Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Amy Adams

Temporada-ouro: onde estão as mulheres?
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Ana Maria Bahiana

Julianne Moore em Mapas Para As Estrelas...

Julianne Moore em Mapas Para As Estrelas…

... e em Still Alice. Um dos duelos de um ano complicado para as atrizes.

… e em Still Alice. Um dos duelos de um ano complicado para as atrizes.

A esta altura, ano passado, já tínhamos visto, todo mundo já estava certo de que Cate Blanchett seria se não a vencedora de todos os prêmios, pelo menos a favorita, aquela que as demais tinham que ultrapassar. 2013 foi um ano bom para atrizes, assim como 2012 e 2011, repleto de papéis fortes, tanto para protagonistas quanto para coadjuvantes. O difícil era escolher: Jacki Weaver ou Hallee Steinfeld? Viola Davis ou Rooney Mara? Jessica Chastain ou Emmanuelle Riva? Sandra Bullock ou Judi Dench? Isso sem nem falar nas que ganharam. Este ano, até agora, o zum zum é dominado pelos atores, desde Sundance, passando por Cannes , Telluride e Toronto. Toronto, aliás, não tem mais a força de antes – novidades poucas, e um trio de pesos-pesados – Interstellar, Garota Exemplar (Gone Girl) e Inherent Vice – decidiram esperar para entrar na disputa no Festival de Nova York, que começa neste final de semana. Mesmo com esse desconto, os principais desempenhos que emergiram de Toronto foram os masculinos: além do duelo Benedict Cumberbatch X Eddie Redmayne em cinebios de grandes cientistas britânicos, Alan Turing (The Imitation Game) e Stephen Hawking (The Theory of Everything), Paul Dano como Brian Wilson em metade de Love & Mercy, Chris Rock em Top Five, Jake Gyllenhaal em Nightcrawler (o fato d le ter perdido uns vinte quilos para fazer o papel sempre ajuda…) e Adam Driver em Hungry Hearts (premiado em Veneza). Sou completamente contra especular sem ter visto, mas a seca é tamanha que comecei a fazer um inventário de papéis com força suficiente para disparar indicações. Eu não teria o menor problema em indicar algumas boas performamces que vi no primeiro semestre: Patricia Arquette em Boyhood, Marion Cotillard em A Imigrante, Agata Trzebuchoska em Ida, Scarlett Johansson em Sob a Pele. Mas sei muito bem que não esses filmes não tem o jeitão que agrada meus colegas votantes – algo mais acessível, um tanto mais abertamente trágico, de preferência com ecos históricos, temas “de época”. Por isso não descartaria Shailene Woodley em A Culpa É Das Estrelas. Em um ano mais disputado, essa opção poderia desaparecer no turbilhão da temporada-ouro. Mas este ano…

Reese Whiterspoon em Wild...

Reese Whiterspoon em Wild…

... e Mia Wasikovska em TRacks : duas atrizes, dois filmes, basicamente a mesma história.

… e Mia Wasikowska em Tracks : duas atrizes, dois filmes, basicamente a mesma história.

Duelos previsíveis, parte 1: Reese Whisterpoon e Mia Wasikowska pelo que , sinceramente, é o mesmo papel em dois filmes diferentes – Wild e Tracks. Os dois são sobre mulheres que entram em crise e decidem fazer uma longa jornada a pé, uma espécie de peregrinação para reencontrar o sentido da vida. A Cheryl de Reese em Wild é simpática e abordável. A Lily de Mia em Tracks é arredia e antissocial. Acho que já sei quem vai ganhar essa disputa… Parte 2: Julianne Moore contra si mesma em dois papéis completamente diferentes, a atriz ambiciosa e conflituada de Mapas Para as Estrelas e a acadêmica brilhante diagnosticada com uma moléstia grave e incurável em Still Alice. Eu disse “moléstia incurável”? Então já sei qual Julianne ganha essa disputa… Outras possibilidades : Juliette Binoche e Kristen Stewart (quem diria…) em Clouds of Sils Maria; Rosamund Pike em Garota Exemplar, Alba Rorschwacher em Hungry Hearts (premiada em Veneza); Hilary Swank em The Homesman e, quem sabe, Amy Adams em Big Eyes (ainda temos fé em Tim Burton?). Mas 2014, para as atrizes, ainda é uma incógnita.


