Blog da Ana Maria Bahiana

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As mulheres, os mortos e os vivos: meus queridos da “TV” em 2013
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Ana Maria Bahiana

Este foi um ano espetacular para  aquilo que se chamava televisão e hoje se chama… humm.. ainda não descobriram como se chama, acho. De todo modo aqui vão 12 coisas que, na tela aqui da minha sala, mantiveram minha fé na narrativa audiovisual em qualquer plataforma…

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Breaking Bad – Porque é a perfeição e a suprema alegria para quem escreve e/ou ama a criação.

Les Revenants/The Returned – Porque oferece a primeira meditação profunda sobre a morte, a perda e a separação numa plataforma em que em geral essas coisas são vendidas a quilo, pelo valor do espetáculo.

The Bridge – Porque pela primeira vez que eu me lembre trouxe uma verdadeira história de fronteira, bilingue e bicultural, para dentro de nossas casas.

The Americans – Porque foi uma grata surpresa.

Top of the Lake – Porque abraçou o real e o surreal, o terrível e o belo, o absurdo e o lógico como eu não via desde Twin Peaks.

 Enlightened – Porque foi a série mais bem escrita e interpretada na qual poucos prestaram atenção.

 Game of Thrones– Porque tem uma ambição e uma competência que o cinema não tem mais.

 Girls – Porque eu já gostaria só porque é uma história de mulher, do ponto de vista de mulher. Mas ainda tem todas as complicações de uma geração sobrecarregada de informação e desprovida de expectativas. E por falar nisso…

 Orange is The New Black – Pelo mesmo motivo, mais uma dose de real compreensão da condição humana.

Arrested Development – Porque não perdeu nem um grama de seu delicioso absurdo. Talvez um grama. Não faz diferença.

 Mad Men – Porque continua ancorado num nível de qualidade que todo mundo tem que correr atrás.

 The Walking Dead – Porque me amarro num terror bem feito, e porque a temporada atual está voltando ao essencial da metáfora do apocalipse zumbi.

 

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E também: Drunk History, porque nunca ri tanto este ano; Time of Death, pelos mesmos motivos de Les Revenants, só que a vera; Behind the Candelabra, porque as complicações da paixão não tem rótulo; The Killing, por Peter Sarsgaard; Getting On, porque promete; Casting By, porque é um banquete pra quem gosta dos bastidores do cinema; e Hemlock Grove, porque era tão ruim que chegava a ser barroco.

Um 2014 cheio de boas histórias para todos nós!

 


A perfeita tragédia de Albuquerque: Breaking Bad e o poder das escolhas
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Ana Maria Bahiana

A definição aristotélica de tragédia é: uma narrativa dramática concentrada num grupo de personagens, em um lugar e período definidos, cuja ação é deflagrada pelas escolhas equivocadas de um protagonista complexo, com consequências que ecoam em todos à sua volta e fazem a plateia refletir sobre a condição humana.

Aristóteles teria adorado Breaking Bad. Possivelmente estaria, como eu, pulando do sofá ao final de mais de um episódio para aplaudir de pé (se a toga não atrapalhasse). E isso incluiria “Felina”, o episódio final,  exato em tom e conteúdo, que foi ao ar ontem pela AMC, e foi visto por mais de 10 milhões de espectadores, apenas nos Estados Unidos.

Vou tentar falar da série e do final com o máximo cuidado para evitar SPOILERS mas se você for ultra-sensível, pode parar aqui.

Como alguns colegas, eu também vi em “Felina” grande buracos de credibilidade. Não é a primeira vez: em muitos momentos dos 62 episódios de Breaking Bad Vince Gilligan e seus roteiristas armaram situações que desafiam a plausibilidade e/ou a lógica. Mas isso nunca me incomodou, nem na série nem no final porque:

1. A realidade consistentemente consegue ser mais absurda que a ficção, e quase tudo que se pode imaginar pode acontecer- e talvez já tenha acontecido.

2. Não é isso que importa na série. O que importa é a exatidão da trajetória de dois arcos exatos e opostos que se cruzam, se encontram e finalmente se separam: o de Walter White, o “homem bom” que nunca foi tão “bom” assim, e o de Jesse Pinkman, o “homem mau” que nunca foi tão “mau” assim.

