva de Javier Bardem, e a extraordinária mãe-coragem M, de Judi Dench, lados opostos nessa dança mortal pelo controle de um mundo, na verdade, incontrolável.

 


Cloud Atlas: sinfonia ou cacofonia?
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Ana Maria Bahiana

Um aviso prévio: Cloud AtlasAtlas das Nuvens, que coisa difícil de traduzir, né? – recebeu no Brasil o título de A Viagem. Que, a não ser no sentido que se usava nos idos anos 1970 — “tremenda viagem, bicho” – não tem nada a ver nem com a obra original de David Mitchell nem com o filme dos irmãos Wachowski e Tom Tykwer. Vou continuar chamando de Cloud Atlas.

O desafio essencial de adaptar uma obra literária para o cinema é este: uma narrativa literária é uma coisa, uma narrativa audiovisual é outra. A narrativa literária descreve, sugere. A narrativa audiovisual mostra. A narrativa literária tem todo o tempo do mundo – ou melhor, o tempo que a leitora ou leitor se dispuserem a dar à leitura. A narrativa cinematográfica precisa se limitar ao tempo em que a espectadora ou espectador ficarem na cadeira do cinema; que, para Hitchcock, era  “o equivalente à capacidade da bexiga humana” e, pelos cálculos dos donos de cinema, entre 90 e 120 minutos.

O best seller de David Mitchell que inspirou o filme dos irmãos Wachowski e Tom Tykwer é uma obra vasta e super literária. Como uma daquelas bonecas russas, Cloud Atlas, o livro, consiste de seis histórias abrigadas uma dentro da outra, como nos contos das Mil e Uma Noites. Mas com um artifício diferente: as histórias não são contadas oralmente, são o resultado de uma série de documentos – um diário, um livro, uma hq, um filme – de diferentes épocas, do século 19 a um futuro pós-apocalíptico — que se referenciam mutuamente.

E, como uma sinfonia, cada uma dessas histórias enuncia, amplia e passa adiante o tema central da obra: a conexão entre todas as coisas, e como um gesto, hoje, repercute através dos séculos. Também como numa sinfonia, Mitchell faz com que o tema seja enunciado várias vezes, primeiro em ordem direta, depois de trás para a frente, voltando ao princípio, à primeira história/ melodia, só que, agora, carregada das tonalidades e variações de cada uma das versões anteriores.

O próprio Mitchell considerava seu livro “infilmável”. Até que os Wachowskis leram Cloud Atlas – Natalie Portman apresentou o best seller a eles no set de V de Vingança– e não conseguiram resistir.

Depois de passar pelos 172 minutos de Cloud Atlas, fiquei pensando se eles não deveriam ter seguido a primeira opinião do autor. Mesmo com o auxílio do amigo Tom Tykwer – que dirigiu metade das seis histórias – a intensa elucubração filsófico-literária de David Mitchell pode não ser, mesmo, material de cinema.

Pelos motivos expostos lá em cima, a elegante estrutura do livro – possível apenas se, em vez de filme, Cloud Atlas fosse uma mini-série; e mesmo assim…– foi desmontada e substituída por uma espécie de quebra cabeças no qual as seis narrativas não exatamente se encontram, mas se chocam num caleidoscópio de estilos e tons, menos uma sinfonia e mais uma cacofonia .

São dez minutos de drama seguidos por dez de romance , continuados num thriller de ação que vai dar numa farsa seguido por algo que parece uma versão asiática de Matrix. Não há tempo para a espectadora ou espectador se envolver de fato com nenhum dos múltiplos personagens. Quase se consegue isso com o amanuense dos anos 1930, vivido por Ben Whishaw, e com o editor de livros dos dias de hoje, encarnado pelo sempre genial Jim Broadbent, duas narrativas que, significativamente, foram dirigidas por Tykwer. Mas mesmo esses breves acordes se perdem no tumulto do restante.

Há momentos absolutamente espetaculares, em geral cortesia de Lana e Andy Wachowski,  quase todos na Neo-Seul do século 22, onde o drama criador/criatura, senhor/escravo se repete com inteligências artificiais e seres humanos. E instantes de real impacto lírico, quase sempre com assinatura de Tykwer, e mais comuns nas duas histórias que apontei há pouco.

