Blog da Ana Maria Bahiana

Categoria : Encontros estelares

Confissões de um homem muito estranho: uma conversa com Guillermo del Toro
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Ana Maria Bahiana

guillermo-del-toro_Fotor   Alguns dias atrás passei uma tarde excepcional com uma pessoa que admiro muito: Guillermo Del Toro. Desde Cronos, em 1993, Del Toro me impressionou como um olhar e uma voz originais e únicas, ao mesmo tempo extremamente culta e radicalmente pop, com uma pegada visual que estava fazendo falta no gênero fantástico. Tudo o que Del Toro fez depois confirmou minhas suspeitas. Ainda bem. Na véspera da estréia norte-americana de The Strain –a  adaptação épica dos três livros que Del Toro escreveu com Chuck Hogan – Del Toro me deu o prazer de uma longa conversa sobre terror, cinema, sua coleção de memorabilia e as três casas que mantém aqui em Los Angeles para abrigar toda a sua tralha, mais mulher e duas filhas.  (Devo acrescentar que Del Toro está, neste momento,  em adiantada pré-produção de Crimson Peak, thriller de terror  gótico sobre casas mal assombradas estrelado por Jessica Chastain, Charlie Hunman e Tom Hiddleston, e que estreia aqui em outubro de 2015….) Alguns momentos bacanas do papo: Você começou sua carreira  na TV, no México, e agora está aqui na TV dos Estados Unidos – como, aliás, vários de seus colegas diretores. A TV está mesmo passando por uma Era de Ouro? _ Eu acho a TV um dos lugares mais interessantes, criativamente, hoje, para se trabalhar. Uma coisa que amo na TV é a possibilidade de mudar o tom da história de temporada para temporada, de desenvolver profundamente os personagens, de criar e explorar quantos arcos narrativos quisermos. E não estou nem falando de algo experimental _ estou falando de um canal pago ou mesmo aberto. Você não precisa correr para desenvolver seu personagem – você não precisa nem mexer nele nas primeiras quatro horas de uma série! E num filme você tem duas horas para fazer tudo! Para quem escreve, como eu, é uma proposta irresistível – hoje podemos ser muito mais audazes, mais ousados, e ainda sim atingir uma grande plateia. Não me espanta que muitos de meus colegas, diretores como Alfonso Cuaron, David Fincher e Steve Soderbergh estejam trabalhando para TV. É onde as coisas interessantes estão acontecendo. Você se policiou ou se restringiu quando adaptou seus livros para a TV? _Eu não sou muito bom em termos de me policiar ou me restringir… Mas até eu achei que alguns trechos dos livros eram pesados demais para serem mostrados… perturbadores demais. Então deixei de fora. Se algo é extremo demais – mesmo numa série que é cheia de momentos extremos – isso pode interferir com a apreciação de toda a história. Ler é uma coisa, ver é outra. Algo excessivo pode passar a ser repugnante, visualmente. E isso sou eu falando – eu que nunca tive medo de coisas repugnantes!

Del Toro e uma parte muito pequena de seu "terrário".

Del Toro e uma parte muito pequena de seu “terrário”.

Como você se define? _ Sou um cara muito estranho. Eu fui um menino muito estranho, e agora sou um homem muito estranho. Adoro minha coleção de monstros, meus kaiju, meus anime, meus posters. Moro numa casa normal com a minha familia mas trabalho nas minhas duas casas anormais onde tudo isso está reunido. E me sinto feliz como um lagarto num terrário. Eu sempre me achei um lagarto. Se você põe um lagarto num shopping, ele vai ficar apavorado, perdido. Mas num terrário ele está bem feliz e contente. Esse sou eu. Você diz isso porque gosta do terror e do fantástico? _Não… é porque eu sou estranho mesmo, e sei disso. Sou obcecado pelo terror e pelo fantástico desde garoto, mas sempre busquei algo diferente nele. Sempre procurei ler tudo sobre o assunto, ver todos os filmes possíveis. Mas quando eu crio, eu sei que estou pegando uma tangente. Estou indo por um outro caminho. Sou igual a um taco com caviar e um pouco de ketchup e mostarda por cima. Nem todo mundo vai gostar de mim, mas é como eu sou. Qual o diretor de cinema fantástico que você mais admira? _Tem muitos… Terror é uma coisa tão pessoal… é tão pessoal quanto comédia… o que faz uma pessoa rir pode dar nojo em outra pessoa… Terror é assim também.  O que eu acho apavorante e genial e sublime outra pessoa pode achar medíocre, e não se impressionar nem um pouco. Admiro muitíssimo John Carpenter. Acho um diretor ousado e maluco que nunca foi devidamente apreciado. Ele é fantástico, inteiramente avant-garde. O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982) é absolutamente incrível! É fantástico! E no entanto foi massacrado quando estreou… Por isso eu digo que sou estranho mesmo… Se você quiser ler sobre o lado literário da minha conversa com Guillermo del Toro, ela está aqui.


Túnel do tempo: retrato das estrelas quando jovens
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Ana Maria Bahiana

A equipe de arquivistas da Associação de Correspondentes Estrangeiros em Hollywood, à qual pertenço, está fazendo um trabalho maravilhoso, localizando, recuperando e catalogando o material de fotografias e depoimentos que se estendem por décadas e mais décadas e, até agora, estavam em caixas empilhadas no depósito da nossa sede. Coisas sensacionais estão aparecendo, e em breve estarão no nosso site. Algumas me despertaram deliciosas memórias de primeiros encontros, descobertas. Por exemplo:

 

Leonardo Di Caprio, novembro de 1993, piscina do Beverly Hilton, depois da entrevista para Aprendiz de Sonhador, de Lasse Halmstrom. Em abril do mesmo ano Leo tinha dado sua primeira entrevista organizada pela Associação, para O Despertar de Um Homem, e nem eu nem meus colegas conseguíamos parar de falar nele. Um talento óbvio, extraordinário. Leo estava meio nervoso nas duas entrevistas, talvez porque sua mãe, Irmelin DiCaprio, estivesse no fundo da sala.