Sempre coloquei os soluços de trama de Breaking Bad numa categoria entre a metáfora, o sonho e o “estado de fuga” – verdadeiro ou fake, não importa. Eles nunca me perturbaram porque o importante – a coerência interior do mundo criado pelas ações do protagonista, a clareza do traço da dupla trajetória de Walter e Jesse- sempre esteve lá. Breaking Bad sempre foi uma calma, clara, violenta, profunda, perturbadora, divertida e intensa meditação sobre certo e errado, bem e mal, legal e ilegal, o que nos faz feliz e o que nos faz sofrer, até onde nossa consciência e nossos desejos nos dizem o que fazer, e até onde nós seguimos essas ordens.

Quando  subiu o som de “Baby Blue”, do Badfinger (uma escolha absolutamente perfeita), nos segundos finais, enquanto a câmera deslizava lentamente para cima, naquele movimento amplo e eufórico conhecido como “o ângulo dos anjos”, Walter e Jesse haviam encontrado a meta justa da jornada que haviam iniciado 62 episódios atrás.

Jesse, o bandidinho de terceira, passara pelo crivo das reais provações da bandidagem em grande escala e perdera nesse fogo, camada por camada, a fina capa de safadeza que um dia achou que tivesse. Em seu lugar, às custas de muita porrada e muitas perdas irreparáveis, ele encontrou algo que nunca achou que tivesse: um firme centro moral, uma imensa compaixão, uma profunda humanidade. Jesse sempre foi o Grilo Falante do Pinóquio de Walter, esse boneco que ganhou vida ao quebrar a lei (“eu fiz por mim mesmo. Eu me sentia vivo”, ele diz no episódio final).

Walter, o bom sujeito classe média, fizera a escolha que, em outros mitos, já havia arruinado outros indivíduos brilhantes –como o favorito de Aristóteles, Édipo: optar pelo que não é permitido, arriscar-se pela sombra. E na sombra ele teve a sua provação, cada escolha sombria levando a uma mentira, cada mentira levando a uma nova, maior, escolha sombria, despertando nele o Outro com o qual, imagina-se, ele sempre dançara – seu Batman, seu Mr. Hyde, Heisenberg.

O x de Walter White está logo num dos primeiros episódios da série, quando ele diz “eu nunca tive controle sobre minha vida, nunca pude fazer minhas próprias escolhas.” O que não sabemos sobre o passado de Walter White é muito, mas o que importa é isto: ele foi parar em Negra Arroyo Lane, Albuquerque, e no laboratório de química do ginásio do bairro por escolhas que deixou de fazer. O que veremos a seguir é seu fantástico “erro de alvo”, tão caro a Aristóteles: as escolhas que ele, finalmente, fez.

Tudo se resolve, clara e elegantemente, em “Felina” – palavra que oculta “finale” e que referencia a personagem da canção “El Paso” do ídolo country/western Marty Robbins, que Walter acha no cassete de um dos carros do episódio,  e cujo refrão diz “acho que ganhei o que eu merecia”. A cada um a coerência de suas escolhas, inclusive os que foram tragados pelo redemoinho da progressiva divisão dos átomos de Walter White, partido entre Mr. White e Heisenberg.

Além da imensa satisfação de acompanhar uma obra tão excelente em todos os seus aspectos – roteiro, direção, interpretação, fotografia, música, som – Breaking Bad deixou grandes lições para a indústria do audiovisual. A Variety listou algumas, importantes, e concordo com todas – especialmente “nem tudo está no piloto” e “Netflix é um aliado, não um inimigo”.

A todos essas lições eu acrescentaria mais uma: confie na inteligência do público. Somos inteiramente capazes de acompanhar, entender e apreciar um drama complexo em tema e tom. 2438 anos atrás Aristóteles já sabia disso.


Emmys 2013: a TV morreu! Viva a “TV”!
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Ana Maria Bahiana

O host Neil Patrick Harris e Sarah Silverman no número musical dos Emmys 2013.

Se você não assistiu os Emmys, ontem, não perdeu nada. Aqui vai o mais importante: Behind the Candelabra e Breaking Bad saíram triunfantes (Breaking Bad com seu primeiro Emmy de melhor série/drama que, na minha imodesta opinião, lhe era devido faz tempo…). Modern Family levou os prêmios de comédia porque, como se sabe, os acadêmicos de TV não tem imaginação e/ou lutam com unhas e dentes para manter pelo menos alguns troféus na TV aberta. E, numa vitória histórica e pioneira, David Fincher levou para  casa um Emmy de direção por uma série que ninguém viu nem na TV aberta nem por assinatura: House of Cards, da Netlflix.

