Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : HBO

Minha séries favoritas da nova temporada (nem todas estão na “TV)
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Nesta época do ano sou o alvo de duas avalanches. A primeira traz os dvds da quantidade cada vez maior de novas séries disputando espaço no início oficial do ciclo, o outono no hemisfério norte. A segunda vem mais tarde, em geral depois do dia de ação de graças (final de novembro): todos os filmes esperançosos por uma indicação ao Globo de Ouro.

A avalanche de TV, este ano, foi triste. Nem vou entrar em detalhes, a não ser para dizer que Gotham poderia tern sido tão divertida se tivessem contratado roteiristas que sabem escrever…

Mas vamos focar no positivo: do balaio 2014 estas são as minhas séries favoritas.

Transparent

Transparent (Amazon; todos os episódios disponíveis) já está sendo chamada de “a melhor nova série do ano”, o que é um pouco demais pra burro num ano que teve True Detective e Fargo. Mas não deixa de estar, com certeza, entre as melhores coisas desta safra. Crédito à criadora e showrunner Jill Soloway, que vem de duas boas escolas – o cinema independente (recomendo oseu Afternoon Delight que, apesar de instável – cheio de altos e baixos – revela seu talento para compreender e compor personagens) e a TV de primeiro escalão (Six Feet Under, United States of Tara). E crédito a Jeffrey Tambor, protagonista e principal força de impulso da série, no papel de um professor universitário, pai de três filhos, que decide, do alto de seus 70, mudar de sexo. O assunto não é original – o ótimo Transamerica, de 2005, e o telefilme Normal, de 2003, exploraram a questão com inteligencia, sensibilidade e grandes desempenhos de Felicity Huffman e Tom Wilkinson, respectivamente. Transparent alinha-se com esses bons títulos acrescentando uma paisagem humana e social precisa – a alta classe média de Los Angeles- e explorando o impacto das escolhas do pai sobre a vida dos filhos adultos, mas não necessariamente maduros. Um prazer, repleto de humanidade e humor.

Olive

Olive Kitteridge (HBO; estreia nos EUA 2 de novembro) Mildred Pierce, três anos atrás, abriu um nicho super interessante na programação da HBO: a minissérie sobre e para mulheres. É uma recuperação genial do “filme de mulheres” dos anos 1930 e 40, agora com a liberdade de ir mais fundo, de não fugir de temas espinhosos, controversos. Baseada no livro homônimo de Elizabeth Stro ut– na verdade uma coleção de contos sobre as vidas de vários habitantes numa cidadezinho do Maine – Olive Kitteridge foi adaptada com total precisão pela roteirista Jane Anderson e a diretora Lisa Cholodenko. A pragmática, contida, burtalmente honesta Olive (Frances McDormand, espetacular) é agora o centro de tudo. A cidade muda, pulsa e se transforma ao longo de 25 anos na vida dessa mulher, cuja fachada de força impenetrável oculta um mundo de dor e paixão. Só acompanhar o desempenho de McDormand já vale – mas ainda tem Richard Jenkins e, numa ponta essencial, Bill Murray (mais um sensacional elenco de apoio).

Bojack

BoJack Horseman (Netflix; todos os episódios disponíveis). Quando recebi os DVDs minha primeira reação foi: Ai! Quem precisa de mais uma animação tosco-irônica?! Confesso que o que despertou minha curiosidade foi a participação de Aaron Paul como a voz do principal coadjuvante, num elenco que já tinha Will Arnett, Amy Sedaris, Stanley Tucci, Patton Oswalt, J, K. Simmons , Anjelica Huston , Melissa Leo, e, como elas mesmas, Naomi Watts e Margot Martindale. Ainda bem. Imaginem os Simpsons na Hollywood de um universo paralelo onde os humanos convivem com híbridos entre gente e bicho, gerando seres como um diretor chamado Quentin Tarantulino (uma tarantula) , o nosso herói equino que foi famoso na TV dos anos 1990, e uma editora chamada Penguin onde só trabalham… pinguins. E isso é só o começo: a fina faca do comentário sobre as idiotices de nossa descerebrada cultura da celebridade corta de verdade, com o melhor gume possível – o riso.

 

MSS1_101_032614_7422.jpg

Menções honrosas vão para duas co-produções britânicas: Happy Valley (Netflix, todos os capítulos disponíveis) e The Missing (Starz, estréia nos EUA 15 de novembro). Em ambas, um desempenho espetacular ancora tudo e faz a gente esquecer as (pequenas ) falhas de cada um. Em Happy Valley Sarah Lancashire é uma sargento da polícia de uma pequena cidade do norte da Inglaterra, escondendo sob sua fachada estóica um mundo interior fracionado e muito próximo da violência que ela policia. Em The Missing Tony Hughes é um pai absolutamente possuído pela obsessão de encontrar seu filho, desaparecido há mais de oito anos. Os ritmos das duas séries são às vezes oscilantes, mas o poder de seus personagens nos mantém ligados na tela sem cessar, Cuidado com as maratoas – vão roubar horas preciosas de sono…


É a Copa das séries: qual será o próximo grande sucesso?
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

 

leftovers
Enquanto a Copa arrebata corações por aí, aqui as apostas são em torno das novas séries _ o verão norte-americano é um excelente campo de provas para as séries estreantes dos canais pagos, um setor mais que aquecido.

