Blog da Ana Maria Bahiana

Transformers X Tom Hanks: a batalha do 4 de julho
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Ana Maria Bahiana

 

4 de julho, o feriadão da independência norte-americana, é uma data muito importante no calendário hollywoodiano: é o auge da temporada-pipoca, o momento de ouro para lançar arrasa-quarteirões.Por isso mesmo é também um dos fins de semana mais concorridos – senão O mais concorrido – do ano, o campo de batalha onde se constroem reputações e se estabelecem tendencias.

Foi num 4 de julho há exatos 20 anos que James Cameron provou de uma vez por todas que era capaz de produzir mega-sucessos (Exterminador do Futuro 2, 31 milhões de dólares_ o que, em 1991, era um bocado de dinheiro). Foi em outro 4 de julho, cinco anos depois  que Roland Emmerich mostrou que vinha para fazer muita grana (Independence Day, mais de  50 milhões de dólares em 1996); e, seis anos atrás, Steven Spielberg demonstrou que ainda tinha mojo na área do super popular (Guerra dos Mundos, quase 65 milhões de dólares em 2005).

Nem sempre foi assim: na verdade, até 1975 e Tubarão, junho-julho era a época em que NÃO se lançavam filmes. A crença vigente era que ninguém ia ao cinema durante as férias de verão do hemisfério norte, preferindo praia, viagem e acampamento. Foi Lew Wasserman, presidente da Universal na época (e, por esse motivo guru de Spielberg durante toda a sua vida) que teve a sacada: um filme sobre um tubarão assassino tem muito mais chances de aterrorizar (e atrair) as pessoas se elas já estiverem pensando em praia e outros prazeres de verão. (Leiam o capítulo Nove: A Vingança do Nerd de Easy Riders, Raging Bulls, de Peter Biskind, onde esta saga é contada em detalhes).

Na verdade a analogia com Tubarão é apropriada para este momentoso 4 de julho de 2011: com todo o ruído de seus avanços tecnológicos, a indústria de cinema como um todo, na verdade, movimenta-se muito lentamentGrandes marcos de mudanças fundamentais no modo de conceber, fazer, distribuir e divulgar cinema são raros e espaçados _ e a invenção do blockbuster de  verão, entre 1975/Tubarão e 1977/Star Wars, Capitulo IV: Uma Nova Esperança, foi, por incrível que pareça, a mais recente. Levando em conta a evolução de gostos e tecnologia, os filmes-pipoca ainda são criados, feitos e vendidos do mesmo modo como eram em 1975.

Será que o 4 de julho de 2011 mostra, afinal, sinais de um desvio importante de curso? Talvez. Os indícios:

Um filme em que o conceito e os efeitos são importantes passou batido por um filme em que os atores são importantes. Dez anos atrás se alguem anunciasse um filme estrelado por Julia Roberts e Tom Hanks estreando no mesmo dia de qualquer outro sem Julia Roberts e Tom Hanks, ninguém na indústria pensaria duas vezes em quem seria o top do feriadão. Neste 4 de julho as criaturas CGI de Transformers 3 deram uma lavada em Larry Crowne, estrelado por Tom Hanks e Julia Roberts: 97 milhões de dólares do primeiro contra 13 milhões de dólares do segundo (isso só nos EUA; no mundo todo T3 está pra lá de 400 milhões de dólares de receita, em apenas quatro dias em cartaz). A goleada foi tamanha (T3 é, agora, o recordista do feriadão) que muita gente se perguntou se este feriado marcava o fim de mais uma era dominada por estrelas, e anunciava um novo período em que o conceito era o grande atrativo para o público.

Um filme em que o conceito e os efeitos são importantes recebeu críticas melhores que um filme sem efeitos, com atores e um diretor importantes. Larry Crowne foi escalado para o 4 de julho como uma opção de programação, visando o público mais velho, possivelmente desgostoso com o festival de porrada de Transformers 3. O previsível seria que T3 levasse uma surra da crítica,enquanto o filme “adulto”, encabeçado por dois ganhadores de Oscar (e dirigido por um deles, Hanks) ganhasse pelo menos o triunfo estético. Não foi o que aconteceu: T3 é uma pipocada divertida, seguindo a fórmula exata dos anteriores, e não decepciona porque não promete mais que isso; Larry Crowne é previsível e banal, decepcionando quem  esperava mais

O filme com grandes estrelas foi financiado independentemente. Cinco, dez anos atrás os nomes “Julia Roberts” e “Tom Hanks” seriam o suficiente para os estúdios abrirem as portas dos cofres. Mas para realizar Larry Crowne Hanks teve que usar recursos próprios, complementados por financiamento de terceiros, como qualquer independente. Os 195 milhões de dólares de T3 foram inteiramente cobertos pela Paramount/Dreamworks. “É incrível sequer pensar nisso, mas o filme de Tom Hanks é o pequeno filme independente”, me disse um escolado soldado da indústria. “Não há mais lugar para esse tipo de projeto na matemática dos estúdios.”

