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Último episódio da trilogia Frank Darabont: ”O poder do cinema fantástico é nos dar pesadelos sob controle”
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Ana Maria Bahiana

Darabont e parte de sua coleção, em seu escritório em Los Angeles

Nos episódios anteriores (posts dos dias 29 e 30/10) o diretor, roteirista e produtor Frank Darabont conta como nasceu e foi produzida  a série The Walking Dead, que  foi sucesso ontem aqui nos EUA e estreia amanhã, dia 2, no Brasil. Na terceira e última parte de nossa conversa, Darabont fala sobre seus pesadelos (estressantes), o estado de coisas no mundo e na indústria (aterrorizador), o eterno poder do medo na tela (sensacional) e como Guillermo del Toro e Alfonso Cuaron restauraram sua fé na humanidade e no cinema.

Qual é, na sua opinião, o tema central de The Walking Dead?

_ É uma jornada de um estado de perplexidade para a possibilidade de sobrevivência . E, finalmente, a perda gradual da inocência e da esperança.

Isso é terrível… seus zumbis estão dizendo, então, que a humanidade não tem saída, que jamais vamos conseguir consertar nossos erros?

_ Quando eu era mais jovem eu era mais otimista (ri). É fácil ser otimista na juventude. Quanto mais você vive, mais você vê como o jogo é sujo, como são cartas marcadas, e como a ganância é o motor de tudo. Mas, debaixo do meu profundo e horrível cinismo (ri mais ainda) ainda existe uma fagulha de otimismo. Senão… não valia a pena sair da cama, não é? Melhor fazer as malas e… (faz o gesto de dar um tiro na cabeça). Bum!

Com certeza eu amadureci muito ao ver, ao longo dos anos, como nossos sistemas políticos e financeiros são desesperadoramente corruptos, e como nossa espécie é desesperadoramente corrupta. É difícil achar nobreza no ser humano, acreditar na grandeza do espírito humano. Talvez em indivíduos, mas não no todo , em grupos, na espécie humana. Os zumbis são uma metáfora  clara para isso. A falta de racionalidade da espécie humana, e como somos perigosos, destruidores e estúpidos em grupos…

E qual o papel do cinema, nisso?

_ Eu já fui mais otimista quanto ao cinema, também… (ri) Hoje em dia eu vejo muito mais qualidade na televisão,  textos brilhantes, e, com certeza, temas adultos e complexos. Ouso dizer que os temas adultos e complexos, cada vez mais, vão ser privilégio da TV. É onde estão as oportunidades para abordar esses temas e contar essas histórias. Os filmes, hoje, não são tanto sobre as histórias e sim sobre a oportunidade de efeitos espetaculares. Veja bem, não tenho nada contra um filmão pipoca, adoro um  bom filmão pipoca, mas tem que ser bom, e não pode ser apenas pipoca… Fico triste pensando que, hoje, um filme como Um Dia de Cão (Sidney Lumet,  1975) talvez não conseguisse ser feito. A não ser na TV por assinatura.

Nenhuma esperança, então?

_ Na TV, com certeza, sim. Sou cada vez mais fã do que está se fazendo na TV. Battlestar Gallactica … demorei a descobrir essa série, mas quando vi, me apaixonei, comprei a caixa de DVDs e vi sem parar durante dias, trancado em casa. Sumi! E The WireDead Set… Mas tenho que admitir uma coisa: quando estou no meu pior pessimismo lá vem um filme ou dois que restauram minha fé. Aquele ano que teve O Labirinto do Fauno e Filhos da Esperança… fiquei empolgadíssimo. Ainda havia cinema! O cinema ainda era capaz de comover, contar histórias, fazer metáforas, abordar temas profundos! Fiquei imensamente grato a Guillermo del Toro e Alfonso Cuaron por restaurarem minha esperança.

O que aconteceu com seu projeto de refilmar Fahrenheit 451?

_ Não consigo  fazer, não é? Não consigo financiar. Mas não desisti.  E uma coisa tenho que dizer: Mel Gibson, que estava envolvido no projeto como diretor, graciosamente passou-o de volta para mim. Isso é muito raro nesta indústria, onde as pessoas se agarram aos projetos o quanto podem. Não sei o que está acontecendo com Mel estes dias mas, comgo, ele sempre foi corretíssimo.

Dos seus filmes, qual é o seu favorito?

_ Boa pergunta…  Um Sonho de Liberdade, é claro, tem toda uma carga, ganhou uma dimensão muito maior do que eu esperava. Mas adoro O Nevoeiro. É um filme raivoso, furioso. Eu estava furioso, muito frustrado, com raiva de tudo. E consegui por isso na tela de um modo muito bacana.

E entre os filmes dos outros?