Aqui vão algumas prévias para vocês:

The Leftovers (foto) HBO, estréia 29 de Junho. Carro chefe da HBO na ausência do mega-hit Game of Thrones (cuja quinta temporada está neste momento em filmagem),. Leftovers é uma adaptação do livro Os Deixados Para Trás, de Tom Perrotta (que a Intrínseca lançou no Brasil em 2012 ) com supervisão de Damon “Lost” Lindelof. Como toda a obra de Perrotta – que já vimos no cinema em Eleição, de Alexander Payne, e Pecados Íntimos, de Todd Field – Leftovers, o livro, tem um tom entre o drama e a sátira, com situações banais levadas até extremos que revelam o absurdo da “vida normal”. Aqui, no caso, o súbito e inexplicado desaparecimento de milhões de pessoas pelo mundo afora e o impacto do sumiço nas vidas dos que ficaram.

Depois de ver os quatro primeiros episódios da série, ainda estou esperando a sátira. Acho que, assim como os arrebatados, ela não vai aparecer tão cedo, provavelmente nunca. Tudo é muito sério na fictícia cidadezinha de Mapleton, o clima de tragédia pesando no ar, referenciando, o tempo todo, os atentados do 11 de setembro de 2001. Numa mudança importante do material original, o protagonista não é mais um poderoso homem de negócios, mas o chefe de polícia da cidade (Justin Theroux), às voltas com dramas coletivos e pessoais (a mulher que largou a família para juntar-se a uma das bizarras seitas que se multiplicam depois dos desaparecimentos, a filha que vive em estado de apatia crônica).

Talvez a série floresça na continuidade – há alguns momentos geniais, com um surrealismo perverso que flerta com possibilidades saborosas no futuro ( um deles envolve cachorros e uma corça, e mais não direi…)

 

halt_and_catch_fire_ 

Halt and Catch Fire (AMC, estréia dia 1 de junho). Devemos nos preocupar com a AMC? O canal que durante alguns anos gloriosos teve no ar Breaking Bad e Mad Men agora tem TURN (que é muito bem acabada mas não consegue me pegar de jeito nenhum) e esta novidade criada por uma dupla experiente na TV – Christopher Cantwell e Christopher C. Rogers – que, tenho quase certeza, pitcheou a série como “Mad Men nos anos 80! No mundo da informática!”

Senão vejamos: temos um executivo jovem, ambicioso, brilhante e arrogante (Lee Pace, que é o “Elfo Malvado” da trilogia Hobbit); uma ainda mais jovem profissional de informática, também brilhante mas socialmente canhestra (a canadense Mackenzie Davis), ao léu num universo dominado por homens; e um engenheiro inseguro, que se sente dominado pelos colegas e pela mulher (Scoot McNairy, um dos diplomatas sitiados de Argo).

Parece familiar?

Troque a publicidade pela industria da informática engalfinhando-se para produzir a próxima grande novidade nos anos 1980 como o mundo-em-transe das aventuras desses três personagem e temos Halt and Catch Fire.

Os dois primeiros episódios não conseguiram me dizer absolutamente nada além da excelente trilha musical – sintetizadores! New wave! Pós punk! – e das impressionantes sobrancelhas de Lee Pace. Já o terceiro, que foi ao ar domingo passado, apontou para uma boa evolução possível – em grande parte porque subverteu um pouco a rigidez dos personagens, tornando o Joe de Lee Pace mais vulnerável e imprevisível, e o Gordon de Scoot McNairy um pouco mais complicado e manipulador. Como quase toda série, Halt ainda não consegue dar às personagens femininas a complexidade que merecem, e isso é um dos seus grandes problemas.

Os diretores são do primeiro time – Juan José Campanella, Jon Amiel e Karyn Kusama, entre outros – e a a narrativa visual mostra com precisão tanto talento. E a trilha continua excepcional.

No próximo post: Outlander e The Knick.


Uma serpente à solta no jardim de inverno: Fargo, minha nova série-obsessão
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

fargo1

Cozinhando no fogo brando de uma virose que trouxe comigo do Brasil ainda continuo devendo – a mim mesma e a vocês – uma atualização da temporada pré-pipoca. E quanta movimentação, afinal, nesta época em geral paradona: elenco de Star Wars VII anunciado; Les Revenants virando série americana via A&E com Carlton Cuse e Raelle “True Blood” Tucker no comando; júri e programação de Cannes 2014; Zack Snyder dirigindo Liga da Justiça

Mas uma coisa eu consegui fazer – por a TV em dia. E a TV está tão, mas tão mais interessante estes dias…

Prometi falar da minha série-obsessão, mas antes dela quero incluir uma importante menção honrosa: Silicon Valley, de Mike Judge, que estreou dia 6 de abril na HBO daqui. Não me dou bem com a maioria das séries de comédia americanas, confesso. Até rio de um ou outro episódio, mas muito poucas conseguem me prender com a fidelidade das séries de drama.

 Silicon Valley é uma baita exceção. E não é só porque pegou na precisão a cultura do Vale do Silício, as diferenças entre nerds  (que são franzinos e andam sempre em grupos de cinco) e brogramers (que são bombados, bonitões e atuam solo), o vestuário de agasalhos e tênis nike de cores berrantes, a onipresente mensagem de “vamos criar um mundo melhor” enquanto verdadeiros amazonas de dinheiro correm de um bolso para o outro. Não é nem porque conseguiu fazer riffs plausíveis sobre fatos, empresas e pessoas reais. É porque é espetacularmente bem escrita, com personagens que transcendem os estereótipos tão comuns em comédia (e especialmente em comédia nesse universo) e ganham vida e personalidade completas, complicadas.

E como metade do sucesso de um projeto está no elenco, o de Silicon Valley não podia ser melhor, liderado pelo sensacional Thomas Middleditch, que vimos quase de relance em O Lobo de Wall Street (e mais no muito bom indie The Kings of Summer). Além do Richard de Middleditch – o mais simple e o mais inteligente num universo em que todo mundo se acha o máximo – tenho carinho especial por Guilfoyle, o satanista imigrante ilegal de Martin Starr e o fanfarrão Erlich de T.J. Miller, possível futuro Steve Jobs que nunca será.

