Blog da Ana Maria Bahiana

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Heróis, vilões e o preço de ser humano: quatro lançamentos da temporada ouro
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Ana Maria Bahiana

Tanta coisa aconteceu nas últimas semanas por aqui que fiquei em super dívida com vocês… Aqui, os filmes que mais me impressionaram nesse tempo em que corri de um lado para o outro:

O conceito do presidente como herói/anti herói é comum na filmografia norte americana, atravessando praticamente todos os gêneros, do drama e thriller político à comédia romântica, rasgada e surreal (Marte Ataca!, por exemplo). É algo que dificilmente se imaginaria na produção de outros países, mas que faz sentido numa nação que elege presidentes há  237 anos, sem interrupções, ditaduras ou golpes militares.

Lincoln (em cartaz nos EUA, dia 25 de janeiro no Brasil) encontra Steven Spielberg em seu modo Amistad, refletindo sobre a história da nação norte americana, principalmente em uma de suas falhas fundamentais – a chaga da escravidão, e seus longos, dolorosos tentáculos até hoje.  Três elementos são o destaque do filme: o roteiro de Tony Kushner (Angels in America, Munique), veloz, erudito, incorporando tanto a complexidade do momento histórico (os momentos finais da Guerra Civil, a luta, no Congresso, para aprovar a lei que abole a escravidão) quanto o ainda mais complicado mundo interior do presidente; a fotografia espetacular de Janusz Kaminski, colaborador de fé de Spielberg; e o desempenho paranormal de Daniel Day Lewis como Abraham Lincoln.

Algo muito interessante aconteceu nesta colaboração: o roteiro de Kushner, centrado nos dilemas pessoais, sociais e políticos que, através de um grupo de pessoas – Lincoln, sua familia, seu braço direito William Seward (David Stathaim), o militante abolicionista Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones, genial) –  acabam impulsionando toda uma sociedade adiante, trava o impulso de Spielberg pela glamourização, pelo sentimental. E o calor passional de Spielberg ilumina e torna humano o que poderia ser um árido discurso sobre trâmites políticos na jovem nação norte-americana.

A notar: os igualmente ótimos desempenhos de Sally Field como Mary , esposa de Lincoln;  uma breve aparição de Joseph Gordon Levitt como Robert, seu filho mais velho; e James Spader, quase irreconhecível, como um antepassado de todos os lobbyistas que hoje  são a fauna mais comum de qualquer capital de Estado.

 Anna Karenina começou  como algo que, hoje, chamaríamos de novela: um folhetim encartado no periódico O Mensageiro Russo, suas oito complexas e generosas partes se estendendo de 1873 a 1877. Não é a toa que o que poderia se resumir a  um conto – mulher da alta sociedade da Russia Imperial, casada com influente político, tem um caso com um homem mais jovem e cai em desgraça —  tornou-se um vasto panorama da elite imperial, com um  15 personagens principais e mais um amplo sortimento de figuras secundárias.

Continuando seu ciclo de adoração cinematográfico-literária a Keira Knightley, Joe Wright (Orgulho e Preconceito,  Desejo e Reparação, Hanna) fez uma opção radical para sua adaptação do texto de Tolstoi: colocou  a maior parte de sua Anna Karenina (em cartaz nos EUA, dia 1 de fevereiro no Brasil) no interior de um velho (e lindo) teatro.

Como artifício dramático, é um espetáculo – Wright coloca os personagens de Tolstoi como elementos de uma grande performance pública, cada um representando seu papel no drama contínuo de uma sociedade altamente estratificada, dividida em classes hermeticamente fechadas. O artifício de transformar as coxias do teatro nas ruas de Moscou, a alta estilização da composição das cenas ( o balé dos burocratas, inspirado numa frase do texto de Tolstoi – “a burocracia é a alma da Russia”- é sensacional), o tom hiper-realista das caracterizações são empolgantes como estética.

O que se perde é a conexão emocional – Anna Karenina é uma obra linda mas fria, na qual o único ser humano parece ser o Karenin de Jude Law, atormentado entre a obrigação de agir de acordo com seu posto social e algo que pode ser, no fundo do seu coração, o pulsar de um afeto. Keira tem a estutura óssea de uma prima ballerina e a câmera está eternamente apaixonada por suas maçãs do rosto. Mas é talvez a mais gelada e distante de todos os lindos marionetes deste marzipan cinematográfico.

É um  sinal dos tempos: dois filmes se debruçam sobre a figura e a obra de Alfred Hitchcock. Um, feito para a TV (The Girl, de Julian Jarrold, para a HBO), ocupa-se de Hitch na época da realização de Os Pássaros; outro, com lançamento em circuito (Hitchcock, de Sacha Gervasi, estreia hoje nos EUA, dia 8 de fevereiro no Brasil) , é focado nos bastidores de Psicose.

E sabem qual é o melhor? O da TV. Jarrold preocupa-se em desconstruir a própria estética de Hitchcock e usar seus elementos para lançar luz nos vãos mais sombrios de sua alma, e Tobby Jones cria um Hitch de dentro para fora, organicamente e não como uma “personificação”.