Imagino que o tom funéreo/retrospectivo do evento de ontem tenha surgido, na cabeça dos produtores, do desejo ser “sério” no momento em que os Emmys completam 65 anos. Ser levado a sério numa industria que , até recentemente, privilegiava a tela grande sobre a pequena, vista como um primo pobre do cinema, onde carreiras iam para morrer, está na raiz da fundação da Academia de Artes e Ciências da Televisão, em 1946.

A péssima escolha de tom tornou deprimente um espetáculo que poderia ser simplesmente chato, interrompendo os festejos a toda hora para ou memorializar alguém ou recordar um grande momento do passado da TV. A ironia suprema dessa escolha foi ancorar no passado, na saudade, na noção de  “somos importantes porque somos antigos” uma mídia que está passando por sua maior revolução desde que foi inventada e se tornou bem de consumo de massa em meados do século passado.

Como seus primos do século 20, o disco e o rádio, a TV surgiu primeiro como hardware, como uma novidade, um eletrodoméstico. E até o advento do videocassete, na década de 70, não se imaginaria separar hardware de software, conteúdo de suporte – a linguagem da TV era a da audiência com hora marcada, em narrativas interrompidas regularmente para uma mensagem dos nossos patrocinadores, com narrativas emprestadas do rádio e uma estética tirada, com grande simplificação e redução, do cinema.

E agora ,como seus parentes, a TV desencarnou. O que era indústria do disco hoje é indústria da música. A julgar pelos textos e a auto-importância do evento de ontem, a TV ainda acha que é TV, mas está cada vez mais se tornando um espírito livre, desacoplado da tela em que, por acaso e transitoriamente, está sendo visto.  Dêem mais uma década – talvez nem isso – e provavelmente haverá um novo nome para definir esse conteúdo portátil, volante, cuja história terá tanto a ver com os marcos solenemente descritos e celebrados nos Emmys quanto nós, hoje, com os pintores dos cavalos e bisões das cavernas.

Aqui nos EUA a ironia se tornava ainda maior porque, nos intervalos comerciais, entrava um anúncio de um novo televisor Samsung no qual uma familia via vários tipos de conteúdo – You Tube, Facebook, Netflix, Instagram – equanto a mãe mandava “parar de ver tanta TV”, e os filhos (e o marido) respondiam: “Mas não estamos vendo TV…”

Involuntariamente, a chatura saudosista da cerimônia de ontem ficou parecendo o in memoriam da própria TV.

O que não é de todo mau. Que se abram os caminhos para o que está por vir, para o que já está vindo, para o que já está.

 


À luz das sombras: a (extraordinária) temporada final de Breaking Bad
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Ana Maria Bahiana

Você lembra a primeira vez que viu Breaking Bad? Eu lembro _  estava procurando outra coisa na AMC e peguei os minutos finais do episódio  da primeira temporada em que Jesse e  “Heisenberg” encontam-se com Tuco e seus comparsas no depósito de sucata. Eu não tinha contexto algum para compreender o que se passava, não sabia sobre o que cada personagem estava falando, ou, mais importante ainda, a história atrás de cada palavra e cada silêncio. Mas fiquei imediatamente hipnotizada. O que estava acontecendo ali naquele cemitério de automóveis, entre as coisas não ditas? Que história secreta e imprevisível se contava ali, num pequeno mundo estranho completamente vazio dos bandidos e mocinhos da TV?

Hipnotizada. Essa é uma palavra que eu e muitos fãs usaríamos muito nas próximas semanas, meses e anos, enquanto seguíamos a jornada de danação do prosaico professor de ginásio transformado em senhor da droga.  Como era possível uma série tão emocionalmente complexa, tão absurdamente bem escrita, com personagens completamente humanos, revertendo com tanta calma tantos clichês num universo narrativo onde super-explicar, ser óbvio e abusar dos clichês são a norma?