O 3D ganhou novo fôlego. Nas semanas anteriores ao 4 de julho Michael Bay fez um verdadeiro apostolado do 3D, comparecendo a eventos, dando palestras e entrevistas (muitas delas ao lado do messias do 3D, James Cameron) com o fervor de um recém-convertido à técnica. Não sei se foi o papo ou a qualidade da produção, mas a verdade é que T3 reverteu a tendência do ano, que vinha mostrando um declínio veloz do consumo de ingressos para salas 3D: 60% dos ingressos para o novo Transformers veio de exibições em 3D, trazendo nova energia para o segmento.

E vocês, o que acham?  A era das estrelas acabou mesmo? O 3D veio para ficar?

 

 


Um cachorro falante, ETs hostis e os quintos dos infernos: o que há de interessante na TV, agora
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Ana Maria Bahiana

Agora que estamos todos (mais ou menos) conformados com o final de Game of Thrones e The Killing, e sabendo que o fim de ano vai trazer as segundas temporadas de Walking Dead, Boardwalk Empire e, finalmente, a nova de Mad Men, é hora de ver o que a TV oferece na meia –estação. E, entre séries novas e novas temporadas, muita coisa vale a pena:

Treme, segunda temporada (HBO)

Por que as pessoas parecem ter-se esquecido desta excepcional série, tão laudada em sua estréia, ano passado? Para meu paladar, esta segunda temporada está ainda melhor, menos preocupada em levantar a bandeira da indignação (que era a tônica da primeira, focada em Nova Orleãs imediatamente após o furacão Katrina ) e mais ocupada no que faz melhor: o desenho claro, detalhado, profundo, das vidas e personalidades de um grupo de pessoas e, através delas, do espírito de uma cidade.

O professor enfurecido de John Goodman faz parte da trama apenas como uma lembrança, um jovem empreendedor texano (John Seda) entra na história para ilustrar as mamatas da reconstrução da cidade, e as personagens femininas, principalmente o trio Ladonna (Khandi Alexander, magnífica) – Annie (Lucia Micarelli) – Sofia (India Ennenga) tornam-se os motores da narrativa. A cidade se define não mais como a vítima de uma sucessão de tragédias, mas como um ser vivo, capaz de sobreviver e se adaptar, negociando passado e futuro.

Entre as muitas virtudes de Treme, gosto especialmente do modo como a série usa a música não como um pano de fundo, mas como personagem,  um elemento vivo e ativo da história.Se a primeira temporada pertenceu, neste setor, ao Big Chief Lambreaux (Clarke Peters), esta segunda destaca o músico de rua Harley, encarnado pelo excepcionalmente talentoso compositor-multi instrumentista Steve Earle como a alma mesma da cidade, para quem música é o próprio ar que se respira.

Wilfred – estréia (FX)

Mega-sucesso na TV australiana, esta comédia surreal sobre a amizade entre um homem e um cachorro estreou esta semana no canal FX, com Elijah Wood no papel de Ryan, um jovem advogado em crise existencial , e  o australiano Jason Gann repetindo sua atuação como Wilfred, o cão que Ryan só consegue ver como um ser humano enfiado num óbvio traje peludo. É um artifício narrativo ousado _ a fatiota de Wilfred é claramente fajuta, parte integrante de algum delirio pessoal de Ryan.

Enquanto Ryan tem altos papos com Wilfred – que gosta de fumar unzinho e se se considera o namorado ideal de sua dona, Jenna (Fiona Gubelman)-  todos os demais personagens tratam Wilfred como o cachorro que ele é ( num breve momento, os espectadores tambem o vêem como um animal , o que só reforça o clima absurdista da série). Wilfred, somos convidados a pensar, é o inconsciente primitivo de Ryan, o lugar onde ele guarda instintos, desejos e hábitos que não ousa deixar aflorar. Mas o tom é de comédia rasgada que, para mim, funcionou melhor nos primeiros episódios, onde o artificio de Wilfred-o-cão-falante ainda era novidade. A série tem futuro? Checar, como referência, o cavalo falante da série Mr. Ed, dos anos 1950…

Falling Skies – estréia (TNT)

Steven Spielberg parece estar profundamente preocupado com o futuro da humanidade. Em sua outra série televisiva da safra 2011, Terra Nova (que estréia apenas em setembro), as condições apocalípticas em que a humanidade se colocou depois de vários desatinos ecológicos só podem ser corrigidas com uma marcha a ré radical.