Anthony Hopkins tenta fazer o mesmo em Hitchcock, mas, por incrível que possa parecer, a pesada maquiagem quase não deixa que ele trabalhe. Gervasi é um diretor simpático, responsável pelo delicioso documentário Anvil! The Story of Anvil. Mas me parece muito peso-leve para atacar um assunto complexo como Hitch. Trabalhando com um orçamento reduzidíssimo e apenas 35 dias de filmagem, ele criou um pequeno filme divertido que, ironicamente, teria sido mais apropriado para a TV.

Hitchcock oscila entre drama e comédia, aproximando-se da complicada mente do diretor mas temendo aprofundar-se em seu labirinto. Seus melhores momentos são os que comentam os eternos absurdos da indústria cinematográfica, a luta de Hitch para realizar seu projeto, as bizarras negociações com executivos e censores.

É interessante ver os dois lado a lado, em ordem cronológica – Hitchcock primeiro, The Girl em seguida. Alfred, o homem e o gênio, provavelmente não é nem nem outro.  Mas quem, décadas depois de sua passagem entre nós, pode ainda despertar tantas perguntas sem resposta?

E finalmente – eu não poderia deixar de comentar Skyfall.  O primeiro filme adaptado dos livros de Ian Fleming – 007 contra o Dr. No, de 1952 – trazia um conceito revolucionário no gênero “ação”: o espião como herói.  James Bond era um efeito colateral da guerra fria – até então, espiões, quando apareciam, eram sujeitos sórdidos, traiçoeiros, nada confiáveis. Um mundo em que conflitos passavam a ser, eles mesmos, secretos e indefinidos, abria espaço para que a atividade obscura fosse, enfim, heróica.

Mais de meio século depois, o impasse era: o que fazer com um ícone que já não parecia ter utilidade num mundo de guerras via bombardeios teleguiados, vírus pela internet e satélites-espião?

Trabalhando com um roteiro a três , mas principalmente do ótimo John Logan, Sam Mendes ataca o dilema de frente. Em suas mãos, o Bond de Daniel Craig é antes de mais nada um signo, um elemento dramático a ser composto como parte de lindos, elaborados panoramas visuais, de Xangai à Escócia. Humanos mesmo são o vilão Silva de Javier Bardem, e a extraordinária mãe-coragem M, de Judi Dench, lados opostos nessa dança mortal pelo controle de um mundo, na verdade, incontrolável.

 


Indicações ao Oscar, 2012: as gratas e ingratas surpresas
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Ana Maria Bahiana

E as indicações ao Oscar 2012, hein?

Antes de comentá-las é bom refrescar a memória explicando como elas são escolhidas.

Na etapa de indicações, apenas a categoria “melhor filme” é votada por todos os 6 mil acadêmicos. Todas as demais são escolhidas  ou pelos respectivos departamentos ou “branches” da Academia ou, no caso de  filmes estrangeiros, por um comitê de voluntários.

Portanto, se é verdade que o Oscar toma o pulso de Hollywood a cada ano (e eu estou entre os que acham que sim), os “melhores filmes” são os que mais claramente indicam isso. Os demais revelam o que atores, diretores, roteiristas, etc pensam de seus colegas.

É importante saber outra coisa sobre esses votantes: todos fazem ou fizeram cinema em suas vidas. Todos já trabalharam, trabalham ou querem trabalhar com quem está concorrendo. Muitos tem filmes concorrendo – e não apenas votam neles, mas por eles fazem campanha. Muitos tem admiração, inveja, amizade, rancor por quem está concorrendo. Todos trazem imensa bagagem pessoal e profissional para cada escolha.

E embora a Academia reúna grandes realizadores, atores, técnicos e executivos, a maior parte de seu corpo votante é de profissionais que ou nunca tiveram ou já passaram por sua fase áurea. Como exemplo eu lembro sempre de uma pitoresca festa de fim de ano, aqui em Los Angeles, onde absolutamente todos os convivas votavam em algum prêmio, e quase todos no Oscar. E onde ouvi de pessoas que não dirigiam ou produziam um filme há mais de 10 anos que Steven Spielberg e Martin Scorsese não sabiam contar bem uma história em imagens…

Enfim, somos todos humanos. Os deuses do cinema estão naqueles pulsos de luz que hipnotizam nossas retinas na sala escura, não entre os que preenchem cédulas de votos para prêmios…

Tendo dito tudo isso, acho que, este ano, alguns comitês e departamentos fizeram um trabalho muito melhor que outros. E muitos fizeram escolhas ótimas e terríveis ao mesmo tempo.