O artifício  de empregar os mesmos atores para diversos papéis ao longo do tempo, escolhido pelo trio para enfatizar a ligação entre as seis histórias, talvez tivesse funcionado se o orçamento (levantado de forma independente, num esforço hercúleo) tivesse permitido um alto nível de sofisticação no acabamento da maquiagem. Não é o caso, infelizmente. Há momentos  francamente embaraçosos, mais próximos de um filme de Eddie Murphy do que, digamos, Benjamin Button. Os pobres Hugo Weaving e Hugh Grant são os que mais sofrem, mas Jim Sturgess e James D’Arcy  como coreanos do futuro estão no limite da vergonha alheia. Além do que, pelo menos para mim, o elemento “descubra o ator!” serve  mais somo uma distração do que uma atração, me distanciando ainda mais de uma narrativa com qual eu já estava lutando para me engajar.

No final, fica o louvor  ao trio por ter tentado tamanha loucura, e pelos momentos de brilho produzidos por tanto esforço. Ou, como disse A.O. Scott no New York Times, pelo fato de ter seis filmes diferentes pelo preço de um ingresso…

Cloud Atlas estreia aqui hoje e dia 25 de dezembro no Brasil.


Argo: a maturidade de Ben Affleck, diretor
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Ana Maria Bahiana

O problema de se fazer um thriller com um pano de fundo político é que quase sempre o ruído que a política faz acaba abafando o conteúdo humano. Que, no fim das contas, é o que viemos ver (caso contrário estaríamos num comício, certo?). Grandes obras do gênero, como Z, de Costa Gavras e Todos os Homens do Presidente, de Alan Pakula, compreendem esse desafio e mantem o elemento político sob controle, como o gatilho que impulsiona a narrativa.

Argo, de Ben Affleck, tem exatamente a mesma qualidade. Não é pouca coisa, considerando que se trata de apenas o terceiro filme de Affleck como diretor e , além disso, aborda um dos eventos mais carregados de complicações políticas e passionais: a revolução islâmica que, em 1979, retirou do poder o Xá Reza Pahlavi e instaurou a teocracia no Irã.

Trabalhando com um ótimo roteiro do também quase estreante Chris Terrio (com apenas um curta em seu currículo) Affleck não cai na armadilha de transformar a ação em panfletagem, mas domina perfeitamente o lado humano de uma história tão absurda que só poderia ser real (como, de fato, é). O pano de fundo político é estabelecido logo no começo, através de um artifício inteligente e visualmente intrigante: a história de como o Império Persa da antiguidade se tornou o Irã do século 20 – e o papel dos interesses do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos nisso tudo – é contada, com uma narração em farsi, por uma série de imagens de storyboard.

Do projeto de um filme que não houve somos jogados imediatamente no calor do momento que gerou outro filme que também não houve: estamos em novembro de 1979 em Teerã, e o complexo diplomático norte-americano está em vias de ser tomado de assalto por uma multidão de militantes islâmicos, os mesmos que acabaram de derrubar  o Xá e instalar o exilado Ayatolá Khomeini no poder. Seis funcionários consulares vão conseguir fugir por uma saída de emergência. E é com eles, e com a inacreditável operação armada para tirá-los de Teerã em segurança – e sem agravar a delicadissima crise internacional já armada – que Argo se ocupa, com excepcional maestria.

O artifício inventado pelo agente da CIA Tony Mendez (Ben Affleck) envolve cinema, o que remete elegantemente aos storyboards do início (que fecharão o ciclo ainda mais numa sensacional sequencia no aeroporto de Teerã, envolvendo guardas revolucionários e mais storyboards). Não vou entrar em detalhes para não estragar o prazer de quem não sabe nada a respeito. Mas é tão espetacularmente absurdo que só pode ser verdade.

Affleck  se diverte claramente com o segundo ato de Argo, dedicado ao mercado de egos e ilusões de Hollywood , particularmente nos anos seguintes à revolução causada por Star Wars. Alan Arkin e John Goodman, nos papéis de dois veteranos profissionais da industria, conduzem essa parte da trama com enorme prazer. Um dos grandes trunfos da firme direção de Affleck é como ele sabe modular os diversos tons de sua história, oscilando entre suspense, drama humano e comédia farsesca sem jamais perder o pulso.

Argo é um filme que dá gosto ver. É um belissimo thriller de fundo político,  à vontade entre outros grandes títulos do gênero.  No final, fica no ar uma delicada mas muito clara sobreposição de temas: Star Wars, a saga sobre fugitivos, militantes, impérios, liberdades roubadas; Argo, o navio abençoado por Atena, a deusa grega da sabedoria e da guerra, que conduziu Jasão ao Velo de Ouro; e storyboards falando do irresistível poder do cinema como modo de contar histórias que, de sua propria maneira, se tornam verdadeiras – e são capazes, até, de trazer a liberdade nos momentos mais inacreditáveis.