Agora, senhoras e senhores, minha nova série-obsessão: Fargo. Confesso que quando soube que os irmãos Coen estavam desenvolvendo uma série baseada em seu (justamente) premiado filme de 1996, fiquei preocupada. Não conseguia ver como uma narrativa tão perfeitamente bem contida nos 98 minutos do filme (é, só 98…) podia ser reinventada como uma série.

Como eu estava enganada… Tendo visto os primeiros seis episódios desta série de 10 (que ainda não se sabe se vai continuar…) as únicas perguntas que restaram na minha cabeça foram: como ninguém teve essa ideia? E – quem é  Noah Hawley e como nunca ouvimos falar dele antes?

Essa última pergunta é falha nossa. Hawley, showrunner espetacular de Fargo, escreveu uma batelada de episódios de Bones e produziu duas séries de breve duração, The Unusuals e My Generation. Mas isso não explica, sozinho, a sintonia que ele teve com Joel e Ethan Coen, a compreensão profunda não apenas de Fargo mas de toda a filmografia dos irmãos realizadores e  o modo como desconstruiu e reconstruiu esse mundo na estrutura multi-arco da série de TV.

Melhor não entender, apenas  desfrutar.

Fargo, a série, inspira-se em “fatos reais” (que não se sabe o quanto são de fato, e isso não tem a menor importância…) e se passa no inverno de 2006 (10 anos depois do filme original) numa região entre os estados de Minnesota e Dakota do Norte, na fronteira com o Canadá. A trama segue em círculos, como a trajetória dos condenados no Inferno de Dante, entre as cidades de Fargo e Duluth e a diminuta Bemidji, quase um ponto perdido na vastidão branca das planícies do centro-norte dos Estados Unidos.

Como em muitos momentos da filmografia dos Coen, Fargo, Duluth e Bemidji são uma espécie de reservatório de inocência, um universo preservado no gelo e no isolamento das altas latitudes onde pessoas simples e parrudas, descendentes dos imigrantes escandinavos que povoaram a região, levam uma vida singela pontuada por cordialidade lacônica e pequenos ritos domésticos e comunitários: o boliche, a pescaria no lago gelado, as compras da semana, o jantar de hambúrgueres comprados na lanchonete da esquina.

Neste jardim de inverno Hawley e os Coen – como tantas outras vezes em sua obra – introduzem uma serpente de pura e absoluta maldade, um predador liberto de qualquer moral, uma força inconsciente movida apenas a instinto e violência. O encanto é gradualmente quebrado. A fachada alegremente pitoresca começa a rachar, instintos reprimidos vem borbulhando à tona, um ato de violência gerando outro e mais outro – pense em Arizona Nunca Mais, Ajuste Final, Onde os Fracos Não Tem Vez.

Mas – e este é talvez um dos maiores triunfos da série – ao invés de cair no modo “over”, no fogo cerrado de coisas horrendas acontecendo  sem parar, barulhentamente, Fargo não permite que a serenidade gélida de sua paisagem geográfica e humana seja quebrada. Tudo continua como sempre foi, o que torna as explosões de sangue e crueldade mais impressionantes,  mais efetivas e – este é um mundo Coen – muitas vezes vagamente surreais.

Pense em toda a filmografia dos Coen condensada em Twin Peaks. É por aí.

fargo2

Filmada em Alberta, no Canadá, a série é perfeita em todos os detalhes, da impecável direção de arte à trilha que evoca mas não copia o trabalho original de Carter Burwell.

O elenco me surpreendeu demais. Confesso que tinha desistido de esperar muito de Billy Bob Thornton – para mim ele andava sempre muito perto de uma caricatura de si mesmo. Mas como Lorne Malvo, a serpente no paraíso das planícies geladas, ele é a representação perfeitamente calibrada do mal inteligente, aterrorizante num momento, sedutor em outro, inteiramente banal na maior parte do tempo.

Em pontos chave de um elenco de conjunto Martin Freeman como um atormentado agente de seguros, Colin Hanks como um policial coração mole, Bob “Saul” Odenkirk como um xerife de poucas luzes e Oliver Platt como um seboso dono de supermercado estão perfeitos. A grande revelação é a novata Allison Tolman que, depois de pequenos papéis em duas outras séries, carrega com delicadeza, inteligência e desenvoltura o papel que é a própria alma de Fargo: a policial Molly Solverson, uma espécie de Columbo perdido nos cafundós de Minnesota, muito mais inteligente e aguda do que todo mundo acha que ela é – um riff em cima do papel criado na tela por Frances McDormand.

Fiquei ao saber que Hawley assinou por dois anos com o canal FX. Com certeza muito boas coisas virão. Que tal mais Fargo?

 


Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

 

 

game-of-thrones-season-4

De volta a Los Angeles em plena modorra pós-prêmios, pré-pipoca, quebrada apenas por dois escândalos de natureza sexual: as alegações de estupro contra o diretor Bryan Singer, bem na hora em que seu novo X Men vai estrear, e aquela cena no último episódio de Game of Thrones.

Estou acompanhando  o primeiro com luvas e máscara cirúrgica , para evitar tanta poeira tóxica. O segundo é uma obra de ficção, claro – e eu já havia alertado aqui que esta temporada continha uma das cenas mais perturbadoras de toda a história da TV.  Não vou ficar falando muito por conta dos famosos SPOILERS. Mas para mim estes são os pontos principais:

–       entendo a reação aqui, nos EUA, por conta de um elemento específico – a TV  (e o cinema) sempre  usaram a violência contra a mulher quase como um cacoete narrativo, um default, e recentemente esta forma particular de violência – o estupro – tem sido usada com ainda mais frequencia.