Não vou nem falar de filmes como meu querido Drive ou o igualmente sensacional Precisamos Falar Sobre Kevin, cujas chances de serem compreendidos pelo establishment hollywoodiano eram mínimas (pelo menos os técnicos de som se lembraram do quanto o filme de Nicholas Winding Refn sabe usar a trilha…). Mas falo, sim, de algo medíocre e forçado como Tão Forte e Tão Perto que conseguiu emplacar duas indicações, inclusive, justamente, melhor filme. Amo Max Von Sydow e acho que ele faz o que pode com um personagem artificial (como todos os outros do filme de Stephen Daldry) mas teria sido tão mais bacana e coerente ver Albert Brooks indicado ali para melhor coadjuvante por Drive…

Entre outras ausências notáveis (Tilda Swinton! Ryan Gosling! Michael Fassbender! Shailene Woodley! Projeto Nim!), fiquei chocada com a de Tintim e o Segredo do Licorne entre os filmes de animação (onde tinha até o fraco, fraco Gato de Botas). A animação de Steven Spielberg/Peter Jackson venceu o prêmio da Producers Guild mas não conseguiu empolgar os 343 votantes do departamento de curtas e animação da Academia (sim, eu também acho estranho que curtas e animação estejam juntos no mesmo departamento, mas enfim…) Meu palpite, parte 1: captura de desempenho realmente não passa pela garganta da Academia e 2. Spielberg não tem muitos fãs entre os animadores (o que não deixa de ser tristemente irônico, já que Spielberg é fã e incentivador de animação…)

Prefiro lembrar as gratas surpresas: Árvore da Vida com três indicações, inclusive melhor filme (o mesmo número de indicações, devo lembrar, de Harry Potter e as Reliquias da Morte parte II, embora as deste último sejam todas técnicas); Demián Bichir lembrado por seu ótimo trabalho no pequeno mas sincero A Better Life (crédito à influência das indicações da Screen Actors Guild); a presença de Nick Nolte e sua comovente composição do pai/treinador aos pedaços de Warrior; Pina, de Wim Wenders, lembrado pelo menos na esquisitíssima lista de documentários; A Separação entre os melhores roteiros originais (nos últimos dias da votação havia uma campanha cerrada para emplacar uma indicação tanto para roteiro quanto para diretor, além de filme estrangeiro. Estou feliz que uma delas deu certo…); e pelo menos um cheiro de Brasil com a canção de Rio (senti a falta dele entre as animações…)

Amanhã, um pouco mais sobre o que os Oscars e o que as indicações revelam do estado de coisas da industria, hoje.


A vida secreta dos espiões, parte I: a balada de Johnny & Clyde
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Ana Maria Bahiana

Dois filmes sobre o complicado, perigoso e muita vezes torpe ofício de vigiar a vida alheia estarão, em breve, competindo por atenção e prêmios, no auge da temporada-ouro: J. Edgar, de Clint Eastwood, e O Espião Que Sabia Demais, de Tomas Alfredson. São criaturas completamente diferentes ( e uma é muito melhor do que a outra).

Falemos de Clint & Hoover, primeiro.

O problema de trazer para a tela a vida de grandes personagens da história começa sempre com a mesma questão: como sintetizar uma vasta vida em duas horas de filme? J.Edgar, de Clint Eastwood, tem que enfrentar um problema a mais: seu protagonista, John Edgar Hoover, chefe do FBI de 1924 até sua morte em 1972, é uma das figuras mais controvertidas da história recente dos Estados Unidos, e tão repleto de segredos quanto o universo que criou à sua volta.

Um documentário poderia explorar essas múltiplas facetas e investigar as contradições através de  fatos e depoimentos. Um filme de ficção tem, em primeiro lugar, que contar uma história, preencher lacunas com a imaginação e criar artifícios através dos quais nós, na platéia, possamos nos conectar com a trama.

J. Edgar tenta bravamente em todas essa frentes, e triunfa em vários momentos. Leonardo Di Caprio tem um desempenho notável _ seu Hoover é um homem completamente fechado em si mesmo, desconectado de seus sentimentos e emoções, capaz de se relacionar apenas com seu trabalho, uma tarefa que o define e que ele idealiza até o absurdo.

O ótimo roteiro de Dustin Lance Black usa um bom artifício para conduzir a trama: sua narrativa é a autobiografia que Hoover dita em seu escritório a vários rapazes bem apessoados. Isso resolve a questão do ponto de vista: é claro que, aos olhos de J.Edgar, ele é o herói da trama – “precisamos deixar bem claro quem é o herói e quem é o vilão”, ele diz, logo de cara, ao primeiro datilógrafo . Não há dúvidas: deportar os bolcheviques de 1920 é a mesma coisa que chantagear Martin Luther King; o caso do sequestro do bebê do herói nacional Charles Lindbergh só foi resolvido graças à sua intervenção; ele mesmo, arma na mão, deu voz de prisão aos maiores gângsters da década de 1930.

Somos todos heróis de nossas próprias vidas e Hoover, desprovido de outra vida além do que, na sua visão, era a caçada interminável aos inimigos da América, tem grandes planos para si mesmo.

Mas existe a sombra, vista primeiro como um vulto através de uma porta de vidro: o fiel assistente Clyde Tolson (Armie Hammer) que pode ter sido a coisa mais próxima de um afeto que Hoover teve em sua vida. Como reconciliar esse pulsar com suas perseguições de políticos e figuras públicas homossexuais, e o terror de perder o amor de sua mãe (Judi Dench, maravilhosa como sempre), que deixa claro que prefere um filho morto a um filho gay?

