Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Tim Burton

Túnel do tempo: retrato das estrelas quando jovens
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Ana Maria Bahiana

A equipe de arquivistas da Associação de Correspondentes Estrangeiros em Hollywood, à qual pertenço, está fazendo um trabalho maravilhoso, localizando, recuperando e catalogando o material de fotografias e depoimentos que se estendem por décadas e mais décadas e, até agora, estavam em caixas empilhadas no depósito da nossa sede. Coisas sensacionais estão aparecendo, e em breve estarão no nosso site. Algumas me despertaram deliciosas memórias de primeiros encontros, descobertas. Por exemplo:

 

Leonardo Di Caprio, novembro de 1993, piscina do Beverly Hilton, depois da entrevista para Aprendiz de Sonhador, de Lasse Halmstrom. Em abril do mesmo ano Leo tinha dado sua primeira entrevista organizada pela Associação, para O Despertar de Um Homem, e nem eu nem meus colegas conseguíamos parar de falar nele. Um talento óbvio, extraordinário. Leo estava meio nervoso nas duas entrevistas, talvez porque sua mãe, Irmelin DiCaprio, estivesse no fundo da sala.

Sandra Bullock, maio de 1994, Beverly Hilton. Um ano antes eu a tinha visto entrar, às gargalhadas, nas costas de um assistente de produção no set de um daqueles filmes acaba-com-tudo do Sylvester Stallone, o apropriadamente intitulado Demolition Man, onde ela era uma substituição de última hora para outra atriz que torcera o pé. Agora, um ano depois, Sandra estava literalmente  na véspera do estrelato _ três semanas depois desta entrevista estrearia Velocidade Máxima e ela se tornaria, oficialmente, a Namoradinha da América. O que mais me chamou a atenção: a simpatia. Que não mudou ao longo desses quase 20 anos.

Robert Downey Jr., novembro de 1992, corredor do Beverly Hills Hotel, depois da entrevista para Chaplin, de Richard Attenborough. Era uma fase difícil para Robert Downey Jr. Algum tempo depois todo mundo saberia de seus problemas com bebida e drogas, mas naquele final de tarde era óbvio que alguma coisa estava profundamente errada com ele. Robert chegou atrasado, começou a entrevista atrasado e demorou um bocado até engrenar num papo que fizesse sentido. A chave foi focar o assunto em Charles Chaplin, um personagem que ele claramente tinha abraçado e que, pelos motivos que sabemos agora, compreendido perfeitamente.

Tim Burton e Johnny Depp, dezembro de 1990, depois da entrevista para Eduardo Mãos de Tesoura. Minha segunda entrevista com Tim, minha primeira entrevista com Johnny, uma das minhas primeiras como integrante da Associação. Burton tinha me impressionado tremendamente com Beetlejuice, dois anos antes, e me intrigado com Batman, em 1989. Eduardo me comoveu profundamente, e ainda é um dos meus filmes favoritos da década. A sintonia entre ele e Johnny era óbvia_ os dois pareciam se conhecer há muito, muito tempo, e já completavam as frases um do outro, como fazem até hoje.

 

Todas as fotos, HFPA/Archives.


10 filmes para o Natal
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Ana Maria Bahiana

O filão “filme de Natal” é uma coisa bem típica do cinemão comercial norte-americano que muito cedo descobriu o poder agregador de histórias temáticas aconpanhando o ciclo do ano – férias, primeiro dia de aula, dia dos namorados, verão, Dia de Ação de Graças, ano novo, etc e tal.