_Ih, tem tantos…. Todos os de Frank Capra e Billy Wilder, para começar. Noite dos Mortos Vivos, de George Romero que me apavora até hoje e é um filme ousadíssimo  para seu tempo _ um negro é o líder! Em 1968!  E os monstros somos nós mesmos, nos devorando…E minha paixão, Frankenstein, o livro de Mary Shelley e o filme de David Whale. É a história mais potente que já foi contada, na minha opinião. Como uma garota de 18 anos pode ter escrito algo assim? Para mim é a história do drama essencial da humanidade em busca de Deus, do Criador, e perguntando a Êle: quem eu sou? Por que você me criou? Qual a minha finalidade?  E também é uma história sobre pais e filhos, e sobre uma criança, uma criatura-criança, maltratada e abandonada por seu pai.

Esse, para mim, é o poder do cinema, e principalmente do cinema de terror e de fantasia – nos proporcionar pesadelos sob controle, dos quais sabemos que vamos acordar e tudo vai estar bem, lá fora. E, dessa forma, podermos meditar e ter a experiência de nossas questões mais profundas.

Você tem pesadelos?

_ Não muitos. Em geral, antes de começar um filme, tenho pesadelos de ansiedade. Ele vão embora no set. Quando começo a filmar está tudo bem. Tenho também um pesadelo recorrente, desde a adolescência: que matei uma pessoa e enterrei no jardim da minha casa…. (Darabont fica quieto por um tempo, depois começa a rir) Ei! Vai ver que é aquele que está lá no jardim!

Fotos: Theo Kingma e Two Productions/AMC


Uma conversa com Frank Darabont, episódio 2: “Para mim zumbis são como políticos…”
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Ana Maria Bahiana

No episódio anterior , Frank Darabont (Um Sonho de Liberdade, `A Espera de um Milagre, O Nevoeiro) enterra um zumbi no jardim de seu escritório, dá detalhes de sua coleção de action figures, explica como fez Steven Spielberg sentar numa cadeira elétrica e conta as origens da série The Walking Dead (que estréia amanhã nos EUA e dia 2 no Brasil).

Nesta segunda parte, Darabont nos leva para o set de filmagem… e além:

Qual foi sua principal preocupação na realização de The Walking Dead?

_ Os zumbis tinham que ser verdadeiros e assustadores. O que as platéias tinham visto recentemente eram mortos vivos muito engraçados, em dois filmes que amo, Shaun of the Dead e Zombieland. Mas estamos contando uma história séria, trágica mesmo, e nossos zumbis não podem, em nenhum momento, ser engraçados. Essa foi a primeira discussão que tivemos com o elenco e com os maravilhosos, maravilhosos, figurantes que recrutamos.  Todos – os que fazem o papel de mortos-vivos e os que não – precisam estar o tempo todo imbuídos da seriedade da proposta. Sem essa convicção interior a história não se sustenta.

Onde vocês acharam tantos candidatos a zumbi?

_ Em Atlanta, onde filmamos. E o problema foi de fartura, e não de escassez! Tínhamos mais candidatos a zumbi do que precisávamos. Vou ser sincero: não tenho a menor ideia de onde saiu tanta gente talentosa e disposta a trabalhar duro. Eu não tinha noção de que havia toda uma subcultura de zumbis, que existiam Zombie Walks pelo mundo afora… Quando abrimos os testes, apareceram essas multidões, muita garotada, já prontos, vestidos, maquiados…. E eles diziam: que bom que  você está fazendo essa série, sou super fã de zumbis, participo de Zombie Walks…

A que você atribui tanto interesse em zumbis?

_ É uma metáfora muito poderosa, não é? É um ser monstruoso, mas é um ser humano. Somos nós. Acho que muita gente, como eu, ainda vive sob a impressão de  Noite dos Mortos Vivos, de George Romero  _ eu vi pela primeira vez aos 14 anos e fiquei apavorado durante semanas. O excelente filme que Zack Snyder fez , mais recentemente (Madrugada dos Mortos, 2004) deve ter alguma coisa a ver, assim como Extermínio, o maravilhoso filme de Danny Boyle. Mas sobretudo, como tudo aquilo que é realmente bom e forte no gênero fantástico, os zumbis permanecem  porque falam aos nossos medos mais profundos. Cada um encontra o significado que quiser.

O que os zumbis de The Walking Dead representam para você?

_ Os meus zumbis? Eu sempre acho que eles se parecem com políticos _ não tem finalidade alguma a não ser se alimentar dos vivos! (ri muito)

Toda a série foi rodada em locação em Atlanta? Ou você fez algo em estúdio?

_ Foi tudo feito em locação, em película,  16mm. Aprendi com The Shield (Darabont dirigiu o episódio Chasing Ghosts, em 2007) o quanto o 16mm  evoluiu e a qualidade de imagem que se pode obter com ele. Usamos pequenos sets para alguns interiores, mas lá mesmo. Era importante manter a veracidade da história, e os quadrinhos se passam em Atlanta em arredores.

E como foi?

_ Uma bênção e uma maldição. Uma bênção porque  Atlanta é um lugar excelente para filmar, ótimos técnicos, todas as facilidades possiveis, fechamos quarteirões inteiros, rodovias… E tivemos, como disse, aquela fartura de zumbis (ri).