Eastwood e Black respondem a questão com cenas em que o não dito fala mais alto que o dito: o primeiro encontro dos dois é exemplar, e envolve um lenço e uma janela. E também, é verdade, com uma certa edição dos fatos : Dorothy Lamour, possível amante de Hoover, é mencionada apenas uma vez, e a foto de Marilyn Monroe pelada sumiu do cenário da casa de J.Edgar, cuidadosamente reproduzida pela notável direção de arte de James Murakami.

O que nem sempre funciona nesse exercício é a pesada maquiagem que procura transformar os rostos de Di Caprio, Hammer e Naomi Watts (como a igualmente fiel secretária Helen Gandy, guardiã dos secredos de Hoover) em suas contrapartidas reais, ao longo dos anos. Quanto mais velhos os personagens estão, mais difícil fica acreditar nas próteses e adereços. É possível que um orçamento restrito – Eastwood gosta de trabalhar com orçamentos modestos para ter mais controle artístico da obra- tenha impedido a manipulação digital que tornaria o envelhecimento mais natural. É pena. O Clyde de Armie Hammer é o menos acreditável, um desafio que o ator tenta resolver como pode. Mas não é o bastante.

A trilha, assinada pelo próprio Eastwood, também não ajuda. Num contraste com a calma e o distanciamento que ele imprime ao filme – e que dificulta a conexão emocional de alguns espectadores- seus harpejos de piano e cordas, as vezes com a adição de um coral, são francamente sentimentais. Em alguns momentos (especialmente no final) a música imprime um tom melodramático que chega a chocar.

No geral, é uma brava empreitada, que deve render indicações, principalmente para Leonardo Di Caprio .

J. Edgar estréia sexta feira dia 11 nos EUA e dia 27 de janeiro no Brasil.


Drive, Moneyball: celebrando a solidão do herói
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Ana Maria Bahiana

 

Devo, não nego, um apanhado dos primeiros lançamentos da temporada-ouro. Comecemos por aqui:

“Existem 10 mil ruas nesta cidade e eu conheço todas elas “, diz a narração off. “Eu dirijo. Não carrego armas, não participo de nada. Dou a você duas horas. O que acontece nessas duas horas é responsabilidade minha. O que acontece antes e depois, eu não quero  saber.”

A voz é do anônimo motorista/dublê vivido por Ryan Gosling em Drive, o excepcional filme que marca a estreia do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn numa produção norte-americana (ainda que independente, cortesia da Film District, divisão da GK Films).

Drive começou como um belo livro  de James Sallis, um expert no neo-noir que explora a evolução do crime sob o sol de California, Arizona, Nevada, nas décadas depois da sacramentação do gênero. Na adaptação magistral de Hossein Amini (Paixão Proibida, Asas do Amor), cenário, tramas e personagens foram depurados e concentrados: tudo se passa agora entre uma oficina mecânica, um prédio modesto e uma pizzaria , com um set de filmagem e uma loja de penhores no meio, entre as 10 mil ruas do vasto, complicado município de Los Angeles.

Numa feliz sincronicidade que pode ser obra tanto do acaso quanto de intensa colaboração, o motorista sem nome de Ryan Gosling é a soma perfeita de todos os heróis/antiheróis da obra de Refn: lacônico, contido, seu mundo interior, emocional, trancado a mil chaves e só percebido por mínimos gestos, expressões, olhares.

Refn, que não conduz (porque foi reprovado várias vezes na prova de direção), foi escolhido pessoalmente por Gosling, fã de seu trabalho e do livro de Sallis. Depois de um primeiro encontro desastroso – Refn, gripadíssimo, passou mal à mesa – uma carona de Ryan e uma longa conversa on the road cimentaram a colaboração para criar o protagonista, absolutamente central à história. Nas palavras de Refn, “um homem que se define pelo que faz _ no caso, dirigir.”

Exemplo perfeito: a sequencia de abertura, um primor de fotografia, som e montagem, onde, sem diálogo, passamos a saber tudo sobre o personagem de Gosling, enquanto ele pratica, brilhantemente, seu segundo emprego _ pilotar carros de fuga para grandes roubos. Seu primeiro emprego é motorista-dublê em filmes, o que imediatamente cria uma interessantíssima justaposição de ficção e realidade, tão perfeita tradução de Los Angeles.

O gradual envolvimento com uma vizinha – Carrie Mulligan, excelente – leva nosso anti-herói a um “trabalho” especialmente arriscado, que vai abalar todas frágeis cadeias de seu pequeno mundo: a oficina mecânica do seu mentor – o sempre extraordinário Bryan Cranston, no avesso do seu Mr. White de Breaking Bad – e Nino (Ron Perlman) e Bernie (Albert Broks, absolutamente sensacional) os donos da pizzaria e investidores do seu possível novo projeto, um espetáculo ambulante de stunts.