American Hustle estreia novo trailer com bóbis, pança e ELO
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Ana Maria Bahiana

Confesso: nunca fui grande fã de David O. Russell. Sempre achei que havia mais badalação do que substância no trabalho dele, e sempre fiquei intrigada com a extrema vontade de gostar  generalizada com que seus filmes são recebidos. Tendo dito tudo isso, fiquei muito bem impressionada com o novo trailer de American Hustle, o candidato de Russell à Corrida do Ouro deste ano. Só a barriga do Christian Bale, os bóbis do Bradley Cooper e a trilha com Electric Light Orchestra já estariam valendo. Mas acho que tem mais caldo nessa história….

 

 

 


Almoço do Oscar, 2013: a festa antes da batalha final
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Ana Maria Bahiana

O Presidente da Academia, Hawk Koch, põe Steven Spielberg no devido lugar na “foto de turma” dos indicados ao Oscar 2013.

Quando a Academia inventou o Almoço dos Indicados, 32 anos atrás,  a ideia era promover um congraçamento entre rivais, à sombra do inevitável: os votos já estavam lançados, os contadores faziam seu trabalho, nada mais podia ser mudado, por que não celebrar? Nas palavras da então presidente Fay Kanin, “ é apropriado que a Academia crie um evento que possa homenagear individualmente o talento de cada um dos indicados ao Oscar.”

Isso foi nas priscas eras de março de 1982,  antes das mudanças de data, antes da queda de audiência de shows de premios e, é claro, muito antes de internet, midias socias e etc.  Em 2013, o Almoço dos Indicados  está  quatro dias ANTES do encerramento dos votos – não vou jurar, mas me parece que é a primeira vez na história do premio que isso acontece—e cumpre outras funções.

A principal delas: aquecer o interesse de midia e do público. O Oscar  alterou todo o seu calendário mas continua sendo o último prêmio a ser entregue na temporada. Em outros tempos, isso era o equivalente a ser o show principal depois que um monte de bandas tinham aquecido a plateia. Numa era de informação abundante e constante como agora, estar no fim da temporada implica em ter que estar sempre lembrando que está vivo,  que é importante e que merece mais atenção do que, digamos, o mais recente video de gatos no You Tube.

As coadjuvantes: Sally Field, Amy Adams, Jackie Weaver, Anne Hathaway e Helen Hunt no Almoço dos Indicados

Não é a toa que, este ano, a Academia só não fez streaming do almoço (e acho difícil que algum dia faça – este é um dos poucos momentos de privacidade que esta elite de indicados tem durante todo o processo). Teve twitter, instagram, posts no Facebook e live blogging, focalizando bastante na presença das estrelas, detalhes do cardápio, piadas, pequenos incidentes.

 

Altos papos: Jennifer Lawrence e Hugh Jackman…

..Bradley Cooper e Christoph Waltz.

Não é a toa também que, ao contrário do que acontecia nas duas primeiras décadas do almoço, as estrelas – 17 dos vinte indicados nas categorias dramáticas!,  a Academia divulgou, orgulhosa–  compareceram em peso: este é o momento de re-aquecer também suas campanhas, lembrar ao público que, além de todos aqueles outros premios, eles estão no olho do furacão do maior de todos. E também , é claro- por favor votantes, não se esqueçam de mim.

E este também é o momento em que, ansiosamente, a cada vez maior comunidade de prognosticadores do Oscar tenta ler as entranhas da festa para lançar seus penúltimos pronunciamentos oraculares. A verdade é que os aplausos durante o almoço – no qual os indicados se levantam, um a um, para tomarem seu lugar na “foto de turma” que celebra  os escolhidos de cada ano – representam muito mais os gostos da midia presente do que os dos 6 mil votantes que, em sua maioria, não estão no International Ballroom do Beverly Hilton (ironicamente, sede dos Globos de Ouro), onde cabem, no máximo, 1.200 pessoas.

O que minha experiência me mostrou é uma ideia plantada na cabeça de alguém na hora certa pode acabar virando fato, mais adiante. Os estrategistas de campanha sabem disso muito bem e nunca tiveram uma janela mais perfeita do que esta – semear “tendências” de votos meros cinco dias antes do começo das votações!

Outra tradição do Almoço dos Indicados é o discurso dos produtores pedindo – sempre, sempre, sempre-  que os vencedores encurtem seus agradecimentos. Este ano as coisas estão indo mais adiante: os produtores Craig Zadan e Neil Meron estão investindo firme na ideia da “descontração”, e insistindo que os oscarizados não preparem discursos, sejam espontâneos, façam dancinhas, joguem beijos, chorem, tudo menos aquela lista que em geral começa com a esposa ou esposo e o agente, mais ou menos nessa ordem.