Argo estreia hoje nos EUA e 9 de novembro no Brasil.


Frankenweenie: Tim Burton volta para casa
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Ana Maria Bahiana

 

No fim da rua Evergreen, no subúrbio de Burbank, em Los Angeles – onde estão, entre outras empresas do meio, as sedes da Disney e da Warner – existe um cemitério chamado, sem ironia, Valhalla.  Timothy William “Tim” Burton, filho mais velho do casal Bill e Jean Burton (ele ex -jogador de beisebol, ela dona de casa), cresceu nessa rua e, em suas próprias palavras,  a impecável normalidade suburbana dos anos 1960 era muito mais assustadora para ele que seu vizinho fúnebre.  Burton, na verdade, encontrava paz e sossego passeando de bicicleta pelo cemitério — o mesmo conforto que sentia vendo antigos  filmes de terror na TV.

A juxtaposição da imutável ordem do subúrbio californiano sobre o pavor e a solidão do menino tímido que encontrava refúgio nos filmes e séries de terror da TV (numa interessante coincidência, uma dessas séries era apresentada pelo pai de Paul Thomas Anderson, Ernie Anderson) é o veio mais profundo do talento de Tim Burton. Quanto mais ele se aproxima dessa rica fonte pessoal, mais completas e brilhantes são suas obras.

Em 1982, depois de cursar a prestigiosa Cal Arts com uma bolsa oferecida pela própria Disney (seus colegas eram, entre outros, John Lasseter, Brad Bird e Henry Selick), Burton foi contratado para o departamento de animação do estúdio.  Trabalhou em Tron e O Caldeirão Mágico, e ofereceu um primeiro curta para consideração do estúdio: o altamente autobiográfico Vincent, sobre um menino solitário que sonha ser o ator Vincent Price.

A Disney ficou dividida – o controle e a inventividade do jovem diretor eram óbvios, mas a estética era um tanto sombria para o estúdio. Mesmo assim, bancaram o segundo projeto de Burton: um curta estrelado por Shelley Duvall , Daniel Stern e o menino Barret Oliver, sobre um garoto solitário num subúrbio impecável e a profunda amizade que o une a um cachorrinho de trágico destino.

O curta, intitulado Frankenweenie, deveria estrear nos cinemas em dezembro de 1984, parte do relançamento do longa de animação Pinóquio.  Em vez disso, o projeto foi arquivado e, pouco depois, Burton foi despedido do departamento de animação da Disney.

Frankenweenie, 1984

O resto, como se costuma dizer, é história. Mas é importante conhecer as origens do lindo, poético, sensacional longa stop motion com  o mesmo título – Frankenweenie—que estreia hoje nos Estados Unidos (e dia 2 de novembro no Brasil), lançado precisamente pela Disney. E não apenas porque, vinte e oito anos depois, Tim Burton tornou-se um diretor superstar e a Disney, que detinha os direitos do curta, viu-se levada à óbvia necessidade de reconhecer isso. Mas principalmente porque, de muitos modos diferentes, Frankenweenie é uma volta para casa para Burton: a volta à animação stop motion, uma de suas primeiras paixões (como muitos de sua geração, ele é cria do mestre Ray Harryhausen); a volta aos impulsos de inspiração que o levaram a fazer o curta; e, consequentemente, a volta ao menino que ele foi, tímido, inteligente, solitário, buscando conforto nos lugares mais estranhos – um cemitério no fim da rua, filmes de terror estrelados por Vincent Price na TV.

 

E, como agora Burton é pai também, ele tem a tripla vantagem de rever sua obra pela perspectiva da criança, do adulto e do fã de cinema. Frankenweenie é um filme perfeito  de todos esses ângulos.

A história continua a mesma: o garoto Victor Frankenstein, do aprazível subúrbio de New Holland, em algum lugar dos Estados Unidos, inspira-se nas aulas de ciência da escola (ministradas pelo sensacional Professor Rzykruski, uma grande criação conjunta de Burton, do roteirista John August e do talento vocal de Martin Landau) para resgatar das garras da morte o único ser com quem tem algum vínculo emocional—o cachorrinho Sparky.

Sim, é o Frankenstein de Mary Shelley – o filme original de James Whale, de 1931, é referenciado amplamente, e há uma inesquecível tartaruga chamada Shelley no meio da história – mas é também um amálgama carinhosíssimo de todos os filmes de terror que  formaram o cineasta  e o menino Tim Burton. Cinéfilos atentos vão se divertir imensamente com as múltiplas referências aos clássicos do terror, e, quem sabe, novos Tim Burtons na plateia terão sua curiosidade despertada.