Falling Skies, criada e escrita por Robert Rodat (O Resgate do Soldado Ryan, O Patriota) e produzida por Spielberg, oferece uma outra versão do fim do mundo: fomos invadidos e estamos sendo ocupados por ETs absolutamente hostis que nos tratam…. Hummmm…. Exatamente como os os colonizadores europeus trataram os habitantes originais das Américas. Em seu primeiro grande trabalho desde ER Noah Wyle se desimcumbe bem como o líder de um grupo de sobreviventes que se junta a improvisadas milicias de resistência na tentativa de repelir os invasores. Há muitos ecos de The Walking Dead nos temas de sobrevivência, familias separadas pela catástrofe, redefinições de hierarquias num mundo sem lei (e Walking Dead é melhor). O paralelo com a história norte (e sul..) americana dos tempos coloniais é o que torna FS mais interessante.

Breaking Bad -quarta temporada (AMC)

“Sempre soube que esta era a história da danação do meu personagem. Desde o início era bem claro que Mr.White estava numa viagem sem volta, de um modo ou de outro” – Bryan Cranston me disse isso ano passado, quando lhe perguntei se seu  personagem na vitoriosa série da AMC tinha alguma possibilidade de salvação.

A quarta temporada de Breaking Bad confirma tudo o que Cranston antecipou: retomando exatamente do momento em que Jesse (Aaron Paul, cada vez melhor) atira no competidor contratado pelo chefão Gus (Giancarlo Esposito) – a cena que encerrou a terceira temporada- a série enfia o pé no acelerador de uma curva descendente ao fundo dos infernos. O poder de BB é ver os pequenos passos, a mínimas concessões, as negociações pessoais, gradativas que pessoas que se consideram honestas fazem em sua caminhada para o lado sombrio da força. Jesse e Mr.White já perceberam que a dívida que contraíram não pode ser paga _ o nosso prazer sinistro é ver Bryan Cranston e Aaron Paul nos guiarem nessa jornada.

 


As regras do Oscar mudam de novo: deu a louca na Academia?
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Ana Maria Bahiana

Mo'Nique, o presidente Tom Sherak e os 10 de 2011

 

 

Semana passada a Academia fez barulho suficiente para lembrar a todo mundo que a temporada de prêmios, acreditem se quiserem, começa daqui a três meses.

Para começar, a lista da nova safra de acadêmicos revela algumas coisas interessantes: o desejo (e a pressa) da Academia de renovar e rejuvenescer seus quadros e, ao mesmo tempo, a bizarra lentidão de suas escolhas. Vamos lá, pessoal: John Cameron Mitchell, Lisa Cholodenko, Yojiro Takita, Gregg Araki, Susanne Bier, Terrence Blanchard, Aaron Sorkin, Nastassja Kinski, Wes Studi..só agora?

Depois, o já famoso anúncio de que as regras para indicação a melhor filme vão mudar de novo no periodo 2011-2012. Recapitulando: em  junho de 2009, revertendo ao sistema dos anos 1940,  a diretoria da Academia votou por unanimidade (com uma abstenção: Tom Hanks, representando o departamento de atores) a mudança de cinco para 10 indicados na categoria Melhor Filme. A nova regra deveria estar em vigor por um mínimo de três anos, e deveria voltar para aprovação ou repúdio apenas em 2012.

Tudo isso foi esquecido na semana passada: usando como base o percentual de indicações que filmes favoritos receberam nos últimos anos, a Academia  aprovou mais uma alteração da regra. Agora, para ser indicado a melhor filme, um título tem que receber 5% dos votos que o colocam em primeiro lugar na cédula.

Como vocês sabem, os votos para indicações ao Oscar (e Globos também) são por ordem de preferência: o votante tem que dizer qual é sua primeira, segunda, terceira, etc escolha. Pela nova regra, um título que receba 5% de escolhas em primeiro lugar está indicado para Melhor Filme. O número final pode variar de cinco a 10 _ mas, usando como comparação anos anteriores, a média de “melhores filmes” deve ser seis ou sete.