A maioria, infelizmente, é muito chata. Mas como você, igual a mim, tem que sobreviver aos festejos natalinos com seu bom humor razoavelmente intacto, aqui vão 10 sugestões entre meus favoritos que, de uma forma ou de outra (mais de outra, como se verá) incorporam o tema:

  1. O Estranho Mundo de Jack (dir. Henry Selick, 1993) Sempre imitada, jamais igualada incursão pelo lado do avesso das festas. E para ficar no mesmo universo…
  2. Eduardo Mãos-de-Tesoura (dir. Tim Burton, 1990) Ainda o filme definidor da sensibilidade e da visão de Tim Burton. Quando Eduardo faz nevar na suburbia de Los Angeles, eu fico sempre engasgada.
  3. Férias Frustradas de Natal (dir. Jeremiah Chechik, 1989) É grosso, politicamente incorreto e gloriosamente idiota. Mas nunca falha em me fazer rir. E é uma tradição de festas na minha familiazinha.
  4. A Felicidade Não se Compra  (dir. Frank Capra, 1946) Esse não pode faltar. É tudo o que o cinemão americano tem de melhor, em sua fase de ouro: descaradamente sentimental, desoudiradamente otimista, impecavelmente executado.
  5. Natal dos Muppets (dir. Richard Donner, 1992) Os Muppets! Richard Donner! Charles Dickens!
  6. Gremlins (dir. Joe Dante, 1984) Os mogwais entortam uma cidade-cartão-postal neste delírio cartunesco do tempo em que Joe Dante era Joe Dante.
  7. Feliz Natal (dir. Christian Carion, 2005) O episódio abordado de passagem em Cavalo de Guerra – a espontânea trégua de Natal em plena Primeira Grande Guerra- em toda a sua complexidade política e social. Não exatamente o seu “filme de Natal”.
  8. Simplesmente Amor (dir. Richard Curtis, 2003) Sim, é tão sentimental que  quase dá dor no dente de tanto açúcar. Mas as vezes a gente precisa acreditar que esse tal de amor existe. E tem Colin Firth! E a trilha sublime de Craig Armstrong!
  9. Papai Noel às Avessas (dir. Terry Zwigoff, 2003) A sensibilidade torta do nosso número 3 torna-se mais amarga no século 21. E Zwigoff é o diretor do documentário sobre Bob Crumb… e de Ghost World…
  10. Expresso Polar (dir. Robert Zemeckis, 2004) Tom Hanks ainda parece um fantasma dele mesmo, e os humanos estão mais para zumbis que para seres vivos, mas as paisagens são fantásticas.

Boas festas e bons filmes para vocês!


Frankenweenie: Tim Burton volta para casa
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Ana Maria Bahiana

 

No fim da rua Evergreen, no subúrbio de Burbank, em Los Angeles – onde estão, entre outras empresas do meio, as sedes da Disney e da Warner – existe um cemitério chamado, sem ironia, Valhalla.  Timothy William “Tim” Burton, filho mais velho do casal Bill e Jean Burton (ele ex -jogador de beisebol, ela dona de casa), cresceu nessa rua e, em suas próprias palavras,  a impecável normalidade suburbana dos anos 1960 era muito mais assustadora para ele que seu vizinho fúnebre.  Burton, na verdade, encontrava paz e sossego passeando de bicicleta pelo cemitério — o mesmo conforto que sentia vendo antigos  filmes de terror na TV.

A juxtaposição da imutável ordem do subúrbio californiano sobre o pavor e a solidão do menino tímido que encontrava refúgio nos filmes e séries de terror da TV (numa interessante coincidência, uma dessas séries era apresentada pelo pai de Paul Thomas Anderson, Ernie Anderson) é o veio mais profundo do talento de Tim Burton. Quanto mais ele se aproxima dessa rica fonte pessoal, mais completas e brilhantes são suas obras.

Em 1982, depois de cursar a prestigiosa Cal Arts com uma bolsa oferecida pela própria Disney (seus colegas eram, entre outros, John Lasseter, Brad Bird e Henry Selick), Burton foi contratado para o departamento de animação do estúdio.  Trabalhou em Tron e O Caldeirão Mágico, e ofereceu um primeiro curta para consideração do estúdio: o altamente autobiográfico Vincent, sobre um menino solitário que sonha ser o ator Vincent Price.