Mas, além disso, Frankenweenie tem ,em sua essência, um enorme coração, atento a um dos mais delicados ritos de passagem da infância: o contato com a morte, em geral através da perda de um querido bicho de estimação (no caso de Burton, o poodle Pepe, sua inspiração para Sparky). Existe uma dose justa e equilibrada de susto e conforto em Frankenweenie, fruto, quem sabe, de uma compreensão dupla, como o menino que foi e o pai que hoje é, da complexidade da alma infantil.

É muito bom ver Tim Burton voltar para casa tão profundamente, tão alegremente, tão seguro de si. Há muito tempo eu não via num filme seu tamanha sinceridade, tamanha entrega, um desejo tão claro de colocar sua rigorosa estética – e como são lindas a animação e a fotografia de Frankenweenie !– a serviço de uma ideia que ele abraça tão completamente, sem reservas.

Tim, bem vindo de volta. É quase Halloween em Burbank, o cemitério Valhalla está em festa.

 

 


À deriva no mar sem fim da alma: The Master, obra prima
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Ana Maria Bahiana

 

Numa cena essencial de The Master, o novo filme de Paul Thomas Anderson, Freddie Quell (Joaquin Phoenix) pergunta a Lancaster Todd (Philip Seymor Hoffman): “Quem é você?” Lancaster, que já havia afirmado ser, enganosamente, o “comandante” do barco onde os dois se encontram, responde: “Sou muitas coisas. Um escritor, um doutor, um físico nuclear e um filósofo. Mas acima de tudo um homem.Um homem como você.” Mais adiante na mesma cena, Lancaster pergunta a  Freddie, a respeito de uma garrafinha que ele carrega consigo: “O que você põe aí dentro?” E ele responde: “Segredos.”

É possível dizer que tudo o que se passa com esses dois personagens, orbitando um em torno do outro ao longo dos 137 minutos desta obra prima, está contido nesta troca.

Lancaster, o “mestre” do título (a palavra, na língua inglesa, significa tanto professor quanto senhor, dono), é um fanfarrão, megalomaníaco, carismático, falastrão, absolutamente seguro de si e das estranhas conclusões que tira do nada, como um passe de mágica, a respeito do sentido da vida e da natureza do espírito humano.  Mais da metade das definições que oferece a Freddie são mentiras, mas isso não importa para a natureza da troca que se estabelece naquele momento, e cujas inspirações e expirações, contrações e expansões são o tecido vivo da narrativa.

O ex-marinheiro Freddie, que Lancaster prontamente define como “meu protegido, minha cobaia”, é um ser partido em mil pedaços, reduzido a explosões de raiva incontida, choro profuso e inconsciência alcoólica, incapaz de determinar o que faz no mundo, à deriva entre o oceano que abre o filme e a areia da praia que o encerra. Os “segredos” que traz na garrafinha não são apenas os misteriosos elementos da fórmula que ele mesmo prepara, o elixir que usa para calar seus monstros, e que pode incluir terebentina, querosene e os produtos químicos usados  para revelar filme fotográfico.

A força de Lancaster é uma fachada que esconde fraturas tão ou mais profundas que as de Freddie. O caos de Freddie tem, em seu núcleo, um grão de uma força resoluta, um impulso para a sobrevivência que, numa outra cena magistral, o impulsiona, numa moto (roubada) em disparada rumo ao horizonte, flecha certa em busca de seu destino, contra todas as probabilidades.

 

Desta dança delicada e imprevisível entre o forte o fraco, o mestre e o discípulo, o senhor e o escravo, o caos e a ordem, a verdade e a mentira, a lucidez e a inconsciência, se faz a história de The Master. Não é o exposé da Cientologia que muitos esperavam, embora PTA tenha clara e assumidamente se inspirado nos primeiros anos da vida pública de L. Ron Hubbard, o controvertido escritor de ficção científica que fundou a seita. Como fez anteriormente com Sangue Negro –- que era um riff em cima da vida de Edward Laurence Doheny, barão do petróleo e um dos patriarcas do sul da California – PTA , em The Master, usa Lancaster e sua “escola filosófica”, The Cause, como uma base metafórica para explorar um outro elemento e um outro período da experiência norte americana.

Se em Sangue Negro Daniel Plainview/Edward Doheny/Daniel Day Lewis nos levava numa jornada pela ganância, a sede de conquista, a embriaguez do capitalismo em estado puro ocupando uma nova fronteira geográfica, o oeste, em The Master Lancaster Todd/L. Ron Hubbard/Philip Seymour Hoffman nos conduz pelo pós guerra da abundância, da paranóia, da vertigem da novidade de um mundo reconfigurado e repleto de novas ideias.