Refn dirige Drive com o rigor e a clareza de olhar que são a marca do seu trabalho, referenciando as raízes inteligentes do filme de ação – Acossado, Operação França, Bullit – mas traçando seu próprio risco, um ambiente ao mesmo tempo intensamente real e estilizado, onde cada gesto, cada luz e cada sombra tem significado (e aqui, palmas à parte para a fotografia e Newton Thomas Sigl).

Absolutamente imperdível.

Drive está em cartaz nos EUA e ainda sem data de lançamento no Brasil.

 

É possível ver um filme lindamente dirigido, superbem escrito e com grandes desempenhos de bons atores e não se sentir investida emocionalmente nele nem por um segundo? Deve ser, porque foi o que aconteceu comigo em Moneyball.

Dirigido por Bennett Miller (Capote), Moneyball traz outro herói solitário e de poucas –mas boas- palavras: Billy Beane (Brad Pitt, bem escolhido e desempenhando à altura), cartola do time de beisebol Oakland Athletics que, em 2002, cansado de ver o time nadar, nadar e morrer na praia, abandonou os métodos tradicionais de escalação e, com a ajuda de um nerd formado em economia (Jonah Hill, ótimo), passou a escolher jogadores através de um software que leva em conta as estatísticas de desempenho de cada um.

É uma história verdadeira, contada no livro de não-ficção de Michael Lewis e  adaptada maravilhosamente pelos craques Steve Zaillian e Aaron Sorkin. Como em outro filme escrito por Sorkin – A Rede Social – e de certa forma como em Drive, Beane é um herói solitário andando contra a corrente, buscando apenas em si mesmo a força necessária para prosseguir.

Miller, fiel às suas origens como documentarista, mistura material documental com o filme em si, e enquadra com enorme inteligencia cada tomada, situando Beane em seu mundo e abrindo espaços para seu fugidio mundo interior – como o do anti-heroi de Drive, um mundo secreto, contido, nascido das frustações de quem foi jovem e brilhante atleta, e abriu mão dos estudos por uma carreira curta e brutal.

E com tudo isso…. Jamais consegui me conectar com o filme. Por que? Como muitos de vocês, nasci e me criei num universo onde o futebol era a língua-mãe. Entendo absolutamente nada de beisebol, e seu eco emocional, passional – abordado com tanta precisão em Moneyball – me escapa completamente. E beisebol, acima de qualquer outra coisa, é o coração, a essência de Moneyball. Se você conhece e gosta, não perca. Senão… não sei.

Moneyball estreia hoje nos EUA e 18 de novembro no Brasil.


Eddie Murphy nos Oscars: é pra rir ou pra chorar?
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Ana Maria Bahiana

Os bons amigos: Eddie Murphy, Brett Ratner

 

E o Eddie Murphy nos Oscars, hein? Confesso que estou apreensiva. E não sou só eu: passei os últimos dias fazendo a mesma pergunta a amigos, conhecidos e acadêmicos sortidos, e a resposta foi consistentemente a mesma: ninguém espera muito, na melhor das hipóteses; na pior, esperam um desastre. Ecos do ano-catástrofe de 1989 – aquele da Branca de Neve e Rob Lowe- já estão circulando pela cidade. E isso seis meses depois de um Oscar que, segundo alguns observadores, ficou com a duvidosa palma de pior. Oscar. De todos os tempos.

É sobretudo o potencial para essa  dose dupla e consecutiva de horrores que me preocupa _ e não só a mim. Afinal não tenho nenhum interesse direto no evento além da paixão de fã de cinema e o dever de observadora profissional. “Este ano não me animo a brigar por ingresso”, me disse um acadêmico que é do tipo não-perco-uma.

A apreensão com a escolha tem dois motivos, infelizmente entrelaçados. O primeiro, e básico, é que a escolha foi feita por um produtor no qual, aparentemente, só a diretoria da Academia acredita: Brett Ratner, realizador de notória e, digamos assim, agressiva mediocridade. Sua nomeação como piloto dos Oscars este ano foi o primeiro susto ; certo que ele vem escorado pela experiência de seu co-produtor Don Mischer (Emmys, Comedy Awards, Billboard Awards), mas a reputação (ou falta dela) de Ratner foi o bastante para dar um susto coletivo na comunidade.

Aguardava-se, com a mesma reserva, sua escolha de apresentador. Os rumores de que ele estaria flertando com Oprah Winfrey já provocaram marolas _ Oprah, com certeza uma das pessoas mais poderosas do entretenimento, teria cacife suficiente como pessoa de cinema para ancorar a cerimônia?

E aí… Ratner convida Eddie Murphy, seu amigo e co-astro, ao lado de Ben Stiller (que teria sido, a meu ver, uma escolha melhor) do próximo filme do diretor, Tower Heist.