A Disney ficou dividida – o controle e a inventividade do jovem diretor eram óbvios, mas a estética era um tanto sombria para o estúdio. Mesmo assim, bancaram o segundo projeto de Burton: um curta estrelado por Shelley Duvall , Daniel Stern e o menino Barret Oliver, sobre um garoto solitário num subúrbio impecável e a profunda amizade que o une a um cachorrinho de trágico destino.

O curta, intitulado Frankenweenie, deveria estrear nos cinemas em dezembro de 1984, parte do relançamento do longa de animação Pinóquio.  Em vez disso, o projeto foi arquivado e, pouco depois, Burton foi despedido do departamento de animação da Disney.

Frankenweenie, 1984

O resto, como se costuma dizer, é história. Mas é importante conhecer as origens do lindo, poético, sensacional longa stop motion com  o mesmo título – Frankenweenie—que estreia hoje nos Estados Unidos (e dia 2 de novembro no Brasil), lançado precisamente pela Disney. E não apenas porque, vinte e oito anos depois, Tim Burton tornou-se um diretor superstar e a Disney, que detinha os direitos do curta, viu-se levada à óbvia necessidade de reconhecer isso. Mas principalmente porque, de muitos modos diferentes, Frankenweenie é uma volta para casa para Burton: a volta à animação stop motion, uma de suas primeiras paixões (como muitos de sua geração, ele é cria do mestre Ray Harryhausen); a volta aos impulsos de inspiração que o levaram a fazer o curta; e, consequentemente, a volta ao menino que ele foi, tímido, inteligente, solitário, buscando conforto nos lugares mais estranhos – um cemitério no fim da rua, filmes de terror estrelados por Vincent Price na TV.

 

E, como agora Burton é pai também, ele tem a tripla vantagem de rever sua obra pela perspectiva da criança, do adulto e do fã de cinema. Frankenweenie é um filme perfeito  de todos esses ângulos.

A história continua a mesma: o garoto Victor Frankenstein, do aprazível subúrbio de New Holland, em algum lugar dos Estados Unidos, inspira-se nas aulas de ciência da escola (ministradas pelo sensacional Professor Rzykruski, uma grande criação conjunta de Burton, do roteirista John August e do talento vocal de Martin Landau) para resgatar das garras da morte o único ser com quem tem algum vínculo emocional—o cachorrinho Sparky.

Sim, é o Frankenstein de Mary Shelley – o filme original de James Whale, de 1931, é referenciado amplamente, e há uma inesquecível tartaruga chamada Shelley no meio da história – mas é também um amálgama carinhosíssimo de todos os filmes de terror que  formaram o cineasta  e o menino Tim Burton. Cinéfilos atentos vão se divertir imensamente com as múltiplas referências aos clássicos do terror, e, quem sabe, novos Tim Burtons na plateia terão sua curiosidade despertada.

Mas, além disso, Frankenweenie tem ,em sua essência, um enorme coração, atento a um dos mais delicados ritos de passagem da infância: o contato com a morte, em geral através da perda de um querido bicho de estimação (no caso de Burton, o poodle Pepe, sua inspiração para Sparky). Existe uma dose justa e equilibrada de susto e conforto em Frankenweenie, fruto, quem sabe, de uma compreensão dupla, como o menino que foi e o pai que hoje é, da complexidade da alma infantil.

É muito bom ver Tim Burton voltar para casa tão profundamente, tão alegremente, tão seguro de si. Há muito tempo eu não via num filme seu tamanha sinceridade, tamanha entrega, um desejo tão claro de colocar sua rigorosa estética – e como são lindas a animação e a fotografia de Frankenweenie !– a serviço de uma ideia que ele abraça tão completamente, sem reservas.

Tim, bem vindo de volta. É quase Halloween em Burbank, o cemitério Valhalla está em festa.