Sandra Bullock, maio de 1994, Beverly Hilton. Um ano antes eu a tinha visto entrar, às gargalhadas, nas costas de um assistente de produção no set de um daqueles filmes acaba-com-tudo do Sylvester Stallone, o apropriadamente intitulado Demolition Man, onde ela era uma substituição de última hora para outra atriz que torcera o pé. Agora, um ano depois, Sandra estava literalmente  na véspera do estrelato _ três semanas depois desta entrevista estrearia Velocidade Máxima e ela se tornaria, oficialmente, a Namoradinha da América. O que mais me chamou a atenção: a simpatia. Que não mudou ao longo desses quase 20 anos.

Robert Downey Jr., novembro de 1992, corredor do Beverly Hills Hotel, depois da entrevista para Chaplin, de Richard Attenborough. Era uma fase difícil para Robert Downey Jr. Algum tempo depois todo mundo saberia de seus problemas com bebida e drogas, mas naquele final de tarde era óbvio que alguma coisa estava profundamente errada com ele. Robert chegou atrasado, começou a entrevista atrasado e demorou um bocado até engrenar num papo que fizesse sentido. A chave foi focar o assunto em Charles Chaplin, um personagem que ele claramente tinha abraçado e que, pelos motivos que sabemos agora, compreendido perfeitamente.

Tim Burton e Johnny Depp, dezembro de 1990, depois da entrevista para Eduardo Mãos de Tesoura. Minha segunda entrevista com Tim, minha primeira entrevista com Johnny, uma das minhas primeiras como integrante da Associação. Burton tinha me impressionado tremendamente com Beetlejuice, dois anos antes, e me intrigado com Batman, em 1989. Eduardo me comoveu profundamente, e ainda é um dos meus filmes favoritos da década. A sintonia entre ele e Johnny era óbvia_ os dois pareciam se conhecer há muito, muito tempo, e já completavam as frases um do outro, como fazem até hoje.

 

Todas as fotos, HFPA/Archives.


Entre o fascismo e a compaixão: O Mestre por Paul Thomas Anderson
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Ana Maria Bahiana

Muitos e muitos anos atrás, quando Paul Thomas Anderson era o inacreditavelmente jovem (29 anos) diretor lançando seu terceiro longa- o poderoso Magnolia, até hoje um dos meus filmes favoritos de qualquer época – eu lhe fiz uma pergunta que teve um resultado inédito em minha longa carreira de conversas com pessoas criativas: ele desatou a chorar.

A pergunta era sobre algo que, para mim, parecia claro como o dia: que sua obra tinha como um de seus temas fundamentais a familia, fosse ela por sangue, escolha ou acaso. A explosão emocional se explicava pela intensidade de Magnolia, na qual, entre outros fios narrativos, ele comentava a morte recente (por câncer) de seu pai, Ernie Anderson, uma estrela menor mas super cult do rádio e da TV, e um homem com uma vida tão intensa e multi-facetada quanto qualquer personagem dos filmes de seu filho.

Ernie Anderson

Pais e filhos, familias consanguíneas ou inventadas continuaram a povoar a obra de Paul Thomas Anderson, e são um dos riffs centrais de O Mestre, que estreia hoje no Brasil. Além do comentário sobre a criação de uma “tecnologia psicológica”  que, como PTA confirma aqui, é inspirada no nascimento da Cientologia e seu “mestre”, o escritor de ficção científica L. Ron Hubbard, O Mestre é mais uma história de familias reais e inventadas : um homem à deriva (Joaquin Phoenix), vagando por um país onde não consegue se ancorar, em busca de algum sol que possa orbitar; e uma figura carismática (Philip Seymour Hoffman), um pater familias por excelência, cada vez mais fracionado pelo peso de suas múltiplas responsabilidades.

Numa ensolarada tarde de outono em Los Angeles, PTA conversou (sem lágrimas) sobre familias, música, os anos 1950 e Cientologia.

 O que inspirou você a fazer um filme sobre o início dos anos 1950?

_Foi um período inebriante na história dos Estados Unidos, uma época de grande prosperidade e poder como o país ainda não tinha visto. Os anos 1950 são como uma força da gravidade para mim : eles me atraem, prendem minha atenção.  Eu não sinto a mesma coisa por, por exemplo, filmes que se passam na Inglaterra medieval. Eu gosto de ver filmes assim, me divirto,mas eles não me prendem como qualquer coisa que se passe nos anos 1950 me prende. Alguma coisa nessa era, a música, os automóveis, o modo como as pessoas se vestiam… isso é como um alimento para mim. É lindo, é adorável. É a época do meu pai, ele cresceu ouvindo muito da música que usei no filme. Os detalhes desse tempo me parecem mais ricos.  As músicas também.

 

Em todos os seus filmes a música tem um papel muito importante. Como você escolheu as canções que fazem parte de O Mestre?

_Escolhi cada canção do filme com enorme cuidado, exatamente pelo que elas acrescentavam a cada cena. As canções dos anos 1950 são quase todas sobre ‘vamos nos ver novamente’, ‘um dia você vai voltar’, ‘vejo você nos meus sonhos’, ‘vamos nos encontrar algum dia’.  São letras elegantes de um modo como letras de canções não são mais. São canções de guerra, de tempos de separação, e me pareceram extremamente adequadas ao que, para mim, é o caso de amor sem saída entre o Mestre e Freddie. Especialmente “Slow Boat to China”, que é uma escolha muito importante do Mestre. Eu ajudei o Mestre a escolher, é claro mas… a letra faz tanto sentido para mim.

 

O Mestre é uma figura extremamente contraditória. Como você o concebeu?

_ Existem duas ideias que são atraentes para mim na figura do Mestre. Há uma tensão entre essas duas ideias que foi a base de todo o roteiro. Uma é a ideia do pavor do fascismo, consequencia direta da guerra. Qualquer grupo de pessoas em torno de alguém carismático era visto como uma ameaça em  potencial, um perigo. A outra é a natureza complexa do próprio Mestre. Eu não acho que, pelo menos no princípio, ele seja egoísta. Acho que ele está genuinamente interessado em ajudar as pessoas, mas na medida em que essa ideia se torna cada vez maior e maior e maior fica cada vez mais difícil controlar o que ele está realmente fazendo. As pessoas não querem mais apenas que ele proponha perguntas interessantes, mas que dê as respostas. E quando ele começa  a dar respostas, ele mentalmente vai para um outro lugar muito mais perigoso, onde ele acha que precisa controlar tudo à sua volta…e sem que ele perceba ele cai no modelo fascista de líder.