Murphy foi, depois de Richard Pryor, o comediante negro que mais abriu espaços na indústria, à custa exclusivamente de seu talento e de uma combinação perfeita de audácia, insolência e simpatia. Infelizmente, seus trabalhos mais recentes tem sido, à falta de uma definição melhor, patéticos (com exceção de sua participação em Dreamgirls, cinco anos atrás, torpedeada nos Oscars por sua atuação em Norbit, exemplo típico de onde ele anda desperdiçando seu talento).

Se os Oscars de 2012 tivessem outro produtor, mais criativo e com mais cacife junto a atores, sua escolha poderia ser super interessante _ como disse Dave Karger na Entertainment Weekly, seria muito bom que o evento marcasse a volta triunfal de um grande artista.

De todo modo, apresentar os Oscars é uma das tarefas mais ingratas da indústria _ as chances de tudo dar errado são muito maiores do que as de tudo dar certo. A maioria das estrelas de primeira linha foge dos convites exatamente pelo temor do possível impacto negativo em suas carreiras.

Vamos ver o que acontece em fevereiro…

 


Super 8: brincando nos campos do Senhor Spielberg
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Ana Maria Bahiana

A primeira coisa que você precisa saber sobre Super 8, de J.J. Abrams, é que é necessário suspender MUITO a descrença. Cartesianos super racionais talvez prefiram poupar o dinheiro do ingresso, o que seria uma pena, porque o filme é uma delicia. Se resolverem correr o risco, lembrem-se do meu aviso: não comecem a se perguntar “mas como?”, “como é que é?”, “como é possível?” e coisas do tipo.

A segunda coisa é que, como bem disse este crítico, Super 8 é “pornô Spielberg”: uma citação explícita, reverente, salivante, hard core de temas, imagens e signos spielberguianos.

Tem gente torcendo o nariz para isso, mas não me incluo nesse bloco. Tenho outros problemas com Super 8 _ a gigantesca quantidade de fé na premissa que nem sempre é recompensada nem com a lógica interna do roteiro; o final meio apoteose em fúria, jogando no liquidificador todos os possíveis e imagináveis elementos fantásticos de uma história que já estava implorando por um pouquinho mais de lógica.

Mas cultuar o (aliás produtor) Spielberg não é um desses problemas. Gosto sempre de lembrar que os humanos das cavernas foram  provavelmente os únicos com direitos exclusivos à originalidade absoluta. Nas artes populares contemporâneas saber escolher as referências é uma parte importante da qualidade final. Afinal, a geração de Spielberg (e Lucas, e Coppola, e Scorsese, e Friedkin) achava que estava fazendo seu próprio culto a Truffaut, Godard, Clouzot, Antonioni e Kurosawa ( e os Beatles e Rolling Stones tinham certeza de que sua música era i-gual-zinha a dos grandes mestres do blues dos anos 1940 e 50…)

Muito natural, portanto, que Abrams vá direto à veia da Geração 70, pegando como inspiração uma frase de uma entrevista de Coppola dos anos 1980 sobre o futuro do cinema – “algum dia alguma garotinha gorducha do Ohio vai ser o próximo Mozart e fazer um filme lindo com a camcorder de seu pai”-  e saturando sua premissa com o cânon spielberguiano.

Em Super 8 um garoto gorducho do Ohio faz um filme, não necessáriamente lindo,  com a super 8 do pai dele. E esta é, na verdade, a melhor parte da película de Abrams. O garoto  Charles (Riley Griffiths) é.. bem… o DW Griffith de uma turminha de moleques (Joel Courtney, Zach Mills, Ryan Lee, Andrew e Jakob Miller e a cada vez mais excepcional Elle Fanning) que, claramente inspirada por George Romero (conte as referências…) está fazendo um filme de zumbis em uma pacata cidade do interior.

Como todo bom realizador, Charles está interessado em “grandes valores de produção”, de preferência a custo zero, o que leva sua brava equipe a uma estação de trem no meio da noite. Algo acontece, a camereta continua rodando e a história se torna mais spielberguiana e mais fantástica a partir daí. As referencias  – a ET, Parque dos Dinossauros, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Guerra dos Mundos– se empilham, assim como o glossário de imagens spielberguianas: espelhos, automóveis, flashlights, rápidas aproximações da câmera.

A delícia não está aí: está no coração da trama, em sua inocência fundamental, no grupo de crianças, no limite da adolescência, buscando sua voz e sua visão, aprendendo a se relacionar entre si e com o mundo adulto, através da poderosa metáfora da fantasia, da imagem em movimento. O que acontece a partir da brusca interrupção de suas filmagens é divertido e segue em bom ritmo – exigindo cada vez mais a suspensão de descrença que mencionei lá em cima – até a mega apoteose final, absurdista ao ponto do bizarro (me lembrou a fruteira emergente do final de Segredo do Abismo. Não foi uma boa lembrança…)  Mas o que nos prende ao filme não é o fantástico: é o profunda e cândidamente humano.