Se você se sente como eu, trago boas novas _ a temporada final de Breaking Bad, que começa dia 11 de agosto aqui nos Estados Unidos, não vai decepcionar em nada. Muito pelo contrário _ a julgar pelos primeiros episódios desse lote final (oficialmente chamado de s5B) Breaking Bad vai acabar exatamente como começou, com o mesmo gume subversivo e a mesma qualidade excepcional.

Tentando ao máximo não criar SPOILERS, digo que o primeiro episódio da s5B é uma obra prima. Dirigido pelo próprio Bryan Cranston (por favor, dêem mais coisas pra esse homem dirigir!!!) e escrito por Peter Gould ( mestre roteirista, autor de 34 episódios de Breaking Bad, inclusive o que me seduziu de forma tão dramática nos idos de 2008), Blood Money continua exatamente do ponto onde, no final da temporada passada, o cunhadão Hank (Dean Norris, sensacional) teve uma epifania envolvendo uma visita ao banheiro, um livro de poemas de Walt Whitman e as iniciais WW.

Antes, há um breve e sinistro prólogo no qual realizamos o quanto os cenários aparentemente banais de Breaking Bad – a pasteurização arquitetônica do contentamento classe média, a paz semimorta dos condomínios de subúrbio – contam histórias em si mesmos. E que histórias!

Há uma tensão quase insuportável latejando através de todo esse episódio. Mas ela é mantida sob rígido controle, sem os estardalhaços que, em outras séries ou filmes, seriam a opção para sublinhar a situação absurda que todos os personagens estão vivendo. Esse rigor – desenhado no roteiro, realizado plenamente na direção- tem como efeito manter nossa atenção, o tempo todo, nos personagens e na riqueza de seu mundo interior: Hank, um touro furioso, ferido nem tanto em seu zelo de homem da lei, mas em seu orgulho próprio; Jesse (Aaron Paul, cada vez melhor, se isso é possível) devastado pela culpa;  Skyler (Anna Gunn, cujo trabalho ainda precisa ser mais reconhecido) em queda livre; Walter (Cranston, o que mais dizer?) numa resoluta embriaguez de poder, a completa entrega ao lado sombrio da força.

Vai ser uma tremenda viagem, esses próximos episódios até Felina, o final da série, escrito e dirigido por seu criador Vince Gilligan. Não esperem nada. Esperem tudo.


As séries de TV mais bem escritas da história (segundo a WGA)
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Ana Maria Bahiana

Qual a série de televisão mais bem escrita da história?  Segundo a Writers Guild of America, Família Soprano. Seinfeld vem logo a seguir e um favorito da minha infância, Além da Imaginação, em terceiro.

A ideia de que estaríamos vivendo uma era de ouro do roteiro de TV não tem o apoio das escolhas do sindicato: os top 10 são dominados por séries dos anos 1950- 1980. Mad Men está em sétimo lugar, West Wing em décimo, Breaking Bad em décimo terceiro, Arrested Development em décimo sexto, Daily  Show em décimo sétimo, A Sete Palmos em décimo oitavo, 30 Rock em vigésimo primeiro e Game of Thrones em quadragésimo ( na frente de Downton Abbey, Law and Order e Homeland…)  Um renascimento da dramaturgia televisiva, então?

O que mais gostei: ver Os Simpsons lá em cima, entre The West Wing e I Love Lucy, devidamente creditados por terem mudado completamente as regras do jogo da comédia, abrindo caminho para a sátira social surrealista que hoje domina o gênero na TV. Doh!

As Top 20:

1. Família Soprano

2.Seinfeld

3.Além da Imaginação

4. All in the Family

5. M*A*S*H

6. Mary Tyler Moore

7. Mad Men

8. Cheers

9. The Wire.

10. The West Wing

11. Os Simpsons

12. I Love Lucy

13. Breaking Bad

14. The Dick Van Dyke Show

15. Hill Street Blues

16. Arrested Development

17. The Daily Show with Jon Stewart

18. A Sete Palmos

19. Taxi

20. The Larry Sanders Show

A lista completa aqui. Vocês concordam?

 


E lá se vai 2011, parte I: o ano do triunfo da TV. De novo.
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Ana Maria Bahiana

Foi um ano estranho. A platéia foi uniformemente subestimada, a linha de montagem empurrou um monte de continuações, franquias, 3D vagabundo e super-heróis sem nenhum carisma.