O Mestre é L. Ron Hubbard (o criador da Cientologia)?

_ Ele tem muita coisa de Hubbard. Não tenho o menor receio de dizer isso. Muita coisa mesmo. Mas é engraçado que, quando eu fiz Sangue Negro, que era inspirado numa pessoa, Edward Doheny, ninguém me perguntou sobre a conexão, ninguém se importou, ninguém conhecia Doheny. E lá como neste filme há muitas semelhanças e um monte de diferenças, mas este tópico desperta a atenção das pessoas. No caso de O Mestre, há muita semelhança física entre Philip Seymour Hoffman e L. Ron Hubbard. Muitas das ideias que Hubbard divulgou no início de seu trabalho com Dianetics estão no filme ,  principalmente a ideia de que é possível acessar vidas passadas onde ocorreram traumas que podem estar prejudicando sua vida no presente. Suas atividades com seus primeiros seguidores também são muito semelhantes.  Por outro lado, Hubbard não bebia. E eu não tenho a menor ideia de como era sua vida privada _ nessa hora é preciso que o escritor em mim assuma controle da narrativa e crie meu próprio personagem.

 

 Você pertence à Cientologia?

_ Não.  Não é meu jeito me filiar a coisa alguma. Tenho medo de me ligar a uma única coisa, uma ideia. Sou feito um ladrão – gosto de pegar ideias e conceitos aqui e ali que podem me ajudar. Mas li Dianetics e, numa época da minha vida, o livro me ajudou muito. Uma ideia especialmente me agrada muito: de que somos espíritos eternos movendo-nos de um corpo para outro. Acho uma ideia incrivelmente repleta de esperança. Quer dizer que quando você morre você não está morto, apenas indo para outro lugar.

 

Foi por isso que você fez este filme?

_ Foi uma das razões, sim. Na verdade toda vez que começo a trabalhar num filme eu tenho essa  vontade de que o projeto seja algo inteiramente novo, algo que nunca fiz antes. E você termina o projeto e vê que na verdade todas as suas preocupações estão lá, de um modo ou de outro. Eu não faria um filme sobre algo que eu achasse banal. Obviamente a ideia de uma figura carismática como o Mestre, a dinâmica entre suas ideias e o mundo à sua volta é algo que me interessa. Minha curiosidade sobre as ideias que inspiraram Hubbard e seu tempo guiou o projeto. Eu só consigo escrever sobre algo que me deixa curioso.

 

Muitos anos atrás, na época do lançamento de Magnolia, eu fiz uma pergunta a você que o deixou muito emocionado. Posso repeti-la?

(Sorrindo)_ É, eu me lembro. Pode sim.

 

Então lá vai: a familia parece ser um tema central de sua obra. Por que?

_ Eu mesmo estou nesta busca. Como disse, toda vez que me proponho a começar um novo trabalho, eu quero fazer algo que nunca fiz antes. E toda vez que concluo o projeto eu vejo que alguns temas são constantes. E eu ainda não sei por que. O que sei é que familias são um excelente condutor para uma história. É um tema que está em toda a história da dramaturgia, familias em luta, familias em crise…. É sempre um assunto apetitoso. Eu venho de uma familia muito, muito numerosa e esse universo sempre foi uma parte essencial de quem eu sou. O que exatamente, que parte é essa… ainda é um misterio para mim. Mas um mistério que vale a pena explorar…


Minha conversa com Steven Spielberg, parte 2: “Andy Serkis é um gênio.”
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Ana Maria Bahiana

No set com Jamie Bell e Andy Serkis: "Mocap liberta o ator e o diretor"

No capítulo anterior de As Aventuras de Steven Spielberg: O Segredo do Segredo do Licorne, aprendemos como Indiana Jones levou nosso herói até Hergé, e como um bilhão de pessoas viram o nascimento da parceria com Peter Jackson.

Na segunda parte desta conversa – realizada no Hotel George V de Paris, no dia seguinte à estréia mundial de As Aventuras de Tintim : O Segredo do Licorne, no fim de semana passado – Spielberg fala do processo criativo atrás do filme  e conta qual seu tipo favorito de cachorro.

 

Uma vez que você e Peter acertaram a parceria, qual foi o elemento mais complicado de resolver no projeto Tintim?

_Fora a parte financeira? Porque a parte financeira foi muito, muito difícil, principalmente porque queriamos um comprometimento para uma série de no mínimo três filmes, e queríamos roda-los um depois do outro, como Peter tinha feito em Senhor dos Anéis. Isso não foi possível mas, dividindo custos e riscos entre Paramount e Sony nós conseguimos finalmente um compromisso para três filmes, de forma que, enquanto rodávamos o primeiro, já podíamos estar desenvolvendo e fazendo story boards do segundo.

Criativamente, precisamos inventar nosso próprio sistema de trabalho. Com tudo o que o próprio Peter já tinha feito e tudo o que eu mesmo tinha feito como produtor de animação na Amblin e na DreamWorks, ninguém tinha feito algo assim. Fomos aprendemos com 60 animadores incríveis, mais 300 ilustradores e artistas visuais e os três roteiristas, durante dois anos de preparação e três de produção.

Você definiria Tintim como animação?

_ Sim. Ele é 85% animação e 25 % de alguma outra coisa meio mágica que começa com  a captura de performance. É animação, mas é uma outra categoria de animação. O estilo, o traço, a visão de Hergé foi nossa inspiração básica e predominante. Tínhamos grandes ampliações de alguns dos quadrinhos dele – aqueles grandes ambientes que ele desenhava como ninguém – e aquilo nos guiava tanto no planejamento das sequências quando no próprio roteiro.

"O Capitão Hadoque É Andy Serkis"

Você acha que é preciso mais reconhecimento para o trabalho dos atores em filmes de captura de performance?