A pergunta- chave, é claro, é: por que? Por que a regra foi alterada em 2009, e por que o novo sistema não vingou? E a resposta para as duas questões é a mesma: popularidade. Ou, como já foi dito, desespero.

O Oscar pode ser o maior, mas não é a mais o único prêmio disputando a atenção de espectadores mundo afora. Há anos a audiência da festa de entrega vem caindo e, este ano, com 10 indicados, despencou ainda mais.  Um dos motivos, a diretoria da Academia acredita, é a perda de prestígio que a mudança de cinco para 10  indicados causou; e, pior ainda, a perda de prestígio não foi compensada pela inclusão de filmões comerciais, como a diretoria esperava. “Todo mundo achava que teriamos um ou dois arrasa quarteirões, mas em vez disso tivemos Inverno na Alma”, disse um acadêmico frustrado com as mudanças.

Que é um ótimo filme mas não o atrativo popular que a Academia esperava… A verdade mais profunda  pode estar no raciocínio de outro acadêmico que também não foi a favor nem da primeira nem da segunda mudança: “Não se fazem mais filmes como antigamente. Achar 5 filmes excelentes já é um desafio. Tentar aumentar isso pela manipulação das regras é um absurdo.”

 


A loucura da compaixão e outras lições dos finais de The Killing e Jogo de Tronos
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Ana Maria Bahiana

 

Duas séries importantes deste primeiro semestre encerraram suas temporadas de estréia ontem, com resultados bem diferentes: uma, The Killing, me deixou extremamente frustrada; a outra, Jogo de Tronos,  confirmou os altos padrões de concepção e execução que são sinônimos da HBO.

The Killing sofreu do mesmo problema que assombrou outra série da AMC, Rubicon: uma promessa constante de grandes mistérios e revelações que , no final, não se sustenta. A maioria das séries deste nível é planejada minuciosamente antes do início das filmagens, mas os primeiros 13 episodios de The Killing pareciam, muitas vezes, uma improvisação livre em torno do tema “quem matou Rosie Larsen?”

Vamos dar pontos positivos ao desenvolvimento dos personagens que o ritmo da série possibilitou: é raro ver, na TV, as reais consequências, sobre toda a familia, de uma morte súbita e violenta. E mais pontos pelo clima noir-com-chuva, não visto na telinha desde os tempos de Twin Peaks, de saudosa memória.

Mas eu achei o final uma bela tirada de tapete, vocês não concordam? Mais uma falsa resolução, mais um mistério encaixado na última hora, mais um gancho para ver se é possível prender a atenção do público até a segunda temporada. Para mim não funcionou, pareceu coisa feita sem pensar, sem planejar, sem honrar os compromissos com o espectador que já havia investido tanto nas promessas da série.

Jogo de Tronos é uma outra criatura. Um elemento poderoso que narrativas de época, fantasia e ficção científica tem em comum é a capacidade de comentar assuntos extremamente atuais e difíceis deslocando-os para outro lugar ou tempo. Ao colocar sua desenfreada luta pelo poder num universo  fictício, George R.R. Martin nos permite participar, sem sentir, de uma profunda reflexão sobre a natureza humana e seus diversos tombos e topadas no caminho evolutivo.

No mundo de Westeros, situado mais ou menos no equivalenea ao final da nossa idade média, os Sete Reinos tem um certo verniz de civilização: há reis e conselheiros, cavaleiros, professores, estradas e uma engenharia sofisticada o suficiente para construir um gigantesco muro como defesa contra o que sempre tememos – os outros, os que não-são-nós.

No mundo de Essos ainda estamos a poucos passos dos primatas que fomos, e a força bruta é energia predominante: o Khal que não mais pode cavalgar não mais pode liderar; a horda que estupra e escraviza está fazendo “um favor” aos vencidos.

Em ambos, contudo, o ser humano ainda não evoluiu para um plano onde questões morais mais complexas e delicadas possam ser exercitadas.  Em Essos, ao salvar a vida da feiticeira Mirri Maz Duur (Mia Soteriu), Daenerys (Emilia Clarke) tenta exercer a rara arte da compaixão _ o que, como se vê no capítulo final, leva a uma sucessão de tragédias e à pergunta-chave: “Do que você me salvou?”

Em Westeros, visitando o prisoneiro Ned Stark (Sean Bean) no episodio 9, Varys (Conleth Hill), o mestre dos espiões, chama de “loucura” a compaixão que  levou o desgraçado primeiro ministro  a comunicar à rainha Cersei (Lena Headey) a descoberta de sua longa conspiração_ causando, assim, a morte do rei Robert (Mark Addy) e, finalmente, a sua própria.