–       O mundo criado por George R. R. Martin em sua saga é brutal como nós éramos na antiguidade e na idade média (e como, infelizmente, ainda somos, apesar de todo nosso verniz de civilização…). Dentro dos horrores já perpretados pelos personagens de Game of Thrones, a tal cena do episódio passado faz sentido.

–       Sim, a cena está nos livros mas tem uma perspectiva diferente do que aconteceu no episódio. GRRM está meio que saindo de fininho quanto às alterações que os criadores da série se permitiram fazer, mas numa coisa ele tem razão – no seu texto a cena é contada do ponto de vista de Jaime. Na série, texto e direção se colocam de fora, num terceiro ponto de vista. Seria esse ponto de vista o mais exato sobre o que realmente se passou naquele momento? (Tomando “realmente” com certa licença, claro – estamos falando de Westeros…)

De todo modo, esse bate boca me lembrou, mais uma vez, quem realmente está puxando este trem: a TV, ou aquilo que a gente costumava chamar de TV.  Este tipo de discussão, que nasce espontâneamente (e não como marketing viral…)  como resultado do eco de uma representação fictícia que cutuca problemas reais, costumava ser, aqui, algo que o cinema era em geral capaz de fazer.

Ainda hoje duas notícias importantes confirmaram o avanço da TV como quem comanda o mercado. A HBO, sempre tão ciosa com a originalidade e o controle do seu conteúdo, acaba de fechar uma parceria de distribuição exclusiva com a Amazon . Isso é a mesma coisa que, vinte anos atrás , uma produtora independente como a Miramax ou  Working Title fechando com uma Disney ou Paramount. O peso que a notícia está tendo na midia e nas conversas demonstra claramente para onde o business está indo.

E tem mais: suprindo uma lacuna que o cinema sempre tentou mas nunca conseguiu atender direito, a Netflix está anunciando sua primeira produção inteiramente em espanhol, produzida inteiramente no México, com elenco latino americano, e dirigida pelo mexicano Gaz Alazraki, responsável por um dos maiores sucessos de bilheteria en español, a comédia Nosotros Los Nobles. Ainda sem título e com estreia prevista para 2015, a série  de 13 episodios se passa no mundo do futebol profissional. Ou seja: gol de placa.

Mais TV no próximo post, com a minha nova série-obsessão…


Game of Thrones, terceira temporada: minha conversa com George R. R. Martin
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Discretamente, quase imperceptível, uma figura corpulenta e barbuda se esgueira pelas laterais do bufê de brunch, ao ar livre nos jardins de um luxuoso hotel de Beverly Hills, e se instala numa mesa de canto com um café e um prato de ovos mexidos e frutas. À sua volta fotógrafos, divulgadores e executivos da HBO circulam em torno das estrelas da série Game of Thrones como formigas em volta de um torrão de açúcar. Em sua mesa sossegada, o homem barbudo sorri : “Este é o momento deles, está certo.”

Mas na verdade sem ele este momento não existiria: o convidado silencioso do dia de imprensa de Game of Thrones é seu criador George R.R. Martin, autor da série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo que é a base da série vitoriosa da HBO e um dos seus roteiristas.

A calma em torno de sua mesa inspira uma boa conversa:

Embora seus livros sejam fantasia, eles tem muito em comum com fatos históricos, com a Europa medieval…

_Essa é a ideia. Adoro fantasia. Li todo Tolkien.  Mas também li muitos textos históricos e muita ficção histórica. Quando comecei a trabalhar nestes livros, anos atrás, meu objetivo era fundir as tradições da fantasia com as da ficção histórica, mantendo um clima mais realista, mais duro. E embora Westeros não exista, seja um país inventado, eu queria que tudo nele se passasse como na Idade Média real, e desse uma ideia clara do que era a vida diária nesse período. Porque acho que muito da literatura de fantasia não tem isso, é cheia de castelos e princesas, mas é a Idade Média da Disney.

O que está achando da série até agora?

_ Eu fico maravilhado quando vejo cada episódio da série. Eles estão realizando minha visão. É claro que há diferenças entre o que eu imaginei e coloquei na página e o que é possível realizar na série, mas isso é inevitável. O amor que David  e Dan (David Benioff e D.B. White, roteiristas, produtores e showrunners de Game of Thrones) têm pelos livros e sua dedicação em trazer a história para os espectadores mantém essa visão coesa. Eu compreendo perfeitamente o trabalho da adaptação, tenho essa vantagem porque trabalhei muitos anos em Hollywood. Durante dez anos, nos anos 80 e 90, eu trabalhei em séries de TV: Além da Imaginação, A Bela e a Fera, além de desenvolver meus próprios pilotos. Eu vi o processo pelo outro lado. Muitos autores que têm suas obras adaptadas para cinema ou TV não compreendem o processo, e por isso muitas vezes criam-se sentimentos negativos, animosidades. Minhas expectativas eram realistas, e por isso estou muito, muito feliz com o resultado.

Nesta temporada você escreveu o roteiro do episódio 7, The Bear and the Maiden Fair. Você gostaria de estar mais presente na produção da série?

_Um lado meu gostaria de estar ainda mais envolvido, mas ainda tenho dois livros enormes para terminar, para concluir a história, até 2015. Não ouso escrever mais que um roteiro por temporada.

Qual a sua visão desta terceira temporada?