_Com toda certeza. Para os diretores é uma tecnologia que liberta a imaginação. E para os atores é, com certeza, uma experiência ainda mais libertadora : eles podem ser qualquer coisa, e a tecnologia está inteiramente a serviço do seu talento, do desempenho pessoal, único, de cada um. Não é possível que esta tecnologia substitua os atores _ o que torna esses personagens interessantes é que eles SÃO os atores. Tintim É Jamie Bell. O Capitão Hadoque É Andy Serkis. Aliás: Andy Serkis é um gênio. Não há outra palavra para descrever o controle que ele tem sobre cada nuance de sua performance, e como ele sabe atuar em sintonia com a tecnologia. Ele se transforma. Ele é uma pessoa tranquila, doce, simpática. Mas quando ele se transformava em Hadoque… dava medo! Eu não queria ter que ficar na frente dele num daqueles acessos de fúria…

Tintim e Milu, "o melhor cachorro com quem trabalhei"

E evita problemas como, por exemplo, ter que dirigir um cachorrinho…

_ Milu foi o melhor cachorro com quem já trabalhei. Uma maravilha! Fazia tudo o que pedíamos, nunca tinha crises e saía correndo para seu canil, não pedia biscoitos, não fazia xixi no equipamento… Ele foi inteiramente animado, é claro. Em pequenas coisas assim você pode ver porque estou sorrindo tanto com esta experiência _  porque esta tecnologia é a grande aliada do diretor, o modo mais exato de dar controle completo ao diretor.

Qual seu livro favorito da série Tintim?

_Humm…. Não vou dizer não. Porque quero que seja o terceiro da trilogia e prometi a  Peter que não falaríamos publicamente sobre ele. Nem sobre  o segundo, aliás. Me pergunte daqui a dois anos.

E quanto à reputação de Hergé como racista e anti-semita?

_Eu não faria este filme se comprovasse que ele foi anti-semita. Pesquisei muito e hoje tenho certeza de que não, ele nunca foi anti-semita. É claro que há um de seus livros- Tintin no Congo– que ele mais tarde repudiou, pediu desculpas e que nem eu nem Peter temos a menor intenção de chegar perto. Ele era um ser humano e, como qualquer ser humano, fez erros. Mas nem por isso deixa de ser genial.


Minha conversa com Steven Spielberg: “Às vezes estou na platéia, às vezes atrás da câmera”
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Ana Maria Bahiana

Em 1993 Steven Spielberg pôde mostrar ao mundo os dois lados do seu trabalho: o de mestre do universo pipoca com O Parque dos Dinossauros, e, com A Lista de Schindler o de realizador preocupado com questões de importância em sua vida.

Este ano o fenômeno se repete _ em rápida sequência, as platéias verão o Spielberg pop de As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne e o Spielberg “sério” de Cavalo de Guerra. “São dois pontos de vista”, Spielberg diz numa ensloarada manhã de outono em Paris, depois da dupla estréia internacional de Licorne, em Paris e em Bruxelas. ” No Parque, nos Indiana Jones e em Tintim eu estou sentado na plateia. Em filmes como Schindler, Amistad, Resgate do Soldado Ryan e, agora, Cavalo de Guerra eu estou atrás da câmera e nem estou pensando se alguém vai aparecer para ver o filme.”

Um ponto de vista não é mais importante que outro, Spielberg diz _ apenas diferentes e complementares.

Na primeira parte desta conversa – que se estendeu além dos 20 minutos regulamentares, a pedido do próprio Spielberg- ele fala sobre Hergé, a parceria com Peter Jackson e a importância de ser pai .

Dá para compreender por que você esperou tanto tempo para finalmente realizar Tintim – ainda não existia a tecnologia necessária. Mas por que você nunca desistiu?

_Porque comecei a ter filhos. E pude ver, um após outro, como as histórias de Hergé, que eu tinha começado a colecionar em 1983, tinham o mesmo apelo para eles que para mim. Isso manteve minha fé no trabalho de Hergé.

Mesmo levando em consideração que as crianças mudaram muito nestes  quase 30 anos?

_ Crianças estão sempre abertas para novas experiências. Eles gostam de videogames, certo, mas também gostam de ir ao cinema. E eu também! Aprendi com eles – adoro videogames e continuo apaixonado por cinema…. Acho que há espaço para tudo, hoje…

 

Hergé e Tintim, no Centro de Histórias em Quadrinhos de Bruxelas

Como foi seu primeiro contato com as histórias de Hergé?

_ Quando o primeiro Indiana Jones foi lançado eu não parava de ouvir  e levar comparações com um tal de Tintim, Tintim… Fui ver o que era, comprei meu primeiro livro – As 7 Bolas de Cristal– e me apaixonei instantaneamente. Nem tinha acabado de ler e já estava comprando todos os outros. Em 1983, Hergé e eu conversamos longamente ao telefone. Eu me lembro que fiquei impressionado com o vigor e o entusiasmo na voz dele, ele parecia alguem muito mais jovem…. Combinamos de nos ver em Bruxelas dentro de duas semanas… e jamais nos encontramos, porque ele faleceu antes do nosso encontro… E qual não foi minha supresa, quando estava em Londres filmando Indiana Jones e o Templo da Perdição, de receber uma ligação de Fanny, sua viúva, me convidando para ir a Bruxelas. Passei um fim de semana inesquecível, conhecendo o estúdio de Hergé, tocando os originais de Tintim… eu soube naquele momento que, de um modo ou de outro, um dia eu faria um filme com aquela inspiração…

Dupont e Dupond: no set, Spielberg e Jackson

E como você e Peter Jackson firmaram a parceria que ia tornar isso realidade?