Seguindo fielmente o primeiro volume da série Uma Canção de Gelo e Fogo – com pequenas alterações que, na verdade, facilitaram a compreensão da história – os roetiristas David Benioff e David B Weiss mantiveram o foco nessa profunda discussão moral que é a essência da saga. Porque estamos num mundo claramente imaginado, as questões podem ser apresentadas assim, de modo puro, sem firulas.

E mantendo sempre seu poder como entretenimento, amplificado por magníficas interpretações (Peter Dinklage como Tyrion Lannister é meu favorito) e por valores de produção de tela grande.

Foram 10 ótimos episódios para responder à pergunta da estréia da série – “você sabe por que está morrendo?” – e nos deixar com água na boca para a segunda temporada, no primeiro semestre de 2012.

Eu só ainda não gosto nas perucas.

E vocês, o que acham?

 


Super 8: brincando nos campos do Senhor Spielberg
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Ana Maria Bahiana

A primeira coisa que você precisa saber sobre Super 8, de J.J. Abrams, é que é necessário suspender MUITO a descrença. Cartesianos super racionais talvez prefiram poupar o dinheiro do ingresso, o que seria uma pena, porque o filme é uma delicia. Se resolverem correr o risco, lembrem-se do meu aviso: não comecem a se perguntar “mas como?”, “como é que é?”, “como é possível?” e coisas do tipo.

A segunda coisa é que, como bem disse este crítico, Super 8 é “pornô Spielberg”: uma citação explícita, reverente, salivante, hard core de temas, imagens e signos spielberguianos.

Tem gente torcendo o nariz para isso, mas não me incluo nesse bloco. Tenho outros problemas com Super 8 _ a gigantesca quantidade de fé na premissa que nem sempre é recompensada nem com a lógica interna do roteiro; o final meio apoteose em fúria, jogando no liquidificador todos os possíveis e imagináveis elementos fantásticos de uma história que já estava implorando por um pouquinho mais de lógica.

Mas cultuar o (aliás produtor) Spielberg não é um desses problemas. Gosto sempre de lembrar que os humanos das cavernas foram  provavelmente os únicos com direitos exclusivos à originalidade absoluta. Nas artes populares contemporâneas saber escolher as referências é uma parte importante da qualidade final. Afinal, a geração de Spielberg (e Lucas, e Coppola, e Scorsese, e Friedkin) achava que estava fazendo seu próprio culto a Truffaut, Godard, Clouzot, Antonioni e Kurosawa ( e os Beatles e Rolling Stones tinham certeza de que sua música era i-gual-zinha a dos grandes mestres do blues dos anos 1940 e 50…)

Muito natural, portanto, que Abrams vá direto à veia da Geração 70, pegando como inspiração uma frase de uma entrevista de Coppola dos anos 1980 sobre o futuro do cinema – “algum dia alguma garotinha gorducha do Ohio vai ser o próximo Mozart e fazer um filme lindo com a camcorder de seu pai”-  e saturando sua premissa com o cânon spielberguiano.

Em Super 8 um garoto gorducho do Ohio faz um filme, não necessáriamente lindo,  com a super 8 do pai dele. E esta é, na verdade, a melhor parte da película de Abrams. O garoto  Charles (Riley Griffiths) é.. bem… o DW Griffith de uma turminha de moleques (Joel Courtney, Zach Mills, Ryan Lee, Andrew e Jakob Miller e a cada vez mais excepcional Elle Fanning) que, claramente inspirada por George Romero (conte as referências…) está fazendo um filme de zumbis em uma pacata cidade do interior.

Como todo bom realizador, Charles está interessado em “grandes valores de produção”, de preferência a custo zero, o que leva sua brava equipe a uma estação de trem no meio da noite. Algo acontece, a camereta continua rodando e a história se torna mais spielberguiana e mais fantástica a partir daí. As referencias  – a ET, Parque dos Dinossauros, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Guerra dos Mundos– se empilham, assim como o glossário de imagens spielberguianas: espelhos, automóveis, flashlights, rápidas aproximações da câmera.