Como, em compensação a TV deu surras homéricas no cinema, começo por ela minhas listinhas do que me falou ao coração em 2011:

  1. Breaking Bad (AMC) Simplesmente a série melhor escrita, atuada, filmada e dirigida do momento.
  2. Mildred Pierce (HBO) Quanto vale a vida de uma mulher? Todd Haynes e Kate Winslet voltam às origens literárias do melodrama mais copiado de todos os tempos.
  3. Game of Thrones (HBO) Ainda não gosto das perucas, mas que bela adaptação da ficção política de George R.R. Martin.
  4. Homeland (Showtime) A agonia de ver e ser visto na era da paranóia. Atuações maravilhosas.
  5. Enlightened (HBO) A mais delicada e complexa exploração de todo o espectro das emoções humanas que vi recentemente na TV.
  6. Boardwalk Empire (HBO) O caminho da danação nunca foi tão interessante desde os Sopranos.
  7. Downton Abbey (PBS) Como aprendemos a viver no século 20, pelo microcosmo da família.
  8. The Walking Dead (AMC) Começou maravilhosamente, teve uma barriga ali pelo meio, mas nos deixou todos roendo as unhas até fevereiro.
  9. Cinema Verite (HBO) O primeiro reality show revela porque somos viciados na vida alheia
  10. The Killing (AMC) Não fosse aquele final safado estaria bem mais para cima desta lista.

Numa safra decepcionante, o poder de um jogo de espelhos mortal
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Ana Maria Bahiana

Depois do fantástico episódio final de Breaking Bad – tão perfeito que poderia muito bem ser o final de toda a série, como já foi dito aqui (não leia se não viu o episódio, todos os SPOILERS estão lá)- duas coisas ficam claras: a vontade de rever toda esta temporada para sacar cada fio narrativo, cada detalhe, cada passo na direção desta resolução final, a completa danação de Mr. White; e a constatação de que a nova safra de séries está mesmo muito, muito pálida.

Tinha altas esperanças para Person of Interest (Warner Brothers/ CBS; estréia no Brasil dia 18/10). Afinal, era criação de Jonathan Nolan (irmão de Chris e seu parceiro nos roteiros de Amnésia, Cavaleiro das Trevas , O Grande Truque), estrelada por dois excelentes atores: Jim Caviezel e, em seu primeiro papel contínuo desde Lost, Michael Emerson.

Além disso, a série tinha um ponto de partida super interessante: a paranóia pós- 11 de setembro, e a cultura de vigilância perpétua e erosão das liberdades individuais que o ataque gerou. Emerson é um nerd transformado em mega-bilionário graças a um software que analisa imagens captadas por câmeras de segurança e cria “perfis” de bandidos e terroristas em potencial. Caviezel é um ex-agente especial da CIA traumatizado por perdas pessoais durante os atentados, que Emerson recruta para um projeto especial, super secreto: usando seu software, identificar não atacantes mas vítimas em potencial e, assim, impedir que crimes aconteçam.

É material suculento, com ecos de coisas tão díspares e deliciosas quanto Janela Indiscreta – a agonia do observador, a atração do observado – quanto Minority Report-A Nova Lei – a luta do saber contra o mal-fazer, a possibilidade de esvaziar o mal pela prática vigorosa, preventiva, do bem. No piloto , dirigido por David Semel (não por acaso responsável pelo melhor episódio de American Horror Story, até agora) estes temas eram expostos com clareza e a dose certa de mistério, com uma elevação da narrativa em geral simplificada das séries de TV aberta. O uso de imagens de câmeras de rua, lojas e sinais de trânsito aumentava o clima de paranóia mas não interferia na apresentação dos personagens, com a dose certa de revelação e mistério.

Os episódios seguintes não foram tão bons. O segundo, especialmente, se parecia com qualquer outro policial do horário das 20h na TV aberta norte-americana, incrementado pela presenças de dois atores de alto nível e por um visual mais ousado, cortesia das imagens granuladas.

Ainda não desisti da série, ainda acho que promete, mas a TV paga acaba de contra-atacar com uma abordagem muito mais brilhante do mesmo tema – o ver e o ser visto – e clima – a paranóia pós 11 de setembro: Homeland, da Showtime.