_ Você viu quando eu e Peter nos encontramos pela primeira vez… você e mais um bilhão de pessoas! Foi quando eu entreguei o Oscar a ele por Senhor dos Anéis- O Retorno do Rei. Nossa amizade começou ali… e quando ele me disse que era fã de Tintim, vi logo que ali estava a parceria ideal _ eu tinha ficado impressionadíssimo com o que a WETA tinha feito no Senhor dos Anéis. O que eu não sabia é que, além de talentosíssimo, ele é a pessoa mais interessante que conheci na minha vida, ao mesmo tempo distraidíssimo e super concentrado, inteligente, culto e vivendo num mundo só dele, com um senso de humor super agudo. Em todo o tempo em que trabalhamos juntos, jamais discutimos, jamais divergimos. A maioria de nosso trabalho se dava numa janela de duas horas diárias em nos falávamos pela tela do computador. Eu ficava ansiosíssimo por aquelas duas horas, das três às cinco, horário de LA. Era a hora mais divertida e produtiva do meu dia: duas horas com algumas das mentes mais originais e criativas do mundo discutindo como criar algo novo. Desde ET – que foi minha produção favorita- eu não me divertia tanto.

No próximo capítulo: aventuras em mocap e por que Andy Serkis dá medo.

 

 

 

 

 


Uma conversa com Andy Serkis: “Nunca me importei com minha cara, quero me perder nos personagens”
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Ana Maria Bahiana

Quando, nos idos de 1998, os avanços da tecnologia digital de imagem se encaminhavam para o inevitável – a manipulação do desempenho dos atores a serviço da criação de personagens virtuais – a maioria da classe ficou entre o pânico e a fúria. Na contramão da revolta, Andy Serkis, inglês de origem armênia com uma longa carreira no cinema e TV britânicos (inclusive no ótimo Topsy Turvy-O Espetáculo, de Mike Leigh), resolveu investigar o suposto monstro.

“Eu compreendo que muitos atores não tenham gostado e ainda não gostem dessa opção”, Serkis diz numa manhã de verão em Los Angeles, claramente cansado de tanto promover Planeta dos Macacos-A Origem, mas igualmente animado ao discutir seu trabalho nele. “Para eles, ter seu rosto na tela é essencial para o trabalho que fazem, é como eles se expressam. Mas eu nunca me importei com minha cara, e sim com os personagens que interpreto. Ter mais uma ferramenta para me perder nos personagens me pareceu irresistível.”

Três anos depois Serkis estava na tela, irreconhecível, como Smeagol/Gollum no primeiro filme da trilogia O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson. Foi o início de uma colaboração tão produtiva que Serkis mudou-se parcialmente para a Nova Zelândia, mantendo uma casa em Wellington só para ficar próximo do quartel general da WETA Digital _ para quem continuaria sendo Gollum e, em 2005, o Kong do King Kong de Jackson. A mais nova colaboração de Serkis com a WETA, o Capitão Haddock de Tintin e o Segredo do Licorne, estreia mundialmente em dezembro.

Com Planeta dos Macacos- A Origem nas telas brasileiras  é mais fácil conferir o enorme de talento de Serkis como Caesar, o chimpanzé que, aos poucos, adquire inteligência e sensibilidade humanas  (ou ,seria melhor dizer, uma alma?). Aqui, o ele tem a dizer sobre a experiência, os macacos e viver plenamente um outro ser.

 


Você teve uma inspiração individual para Caesar?

_ Tive. Além de toda a pesquisa que venho fazendo com primatas desde King Kong eu me inspirei diretamente em Oliver, um chimpanzé que foi muito popular nos anos 1970 porque andava sempre em duas patas e exibia uma série de comportamentos que podíamos chamar de humanos. Na época ele foi promovido como “o elo perdido”  e a própria comunidade científica acreditou nessa possibilidade e submeteu Oliver a várias experiências. Quando se comprovou que ele era apenas um primata inteligente e, possivelmente, treinado, ele foi abandonado e posto numa jaula. Para mim ele é o centro do personagem Caesar: um inocente que, gradualmente, toma consciência do mundo à sua volta.

 

Existe alguma técnica específica para o trabalho com captura de desempenho (mocap)?

_Muitos atores ainda acham que é preciso ser exagerado, fazer uma performance carregada, uma pantomina, para render bem em mocap. Minha experiência me diz o contrário: a tecnologia é perfeitamente capaz de captar os movimentos mais sutis dos músculos, dos nervos. O desempenho precisa ser o que todo desempenho deve ser: sentido de dentro para fora, com integridade absoluta, fiel à verdade do personagem. Com mocap não dá para fingir. Se existe uma técnica específica para o desempenho em mocap é ser preciso. A precisão rende os melhores resultados.

 

Como a técnica em si evoluiu nessa década em que você trabalhou em mocap?

_ Eu me lembro que no Senhor dos Anéis o trabalho teve que ser em duas etapas: uma primeira em que trabalhei contracenando com outros atores num set normal, e depois a parte da captura, que foi separada, num estúdio menor. E no fim tivemos que refazer várias tomadas onde havia closes de Gollum, para que a sincronicidade fosse perfeita. Era mais um trabalho de animação, e os animadores tinham que criar expressões faciais para o Gollum a partir do que havíamos filmado. Em King Kong já tínhamos marcadores faciais, e eram eles que guiavam a “marionete digital” _ todas as expressões faciais de Kong eram, literalmente, as minhas expressões, direto do meu rosto.

No Planeta do Macacos todos os equipamentos estavam mais leves e portáteis e a tecnologia muito mais ágil. Podíamos trabalhar como um grupo de atores, contracenando, inspirando-nos pelas atuações dos outros, respondendo aos movimentos, interagindo, e tudo era captado. Mais que isso: podíamos usar o mesmo processo em sets vivos, em locações, dando muito mais campo para trabalharmos com objetos, com reações diretas ao ambiente.

 

Seu trabalho como ator muda de um filme “normal” para um filme mocap?

_Não… ser ator é ser ator. Não tem diferença para mim. Ser ator é conscientemente se perder em outra pessoa, outro ser. Não faz diferença se esse outro ser é (o punk rocker) Ian Dury (que Serkis interpretou em Sex and Drugs and Rock n Roll, de 2010) ou Caesar em Planeta dos Macacos-A Origem. O trabalho é sempre achar a verdade do personagem, entrar em sua mente, procurar sua fisicalidade e construir emocionalmente o personagem, de dentro para fora. Nunca faço distinção entre  um trabalho ao vivo e um trabalho mocap.