 

 


Depp, Burton, perdidos nas Sombras da Noite
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Ana Maria Bahiana

Existe um elemento que pode matar – ou pelo menos ferir gravemente- um filme antes mesmo que o diretor tenha dado a primeira ordem de “ação”: a necessidade da plateia saber alguma coisa para poder apreciá-lo. Não importa que o material de origem seja um livro, uma hq, uma peça de teatro ou série de TV: o filme precisa se sustentar por si mesmo, e ser capaz de dialogar com a plateia por seus próprios méritos.

Infelizmente para Tim Burton e seu habitual parceiro Johnny Depp, duas coisas são necessárias para que se chegue perto de apreciar Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012): conhecer a temática e a estética da série Dark Shadows, exibida pela rede norte americana ABC entre junho de 1966 e abril de 1971; e saber, nem que seja de passagem, como era a cultura pop do ano da graça de 1972.

Sem saber uma coisa ou outra, Sombras da Noite é uma gloriosa aula de direção de arte, um estudo no uso da cor, figurinos e ambientes de cena, interrompido de vez em quando por uma piada, em geral nos lábios muito roxos de Johnny Depp na pele do vampiro Barnabas Collins, ejetado sem cerimônia do final do século 18 para a alvorada da década de 1970.

Não há uma narrativa consistente,  que nos envolva e nos deixe comprometidos com a história _ nem a história da familia Collins (liderada pela matriarca Michelle Pfeiffer, linda) , descendente do vampiro mas ignorante de sua existência, nem a história de Barnabas, perdido num século que não compreende. O tom do filme oscila brutalmente: as vezes flerta com o gótico e o terror, às vezes cai na comédia, às vezes arrisca piscadelas irônicas que a plateia, frequentemente, não tem como entender (“mamãe, o que é um hippie?”, ouvi a menina ao meu lado sussurrar depois de uma sequencia que, com o devido conhecimento, deveria ser hilária.)

Dark Shadows começou como um sonho de seu criador, Dan Curtis, nos idos de 1965: uma noite sombria, uma moça misteriosa num trem. Com o roteirista Art Wallace, Curtis desenvolveu a estrutura do que viria a ser Dark Shadows, e a ABC comprou a ideia. Para a época, era um conceito ousado: usando as convenções do melodrama tela-pequena, mais próximos de uma novela do que o que hoje conhecemos como série dramática, Dark Shadows injetava elementos góticos, sobrenaturais e fantásticos, acompanhando os dramas e mais dramas da família Collins e seu súbito novo/antigo parente, o vampiro Barnabas.

Décadas seguintes nos trariam Buffy, Arquivo X, Angel, True Blood, Being Human, Vampire Diaries e tudo mais, mas Dark Shadows foi pioneira. O que não quer dizer que foi uma obra prima. Pelo contrário: seus fãs, em sua maior parte adolescentes chegando da escola e vendo a série depois do dever de casa (Burton e Depp entre eles) amavam principalmente seus exageros, o bizarro refogado de novelão e sobrenatural. Dark Shadows foi uma série cultuada, mas os dois primeiro filmes que tentaram revisitar seu universo – House of Dark Shadows em 1970 e Night of Dark Shadows em 1971 – não renderam grande coisa.

Depp trouxe o projeto para Burton, e os dois colaboraram intensamente para tentar fazer um completo reboot do conceito de Dark Shadows, com total veneração peor seus elementos _ começando pela escolha de 1972 para situar a história, assinalando a intenção de continuar do ponto onde a trama tinha deixado de existir, e optando por começar o filme exatamente como o primeiro episódio da série, com a moça misteriosa no trem (aqui, ao som de “Nights in White Satin”, dos Moody Blues, excelente escolha).

O problema, contudo, é aquele lá do princípio _ sem o mesmo devotado amor e conhecimento da série, Sombras da Noite se torna um híbrido desigual, com momentos lindos e/ou hilários seguidos por longos períodos muito menos interessantes.

 Sombras da Noite estreia sexta dia 11 nos EUA e dia 22 de junho no Brasil.

 


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