Maldição porque fazia um calor insuportável, em torno de 40 graus todos os dias. Todo mundo suava em bicas. Nas sequências que filmamos no teto do prédio (e que estão no episódio 2. Guts) a temperatura devia ser de quase 50 graus. Não sei como os atores aguentaram. O  suor que você vê neles todos não é maquiagem, é de verdade!

Você só dirigiu o primeiro episódio,  Days Gone Bye, mas se manteve envolvido com toda a série?

_ Completamente. Trabalhei em todos o roteiros, e tive a felicidade de contar com um grupo de ótimos diretores para cuidar dos outros episódios enquanto eu montava o material, aqui em Los Angeles e Gale Ann Hurd permanecia no set.

E quando vocês começam a filmar a segunda temporada?

_ Quando a AMC disser que a primeira foi bem… E posso garantir que estou torcendo…

To be continued…


Uma tarde entre monstros ilustres: uma conversa com Frank Darabont
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Ana Maria Bahiana

Tem um zumbi no jardim do escritório de Frank Darabont. É um sujeito relativamente jovem para quem aparenta estar morto e enterrado há algum tempo. Aliás, nem uma coisa nem outra: seus braços se estendem, ansiosos, seu corpo semi-sepultado até o peito, a boca aberta num grito mudo. A grama muito bem cuidada cobre o canteiro à sua volta, até as roseiras plantadas junto ao muro, mas imediatamente ao seu redor há um círculo, limpo e deliberado, de terra batida.

“Êle não é simpático?”, Darabont comenta, depois de contemplá-lo  com uma mistura de satisfação e orgulho. “Achei numa loja de enfeites para jardim, bem a tempo para o Halloween. Mas vai ficar aí o ano todo, claro.”

Não sei onde Darabont compra seus adereços de jardim. Imagino a estátua de gesso do morto-vivo entre anõezinhos, flamingos, begônias, margaridas….  Mas com certeza o zumbi combina com o restante do escritório, uma espaçosa casa em estilo mediterrâneo nas colinas de Hollywood onde Darabont mantém sua produtora Darkwoods, decorada  com parte de uma invejável coleção de action figures, miniaturas,  props de filmes, posters e fotos. O exterminador-esqueleto de Exterminador do Futuro 2 (“Presente de Gale Ann Hurd”); as máscaras dos fantasmas da Casa Mal Assombrada da Disneylândia (“minha primeira memória apavorante”); uma réplica do Nosferatu de Max Schreck e da Criatura de Frankenstein de Boris Karloff (“nunca superados”); uma foto de Steven Spielberg sentado na cadeira elétrica de À Espera de um Milagre (“era uma tradição no set. Todo visitante tinha que sentar na cadeira. Fiquei com a cadeira, está guardada na garagem da minha casa, acho que vou por aqui no escritório…”).

“O restante da minha coleção está em casa e num depósito. Eu já assusto demais os funcionários com o que tenho aqui”, Darabon admite. “Só Guillermo del Toro e Peter Jackson tem mais objetos de terror e fantasia do que eu.”

É uma tarde amena de outono em Los Angeles. Dentro de algumas horas Darabont estará na premiere de The Walking Dead, a série baseada nos comix de  Robert Kirkman, que estréia na TV norte-americana domingo ( no Brasil, dia 2) e que Darabont produziu juntamente com Gale Ann Hurd. (O Exterminador do Futuro I e II, Segredo do Abismo, Aliens) Por enquanto, Darabont e eu nos sentamos entre o Exterminador e Boris Karloff para conversar sobre zumbis, pesadelos, cinema, televisão e o eterno poder do terror sob controle numa sala escura.

Nesta primeira parte, Darabont conta um pouco dos bastidores do nascimento da série:

Houve alguma dificuldade para realizar The Walking Dead na TV? Afinal, terror de verdade não é algo muito comum no horário nobre de canais por assinatura…

_ Na verdade, foi mais fácil que levantar a produção de um filme. Bastante rápido, também, sem obstáculos. A AMC mostrou desde o começo que estava apoiando e investindo no projeto. Normalmente você tem que fazer um piloto primeiro, testar as águas, a reação do público. Os executivos da AMC viraram para nós e disseram _ por que não fazemos uma mini-série com seis episódios, para realmente dar tempo de mostrar a proposta ao público,  dar tempo para a série encontrar sua platéia? Isso é uma raridade hoje em dia tanto na TV aberta quanto no cinema.

Qual a trajetória da narrativa nestes seis episódios?

_ O primeiro episódio, de uma hora e meia, que eu dirigi, é exatamente o roteiro que escrevi para o que seria o piloto. A partir daí minha preocupação  foi introduzir os personagens e estabelecer o mundo que êles habitam. Desde o começo, desde minhas primeiras conversas com Robert Kirkman , concordamos que íamos ampliar o material, deixar que ele expandisse, que respirasse, que nos sugerisse novas situações.