 

Deveria haver uma categoria nos prêmios para atuações mocap?

_Não sei. No fim das contas, todas as interpretações são interpretações humanas, conduzidas pelo ator. Se a interpretação é mostrada, em última forma, realistica ou estilizadamente, isso não altera o essencial, que é o trabalho do ator. Animação, mocap são apenas ferramentas. O que as anima é o espírito do ator.

 


Uma conversa com Mel Gibson: “Dor é pré-requisito para o crescimento”
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Ana Maria Bahiana

Uma coisa eu sei sobre Mel Gibson: ele é extremamente volátil, uma personalidade complicada que pode estar sorrindo e brincando numa hora e explodindo minutos depois. Entrevistei Mel exatamente 18 vezes, começando com  Conspiração Tequila em 1989. Algumas vezes ele era um bom papo, brincalhão, amável. Outras vezes era um grosso, agressivo, especialmente se o entrevistador era mulher ou tinha um sotaque que revelava que o inglês não era sua primeira língua. Numa entrevista ele quase chorou contando seu velho problema com a bebida (na época ele estava sóbrio, e agradecia à paciência da então esposa, Robyn Moore). Em outra, pediu um prato de comida e respondeu todas as perguntas mastigando, a boca semi-aberta, comida caindo pelos cantos.

Colegas australianos que o conhecem de mais longa data dizem que ele sempre foi um homem com problemas – bebida, uma relação complicada com o pai – mas  que essas variações de humor se agravaram na mesma medida de sua fama e poder.

Nesta tarde de primavera em Los Angeles, Mel Gibson está em sua melhor forma como um cavalheiro, bem humorado e até contido. Ele entra na sala privada do hotel de luxo cercado por pelo menos uma dúzia de assistentes e divulgadores. Apesar da cordial jovialidade, há uma tensão palpável no ar: esta é a primeira entrevista de Gibson desde a tempestade que cercou sua separação da segunda mulher, Oksana Grigorieva e abalou, talvez para sempre, sua reputação na industria.

Com três décadas de tração no cinema, da Austrália a Hollywood, Gibson sabe perfeitamente o que está em jogo com Um Novo Despertar. Além de sucesso ou fracasso (o filme não foi bem de bilheteria nos EUA, e recebeu críticas mistas), o filme representa um pequeno passo na direção de… bem.. um novo despertar.

As sincronicidades entre filme e vida não param aqui.  Vigiado de perto pela tal entourage, Gibson usa seu personagem no filme do mesmo como como o personagem usa o fantoche: para falar, na terceira pessoa, daquilo que é complicado demais para ser dito.

Com um personagem intenso como Walter Black, onde você foi buscar referências para interpretá-lo?

_Imediatamente ele me pareceu um depressivo grave.  O que não acho que eu sou mas…. Todos nós temos altos e baixos. Todos nós somos afetados pelos mesmos elementos de estresse que este planeta oferece e, principalmente, que outras pessoas nos causam. Então pensei que era pegar isso…e… colocar numa escala maior. Conheço pessoas que, de tão deprimidas, não conseguem sair da cama. Letargia é um modo de expressar o desespero em que elas se encontram. É como elas expressam seu sofrimento interior.

Você utilizou algum incidente ou incidentes em sua própria vida como base?

_Alguns… e também coisas das vidas de outras pessoas… amigos… inimigos… É tudo uma vasta experiencia humana, não é mesmo? Tantas pessoas passam por isso… acho que é um tema adequado para um filme, explorar soluções…

No set de "Um Novo Despertar", com Jodie Foster e o castor

O que você faz quando passa por um estresse dessa ordem?

_ Hummm… massagem… massagem nos pés… acupuntura…. Não acredito em medicamentos. Acho que não são a solução. Para mim a solução é sempre espiritual.

Numa entrevista recente você disse que não se importa se jamais tiver que trabalhar como ator. Por que?

_ Eu gosto do trabalho de ator. Sou grato a ele. Mas a verdade é que já gostei muito mais. É uma relação diferente que tenho com o trabalho, hoje. Vendo jovens atores como Anton (Yelchin, que faz o filho de Walter Black no filme) eu me lembro de como eu era nessa idade, com 20, 21 anos. A atenção aos detalhes, o entusiasmo pelas menores coisas…. 35 anos depois você tem uma relação diferente com o ofício. É mais sobre a história que você está contando. Você se despe da auto-indulgencia. Seu foco passa a ser fazer as coisas com competencia, do modo mais verdadeiro possivel. Mesmo quando você está fingindo.

Por isso você se dedica tanto ao seu trabalho como diretor?

_ Em grande parte, sim. É o que mais me empolga, hoje. Eu sou uma pessoa séria. Eu adoro esta industria. Adoro estar envolvido na arte colaborativa que é o cinema. Hoje eu sinto uma satisfação muito maior quando estou do outro lado da câmera, participando da mesma experiência. De certa forma estou mais envolvido pessoalmente com histórias que são importantes para mim quando eu trabalho como diretor.

Por que as pessoas sofrem tanto, apanham tanto, são tão torturadas nos seus filmes?

_ A dor é um pre-requisito para o crescimento. É isso, só isso. Veja qualquer filme que você gosta: é alguem passando por um tormento, alguma luta. Há sempre algo perturbador acontecendo. É isso que faz uma boa história. Não sou só eu… bom… é… talvez eu coloque esses elementos de um modo diferente…

Se você não fosse ator, o que você seria?

_Um chef. Estou falando sério. Super sério. Sei cozinhar qualquer coisa. Às vezes tenho 50, 60 pessoas lá em casa e cozinho verdadeiros banquetes para todas elas.

 

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Uma conversa com Duncan Jones: “Sci Fi é um modo de abrir mentes”
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Ana Maria Bahiana

Michelle Monaghan e Jake Gyllenhaal em Contra o Tempo...

...e Duncan Jones no set.

Um homem acorda num trem e não sabe quem é. Sua derradeira lembrança é estar numa missão de combate sobre o Afeganistão, no comando de uma aeronave militar, seus companheiros de tropa a bordo, fogo inimigo cerrado a seu redor. E agora uma moça bonita conversa com ele sobre trivialidades de trabalho com um vago ar de intimidade e flerte, enquanto uma passageira derrama café no seu sapato e o condutor anuncia que o destino final é Chicago.

