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Uma tarde entre monstros ilustres: uma conversa com Frank Darabont
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Ana Maria Bahiana

Tem um zumbi no jardim do escritório de Frank Darabont. É um sujeito relativamente jovem para quem aparenta estar morto e enterrado há algum tempo. Aliás, nem uma coisa nem outra: seus braços se estendem, ansiosos, seu corpo semi-sepultado até o peito, a boca aberta num grito mudo. A grama muito bem cuidada cobre o canteiro à sua volta, até as roseiras plantadas junto ao muro, mas imediatamente ao seu redor há um círculo, limpo e deliberado, de terra batida.

“Êle não é simpático?”, Darabont comenta, depois de contemplá-lo  com uma mistura de satisfação e orgulho. “Achei numa loja de enfeites para jardim, bem a tempo para o Halloween. Mas vai ficar aí o ano todo, claro.”

Não sei onde Darabont compra seus adereços de jardim. Imagino a estátua de gesso do morto-vivo entre anõezinhos, flamingos, begônias, margaridas….  Mas com certeza o zumbi combina com o restante do escritório, uma espaçosa casa em estilo mediterrâneo nas colinas de Hollywood onde Darabont mantém sua produtora Darkwoods, decorada  com parte de uma invejável coleção de action figures, miniaturas,  props de filmes, posters e fotos. O exterminador-esqueleto de Exterminador do Futuro 2 (“Presente de Gale Ann Hurd”); as máscaras dos fantasmas da Casa Mal Assombrada da Disneylândia (“minha primeira memória apavorante”); uma réplica do Nosferatu de Max Schreck e da Criatura de Frankenstein de Boris Karloff (“nunca superados”); uma foto de Steven Spielberg sentado na cadeira elétrica de À Espera de um Milagre (“era uma tradição no set. Todo visitante tinha que sentar na cadeira. Fiquei com a cadeira, está guardada na garagem da minha casa, acho que vou por aqui no escritório…”).

“O restante da minha coleção está em casa e num depósito. Eu já assusto demais os funcionários com o que tenho aqui”, Darabon admite. “Só Guillermo del Toro e Peter Jackson tem mais objetos de terror e fantasia do que eu.”

É uma tarde amena de outono em Los Angeles. Dentro de algumas horas Darabont estará na premiere de The Walking Dead, a série baseada nos comix de  Robert Kirkman, que estréia na TV norte-americana domingo ( no Brasil, dia 2) e que Darabont produziu juntamente com Gale Ann Hurd. (O Exterminador do Futuro I e II, Segredo do Abismo, Aliens) Por enquanto, Darabont e eu nos sentamos entre o Exterminador e Boris Karloff para conversar sobre zumbis, pesadelos, cinema, televisão e o eterno poder do terror sob controle numa sala escura.

Nesta primeira parte, Darabont conta um pouco dos bastidores do nascimento da série:

Houve alguma dificuldade para realizar The Walking Dead na TV? Afinal, terror de verdade não é algo muito comum no horário nobre de canais por assinatura…

_ Na verdade, foi mais fácil que levantar a produção de um filme. Bastante rápido, também, sem obstáculos. A AMC mostrou desde o começo que estava apoiando e investindo no projeto. Normalmente você tem que fazer um piloto primeiro, testar as águas, a reação do público. Os executivos da AMC viraram para nós e disseram _ por que não fazemos uma mini-série com seis episódios, para realmente dar tempo de mostrar a proposta ao público,  dar tempo para a série encontrar sua platéia? Isso é uma raridade hoje em dia tanto na TV aberta quanto no cinema.

Qual a trajetória da narrativa nestes seis episódios?

_ O primeiro episódio, de uma hora e meia, que eu dirigi, é exatamente o roteiro que escrevi para o que seria o piloto. A partir daí minha preocupação  foi introduzir os personagens e estabelecer o mundo que êles habitam. Desde o começo, desde minhas primeiras conversas com Robert Kirkman , concordamos que íamos ampliar o material, deixar que ele expandisse, que respirasse, que nos sugerisse novas situações.

Meu foco sempre foi abraçar esses personagens e me deter sobre eles, em vez de disparar com a história _ o que seria mais simples, já que Robert tinha nos dado toda a planta-baixa da trama em seus comix. O primeiro episódio é Rick Grimes ( Andrew Lincoln) entrando nesse mundo apocalíptico. A partir do segundo episódio começamos a fazer esses desvios mais e mais… e é uma delícia! Queremos surpreender o público, inclusive o público que conhece os quadrinhos, queremos que êle reconheça aquilo que ama mas também nunca saiba o que vai acontecer. E no episódio 6 vamos por atalhos realmente inesperados…

Robert Kirkman está então completamente envolvido no processo?

Robert Kirkman e alguns amigos no set de The Walking Dead

_ Completamente. É uma das grandes alegrias deste projeto. Ele estava na primeira reunião comigo, em todos os trabalhos de roteiro, estava presente na sala dos roteiristas para criar cada episódio. Eu disse a êle que queria me deter sobre coisas sugeridas nos quadrinhos e criar novas situações a partir delas. E êle apoiou inteiramente, aliás adorou a ideia de ir nessa jornada pegando desvios, fazendo o jogo do “e se…” Para Robert é como fazer um riff novo sobre um tema que êle conhece muito bem.

Os comix levam a trama numa direção super sombria e terrível_ você vai levar a série nessa direção também? Ou existe algum tipo de pressão da AMC para abrandar o material?

_ Não há interferência alguma. Nunca houve, em nenhum momento, qualquer tipo de sugestão, temos liberdade completa para tratar o material.  Imagino que a série vai mesmo ser sombria e assustadora, provavelmente mais sombria e assustadora que qualquer outra coisa que já se viu na TV. Por exemplo: adoro o Governor, é um personagem fantástico e com certeza quero chegar até êle.

Em algum momento você pensou em adaptar The Walking Dead para o cinema?

_ Não. Uma das coisas que amei no material original é seu longo arco narrativo, o modo como a trama se desenvolve gradualmente. E isso é perfeito para TV. É o tipo de história que a TV nasceu para contar. Você pode contar um tipo de história nas duas horas de um filme _ é um foco mais restrito, que você tem que manter se vai fazer a coisa direito, sem alienar a platéia. Na TV você tem essa maravilha que é o tempo para desenvolver uma trama.

To be continued…

Fotos:Theo Kingma; Two Productions/AMC


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