Meu foco sempre foi abraçar esses personagens e me deter sobre eles, em vez de disparar com a história _ o que seria mais simples, já que Robert tinha nos dado toda a planta-baixa da trama em seus comix. O primeiro episódio é Rick Grimes ( Andrew Lincoln) entrando nesse mundo apocalíptico. A partir do segundo episódio começamos a fazer esses desvios mais e mais… e é uma delícia! Queremos surpreender o público, inclusive o público que conhece os quadrinhos, queremos que êle reconheça aquilo que ama mas também nunca saiba o que vai acontecer. E no episódio 6 vamos por atalhos realmente inesperados…

Robert Kirkman está então completamente envolvido no processo?

Robert Kirkman e alguns amigos no set de The Walking Dead

_ Completamente. É uma das grandes alegrias deste projeto. Ele estava na primeira reunião comigo, em todos os trabalhos de roteiro, estava presente na sala dos roteiristas para criar cada episódio. Eu disse a êle que queria me deter sobre coisas sugeridas nos quadrinhos e criar novas situações a partir delas. E êle apoiou inteiramente, aliás adorou a ideia de ir nessa jornada pegando desvios, fazendo o jogo do “e se…” Para Robert é como fazer um riff novo sobre um tema que êle conhece muito bem.

Os comix levam a trama numa direção super sombria e terrível_ você vai levar a série nessa direção também? Ou existe algum tipo de pressão da AMC para abrandar o material?

_ Não há interferência alguma. Nunca houve, em nenhum momento, qualquer tipo de sugestão, temos liberdade completa para tratar o material.  Imagino que a série vai mesmo ser sombria e assustadora, provavelmente mais sombria e assustadora que qualquer outra coisa que já se viu na TV. Por exemplo: adoro o Governor, é um personagem fantástico e com certeza quero chegar até êle.

Em algum momento você pensou em adaptar The Walking Dead para o cinema?

_ Não. Uma das coisas que amei no material original é seu longo arco narrativo, o modo como a trama se desenvolve gradualmente. E isso é perfeito para TV. É o tipo de história que a TV nasceu para contar. Você pode contar um tipo de história nas duas horas de um filme _ é um foco mais restrito, que você tem que manter se vai fazer a coisa direito, sem alienar a platéia. Na TV você tem essa maravilha que é o tempo para desenvolver uma trama.

To be continued…

Fotos:Theo Kingma; Two Productions/AMC


Rocky Horror Glee Show esquenta a semana de Halloween
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Ana Maria Bahiana

A semana de Haloween na TV continua melhor que nos cinemas. Ontem foi ao ar o muito badalado e antecipado especial Rocky Horror Show de Glee _ que ganhou até pré-estréia à meia noite no mesmo cinema que abriga as midnight sessions do Rocky Horror Picture Show, o poeira-de-luxo Nuart, aqui em Los Angeles. Com roteiro do showrunner Ryan Murphy e direção de Adam Shankman (Hairspray), o episódio foi o campeão de audiência de ontem, com mais de 11 milhões de espectadores.

Pisando com cuidado para não detonar os odiados spoilers, digo que o episódio foi charmoso e divertido, em grande parte porque resolveu muito bem o grande problema da empreitada: como integrar um texto anárquico e sexualmente insolente como Rocky Horror Show com a vida  num ginásio do meio oeste norte-americano como o de Glee.

O outro ponto positivo do Rocky Horror Glee Show foi sua conhecida habilidade de comentar temas atuais e complexos de modo leve mas eficiente _ uma qualidade que, desde o começo, tornou a série da Fox bem diferente de sua rival mais óbvia, a High School Musical da Disney. Diversidade sexual e estética, aceitação do corpo, criatividade, rebeldia versus conformismo, temas comuns em Glee,  encontraram  o lugar certo na inusitada proposta de Mr. Schue (Matthew Morrison) de transformar a peça cult dos anos 1970 em musical ginasiano (por motivos nada educacionais, como se verá). A alfinetada nos métodos alarmistas da direita norte-americana em ano eleitoral ficou por conta da sempre maravilhosa Sue Sylvester de Jane Lynch (com a ajuda de Meat Loaf numa ponta como o novo diretor da estação de TV local).

Na cola de Glee, a nova série da Fox, Raising Hope, também fez bonito com seu episódio de Halloween – com destaque para o Batman mais patético e lírico que já  vi, vestido com orgulho pelo “Jimmy” de Lucas Neff.

Criada por Gregory Thomas Garcia – que era da equipe de My Name is Earl e está estreando como showrunner- Raising Hope tem sido o destaque da nova temporada da Fox, sucesso de crítica e público.

Muito bem escrita, com ótimo elenco (além de Neff, Martha Plimpton, Garret Dillahunt e Cloris Leachman), Hope traz para a tela o cotidiano de um tipo de família que raramente consegue lugar no horário nobre: pessoas de vida muito modesta, com zero auto-piedade. Neff é estoquista num supermercado, criando uma filha de seis meses (a Hope do título) com a ajuda da mãe faxineira (Plimpton), do pai jardineiro (Dilahunt) e da avó doida de pedra (Leachman, genial).