_Esta temporada se ocupa de, digamos, dois terços do terceiro livro, A Tormenta de Espadas, que é onde resolvi várias coisas que eu vinha preparando desde o princípio. E onde, por causa disso, há alguns dos momentos que, eu sei, mais vão chocar e, possivelmente, enfurecer a plateia. Eu já passei por isso – quando o livro saiu, eu recebi uma chuva de emails de leitores dizendo que me odiavam, que tinham jogado o livro no lixo, que tinham queimado o livro… Eu mesmo confesso que passei muito tempo sem conseguir escrever esse capítulo. Pulei e escrevi o capítulo seguinte, até o final do livro, e depois voltei atrás e escrevi. Mas… não vou falar mais disso não porque muita gente que acompanha a série não leu os livros…

Você se ofende com esse tipo de reação?

_Não, pelo contrário. Quando eu escrevo eu estou emocionalmente investido nos personagens, e espero que meus leitores também estejam. Eu quero que os personagens sejam verdadeiros para meus leitores, que eles se preocupem com o destino deles. Essa reação é mais que natural _ é a que mostra que estou no caminho certo.

Qual é o seu personagem favorito?

_Tyrion. Na verdade, eu gosto de todos os meus personagens marginais, todos aqueles que não se enquadram na sociedade em que vivem. Tyrion, o anão. Jon, o bastardo. Danny, exilada, que perdeu tudo na vida. Arya, que age como um menino e não é considerada feminina. Brienne, que é enorme e forte e luta como um homem. Sam que é gordo e meio covarde. Eu sou muito atraído por esses personagens, pessoas que são desprezadas e precisam provar quem são e a que vieram. Para mim o heroísmo dessas pessoas é muito mais interessante do que o daqueles que ganharam tudo de bandeja.

Você está improvisando à medida em que escreve ou sabe quem vai ficar com o Trono de Ferro?

_Sei. De verdade. Mas é claro que não vou dizer. Posso dizer que muita gente vai ficar com o Trono de Ferro até o final da saga. E muita gente  vai passar pelo Trono de Ferro e morrer. Mas sim, alguém fica com o Trono de Ferro na última página do último livro, Um Sonho de Primavera. Espero que você goste. Nem todo mundo vai gostar….

 

 


Phil Spector: o último tango em Alhambra
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

É muito dificil imaginar o que realmente David Mamet estava querendo dizer com Phil Spector, o telefilme que ele escreveu e dirigiu e que estreia neste domingo, dia 24, na HBO, aqui nos Estados Unidos. O release do canal sugere uma “meditação sobre a celebridade nos dias de hoje”, mas ainda não sei bem onde estaria essa reflexão.

Em 2003, quando a garçonete/aspirante a atriz Lana Clarkson apareceu morta, com um tiro na cabeça, na mansão de Spector, em Alhambra, um subúrbio de Los Angeles, estavam bem longe os dias em que seu nome significava poder absoluto, criador de estrelas, gigante da indústria musical. Phil Spector, o filme, ocupa-se não da vasta carreira de Spector como produtor e descobridor de talentos, viga mestra do pop dos anos 1960,  influência na sonoridade de dezenas de artistas e bandas de todas as décadas, mas nas semanas de setembro de 2007, data do seu primeiro julgamento pela morte de Clarkson.

É uma obra de câmara, bem ao gosto de Mamet _ os grandes momentos, os que visivelmente  lhe interessam como dramaturgo, são os longos encontros entre Spector (Al Pacino) e a advogada Linda Kenney Baden (Helen Mirren), do seu time de defesa. O líder do time, o advogado-estrela Bruce Cutler (Jeffrey Tambor) está arrancando os cabelos que não tem: todas as evidências apontam para a culpabilidade do seu cliente. Baden, trazida às pressas de Nova York, é despachada para a mansão de Spector, na esperança de arrancar da reclusa ex-celebridade algum elemento que possa levar a um veredicto a seu favor.

Quem se lembra do que aconteceu neste primeiro julgamento sabe por onde isso vai. Mas por todos os lados possíveis não é isso que importa. Phil Spector, como uma peça de drama jurídico, levanta tantas perguntas sobre o ponto de vista de Mamet… Ele quer dizer que celebridades merecem ser julgadas de forma diferente de não-celebridades? Que ter sido um genio, um monstro sagrado do pop, torna Spector imediatamente acima de qualquer suspeita? Que pobres-coitadas como Lana Clarkson – “o pesadelo de todo homem”, diz Spector/Pacino/Mamet – devem sempre ser as primeiras suspeitas de suas próprias mortes? (Harriet Ryan, que cobriu os dois julgamentos de Spector para o jornal Los Angeles Times, tem uma análise detalhada e precisa da ótica distorcida de Mamet.)

Colocando de lado esses poréns, Phil Spector me interessou mais como um estudo de personagem, um olhar (apoiado naquele diálogo maravilhoso de que Mamet é capaz) sobre duas personalidades completamente opostas que se encontram nas circunstâncias mais bizarras possíveis e acham alguma coisa, algum caminho, alguma fresta por onde se comunicar. Baden (muito mais elegante na interpretação de Mirren do que na vida real) é uma linha reta de determinação, senso prático, lógica. Spector (que Pacino ataca com todo o entusiasmo que tem para personagens fora do comum) é um ser frágil e enraivecido, movendo-se em raciocínios circulares, eternamente assombrado por seu passado, alimentado por fantasias, fantasmas, lembranças.

Mamet constroi uma espécie de coreografia entre os dois, uma dança na qual um tem que ceder algo para poder confiar no outro. E isso é o que vale no filme, como obra dramática, além de suas falhas como interpretação dos fatos.