Numa interessante viagem de mão dupla, Homeland começou como uma série _ Prisoners of War– da TV israelense, criada e realizada por um diretor nativo mas educado e treinado em Los Angeles, Gideon Raff. Re-inventada pelos produtores e roteiristas Alex Gansa e Howard Gordon (24 Horas, Arquivos X), Homeland manteve o núcleo essencial, o motor que impulsiona toda a narrativa para um outro plano: o personagem central, um prisioneiro de guerra (no caso, no Afeganistão) miraculosamente resgatado depois de oito anos de cativeiro. Quem ele é, realmente, depois da medonha experiência? Um veterano heróico? Um soldado aos pedaços, destruído pela tortura? Ou um agente do inimigo, virado do avesso por inimagináveis pressões físicas, emocionais e existenciais?

Sua contrapartida no outro lado da trama é uma analista da CIA determinada a provar seu valor depois de uma missão arriscada mas desastrosa no Iraque. O enigma do prisioneiro é sua bússola, sua obsessão, e ela o segue com todas as armas de seu ofício _ “olhos e ouvidos”, câmeras e microfones que acabam gerando, nas palavras de um colega, um “estranho reality show”.

Desempenhos maravilhosos – Claire Danes como a agente, Mandy Patinkin como seu chefe, Damian Lewis como o ex-prisioneiro, Morena Bacarin como a mulher dele – e roteiros perfeitos criam um universo hermeticamente fechado de vigias e vigiados entrelaçados numa dança mortal onde tudo é espelho e todos tem vidas duplas, identidades secretas e lugares onde nem câmeras nem microfones conseguem chegar (para o ex- prisioneiro, a garagem de sua casa; para a analista, os bares onde ela ouve jazz e corteja parceiros para rápidos romances).

É , sem  dúvida, a melhor série da safra 2011. Olho nela nos prêmios…

 


Compaixão pelos diabos: na TV, nossos anti-heróis favoritos
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Ana Maria Bahiana

Um dos maiores e melhores prazeres de uma boa narrativa audio visual é poder torcer por quem menos se espera. É um prazer maior que o dos vilões que amamos odiar : o herói improvável, o anti-herói,   fala de nossas próprias falhas e dúvidas, e de uma redenção pequena mas possível. O anti-herói pode ser medonho em algumas áreas de sua vida, e amoroso e dedicado, em outras. A perfeição foi posta de lado – estamos no mundo onde definições de bem e mal são relativas.

A TV, que cada vez mais está dando surras no cinema em termos de inteligência e ousadia, traz, nesta temporada, alguns de nossos mais queridos anti-heróis.

A sólida base literária fornecida por Darkly Dreaming Dexter, de Jeff Lindsay, tem apenas parte do crédito para a complexidade de Dexter (Showtime), possivelmente o anti-herói por excelência da telinha. A sexta temporada começou ontem nos EUA, levantando mais uma vez o limite da excelência e cutucando uma onça muito feroz – religião- com vara curtíssima. Procurando uma boa escola para seu filhote, Dexter se vê conversando sobre crenças com uma freira –e , por exclusão, deixando bem claro que não acredita em coisa alguma. Seu improvável parceiro desta temporada parece ser um ex-presidiário-transformado-em-pastor (Mos Def, excelente) e seu principal antagonista, uma dupla de fanáticos obcecados com o Apocalipse (Edward James Olmos e Colin Hanks, ótima escalação de elenco).

Uma outra série provavelmente escolheria o caminho mais fácil da redenção explícita, mas Dexter está ocupada com as nuances da definição de “fé” e como sua força não tem, necessariamente, ligação nem com bem nem com mal. Depois de uma quinta temporada de altos e baixos, o que vi desta sexta – cinco episódios- me dá mais do que motivo para esperar uma epifania.

Mr. White vai para o inferno _ e Jesse, será que fica pelo purgatório? A quarta temporada de Breaking Bad (AMC) termina nos EUA domingo que vem, dia 9 e, como o criador Vince Gilligan prometeu ao final da terceira, a jornada de seus personagens está absolutamente coerente com as escolhas que fizeram. Se Dexter nos oferece uma alma fracionada – o profissional simpático, o irmão querido, o pai devotado… e o passageiro sombrio, nascido do trauma e da dor- Breaking Bad é exclusivamente sobre opções e responsabilidades. Você é o que você escolhe, a série diz, e cada pequeno passo tem seu peso na teia da vida.