Não esperem discursos populistas _ Raising Hope está mais para Simpsons que para neo-realismo italiano, e sua dose certa de humor e coração é outro exemplo de boa TV.

E já que estamos no tema “boa TV” aproveito para recomendar a nova série policial Luther, da BBC, estrelada e produzida por Idris Elba. Não tem nada a ver com Halloween – descontando os serial killers e companhia – mas é consistentemente genial. Mais ou menos como se House fôsse inglês e trabalhasse para a polícia de Londres…


Na semana do terror, a TV sai na frente _ de novo
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Ana Maria Bahiana

Última semana de outubro: época tradicional para os lançamentos de terror e suspense. E, no entanto, não estou nem um pouco animada com as opções deste ano. Atividade Paranormal 2? Ai. (Se bem que admiro o esforço de fazer um filme com micro-orçamento que triunfa na bilheteria…)

Como já está se tornando padrão, vamos para a TV, onde coisas muito mais interessantes e emocionantes nos esperam:

Sherlock, co-produção em três episódios da BBC Wales e da rede pública norte-americana PBS é a mais deliciosa adaptação da obra de Conan Doyle que já vi desde Young Sherlock Holmes, de Barry Levinson, em 1985 (não, o de Guy Ritchie não me convenceu…). Crédito em primeiro lugar à dupla Steven Moffat e Mark Gatiss, que já havia trazido nova vida ao mega-cult Dr. Who (Moffat também é o autor do roteiro de Tintin e o Segredo do Unicórnio, aquele de Steven Spielberg e Peter Jackson, e Gatiss tem uma ponta na micro-série como Mycroft, o irmão de Sherlock).

Moffat e Gatiss, roteiristas e produtores, dão uma verdadeira aula de adaptação:  em vez de manter a trama no século 19 e tentar modernizá-la no estilo narrativo (como Guy Rtchie) eles desmontam o cânon sherlockiano e o transportam, peça por peça, para a Londres do século 21. Sherlock (Benedict Cumberbatch, de Atonement, Creation) é um super-nerd com o racionício mais veloz do planeta e  nenhum trato social,  que pilota smartphones (dos outros, em geral) à velocidade da luz, ou quase.  Não fuma cachimbo, pelo contrário: está tentando parar de fumar com muitos adesivos de nicotina pregados ao mesmo tempo. E certamente consome drogas ilegais, embora não goste de falar sobre o assunto. O Dr. Watson (Martin Freeman, o futuro Bilbo de O Hobbit) é um ex-médico militar, veterano do Afganistão, que se torna roomate de Holmes no apartamento de  Baker Street, 221B e acaba descrevendo as aventuras dos dois num blog. Uma piada recorrente da micro-série é a suspeita de  quase todo mundo quanto a uma  ligação romântica entre os dois – que, sendo Londres em 2010, não tem nada demais, mas enfurece Watson.

Poderia ser apenas engraçadinho, mas não é _ é empolgante como devem ter sido as primeiras histórias publicadas em série na Londres vitoriana. Holmes e Watson tornam-se verdadeiros personagens, multifacetados e complexos, inteiramente plausíveis na vida do século 21. Moffat e Gatiss inspiram-se nos textos de Conan Doyle – especialmente A Study in Scarlet e The Five Orange Pips– para criar novas tramas, fiéis em espírito aos princípios sherlockianos. É uma delícia – principalmente o primeiro da trilogia, A Study in Pink, e o terceiro, The Great Game, que apresenta genialmente o arqui-inimigo Moriarty.

Sherlock já foi exibido na Grã Bretanha em julho e estréia hoje nos EUA. Está disponível também em DVD/Blu Ray.

The Walking Dead,  produção da cada vez mais ambiciosa AMC, é outro triunfo de adaptação. Os produtores Frank Darabont (diretor de Shawshank Redemption, Green Mile e do primeiro episódio da série) e Gale Ann Hurd (sem a qual O Exterminador do Futuro não existiria) abordam a série de premiadas graphic novels de Robert Kirkman (com os desenhistas Tony Moore e Charlie Adlard) com uma preocupação maior com conteúdo do que com forma.

É comum – e fácil- traduzir para o audiovisual o estilo  de comix e graphic novels: são formas de narrativa muito próximas uma da outra. Mais complicado, e muito mais interessante, é ir além do estilo, descobrir as qualidades e possibilidades dos personagens, quem eles são e por que agem, e como os elementos da trama têm impacto sobre êles. Esse é o grande trunfo de The Walking Dead : usar a poderosa metáfora dos mortos –vivos (que afinal somos nós, humanos, supensos além de vida e morte)  para explorar nossos medos, nossas dores, nossa humanidade.