A delícia não está aí: está no coração da trama, em sua inocência fundamental, no grupo de crianças, no limite da adolescência, buscando sua voz e sua visão, aprendendo a se relacionar entre si e com o mundo adulto, através da poderosa metáfora da fantasia, da imagem em movimento. O que acontece a partir da brusca interrupção de suas filmagens é divertido e segue em bom ritmo – exigindo cada vez mais a suspensão de descrença que mencionei lá em cima – até a mega apoteose final, absurdista ao ponto do bizarro (me lembrou a fruteira emergente do final de Segredo do Abismo. Não foi uma boa lembrança…)  Mas o que nos prende ao filme não é o fantástico: é o profunda e cândidamente humano.

Super 8 estreia dia 10 nos EUA e dia 12 de agosto no Brasil.E… fique até o final dos créditos…

 


O 3D morreu? Viva o 3D?
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Ana Maria Bahiana

 

Nas últimas duas semanas algo interessante aconteceu no mercado norte americano:  o 3D como atrativo de bilheteria mostrou sinais de declínio. Sinais claros, vindos do índice de vendas de ingressos, assinalaram o que pode ser , na melhor das hipóteses, um desinteresse momentâneo e, na pior, o começo de uma curva descendente, o ciclo final de uma tendencia.

Primeiro, vamos ver o quadro geral: a venda de ingressos nos EUA, neste primeiro semestre, está em media 20% abaixo do mesmo periodo ano passado. É o ponto mais baixo de uma curva descendente que vem desde 2002, e que foi interrompida brevemente em 2009-inicio de 2010 por Avatar.

O mega-sucesso de Avatar, como se sabe, levou os nervosíssimos chefões da indústria a uma conclusão simples: o 3D é a salvação! Não apenas é o que público deseja, mas também é um modo de vender ingressos mais caros, dando um reforço na receita!

Como sempre acontece nesses casos, neste nível, ninguém discutiu a necessidade de tais filmes serem tão bons, tão envolventes e tão tecnologicamente avançados  quanto Avatar.

Fast forward para o feriadão de Memorial Day, a última segunda feira de maio, que marca o início da temporada-pipoca, em geral a fase das vacas gordas para Hollywood: Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas, estreia no topo, como esperado _ mas apenas 46% de sua receita vem das exibições 3D. Uma semana depois, o filme é derrubado por Se Beber Não Case 2, em 2D. Mais sete dias – este final de semana – e Kung Fu Panda 2 fez pior: apenas 45% de seus ingressos vieram de exibições 3D.

A reação em Wall Street – que é onde realmente se resolvem  os destinos dos grandes estudios  e das empresas que deles dependem – foi rápida: as ações de empresas  do setor, como a Real 3D, despencaram vertiginosamente (11% em um dia, em um caso).

Na primeira eclosão do 3D, nos anos 1950, o entusiasmo das plateias durou exatamente três anos. Tentativas posteriores, nos anos 1970 e 80, resistiram menos tempo: um ano e meio, em media. Todas foram vitimadas pela mesma combinação de fatores: filmes vagabundos, falta de paciência com os óculos, problemas técnicos de exibição, alto custo do ingresso.

E nem assim ninguém aprendeu coisa alguma.

Existem algumas diferenças, contudo, entre as trajetórias anteriores do 3D e o que está acontecendo agora.

A primeira, e mais importante, é a força dos mercados internacionais, coisa que não existia em meados do século passado. O 3D pode estar caindo no consumo norte-americano, mas no exterior ainda é uma novidade pela qual, aparentemente, as plateias não se incomodam em pagar mais caro.

Na verdade, eu diria que todos os grandes lançamentos dos estudios, hoje, são criados, desenvolvidos e planejados visando em primeiro lugar o público fora dos EUA, de saturação mais lenta. Ou vocês acham que esses lançamentos simultâneos ou antecipados de arrasa-quarteirão são por acaso, ou apenas por conta do medo da pirataria?

O segundo elemento é o interesse na nova tecnologia por realizadores que não se alinham com o cinemão, como comentamos aqui, há pouco. A plasticidade e o poder visual da nova tecnlogia está oferecendo o que suas versões anteriores não tinham: a capacidade de ser uma real ferramenta narrativa, com resultados empolgantes e imprevisíveis.

E vocês, que estão consumindo o 3D além das fronteiras dos EUA, o que acham?