O mestre Lancaster prega o otimismo militante dos Estados Unidos dos anos 1950, a possibilidade de saber tudo, controlar tudo, remover traumas, dores, inseguranças, vergonhas, pelo simples ato de querer, pelo triunfo de uma vontade absoluta, dominando o “animalismo” de nossas pequenas vidas tortas. Lancaster está – como um de seus filhos aponta para Freddie— “inventando à medida que prossegue”, mas esta é, possivelmente, o que toda a nação está fazendo, na mesma época. No início de suas  “práticas terapêuticas”, Lancaster pede a Freddie que “recorde”. Confrontado com o poço de trevas na alma de sua “cobaia”, povoada apenas por ódio, sexo e álcool, ele muda seu comando de “lembrar” para “imaginar”. No bravo mundo novo do pós-guerra, tudo pode ser refeito pelo passe de mágica da imaginação.

Mas The Master não é a história de Lancaster, mas de Freddie, torto, ferido, quase mudo, que, como o Plainview de Sangue Negro, cortou todos os laços com o mundo dos seres humanos além do mais básico – bebida, dinheiro, sexo. Ele é o id para o superego delirante de Lancaster, a massa bruta, o impulso primal que ao mesmo tempo anseia por e rejeita a ordem, o carinho, o conforto. Lancaster acredita estar salvando Freddie mas, aos poucos, é Freddie quem insinua sua escuridão pelas frestas da fachada do Mestre, quem o ensina a rir, a beber o líquido repleto de segredos, a desejar o que não tem nome, a imaginar.

 

Numa das muitas cenas maravilhosamente compostas por PTA, Lancaster e Freddie estão lado a lado numa cadeia – o primeiro por fraude e apropriação indébita, o segundo por encher de porrada os policiais que vão prender seu Mestre. Como cada um reage ao aprisionamento nos mostra claramente a dinâmica entre eles, entre – outra frase de Lancaster – o “dragão pingando sangue dos dentes” e o “homem consciente” que o “coloca numa coleira”.

A jornada de um protagonista atormentado e fragmentado em busca de algo que possa ser seu porto seguro, sua família, é constante e essencial na obra de Paul Thomas Anderson. Cercado de acólitos e filhos de vários casamentos, Lancaster se fixa de algum modo em Freddie, que não consegue se ancorar em ninguém mas anseia pelo conforto da alma. No final, tudo se resolverá  (ou não) com uma canção e a memória de uma praia onde, quem sabe, Freddie encontrou ou imaginou encontrar algo que ele também não sabe enunciar.

O elenco de The Master é de absoluta primeira ordem. Joaquin Phoenix, fisicamente transformado numa espécie de Marlon Bradon torturado, estabelece um nível de interpretação que há muito tempo não se vê – é uma alegria te-lo de volta, exercendo tão magnificamente seu talento. Philip Seymour Hoffman é uma aula de desempenho, tão perfeitamente modulado entre a arrogância e a carência de seu Lancaster. Num papel menor mas essencial, Amy Adams está exata como Peggy, esposa de Lancaster, uma mistura de stepford wife e Lady Macbeth.

Com o apoio magistral da música de Jonny Greenwood e do diretor de fotografia Mihai Malaimare Jr (Tetro, Youth Without Youth), filmando em película 65 mm com toda a luxuosa cor Kodachrome dos 50, PTA não dirige seu filme- rege uma orquestra de imagens, absolutamente em controle de seus adágios, staccatos, crescendos, longos planos sequencia perfeitamente compostos, um olhar destacado olhando um navio iluminado, quase um bolo, um artificio, deslizando na noite de San Francisco debaixo da Golden Gate, e, subitamente, uma câmera ansiosa correndo por um campo de repolhos ou ao encontro do horizonte infinito do deserto.

Aviso- não é um filme fácil, que se abre imediatamente para a plateia ou rapidamente oferece catarse e solução. Quem gosta de muita história com certeza vai se se sentir perdido – não é o que acontece, mas com quem e como acontece, que impulsiona a narrativa.

É, antes, uma experiência hipnótica e envolvente, quem sabe um “processo terapêutico” criando em nós novas memórias inventadas, impressas em nossas retinas pela pura força de um verdadeiro gênio cinematográfico.

The Master estreia hoje (dia 14 de setembro) nos EUA e dia 25 de janeiro no Brasil.