O bom terror é o que responde à altura à pergunta-chave: o que nós não admitimos perder de jeito nenhum? The Walking Dead responde de forma completa: é menos sobre os zumbis e mais sobre quem êles deixaram para trás, e as complicadas relações entre êles. Afinal, como o  clássico de George Romero antecipa em seus minutos finais, a fronteira entre um ser amado e um monstro é muito tênue no mito dos mortos-vivos.

O elenco- liderado por Andrew Lincoln como o xerife Rick Grimes- é sólido, os efeitos  visuais são excelentes, as locações em torno de Atlanta, perfeitas e os zumbis, porque não dizer, são super cool. Uma certa semelhança com Extermínio, de Danny Boyle (hospital, epidemia, etc)  paira sobre os primeiros minutos do episódio de abertura,  mas vai embora rapidamente. Daí em diante The Walking Dead é original, assustador e, muitas vezes, emocionalmente devastador.

The Walking Dead estréia no domingo dia 31, aqui nos EUA e no Brasil dia 2 de novembro, no canal Fox.


Nos finais de Mad Men e Rubicon, a inteligência contagiosa da TV
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Ana Maria Bahiana

Duas séries importantes tiveram seus episódios finais neste domingo, aqui, e estou devendo meus comentários. Tenho, contudo, uma ótima desculpa: só agora estou me recuperando de um ser daninho (vírus, bactéria, mini-alien, quem sabe?) que me derrubou esta semana.

Como é quase impossível falar sobre ambas sem revelar alguma coisa sobre seu conteúdo, já vou avisando que, se você é totalmente alérgica/o a  qualquer informação sobre algo que não viu, talvez deva ir para outro post. Prometo fazer o máximo para evitar os odiados SPOILERS, mas nunca se sabe…

Mad Men, primeiro. A quarta temporada começou com uma pergunta _ “Quem é Don Draper?” _ e terminou com a canção “I got you, babe”, de Sonny and Cher, hit pop teen de 1965. A pergunta não foi inteiramente respondida, mas, com certeza, foi explorada minuciosamente nos 13 episódios que levaram Don Draper-Dick Whitman (Jon Hamm) a duelar entre si com a fúria de um Dr. Jekyll e um Mr. Hyde, cada um o monstro do outro, a persona inventada rachando sob a pressão de várias rejeições – divórcio,  a instabilidade da nova agência – e o caipira desertor exigindo afeto, refúgio, perdão. Passado e futuro chocaram-se ruidosamente, repercutindo, no nível pessoal, as mesmas encruzilhadas que começavam a se delinear para toda a sociedade: fumar ou não fumar?, maconha ou heroína?, guerra fria ou guerra quente?, pílula ou aborto?

Foi uma temporada para Jon Hamm mostrar tudo o  que é como ator, capaz, como disse o criador Mathew Weiner ,de “modificar o rosto e a postura de tal modo que parece que sua própria estrutura óssea mudou”. Quando Anna (Melinda Page Hamilton) o chama de “Dick”, tudo nele muda, há uma regressão, um olhar de menino abandonado, uma humildade e uma humanidade que Don Draper, super-herói da Sexta Avenida, desconhece.

Foi também a temporada das mulheres:  Peggy Olson (Elizabeth Moss), avançando na vida e no trabalho como sua geração de fato faria; a Dra. Faye Miller (Cara Buono) mostrando-se igual, ombro a ombro, com Don (provocando uma mistura de fascínio e terror que foi um dos grandes ímãs da temporada); e Sally, ah! minha querida Sally! (Kiernan Shipka) anunciando o que as mulheres seriam mais adiante, emergindo da infância de conforto material e abandono emocional nos subúrbios para uma nova identidade nos anos 70.

No final, Don resolveu o conflito com Dick saindo pela tangente, como tantos homens de sua geração _ e além. Na última imagem da quarta temporada ele olha para a janela – o futuro- enquanto a escolha que fez dorme ao seu lado. Há uma outra pergunta em seu olhar, e ela pode muito bem ser a mesma que abriu a série.

Rubicon também terminou com um homem só, enfrentando um monstro que tentara decifrar durante toda a temporada. A diferença é que , para Will Travers (James Badge Dale), o monstro está fora; sua alma e sua intenção são claras e precisas, e seu conflito é com a areia movediça da “comunidade de inteligência” na qual trabalha, e da qual nunca pensou suspeitar.

Faltou à série a qualidade de roteiro que sempre foi o sustento de Mad Men – a narrativa custou a engrenar, pedindo ao  espectador um tempo e uma paciência difícil de obter na telinha. Quem persistiu, ganhou – Rubicon complicou-se maravilhosamente do episódio 5 em diante, e teve uma arrancada fascinante em seus três últimos episódios, com Will na situação clássica dos thrillers políticos dos anos 70: o único homem honesto que compreende inteiramente o que está acontecendo, mas pode fazer quase nada.