 


Uma conversa com Mel Gibson: “Dor é pré-requisito para o crescimento”
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Ana Maria Bahiana

Uma coisa eu sei sobre Mel Gibson: ele é extremamente volátil, uma personalidade complicada que pode estar sorrindo e brincando numa hora e explodindo minutos depois. Entrevistei Mel exatamente 18 vezes, começando com  Conspiração Tequila em 1989. Algumas vezes ele era um bom papo, brincalhão, amável. Outras vezes era um grosso, agressivo, especialmente se o entrevistador era mulher ou tinha um sotaque que revelava que o inglês não era sua primeira língua. Numa entrevista ele quase chorou contando seu velho problema com a bebida (na época ele estava sóbrio, e agradecia à paciência da então esposa, Robyn Moore). Em outra, pediu um prato de comida e respondeu todas as perguntas mastigando, a boca semi-aberta, comida caindo pelos cantos.

Colegas australianos que o conhecem de mais longa data dizem que ele sempre foi um homem com problemas – bebida, uma relação complicada com o pai – mas  que essas variações de humor se agravaram na mesma medida de sua fama e poder.

Nesta tarde de primavera em Los Angeles, Mel Gibson está em sua melhor forma como um cavalheiro, bem humorado e até contido. Ele entra na sala privada do hotel de luxo cercado por pelo menos uma dúzia de assistentes e divulgadores. Apesar da cordial jovialidade, há uma tensão palpável no ar: esta é a primeira entrevista de Gibson desde a tempestade que cercou sua separação da segunda mulher, Oksana Grigorieva e abalou, talvez para sempre, sua reputação na industria.

Com três décadas de tração no cinema, da Austrália a Hollywood, Gibson sabe perfeitamente o que está em jogo com Um Novo Despertar. Além de sucesso ou fracasso (o filme não foi bem de bilheteria nos EUA, e recebeu críticas mistas), o filme representa um pequeno passo na direção de… bem.. um novo despertar.

As sincronicidades entre filme e vida não param aqui.  Vigiado de perto pela tal entourage, Gibson usa seu personagem no filme do mesmo como como o personagem usa o fantoche: para falar, na terceira pessoa, daquilo que é complicado demais para ser dito.

Com um personagem intenso como Walter Black, onde você foi buscar referências para interpretá-lo?

_Imediatamente ele me pareceu um depressivo grave.  O que não acho que eu sou mas…. Todos nós temos altos e baixos. Todos nós somos afetados pelos mesmos elementos de estresse que este planeta oferece e, principalmente, que outras pessoas nos causam. Então pensei que era pegar isso…e… colocar numa escala maior. Conheço pessoas que, de tão deprimidas, não conseguem sair da cama. Letargia é um modo de expressar o desespero em que elas se encontram. É como elas expressam seu sofrimento interior.

Você utilizou algum incidente ou incidentes em sua própria vida como base?

_Alguns… e também coisas das vidas de outras pessoas… amigos… inimigos… É tudo uma vasta experiencia humana, não é mesmo? Tantas pessoas passam por isso… acho que é um tema adequado para um filme, explorar soluções…

No set de "Um Novo Despertar", com Jodie Foster e o castor

O que você faz quando passa por um estresse dessa ordem?

_ Hummm… massagem… massagem nos pés… acupuntura…. Não acredito em medicamentos. Acho que não são a solução. Para mim a solução é sempre espiritual.

Numa entrevista recente você disse que não se importa se jamais tiver que trabalhar como ator. Por que?

_ Eu gosto do trabalho de ator. Sou grato a ele. Mas a verdade é que já gostei muito mais. É uma relação diferente que tenho com o trabalho, hoje. Vendo jovens atores como Anton (Yelchin, que faz o filho de Walter Black no filme) eu me lembro de como eu era nessa idade, com 20, 21 anos. A atenção aos detalhes, o entusiasmo pelas menores coisas…. 35 anos depois você tem uma relação diferente com o ofício. É mais sobre a história que você está contando. Você se despe da auto-indulgencia. Seu foco passa a ser fazer as coisas com competencia, do modo mais verdadeiro possivel. Mesmo quando você está fingindo.

Por isso você se dedica tanto ao seu trabalho como diretor?

_ Em grande parte, sim. É o que mais me empolga, hoje. Eu sou uma pessoa séria. Eu adoro esta industria. Adoro estar envolvido na arte colaborativa que é o cinema. Hoje eu sinto uma satisfação muito maior quando estou do outro lado da câmera, participando da mesma experiência. De certa forma estou mais envolvido pessoalmente com histórias que são importantes para mim quando eu trabalho como diretor.

Por que as pessoas sofrem tanto, apanham tanto, são tão torturadas nos seus filmes?