Este ano, além de descontração, talvez tenhamos um show a toda velocidade: durante o Almoço Zadan informou que ele e Meron passaram horas vendo tapes das festas anteriores do Oscar e chegaram à conclusão de que o evento tem muito tempo morto. “O show tem pausas demais quando nada acontece”, disse Zadan. “Cortamos todas elas para dar mais tempo para homenagear os indicados e vencedores. E, é claro, para os outros grandes momentos, como a homenagem a James Bond e os números musicais de Barbra Streisand, Norah Jones e Adele.”


À deriva no mar sem fim da alma: The Master, obra prima
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Ana Maria Bahiana

 

Numa cena essencial de The Master, o novo filme de Paul Thomas Anderson, Freddie Quell (Joaquin Phoenix) pergunta a Lancaster Todd (Philip Seymor Hoffman): “Quem é você?” Lancaster, que já havia afirmado ser, enganosamente, o “comandante” do barco onde os dois se encontram, responde: “Sou muitas coisas. Um escritor, um doutor, um físico nuclear e um filósofo. Mas acima de tudo um homem.Um homem como você.” Mais adiante na mesma cena, Lancaster pergunta a  Freddie, a respeito de uma garrafinha que ele carrega consigo: “O que você põe aí dentro?” E ele responde: “Segredos.”

É possível dizer que tudo o que se passa com esses dois personagens, orbitando um em torno do outro ao longo dos 137 minutos desta obra prima, está contido nesta troca.

Lancaster, o “mestre” do título (a palavra, na língua inglesa, significa tanto professor quanto senhor, dono), é um fanfarrão, megalomaníaco, carismático, falastrão, absolutamente seguro de si e das estranhas conclusões que tira do nada, como um passe de mágica, a respeito do sentido da vida e da natureza do espírito humano.  Mais da metade das definições que oferece a Freddie são mentiras, mas isso não importa para a natureza da troca que se estabelece naquele momento, e cujas inspirações e expirações, contrações e expansões são o tecido vivo da narrativa.

O ex-marinheiro Freddie, que Lancaster prontamente define como “meu protegido, minha cobaia”, é um ser partido em mil pedaços, reduzido a explosões de raiva incontida, choro profuso e inconsciência alcoólica, incapaz de determinar o que faz no mundo, à deriva entre o oceano que abre o filme e a areia da praia que o encerra. Os “segredos” que traz na garrafinha não são apenas os misteriosos elementos da fórmula que ele mesmo prepara, o elixir que usa para calar seus monstros, e que pode incluir terebentina, querosene e os produtos químicos usados  para revelar filme fotográfico.

A força de Lancaster é uma fachada que esconde fraturas tão ou mais profundas que as de Freddie. O caos de Freddie tem, em seu núcleo, um grão de uma força resoluta, um impulso para a sobrevivência que, numa outra cena magistral, o impulsiona, numa moto (roubada) em disparada rumo ao horizonte, flecha certa em busca de seu destino, contra todas as probabilidades.

 

Desta dança delicada e imprevisível entre o forte o fraco, o mestre e o discípulo, o senhor e o escravo, o caos e a ordem, a verdade e a mentira, a lucidez e a inconsciência, se faz a história de The Master. Não é o exposé da Cientologia que muitos esperavam, embora PTA tenha clara e assumidamente se inspirado nos primeiros anos da vida pública de L. Ron Hubbard, o controvertido escritor de ficção científica que fundou a seita. Como fez anteriormente com Sangue Negro –- que era um riff em cima da vida de Edward Laurence Doheny, barão do petróleo e um dos patriarcas do sul da California – PTA , em The Master, usa Lancaster e sua “escola filosófica”, The Cause, como uma base metafórica para explorar um outro elemento e um outro período da experiência norte americana.

Se em Sangue Negro Daniel Plainview/Edward Doheny/Daniel Day Lewis nos levava numa jornada pela ganância, a sede de conquista, a embriaguez do capitalismo em estado puro ocupando uma nova fronteira geográfica, o oeste, em The Master Lancaster Todd/L. Ron Hubbard/Philip Seymour Hoffman nos conduz pelo pós guerra da abundância, da paranóia, da vertigem da novidade de um mundo reconfigurado e repleto de novas ideias.