No momento em que escrevo, não se sabe se a AMC vai ou não encomendar mais 13 episódios de Rubicon – mas, em nome da cada vez mais contagiosa inteligência da TV, torço que sim.


Sexo, drogas e revolução: o terrorista como rockstar no “Carlos” de Olivier Assayas
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Ana Maria Bahiana

Está no ar esta semana no Sundance Channel a minissérie Carlos, de Olivier Assayas, sensação em Cannes e primeiro lançamento de um belo pacote de projetos de ficção do canal – que inclui Tríplice Fronteira, de José Padilha.

Carlos é um banquete de cinema, não importa em que tela esteja. Como todo banquete – são quase seis horas de duração, divididas em três partes – tem momentos deliciosos e nem tanto, altos e baixos. Poderia ser mais curto, mais concentrado, menos disperso – depois de algum tempo é fácil perder o rumo entre tantos personagens, cidades, países e intrigas políticas. Mesmo assim é uma experiência cinematográfica de imenso vigor e ousadia, uma releitura ao mesmo tempo pensativa e insolente das raízes do drama geopolítico que vivemos hoje. Pensar que algo assim, filmado em oito locações em três continentes, foi possível graças à parceria de duas independentes de TV – o Canal Plus francês e o Sundance norte-americano – dá mais elementos para o debate TV-como-novo-cinema que ocupa as melhores mentes da indústria, hoje.

A comparação com o igualmente vasto Che de Steve Soderbergh é imediata e natural. Ambos focalizam figuras históricas com os mesmos traços – Che Guevara, o argentino apóstolo da luta armada na América Latina nos anos 1960; Ilich Ramirez Sanchez, codinome “Carlos”, o venezuelano responsável, entre 1975  1985, por algumas das mais espetaculares ações terroristas em solo europeu, em nome da Frente Pela Libertação da Palestina.

Mas enquanto o Che Guevara de Soderbergh/Benicio del Toro era um idealista consumido pela paixão de suas ideias, o Carlos de Assayas/Édgar Ramirez é, acima de tudo, um rockstar: vaidoso, temperamental, arrogante, incapaz de resistir às mulheres e à celebridade. Fala muito em seu compromisso com “a luta internacionalista”, “a defesa dos oprimidos”e “a derrota do imperialismo” – mas quase sempre quando quer finalizar uma nova conquista. No primeiro episódio , confessa: “minha religião é o marxismo”. No terceiro, abre uma negociação com “é claro que sou muçulmano”. Jeans, casaco de couro, costeletas, cabeleira, uma boina-Che no auge de sua glória, Carlos vive na estrada, coleciona groupies, exige obediência cega de seus subordinados, cheira cocaína no meio de um sequestro e detesta longos compromissos.

Quando ele diz que quer “criar um novo grupo” é com a mesma animação de quem diria “quero criar uma nova banda”. Cada ação que planeja é coreografada para máximo impacto de mídia, e Carlos apregoa seu nome enquanto dá tiros e faz reféns. Suas trocas de lealdade a sortidos grupos extremistas – as Células Revolucionárias alemãs, o Exército Vermelho japonês, os palestinos, os sírios, os iraquianos, os líbios – são motivadas e executadas como quem troca de gravadora. Carlos acompanha com prazer a cobertura de seus feitos na mídia; em dado momento, sentindo a queda em sua “popularidade”,  coordena uma entrevista exclusiva com um jornalista sírio _ mas quando a matéria publicada não sai como queria, manda matar o pobre repórter.

Assayas enfatiza esse olhar ao rechear a trilha de Carlos com rock dos anos 70-80, não necessariamente contemporâneo a cada data da narrativa, mas extremamente coerente com o espírito da obra: ambos expressam a mesma mistura de raiva e vaidade, desejo de destruição e de sucesso, uma espécie de brilho caótico sonhando, em tese, com uma vida breve e uma morte gloriosa – mas tentando adiá-la ao máximo. É particularmente feliz e dramático o uso de “Dreams Never End”, do New Order, como assinatura musical do personagem Carlos, e as duas canções que encerram os episódios:”El sueno americano” , da banda argentina La Portuaria, nos episódios 1 e 2, e “La pistola y el corazon”, dos angelenos Los Lobos, no episódio final.

Assayas e o co-roteirista Dan Franck dizem ter baseado a minissérie em pesquisa independente, e não nos muitos livros já escritos sobre ou inspirados pela legendária figura, apelidado pela mídia da época de Carlos, O Chacal. Um aviso no início de cada episódio alerta para a natureza fictícia de muitas passagens da história . Assayas está no comando, e seu Carlos é um personagem cuidadosamente calibrado para nos fascinar e repugnar em rápida sequência, muitas vezes ao mesmo tempo.

O fascinante da série, especialmente seus dois primeiros episódios, é seu ritmo impecável, um verdadeiro thriller internacional  com notável controle da narrativa. O terceiro e mais longo episódio é o mais fraco, talvez porque o mundo em que Carlos habita – o universo pós-guerra-fria, onde militantes são antes de tudo fundamentalistas religiosos – seja mais complicado que as claras trincheiras dos 70. No final, Carlos não tem a morte gloriosa com que sonha – apenas esmaece aos poucos, isolado , rancoroso e incompreendido como um rockstar sem plateia.