Nesta quarta temporada Mr. White começou a esgotar sua quota de riscos sem retorno. Numa cena absolutamente genial de um dos episódios finais ele está literalmente enterrado vivo, nas fundações da casa que um dia dividiu com sua familia, berrando, soluçando e rindo ao mesmo tempo, num ataque de  lucidez instantânea, vendo afinal tudo o que andou fazendo nos últimos anos.

Mas esta quarta temporada não foi apenas sobre como o personagem de Bryan Cranston administrou suas escolhas _ ela também é sobre Jesse, Skyler, Gus Fring (esta foi a temporada para Giancarlo Esposito brilhar). Opções são um bordado, cada uma é um ponto sustentando outro.  O que vimos, com a estranha alegria que os anti-heróis nos dão, foram 13 episódios em direção do inevitável.

 

Para um personagem (em parte verdadeiro) dos anos 1920, Nucky Thompson é uma figura extremamente contemporânea. E, com certeza, muito conhecida de todos nós: o político corrupto até os ossos, cujas tramóias municipais, estaduais e federais constroem um pequeno império pessoal, sustentado por clientelismo, assistencialismo e trocas de favores.

Na excepcional Boardwalk Empire, da HBO, Nucky tem duas poderosas atenuantes: todo mundo à sua volta é pior que ele; e quem o encarna é Steve Buscemi, capaz de revestir de humanidade e simpatia o mais asqueroso dos bandidos.

E Nucky não é um bandido banal, por isso nos importamos com ele: ele é um homem com fino faro para oportunidades, capaz de tirar o proverbial leite das pedras. E tem um mundo interior complexo, capaz igualmente de grande generosidade e frieza cirúrgica.

Nesta segunda temporada, iniciada dia 25 de setembro nos EUA, nosso anti-herói começa a enfrentar o outro lado de sua ascensão: todas aquelas pessoas que ele deixou tombadas às margens de suas vitórias e negociatas. Jimmy, o afilhado (Michael Pitt) reaproximou-se do pai, o Comodoro (Dabney Coleman) que se recusa a morrer; Eli, o irmão (Shea Whigman) está cansado de comer as sobras de sua mesa. Novas alianças são forjadas, o império parece pronto para ser dividido.

O grande personagem secundário da segunda Boardwalk Empire é, sem dúvida, Chalky White (Michael Kenneth Williams), o elegante gangster negro que é, na verdade, a imagem no espelho de Nucky e, possivelmente, seu mais fiel aliado. Há um confronto na cadeia de Atlantic City, primeiro entre Nucky e Chalky e, logo a seguir, entre Chalky e um bandidinho rasteiro, que dá vontade de levantar e aplaudir: perfeição de roteiro, direção, interpretação.

Ser bandido, na América dos anos 1920, quando tudo é proibido e, portanto, as oportunidades são infinitas, não é para qualquer um: só para quem tem calma, inteligência e classe.


Um cachorro falante, ETs hostis e os quintos dos infernos: o que há de interessante na TV, agora
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Ana Maria Bahiana

Agora que estamos todos (mais ou menos) conformados com o final de Game of Thrones e The Killing, e sabendo que o fim de ano vai trazer as segundas temporadas de Walking Dead, Boardwalk Empire e, finalmente, a nova de Mad Men, é hora de ver o que a TV oferece na meia –estação. E, entre séries novas e novas temporadas, muita coisa vale a pena:

Treme, segunda temporada (HBO)

Por que as pessoas parecem ter-se esquecido desta excepcional série, tão laudada em sua estréia, ano passado? Para meu paladar, esta segunda temporada está ainda melhor, menos preocupada em levantar a bandeira da indignação (que era a tônica da primeira, focada em Nova Orleãs imediatamente após o furacão Katrina ) e mais ocupada no que faz melhor: o desenho claro, detalhado, profundo, das vidas e personalidades de um grupo de pessoas e, através delas, do espírito de uma cidade.

O professor enfurecido de John Goodman faz parte da trama apenas como uma lembrança, um jovem empreendedor texano (John Seda) entra na história para ilustrar as mamatas da reconstrução da cidade, e as personagens femininas, principalmente o trio Ladonna (Khandi Alexander, magnífica) – Annie (Lucia Micarelli) – Sofia (India Ennenga) tornam-se os motores da narrativa. A cidade se define não mais como a vítima de uma sucessão de tragédias, mas como um ser vivo, capaz de sobreviver e se adaptar, negociando passado e futuro.