_ A dor é um pre-requisito para o crescimento. É isso, só isso. Veja qualquer filme que você gosta: é alguem passando por um tormento, alguma luta. Há sempre algo perturbador acontecendo. É isso que faz uma boa história. Não sou só eu… bom… é… talvez eu coloque esses elementos de um modo diferente…

Se você não fosse ator, o que você seria?

_Um chef. Estou falando sério. Super sério. Sei cozinhar qualquer coisa. Às vezes tenho 50, 60 pessoas lá em casa e cozinho verdadeiros banquetes para todas elas.

 

Tags : Mel Gibson


No novo filme de Mel Gibson, a vida imita a arte que imita a vida
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Ana Maria Bahiana

Um Novo Despertar (The Beaver, Jodie Foster, 2010) é, em muitos aspectos, como um acidente de carro: você sabe que nada bom vai sair dali, mas não pode parar de olhar quando cruza com ele na rua ou na estrada.

Durante uns quatro anos este roteiro de Kyle Killen circulou pelos corredores do poder em Hollywood, incluido na elogiosa mas complicada lista de “os melhores roteiros não-produzidos”.  Killen _ nascido no Texas, formado pela prestigiosa escola de cinema da University of Southern California_ acabou estreando profissionalmente com Lone Star, uma série de TV  promissora (eu era fã) mas cancelada depois de dois episódios por falta de audiência. Ele está na fila de novo este ano, com a série Awake, interessantíssima, mas de cujo poder de fogo nas pesquisas de audiencia os analistas já estão duvidando.

Com essa perspectiva _ que Jodie Foster não tinha na época em que aceitou dirigir o projeto _ fico pensando em que tipo de perfil Killen tem. Possivelmente alguém que tem excelentes ideias mas se confunde com o próprio brilho de suas invenções e perde o caminho lá pelo meio da longa, trabalhosa jornada que é estruturar uma narrativa.

A premissa é fascinante (como era a de Lone Star e como é a de Awake): no meio de uma tenebrosa crise de depressão (cujas origens  nunca são explicadas, embora haja uma alusão à genética ) Walter Black, homem de meia idade , pai de familia e dono de uma fábrica de brinquedos, encontra a salvação através de um fantoche em forma de castor (o “beaver” do título). Com o fantoche em sua mão direita, Black cria um alter ego instantâneo, uma espécie de terapia ambulante através da qual se torna capaz de, finalmente, assumir  o controle de sua vida.

Numa dessas sincronicidades absurdas, Gibson, que se envolveu no projeto em 2009, a convite de Foster, sua amiga desde que os dois trabalharam juntos em Maverick, começou a filmar Despertar no meio da série de crises que abalaram sua vida em  2009-2010, quando sua ex-mulher Oksana Grigorieva divulgou as gravações das furiosas brigas do casal. Em outras palavras: enquanto Mel Gibson interpretava Walter Black, homem de meia idade, rico, pai de familia, caindo furiosamente por um poço sem fundo de angustia, fúria e depressão, ele era um homem de meia idade, rico, pai de familia, caindo furiosamente por um poço sem fundo de angustia, fúria e depressão.

Talvez este elemento explique a melhor coisa de Despertar: o próprio Gibson, numa interpretação tão visceral e poderosa que é impossível não pensar na correlação entre drama e vida. (Eu estou entre os que acham Gibson um bom ator que se tornou melhor com o passar dos anos e o áspero polimento dado pela vida).

O resto é complicado. Despertar começa como um estudo de personagem que se torna pouco a pouco absurdo, no bom sentido. Sua primeira meia hora é brilhante, e Foster parece ter a mão firme nas decisões de como significar, visualmente, a fratura da alma de Walter Black.

No exato momento em que as coisas se tornam realmente complicadas e interessantes, o roteiro dá uma guinada primeiro para a comédia – aquela historinha tão comum no cinemão americano, onde uma grande crise de repente se resolve de um modo bem engraçadinho – e depois, sem aviso prévio, para o filme de terror. Para terminar com tudo certinho, resolvido e explicado.

Há muitas boas ideias e pelo menos dois desempenhos fantásticos – Mel Gibson e Anton Yelchin, como o filho mais velho que teme estar seguindo os passos do pai. Mas a impressão que fica, no final das contas, é a de uma espécie de salada com melão, anchova e chocolate. Ou, talvez, o acidente de carro que você fica querendo olhar por todos os motivos errados.

Um Novo Despertar está em cartaz nos EUA (onde não foi bem nem de bilheteria nem de crítica) desde o dia 20 e estreia dia 27 no Brasil.

No próximo post, uma interessante conversa com Mel Gibson, aqui em Los Angeles.