Era uma vez na América: em Boardwalk Empire, o crime compensa
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Ana Maria Bahiana

A Las Vegas do Atlântico em seu apogeu em 1920 é o cenário da nova série produzida por Martin Scorsese

Estréia daqui a pouco na HBO neste domingo, aqui nos EUA, Boardwalk Empire, a nova série criada por Terence Winter (o homem que nos deu Família Soprano), produzida por Martin Scorsese, Mark Wahlberg e  Stephen Levinson (Entourage, In Treatment). É o marco zero da temporada de outono na TV norte americana que, pelo que já pude ver, tem petiscos de alto nível: The Walking Dead, de Frank Darabont, Lone Star,  The Event, a nova temporada de Fringe, o Hawaii 5-0 reinventado e divertido. (E ano que vem ainda teremos a minissérie Mildred  Pierce, com Kate Winslet, Todd Haynes na direção; e Camelot, a saga arturiana por Ridley Scott.)

Boardwalk Empire está num outro plano. Vi seis dos 13 episódios da série e posso dizer, com segurança, que é, como Sopranos, um trabalho que vai estabelecer um novo padrão para a produção em TV. Ouso dizer que vai perturbar quem, na indústria da tela grande, ainda pensa em cinema também como projeto artístico – é mais uma cutucada que a liberdade criativa da TV, ancorada na certeza da distribuição e da presença do público, aplica no cinemão tão ansioso com a crise.

Para mim, três coisas imediatamente chamaram a atenção: a maturidade da linguagem narrativa, muito mais próxima do  bom cinema do que da TV; os valores de produção, que também são de filme de grande porte; e a uniforme e alta qualidade do desempenho de todo o elenco, com destaque para Steve Buscemi, que carrega toda a série num tipo de papel que ainda não o vimos fazer.

O rei de Atlantic City: Buscemi como Nucky Thompson

Teve gente na crítica norte-americana que cismou com Buscemi, achou-o deslocado no papel, reclamaram de sua “voz metálica”. Discordo completamente: Buscemi constrói seu Nucky Thompson, o imperador de Atlantic City, com todas as nuances de alguém capaz de ternura e corrupção ao mesmo tempo,  violento com toda a frieza e a calma dos verdadeiros gângsters, charmoso como todo bom político, irônico, tristíssimo, complicado. Sem ele, Boardwalk Empire não seria talvez tão hipnótico, tão irresistível de ver.

Nucky, escrito magistralmente por Winter e sua equipe, é cem por cento imprevisível, e seu universo inclui um andar inteiro do hotel Ritz Carlton (com um mordomo alemão), várias amantes, amigos em quase todas as máfias, inclusive o senado, e uma devoção por ternos italianos e bebês prematuros.

Boardwalk Empire nasceu do livro  “Boardwalk Empire: The Birth, High Times, and Corruption of Atlantic City” de Nelson Johnson, um ex-funcionário da secretaria de planejamento da cidade que, de tanto cavucar os detalhes do passado da “Las Vegas do Atlântico” tornou-se um de seus maiores historiadores. Johnson estava particularmente interessado na figura de Enoch “Nucky” Johnson (nenhum parentesco), tesoureiro da cidade na década de 1920, responsável tanto pelo boom de turismo que enriqueceu Atlantic City quanto pela criação de uma rede de corrupção e crime de dar inveja a Chicago.

Transformado no Nucky Thompson de Steve Buscemi, ele é o centro da série da HBO, um rei-sol do período da lei seca nos EUA, mantendo em sua órbita gângsters como Lucky Luciano (Vincet Piazza), Armold Rothstein (Michael Stuhlbarg, sensacional) e um jovem Al Capone (Stephen Graham, espetacular) ao mesmo tempo em que seduz as senhoras da Liga Contra o Álcool com passionais discursos, cem por cento mentirosos (a ótima Kelly McDonald, de Onde os Fracos Não Tem Vez, é uma delas) e educa um jovem veterano da Primeira Guerra, Jimmy (Michael Pitt, excelente) nos caminhos do sucesso a qualquer preço.

Young guns: Michael Pitt é Jimmy, braço direito de Nucky, e Stephen Graham encarna o jovem Al Capone

“Eu não podia resistir a uma série sobre as origens do crime organizado nos Estados Unidos”, disse Martin Scorsese para explicar seu papel como produtor da série  e diretor do primeiro episódio de Boardwalk Empire. E o que torna ainda mais interessante essa documentação de um outro tempo, quase 100 anos atrás, é o paralelo com uma outra América em apuros, fracionada por outros tipos de quadrilhas, outros tipos de corrupção, outros fanáticos conservadores – a América de hoje, na ressaca dos tempos em que a ganância era uma virtude.