Super 8 estreia dia 10 nos EUA e dia 12 de agosto no Brasil.E… fique até o final dos créditos…

 


É meia noite na Paris de Woody Allen: onde estão seus desejos?
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Ana Maria Bahiana

É uma boa coisa que Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, Woody Allen, 2011) tenha sido escolhido para abrir o Festival de Cannes, semana passada: poucos filmes que eu me lembre realizam tão bem a visão do encontro entre cinemão e cineminha, entre Estados Unidos e França. É delicioso, leve, altamente digerível mas bem acabado, bem articulado, bem resolvido _ coisa que nem sempre os últimos trabalhos de Woody Allen tem sido, especialmente quando ele se deixa possuir por rancor, amargura e cinismo.

Estamos bem longe disso nesta meia noite numa Paris da imaginação. O clima é A Rosa Púrpura do Cairo e não Celebridade: um bombom, talvez um suspiro, e não uma poção de arsênico.

Pena que, para presevar a delícia do filme, eu não possa dizer quase nada sobre ele _ é um desses que quanto menos se sabe antes de sentar na cadeira, melhor.

O que posso dizer: um escritor frustrado (Owen Wilson, escolha mais que certa para o papel) vai com sua noiva (Rachel McAdams, ótima) e a familia dela para Paris. O pretexto é uma viagem de negócios do futuro sogrão (Kurt Fuller) _ republicano roxo, produto típico da era Bush . A viagem  deveria ser também uma excursão de compras para a nova casa dos noivinhos (que ainda não existe) guiada pela futura sogra ,o tipo de pessoa que acha uma cadeira de dezenas de milhares de euros  “uma pechincha”. No meio do caminho haverá o encontro com o ex-namorado da moça (Michael Sheen) um sujeito pomposo que gosta de dar palestras espontâneas sobre qualquer assunto, de vinhos a história da arte, mesmo que ninguém queira ouvir.

Gil, o escritor, é um roteirista de sucesso mas intui, como muitos antes dele, que ser apenas “super procurado pelos estúdios “ (palavras da  noiva) não é o suficiente para saciar sua fome de algo mais, a busca de uma felicidade sem nome que ele, talvez por falta de opções, coloca no passado, na Paris dos anos 1920, onde modernismo, cubismo e surrealismo estavam sendo criados e uma geração de  autores e artistas norte-americanos, alegremente auto-exilados, se reinventava. “Nostalgia é medo do futuro”, pontifica o ex-namorado, e ele tem mais que um pouco de razão (o que não o torna menos irritante.)

E então, numa bela noite, Gil tem uma epifania mágica…

Como em tantos outros  de seus filmes, Gil é um alter–ego de Allen.  Ou melhor, uma faceta de sua alma, aquela que, no outono da vida, reavalia uma carreira de sucesso e pensa se isso é ou não o bastante. A decisão de abordar esse dilema com generosidade e lirismo – e não com ressentimento e sarcasmo – é o que faz Meia Noite em Paris a delícia que é, indo além dos dez minutos de cartão postal da abertura para uma visão gloriosa da Paris dos sonhos, das possibilidades, repositório das aspirações  de gente criativa e contra a corrente de todas as épocas.

Allen está no topo de sua forma como dialoguista e desenhista de personagens _ em poucos traços, sabemos exatamente quem são esses americanos exilados em Paris e o que cada um espera da Cidade Luz (que, na visão de Woody, retribui exatamente na medida do desejo de cada um, cidade-fada-madrinha dos sonhos alheios). A escolha do elenco é perfeita, a fotografia é linda e o gosto de Allen pelo jazz dos Roaring  Twenties casa-se perfeitamente com o clima do filme.

Meia Noite em Paris estreia nos EUA sexta dia 20 e no Brasil dia 17 de junho.

 


O 3D, além do bem e do mal
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Ana Maria Bahiana

Dançando em 3D: filmando Pina, de Wenders

 

A declaração de Bernardo Bertolucci, hoje, no Festival de Cannes, de que não apenas é fã de Avatar mas vai fazer seu próximo filme em 3D colocou a questão do novo/velho formato, mais uma vez, no centro de uma discussão bem mais interessante do que” vai ou não vai aumentar o retorno de bilheteria”.

Bertolucci, um nome sem dúvida de peso, é o mais recente realizador de alto calibre a abraçar o 3D. Martin Scorsese causou arrepios na indústria quando anunciou, ano passado, que seu A Invenção de Hugo Cabret seria filmado em 3D. Wim Wenders emocionou o festival de Berlim com seu documentário Pina, captando em 3D e numa mistura de sets, palcos e cenários naturais diversas atuações do grupo de dança da brilhante coreógrafa Pina Bausch. E Werner Herzog está batendo recordes de bilheteria (para um documentário) com sua lírica e idiossincrática visão das pinturas pré históricas de caverna de Chauvet em Cave of Forgotten Dreams.

E agora Bertolucci diz o seguinte: “Amei Avatar e fiquei fascinado com o 3D. Comecei a pensar, por que o 3D é considerado bom apenas para filmes de terror, ficção científica e coisas semelhantes? Pensei, e se 8 ½ de Fellini fosse em 3D, não seria maravilhoso?”

Seria.