Heróis, vilões e o preço de ser humano: quatro lançamentos da temporada ouro
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Tanta coisa aconteceu nas últimas semanas por aqui que fiquei em super dívida com vocês… Aqui, os filmes que mais me impressionaram nesse tempo em que corri de um lado para o outro:

O conceito do presidente como herói/anti herói é comum na filmografia norte americana, atravessando praticamente todos os gêneros, do drama e thriller político à comédia romântica, rasgada e surreal (Marte Ataca!, por exemplo). É algo que dificilmente se imaginaria na produção de outros países, mas que faz sentido numa nação que elege presidentes há  237 anos, sem interrupções, ditaduras ou golpes militares.

Lincoln (em cartaz nos EUA, dia 25 de janeiro no Brasil) encontra Steven Spielberg em seu modo Amistad, refletindo sobre a história da nação norte americana, principalmente em uma de suas falhas fundamentais – a chaga da escravidão, e seus longos, dolorosos tentáculos até hoje.  Três elementos são o destaque do filme: o roteiro de Tony Kushner (Angels in America, Munique), veloz, erudito, incorporando tanto a complexidade do momento histórico (os momentos finais da Guerra Civil, a luta, no Congresso, para aprovar a lei que abole a escravidão) quanto o ainda mais complicado mundo interior do presidente; a fotografia espetacular de Janusz Kaminski, colaborador de fé de Spielberg; e o desempenho paranormal de Daniel Day Lewis como Abraham Lincoln.

Algo muito interessante aconteceu nesta colaboração: o roteiro de Kushner, centrado nos dilemas pessoais, sociais e políticos que, através de um grupo de pessoas – Lincoln, sua familia, seu braço direito William Seward (David Stathaim), o militante abolicionista Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones, genial) –  acabam impulsionando toda uma sociedade adiante, trava o impulso de Spielberg pela glamourização, pelo sentimental. E o calor passional de Spielberg ilumina e torna humano o que poderia ser um árido discurso sobre trâmites políticos na jovem nação norte-americana.

A notar: os igualmente ótimos desempenhos de Sally Field como Mary , esposa de Lincoln;  uma breve aparição de Joseph Gordon Levitt como Robert, seu filho mais velho; e James Spader, quase irreconhecível, como um antepassado de todos os lobbyistas que hoje  são a fauna mais comum de qualquer capital de Estado.

 Anna Karenina começou  como algo que, hoje, chamaríamos de novela: um folhetim encartado no periódico O Mensageiro Russo, suas oito complexas e generosas partes se estendendo de 1873 a 1877. Não é a toa que o que poderia se resumir a  um conto – mulher da alta sociedade da Russia Imperial, casada com influente político, tem um caso com um homem mais jovem e cai em desgraça —  tornou-se um vasto panorama da elite imperial, com um  15 personagens principais e mais um amplo sortimento de figuras secundárias.

Continuando seu ciclo de adoração cinematográfico-literária a Keira Knightley, Joe Wright (Orgulho e Preconceito,  Desejo e Reparação, Hanna) fez uma opção radical para sua adaptação do texto de Tolstoi: colocou  a maior parte de sua Anna Karenina (em cartaz nos EUA, dia 1 de fevereiro no Brasil) no interior de um velho (e lindo) teatro.

Como artifício dramático, é um espetáculo – Wright coloca os personagens de Tolstoi como elementos de uma grande performance pública, cada um representando seu papel no drama contínuo de uma sociedade altamente estratificada, dividida em classes hermeticamente fechadas. O artifício de transformar as coxias do teatro nas ruas de Moscou, a alta estilização da composição das cenas ( o balé dos burocratas, inspirado numa frase do texto de Tolstoi – “a burocracia é a alma da Russia”- é sensacional), o tom hiper-realista das caracterizações são empolgantes como estética.

O que se perde é a conexão emocional – Anna Karenina é uma obra linda mas fria, na qual o único ser humano parece ser o Karenin de Jude Law, atormentado entre a obrigação de agir de acordo com seu posto social e algo que pode ser, no fundo do seu coração, o pulsar de um afeto. Keira tem a estutura óssea de uma prima ballerina e a câmera está eternamente apaixonada por suas maçãs do rosto. Mas é talvez a mais gelada e distante de todos os lindos marionetes deste marzipan cinematográfico.

É um  sinal dos tempos: dois filmes se debruçam sobre a figura e a obra de Alfred Hitchcock. Um, feito para a TV (The Girl, de Julian Jarrold, para a HBO), ocupa-se de Hitch na época da realização de Os Pássaros; outro, com lançamento em circuito (Hitchcock, de Sacha Gervasi, estreia hoje nos EUA, dia 8 de fevereiro no Brasil) , é focado nos bastidores de Psicose.

E sabem qual é o melhor? O da TV. Jarrold preocupa-se em desconstruir a própria estética de Hitchcock e usar seus elementos para lançar luz nos vãos mais sombrios de sua alma, e Tobby Jones cria um Hitch de dentro para fora, organicamente e não como uma “personificação”.

Anthony Hopkins tenta fazer o mesmo em Hitchcock, mas, por incrível que possa parecer, a pesada maquiagem quase não deixa que ele trabalhe. Gervasi é um diretor simpático, responsável pelo delicioso documentário Anvil! The Story of Anvil. Mas me parece muito peso-leve para atacar um assunto complexo como Hitch. Trabalhando com um orçamento reduzidíssimo e apenas 35 dias de filmagem, ele criou um pequeno filme divertido que, ironicamente, teria sido mais apropriado para a TV.

Hitchcock oscila entre drama e comédia, aproximando-se da complicada mente do diretor mas temendo aprofundar-se em seu labirinto. Seus melhores momentos são os que comentam os eternos absurdos da indústria cinematográfica, a luta de Hitch para realizar seu projeto, as bizarras negociações com executivos e censores.