Entre as muitas virtudes de Treme, gosto especialmente do modo como a série usa a música não como um pano de fundo, mas como personagem,  um elemento vivo e ativo da história.Se a primeira temporada pertenceu, neste setor, ao Big Chief Lambreaux (Clarke Peters), esta segunda destaca o músico de rua Harley, encarnado pelo excepcionalmente talentoso compositor-multi instrumentista Steve Earle como a alma mesma da cidade, para quem música é o próprio ar que se respira.

Wilfred – estréia (FX)

Mega-sucesso na TV australiana, esta comédia surreal sobre a amizade entre um homem e um cachorro estreou esta semana no canal FX, com Elijah Wood no papel de Ryan, um jovem advogado em crise existencial , e  o australiano Jason Gann repetindo sua atuação como Wilfred, o cão que Ryan só consegue ver como um ser humano enfiado num óbvio traje peludo. É um artifício narrativo ousado _ a fatiota de Wilfred é claramente fajuta, parte integrante de algum delirio pessoal de Ryan.

Enquanto Ryan tem altos papos com Wilfred – que gosta de fumar unzinho e se se considera o namorado ideal de sua dona, Jenna (Fiona Gubelman)-  todos os demais personagens tratam Wilfred como o cachorro que ele é ( num breve momento, os espectadores tambem o vêem como um animal , o que só reforça o clima absurdista da série). Wilfred, somos convidados a pensar, é o inconsciente primitivo de Ryan, o lugar onde ele guarda instintos, desejos e hábitos que não ousa deixar aflorar. Mas o tom é de comédia rasgada que, para mim, funcionou melhor nos primeiros episódios, onde o artificio de Wilfred-o-cão-falante ainda era novidade. A série tem futuro? Checar, como referência, o cavalo falante da série Mr. Ed, dos anos 1950…

Falling Skies – estréia (TNT)

Steven Spielberg parece estar profundamente preocupado com o futuro da humanidade. Em sua outra série televisiva da safra 2011, Terra Nova (que estréia apenas em setembro), as condições apocalípticas em que a humanidade se colocou depois de vários desatinos ecológicos só podem ser corrigidas com uma marcha a ré radical.

Falling Skies, criada e escrita por Robert Rodat (O Resgate do Soldado Ryan, O Patriota) e produzida por Spielberg, oferece uma outra versão do fim do mundo: fomos invadidos e estamos sendo ocupados por ETs absolutamente hostis que nos tratam…. Hummmm…. Exatamente como os os colonizadores europeus trataram os habitantes originais das Américas. Em seu primeiro grande trabalho desde ER Noah Wyle se desimcumbe bem como o líder de um grupo de sobreviventes que se junta a improvisadas milicias de resistência na tentativa de repelir os invasores. Há muitos ecos de The Walking Dead nos temas de sobrevivência, familias separadas pela catástrofe, redefinições de hierarquias num mundo sem lei (e Walking Dead é melhor). O paralelo com a história norte (e sul..) americana dos tempos coloniais é o que torna FS mais interessante.

Breaking Bad -quarta temporada (AMC)

“Sempre soube que esta era a história da danação do meu personagem. Desde o início era bem claro que Mr.White estava numa viagem sem volta, de um modo ou de outro” – Bryan Cranston me disse isso ano passado, quando lhe perguntei se seu  personagem na vitoriosa série da AMC tinha alguma possibilidade de salvação.

A quarta temporada de Breaking Bad confirma tudo o que Cranston antecipou: retomando exatamente do momento em que Jesse (Aaron Paul, cada vez melhor) atira no competidor contratado pelo chefão Gus (Giancarlo Esposito) – a cena que encerrou a terceira temporada- a série enfia o pé no acelerador de uma curva descendente ao fundo dos infernos. O poder de BB é ver os pequenos passos, a mínimas concessões, as negociações pessoais, gradativas que pessoas que se consideram honestas fazem em sua caminhada para o lado sombrio da força. Jesse e Mr.White já perceberam que a dívida que contraíram não pode ser paga _ o nosso prazer sinistro é ver Bryan Cranston e Aaron Paul nos guiarem nessa jornada.

 


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