Estes são os emocionantes 10 minutos de abertura de Contra o Tempo (Source Code, estreando hoje nos EUA, dia 17 de junho no  Brasil), o primeiro filme de Duncan Jones desde o sucesso  de Moon e sua estreia no esquema grande produção hollywoodiana. Contra o Tempo é um roteiro original do estreante Ben Ripley, desenvolvido sob medida para ser estrelado por Jake Gyllenhaal no papel do piloto, Colter Stevens.

Poderia ter sido complicado e frustrante – para Duncan Jone e para a plateia – mas não é. É imensamente humano, intrigante – em grande parte porque, como Jones relata aqui, descobrimos juntamente com o protagonista o que está se passando, cada nova descoberta adicionando uma camada nova de mistério, de urgencia, de tragédia. Revisitando um território que já atravessou em Donnie Darko, Gyllenhaal mostra-se um excelente companheiro de aventuras para Jones, cúmplice em sua mistura bem calibrada de suspense, humor e drama.

De passagem por Los Angeles para promover o filme, Duncan Jones sentou-se no pátio  ensolarado de um hotel de luxo e contou um pouco sobre seu caminho de “filho de David Bowie” a “diretor cult”, suas crises de identidade, seu amor pelo cinema em geral e ficção cientifica em particular – e como fazer homenagens a Ray Harryhausen com Smurfs e uma câmera super 8 operada por… David Bowie…

Contra o Tempo não é um roteiro seu _ por que você aceitou dirigi-lo?

_ Porque eu vi que podia acrescentar alguma coisa. Quando Jake me deu o roteiro, eu imediatamente gostei do material, a temática se alinhava com meu ponto de vista. Mas era um pouco pesado, muito sério, todo mundo se levava a sério demais. Faltava leveza. Se injetarmos humor, pensei, isso vai ajudar a plateia a acreditar na tecnologia. Jake concordou imediatamente. Ben Ripley pesquisou a fundo para escrever o roteiro e por isso ele focalizou tanto nos detalhes científicos, explicando muito como o “source code” funciona. Isso é importate para ele, como roteirista, eu compreendo perfeitamente. Mas para meu trabalho como diretor o mais importante é que a plateia abrace inteiramente, sem restrições, o conceito. E para isso eu não precisava dar uma aula, tinha que engaja-los pelo lado humano, e o humor é muito eficiente para isso,

O que pelo contrário atraiu você, sem pedir modificação?

_ O ritmo. De cara eu amei o ritmo da narrativa. A quantidade de pistas possíveis e como elas brincam com nossos preconceitos e ideias. O modo como o espectador adivinha situações e aprende o que está se passando no mesmo ritmo que Colter. Isso é muito importante para qualquer filme que tenha um elemento de thriller, de mistério.

É interessante como, mesmo não sendo um roteiro seu, Contra o Tempo continua a discussão de identidade e auto-reconhecimento que você levantou em Moon

_ Acho que é um dos assuntos que mais me interessa: a ideia de identidade, a pessoa que você é e a pessoa que os outros vêem. Acho que todo mundo algum dia se preocupou com isso em algum momento de suas vidas. Eu passei por isso tremendamente no final da minha adolescencia e nos primeiros 20 anos, tentando descobrir quem eu era e qual era meu lugar no mundo. Eu parecia destinado a ser uma coisa e percebi que… não era verdade. Eu era outra pessoa.

Que pessoa era essa que você deveria ser?

_ Eu estava cursando universidade e, depois, pos-graduação com o objetivo de ser professor de filosofia. O que obviamente eu não sou. Demorou muito tempo para eu aprender que aquele não era meu camiho, e as vezes lamento o tempo perdido. Mas, ao mesmo tempo, esse aprendizado e essa experiencia me fizeram a pessoa que sou hoje, capaz de me ocupar de outras formas da questao da identidade.

O tema da identidade também é central na obra de seu pai, que a discutiu de muitos modos em sua obra. Ele ajudou você neste periodo de dúvida?

_ Ajudou tremendamente. Ao longo de sua carreira ele viu muitas pessoas decolarem e despencarem e esse exemplo marcou muito o modo como ele encara a carreira dele, e como ele pode dar apoio à minha. Acho que minha sorte também é que nunca fui do tipo ultra-social, super-popular. Sempre fui um geek estudioso e preocupado com o trabalho. Ser ultra-social pode ser um perigo quando se está desorientado na carreira. Aí seim você se perde, perde todo o seu tempo fazendo nada e, possivelmente, metendo-se em encrencas.

Seu pai influenciou sua carreira?

_ No sentido de pai para filho, sim.  O trabalho dele é algo que sempre admirei e sempre respeitei imensamemte, mas acima de tudo ele é meu pai, e sua influencia é naquilo que ele me mostrou, nas experiencias que me proporcionou. Eu fui apresentado  a Stanley Kubrick porque meu pai não parava de ver Laranja Mecânica quando eu tinha 8 anos… e era provavelmente jovem demais para isso… E minha paixão por ficção cientifica vem dos livros que meu pai me deu, George Orwell e John Wyndham..

Quando você descobriu que queria ser diretor?

_Uma coisa eu sabia: que não ia ser músico. Nunca fui nada musical… Meu pai e eu brincávamos de fazer filmes desde que eu era moleque. Ele é fã de Ray Harryhausen e me mostrava os filmes dele. Tentávamos fazer o mesmo com uma velha câmera super 8 e meus bonequinhos de Guerras nas Estrelas e  Smurfs, nossa versão de animação stop-motion… Isso rapidamente se tornou um hobby pra mim, o hobby que me ocupava mais na faculdade que meus próprios estudos…

Qual é o poder da ficção científica, para você?

_É a capacidade de colocar várias hipóteses na nossa frente de um modo que podemos aceitar aquilo que, de outra forma, nos pareceria impossível ou até mesmo ridículo. É o modo mais perfeito para desafiar a plateia a aceitar coisas muito diferentes de suas próprias vidas, a rever seus conceitos, a abraçar o estranho, o improvável. É um modo de abrir mentes.