É interessante ver os dois lado a lado, em ordem cronológica – Hitchcock primeiro, The Girl em seguida. Alfred, o homem e o gênio, provavelmente não é nem nem outro.  Mas quem, décadas depois de sua passagem entre nós, pode ainda despertar tantas perguntas sem resposta?

E finalmente – eu não poderia deixar de comentar Skyfall.  O primeiro filme adaptado dos livros de Ian Fleming – 007 contra o Dr. No, de 1952 – trazia um conceito revolucionário no gênero “ação”: o espião como herói.  James Bond era um efeito colateral da guerra fria – até então, espiões, quando apareciam, eram sujeitos sórdidos, traiçoeiros, nada confiáveis. Um mundo em que conflitos passavam a ser, eles mesmos, secretos e indefinidos, abria espaço para que a atividade obscura fosse, enfim, heróica.

Mais de meio século depois, o impasse era: o que fazer com um ícone que já não parecia ter utilidade num mundo de guerras via bombardeios teleguiados, vírus pela internet e satélites-espião?

Trabalhando com um roteiro a três , mas principalmente do ótimo John Logan, Sam Mendes ataca o dilema de frente. Em suas mãos, o Bond de Daniel Craig é antes de mais nada um signo, um elemento dramático a ser composto como parte de lindos, elaborados panoramas visuais, de Xangai à Escócia. Humanos mesmo são o vilão Silva de Javier Bardem, e a extraordinária mãe-coragem M, de Judi Dench, lados opostos nessa dança mortal pelo controle de um mundo, na verdade, incontrolável.

 


Missing, Girls: as garotas só querem se divertir
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

A TV sempre foi uma mídia que compreendeu a força da plateia feminina. Em seus primórdios, a ideia de que estava transmitindo para um público feminino cativo – literalmente, em suas casas, enquanto os maridos trabalhavam e etc na rua – deu forma à sua primeira programação. Agora, quando a TV e as mulheres estão em toda parte, a telinha tornou-se um território onde o poder feminino floresce alegremente. No cinema, com raras e preciosas exceções, personagens femininos ainda são acessórios e facilitadores das narrativas dos heróis masculinos. Na TV elas podem ser o que quiserem.

Ashley Judd, por exemplo, aparentemente quer ser uma action hero. Quietamente, a ex-musa indie criou um conjunto de obra com aventuras, perigos, socos e pontapés de dar inveja a qualquer Jason Statham: Beijos Que Matam, Na Teia da Aranha, Crimes em Primeiro Grau, Risco Duplo. Nada mais natural que ela levasse essa inclinação perigosa também para TV, num dos poucos segmentos (a ação) onde as mulheres ainda estão em minoria.

Confesso que quando vi os primeiros três episódios de Missing,  a série  criada por Gregory Poirier (Tesouro Perdido: Livro dos Segredos) produzida e estrelada por Judd (no ar pela ABC desde 15 de março), fiquei mais exausta que empolgada. Judd é Becca Winstone, uma agente da CIA aposentada, que volta à ativa por conta própria quando o filho Michael (Nick Eversman) é sequestrado em Roma. O modelo claro da série é a franquia Bourne: Becca passa a maior parte do tempo correndo e lutando, lutando e correndo, com bandidos, Interpol e a própria CIA se alternando no seu encalço e na sua mira. É estafante.

Num vôo de ambição raríssimo na TV aberta, ela corre e luta por várias locações europeias, mudando de roupa mais que Madonna durante um show. E tem que decidir  – ó céus – entre o marido Sean Bean e o ex-namorado Adriano Giannini, que tem o hábito de pesquisar na internet sem camisa. Não se pode dizer que o visual não é apurado.

Comecei a me interessar mais por Missing quando a série passou a focar o filho sequestrado, e a tecer tramas mais profundas conectadas com o passado de Becca. A história fica mais suculenta, com mais substância além das correrias. E se eu já tinha respeito por Judd por ocupar tão seguramente o espaço da ação em nome das mulheres, depois do seu muito divulgado texto sobre a objetificação do corpo feminino na mídia ela ganhou minha total admiração.

Não há nada de épico em Girls, a nova série produzida por Judd Apatow que a HBO estreou nese domingo, a não ser os épicos fails de sua anti-heroína Hannah, vivida por Lena Dunham (que também escreve, dirige e co-produz a série). A referência imediata – citada claramente no primeiro episódio – é Sex and the City; mas as quatro amigas (Dunham, mais Allison Williams, Jemima Kirke e Zosia Mamet (filha de David Mamet) são muito mais jovens e muitíssimo mais desorientadas do que Carrie e suas companheiras. SATC era sobre ambições, objetivos, aspirações e seus choques com a realidade _ as vezes dolorosos, as vezes hilários. O quarteto de Girls não tem nem ambições a ambições além de um estágio que algum dia venha com algum tipo de salário, pais que possam continuar pagando mesada ao infinito, e não-namorados que possam fornecer sexo quando não se tem nada melhor para fazer.

Quem gostou de Tiny Furniture, o filme indie também escrito, estrelado, produzido e dirigido por Dunham, vai receber melhor o estilo passivo-agressivo de Girls, suas personagens que se julgam com direito a tudo mas não têm energia para correr atrás de coisa alguma. Pessoalmente, admiro em Girls sua franqueza, a candura sem mistérios com que aborda a sexualidade feminina, e sua visão das personagens como pessoas inteiras, e não como “tipos”.

A autocomplacência das personagens, contudo, transborda para toda a estética da série _ e, embora eu queira muito que ela dê certo, não sei se tenho paciência para esperar…


E lá se vai 2011, parte I: o ano do triunfo da TV. De novo.
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Foi um ano estranho. A platéia foi uniformemente subestimada, a linha de montagem empurrou um monte de continuações, franquias, 3D vagabundo e super-heróis sem nenhum carisma.