O que é o essencial desta conversa _ como toda ferramenta da criação artística, o 3D não é, por si mesmo, “do bem” ou “do mal”. Ele é o que se faz com ele, assim como, no passado do cinema, foram o som, a cor, e os diversos formatos da imagem captada e projetada.

É claro que distribuidores , donos de cinema e executivos vêem a possibilidade como um modo de reverter a tendencia do entretenimento-em-casa que vem contribuindo para a retração da venda de ingressos, principalmente na América do Norte. Contribuindo, sou obrigada a dizer, ao lado de outros fatores como, por exemplo, uma enxurrada de filmes vagabundos, repetitivos, nada criativos e, muitas vezes, com um 3D ordinário. O papel desta turma é administrar o lado negócios do cinema. O que estava faltando na conversa era a voz da turma que administra o lado arte.

A compreensão do 3D como algo que pode modificar positivamente a experiencia visual e se tornar um elemento da narrativa é assunto para a turma da criação. É o que torna as cavernas de Chauvet tão emocionantes no filme de Herzog _ a aproximação, para a plateia, da experiencia dos pintores pre-históricos, que utilizaram o relevo da caverna como parte integrante de suas obras, em muitos casos para criar a ilusão de movimento, “como um proto cinema”, nas palavras do diretor.

Scorsese no set de Hugo Cabret

 

Em Hugo Cabret essa aproximação é absolutamente natural: o lindo livro de Brian Selznick é, ele mesmo, um objeto visual, onde imagens e o ritmo de virar as páginas são a narrativa. Selznick, um ilustrador em primeiro lugar, tem paixão pelos pioneiros da imagem em movimento, principalmente George Meliés, uma enorme influência em Hugo Cabret. Suspeito que Scorsese acredita, como eu, que se Meliés tivesse acesso ao 3D , ele o teria adotado entusiasticamente…

Io e Te, o projeto que Bertolucci vai realizar em 3D, tem apenas dois personagens e um cenário. Mas o que o diretor – preso numa cadeira de rodas há um ano, por conta de sérios problemas de saúde – visualizou, graças à nova tecnologia, foi o bastante para lhe dar novo fôlego: “(Com o 3D) eu vi que, mesmo numa cadeira de rodas, eu poderia imaginar meus filmes.”

Vôo da imaginação: cena de Pina, de Wenders

 


A melhor coisa de Água para Elefantes é …o elefante
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Ana Maria Bahiana

Ah! O romance do circo de idos tempos! A vida na estrada! Os personagens estranhos, complicados, fascinantes! A emoção do espetáculo debaixo da grande tenda! O perigo das acrobacias arriscadas! O choque de personalidades complexas!

Se você quiser ter essa experiência, alugue A Estrada da Vida, de Fellini, O Maior Espetáculo da Terra, de Cecil B. de Mille ou mesmo a excelente série Carnivale, da HBO. Mas evite Água para Elefantes, a adaptação do best seller de Sara Gruen sobre um circo itinerante dos anos 1930, estrelada por Robert Pattinson e Reese Whiterspoon (estréia neste fim de semana nos EUA, dia 29 de abril no Brasil).

Mas se, pelo contrário, você é fã de Robert ou Reese, gosta de um romance de época bem comportado onde tudo é bonito, até mesmo a sujeira e a privação, e todas as vidas parecem ter sido passadas a limpo e organizadas como um desses dramas biográfico-esportivos que a Disney sabe tão bem fazer, então vá correndo ver Água para Elefantes.

Transparência: não li o livro. Mas fontes acreditáveis me garantem que o filme é fiel ao texto original, com o roteiro de Richard LaGravenese tomando liberdades mínimas para condensar a narrativa. De todo modo, sou das que acreditam que filme e livro são criaturas diferentes, com vida própria e diferenciada, e dessa forma devem ser apreciados.

E o que Água para Elefantes nos oferece é uma história completamente previsível, contada da maneira prosaica, sem nada que possa nos trazer para dentro do mundo dos personagens – e nada nesse mundo que nos faça querer ficar lá.

Com uma exceção _  a maravilhosa elefanta Tai no papel de Rosie, a catalista do drama que envolve o estudante de veterinária Jacob (Robert Pattison), a estrela do circo Benzini (Reese Whiterspoon) e o dono  da trupe, August (Christoph Waltz).  É muito mais fácil envolver-se emocionalmente com Tai do que com seus companheiros humanos de tela, que parecem estar atuando em filmes separados, com zero química entre eles. Para piorar as coisas só um pouquinho, Waltz está basicamente repetindo seu personagem de Bastardos Inglórios, com menos sotaque, mais histrionismo e, em vez de um uniforme nazista, um traje de mestre de cerimônias circense.

A fotografia e a direção de arte são bonitas, e a trilha vale pela inclusão da deliciosamente lasciva “Sugar in My Bowl”, de Bessie Smith.

Sinto pena por  Francis Lawrence, um diretor que promete, e de cujo Eu Sou a Lenda gosto muito, exatamente por tudo o que falta em Água – o mergulho na profundidade da história. Torcendo para que ele faça melhor no próximo.