Minha conversa com James Cameron:”Se eu não fizesse cinema, seria um cientista”
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Ana Maria Bahiana

Vamos primeiro ao que mais interessa: Avatar 2 e 3 estão neste momento em pre-produção, para serem filmados em sequencia  e “completarem o arco da história, dentro do formato de uma trilogia.” E não, ele não vai filmar nenhum deles no Brasil – “os cenários são praticamente todos virtuais, vamos filmar num galpão qualquer” – mas quer levar integrantes do elenco e da equipe à Amazônia, para conhecer os kaiapó e “uma verdadeira questão de conflito ecológico “ – a construção da usina de Belo Monte, a que Cameron se opõe veementemente.

Além disso, Cameron está perfeitamente feliz com Santuário (Sanctum) o primeiro filme que ele assina como produtor desde o mega-sucesso de Avatar, e que estréia hoje (sexta dia 4) em todo o mundo. “O objetivo deste projeto não era criar algo novo em termos de tecnologia, mas mostrar que era possível fazer um espetáculo envolvente de ficção sem ter que gastar 300 milhões de dólares “, ele diz – bronzeado, em forma, tranquilo, tomando chá gelado numa tarde de fim de semana em Los Angeles. “Eu estava em pós-produção em Avatar enquanto eles filmavam Santuário, e tinha toda confiança na capacidade de Andy (Wight, produtor de Santuário e dos documentários de Cameron) e Alister (Grierson, diretor do filme) para resolver o que eu sabia que seriam tremendos problemas de realização de um projeto assim _ atores mergulhando, filmagens debaixo d’água, iluminação na água..”

Os 20 minutos de conversa rendem bastante:

O que você pode contar sobre Avatar 2 e 3?

_ São uma continuações naturais da história, modos de explorar completamente o universo de Pandora… e além. Eu tenho esse problema constantemente na minha carreira: eu invento uma coisa antes de ser capar de realizá-la. Aí tenho que correr para criar a tecnologia necessária para tornar real o que eu imaginei… Avatar foi o caso mais dramático, o projeto que eu vivia adiando porque a tecnologia ainda não existia. Agora este problema está resolvido: a equipe técnica está composta, a tecnologia foi testada e aprovada. Não vamos precisar gastar aquela fortuna para criar os personagens, e além disso todo mundo já fala na’vi… (ele ri)… Meu foco é continuar a história dos personagens de Zoe Saldana e Sam Worthington e, ao mesmo tempo, trazer novos personagens e novos ambientes em Pandora e além.

O projeto está em que etapa?

_ Estamos neste momento trabalhando com a equipe técnica criando novos softwares, aprimorando a sequência de produção. Estamos criando um novo estudio virtual que provavelmente estará completamente operacional em outubro ou novembro. Ainda estou trabalhando  nos roteiros e ainda não começamos o processo de design. Isso vai ser deslanchado logo a seguir, com o trabalho nas novas criaturas. A ideia é fazermos os dois filmes num único processo de produção, o que se convencionou chamar back-to-back.

Se você não fosse um homem de cinema, o que seria?

_ Um cientista, um engenheiro ou um explorador, provavelmente. Ou talvez um artista plástico, já que sei pintar e desenhar. Se eu pudesse ser todas essas coisas ao mesmo tempo, eu seria. O mais próximo que cheguei disso foi ser diretor de cinema…

Que outros diretores você admira?

_ Do passado, os pioneiros, dos anos 30 e 40, os que encararam e resolveram as primeiras questões do cinema. Os rebeldes dos 60 e 70, principalmente Coppola, que teve um impacto enorme em mim pela audácia, pela determinação de  seguir plenamente sua visão. Hoje tenho grande admiração por pessoas como Robert Rodriguez e Zack Snyder, que estão abordando o cinema com olhos novos e mudando rapidamente todas as regras. E visionários como Chris Nolan.

O que você tem a dizer sobre os comentários de Walter Murch sobre a ineficácia do 3D como ferramenta narrativa?

_ Respeito muito Walter mas ele está errado. Simplesmente errado. Pode ser que não funcione para ele, e quem sou para julgar o que ele sente ou não. Mas ele não pode estender essas conclusões para o público em geral.  O fato do 3D ter sido aceito tão maciçamente como foi não depende de mim ou do fato de que, como realizador, o 3D me interessa como modo de expressão. Os espectadores experimentaram, gostaram e adotaram. É um fenômeno impulsionado pelo mercado.

A câmera Fusion 3D Cameron/Pace em ação no tanque-set de Santuário

Mas existe 3D e 3D…

_ … e é o que venho dizendo desde sempre! E tem muito realizador teimoso que não quer escutar! Não adianta converter. Não adianta fazer 3D como uma ideia posterior ao filme, ah, vamos por um 3D aí para atrair mais público. O 3D tem que ser pensado como parte da narrativa, e parte da questão é _ esta é uma narrativa que pode se beneficiar do 3D?  É o mesmo problema trazido pela cor ao longo da história do cinema – meu filme é melhor em cor ou pb? Entre os meus favoritos estão duzias de filmes pb, assim como dezenas de filmes cor. Cada um é genial por seus proprios motivos. O público sabe. O público de hoje, principalmente o público que cresceu na era digital, com games, com animação digital, sabe o que é bom 3D, bem usado, e o que  é 3D vagabundo.

Obviamente você não acredita que o digital e o 3D vão matar o cinema como forma de expressão criativa e inteligente?

_ Desde que faço cinema eu ouço que o cinema vai morrer. Quando eu comecei, era o video cassete que ia matar o cinema. Mas sobrevivemos a ele, sobrevivemos ao DVD, sobrevivemos ao streaming, à pirataria, a tudo isso, e continuamos indo em frente. Há algo muito especial sobre ver cinema e não é apenas o aspecto comunitário, o fato de estarmos todos juntos numa sala escura compartilhando uma experiencia. O cinema oferece algo profundamemte humano que é a capacidade de nos perdermos numa narrativa e, dessa forma, reforçarmos o que é humano em nós.