O mestre Lancaster prega o otimismo militante dos Estados Unidos dos anos 1950, a possibilidade de saber tudo, controlar tudo, remover traumas, dores, inseguranças, vergonhas, pelo simples ato de querer, pelo triunfo de uma vontade absoluta, dominando o “animalismo” de nossas pequenas vidas tortas. Lancaster está – como um de seus filhos aponta para Freddie— “inventando à medida que prossegue”, mas esta é, possivelmente, o que toda a nação está fazendo, na mesma época. No início de suas  “práticas terapêuticas”, Lancaster pede a Freddie que “recorde”. Confrontado com o poço de trevas na alma de sua “cobaia”, povoada apenas por ódio, sexo e álcool, ele muda seu comando de “lembrar” para “imaginar”. No bravo mundo novo do pós-guerra, tudo pode ser refeito pelo passe de mágica da imaginação.

Mas The Master não é a história de Lancaster, mas de Freddie, torto, ferido, quase mudo, que, como o Plainview de Sangue Negro, cortou todos os laços com o mundo dos seres humanos além do mais básico – bebida, dinheiro, sexo. Ele é o id para o superego delirante de Lancaster, a massa bruta, o impulso primal que ao mesmo tempo anseia por e rejeita a ordem, o carinho, o conforto. Lancaster acredita estar salvando Freddie mas, aos poucos, é Freddie quem insinua sua escuridão pelas frestas da fachada do Mestre, quem o ensina a rir, a beber o líquido repleto de segredos, a desejar o que não tem nome, a imaginar.

 

Numa das muitas cenas maravilhosamente compostas por PTA, Lancaster e Freddie estão lado a lado numa cadeia – o primeiro por fraude e apropriação indébita, o segundo por encher de porrada os policiais que vão prender seu Mestre. Como cada um reage ao aprisionamento nos mostra claramente a dinâmica entre eles, entre – outra frase de Lancaster – o “dragão pingando sangue dos dentes” e o “homem consciente” que o “coloca numa coleira”.

A jornada de um protagonista atormentado e fragmentado em busca de algo que possa ser seu porto seguro, sua família, é constante e essencial na obra de Paul Thomas Anderson. Cercado de acólitos e filhos de vários casamentos, Lancaster se fixa de algum modo em Freddie, que não consegue se ancorar em ninguém mas anseia pelo conforto da alma. No final, tudo se resolverá  (ou não) com uma canção e a memória de uma praia onde, quem sabe, Freddie encontrou ou imaginou encontrar algo que ele também não sabe enunciar.

O elenco de The Master é de absoluta primeira ordem. Joaquin Phoenix, fisicamente transformado numa espécie de Marlon Bradon torturado, estabelece um nível de interpretação que há muito tempo não se vê – é uma alegria te-lo de volta, exercendo tão magnificamente seu talento. Philip Seymour Hoffman é uma aula de desempenho, tão perfeitamente modulado entre a arrogância e a carência de seu Lancaster. Num papel menor mas essencial, Amy Adams está exata como Peggy, esposa de Lancaster, uma mistura de stepford wife e Lady Macbeth.

Com o apoio magistral da música de Jonny Greenwood e do diretor de fotografia Mihai Malaimare Jr (Tetro, Youth Without Youth), filmando em película 65 mm com toda a luxuosa cor Kodachrome dos 50, PTA não dirige seu filme- rege uma orquestra de imagens, absolutamente em controle de seus adágios, staccatos, crescendos, longos planos sequencia perfeitamente compostos, um olhar destacado olhando um navio iluminado, quase um bolo, um artificio, deslizando na noite de San Francisco debaixo da Golden Gate, e, subitamente, uma câmera ansiosa correndo por um campo de repolhos ou ao encontro do horizonte infinito do deserto.

Aviso- não é um filme fácil, que se abre imediatamente para a plateia ou rapidamente oferece catarse e solução. Quem gosta de muita história com certeza vai se se sentir perdido – não é o que acontece, mas com quem e como acontece, que impulsiona a narrativa.

É, antes, uma experiência hipnótica e envolvente, quem sabe um “processo terapêutico” criando em nós novas memórias inventadas, impressas em nossas retinas pela pura força de um verdadeiro gênio cinematográfico.

The Master estreia hoje (dia 14 de setembro) nos EUA e dia 25 de janeiro no Brasil.


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