Como, em compensação a TV deu surras homéricas no cinema, começo por ela minhas listinhas do que me falou ao coração em 2011:

  1. Breaking Bad (AMC) Simplesmente a série melhor escrita, atuada, filmada e dirigida do momento.
  2. Mildred Pierce (HBO) Quanto vale a vida de uma mulher? Todd Haynes e Kate Winslet voltam às origens literárias do melodrama mais copiado de todos os tempos.
  3. Game of Thrones (HBO) Ainda não gosto das perucas, mas que bela adaptação da ficção política de George R.R. Martin.
  4. Homeland (Showtime) A agonia de ver e ser visto na era da paranóia. Atuações maravilhosas.
  5. Enlightened (HBO) A mais delicada e complexa exploração de todo o espectro das emoções humanas que vi recentemente na TV.
  6. Boardwalk Empire (HBO) O caminho da danação nunca foi tão interessante desde os Sopranos.
  7. Downton Abbey (PBS) Como aprendemos a viver no século 20, pelo microcosmo da família.
  8. The Walking Dead (AMC) Começou maravilhosamente, teve uma barriga ali pelo meio, mas nos deixou todos roendo as unhas até fevereiro.
  9. Cinema Verite (HBO) O primeiro reality show revela porque somos viciados na vida alheia
  10. The Killing (AMC) Não fosse aquele final safado estaria bem mais para cima desta lista.

A loucura da compaixão e outras lições dos finais de The Killing e Jogo de Tronos
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

 

Duas séries importantes deste primeiro semestre encerraram suas temporadas de estréia ontem, com resultados bem diferentes: uma, The Killing, me deixou extremamente frustrada; a outra, Jogo de Tronos,  confirmou os altos padrões de concepção e execução que são sinônimos da HBO.

The Killing sofreu do mesmo problema que assombrou outra série da AMC, Rubicon: uma promessa constante de grandes mistérios e revelações que , no final, não se sustenta. A maioria das séries deste nível é planejada minuciosamente antes do início das filmagens, mas os primeiros 13 episodios de The Killing pareciam, muitas vezes, uma improvisação livre em torno do tema “quem matou Rosie Larsen?”

Vamos dar pontos positivos ao desenvolvimento dos personagens que o ritmo da série possibilitou: é raro ver, na TV, as reais consequências, sobre toda a familia, de uma morte súbita e violenta. E mais pontos pelo clima noir-com-chuva, não visto na telinha desde os tempos de Twin Peaks, de saudosa memória.

Mas eu achei o final uma bela tirada de tapete, vocês não concordam? Mais uma falsa resolução, mais um mistério encaixado na última hora, mais um gancho para ver se é possível prender a atenção do público até a segunda temporada. Para mim não funcionou, pareceu coisa feita sem pensar, sem planejar, sem honrar os compromissos com o espectador que já havia investido tanto nas promessas da série.

Jogo de Tronos é uma outra criatura. Um elemento poderoso que narrativas de época, fantasia e ficção científica tem em comum é a capacidade de comentar assuntos extremamente atuais e difíceis deslocando-os para outro lugar ou tempo. Ao colocar sua desenfreada luta pelo poder num universo  fictício, George R.R. Martin nos permite participar, sem sentir, de uma profunda reflexão sobre a natureza humana e seus diversos tombos e topadas no caminho evolutivo.

No mundo de Westeros, situado mais ou menos no equivalenea ao final da nossa idade média, os Sete Reinos tem um certo verniz de civilização: há reis e conselheiros, cavaleiros, professores, estradas e uma engenharia sofisticada o suficiente para construir um gigantesco muro como defesa contra o que sempre tememos – os outros, os que não-são-nós.

No mundo de Essos ainda estamos a poucos passos dos primatas que fomos, e a força bruta é energia predominante: o Khal que não mais pode cavalgar não mais pode liderar; a horda que estupra e escraviza está fazendo “um favor” aos vencidos.

Em ambos, contudo, o ser humano ainda não evoluiu para um plano onde questões morais mais complexas e delicadas possam ser exercitadas.  Em Essos, ao salvar a vida da feiticeira Mirri Maz Duur (Mia Soteriu), Daenerys (Emilia Clarke) tenta exercer a rara arte da compaixão _ o que, como se vê no capítulo final, leva a uma sucessão de tragédias e à pergunta-chave: “Do que você me salvou?”

Em Westeros, visitando o prisoneiro Ned Stark (Sean Bean) no episodio 9, Varys (Conleth Hill), o mestre dos espiões, chama de “loucura” a compaixão que  levou o desgraçado primeiro ministro  a comunicar à rainha Cersei (Lena Headey) a descoberta de sua longa conspiração_ causando, assim, a morte do rei Robert (Mark Addy) e, finalmente, a sua própria.

Seguindo fielmente o primeiro volume da série Uma Canção de Gelo e Fogo – com pequenas alterações que, na verdade, facilitaram a compreensão da história – os roetiristas David Benioff e David B Weiss mantiveram o foco nessa profunda discussão moral que é a essência da saga. Porque estamos num mundo claramente imaginado, as questões podem ser apresentadas assim, de modo puro, sem firulas.

E mantendo sempre seu poder como entretenimento, amplificado por magníficas interpretações (Peter Dinklage como Tyrion Lannister é meu favorito) e por valores de produção de tela grande.

Foram 10 ótimos episódios para responder à pergunta da estréia da série – “você sabe por que está morrendo?” – e nos deixar com água na boca para a segunda temporada, no primeiro semestre de 2012.

Eu só ainda não gosto nas perucas.

E vocês, o que acham?