Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : House of Cards

Emmys 2013: a TV morreu! Viva a “TV”!
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Ana Maria Bahiana

O host Neil Patrick Harris e Sarah Silverman no número musical dos Emmys 2013.

Se você não assistiu os Emmys, ontem, não perdeu nada. Aqui vai o mais importante: Behind the Candelabra e Breaking Bad saíram triunfantes (Breaking Bad com seu primeiro Emmy de melhor série/drama que, na minha imodesta opinião, lhe era devido faz tempo…). Modern Family levou os prêmios de comédia porque, como se sabe, os acadêmicos de TV não tem imaginação e/ou lutam com unhas e dentes para manter pelo menos alguns troféus na TV aberta. E, numa vitória histórica e pioneira, David Fincher levou para  casa um Emmy de direção por uma série que ninguém viu nem na TV aberta nem por assinatura: House of Cards, da Netlflix.

Imagino que o tom funéreo/retrospectivo do evento de ontem tenha surgido, na cabeça dos produtores, do desejo ser “sério” no momento em que os Emmys completam 65 anos. Ser levado a sério numa industria que , até recentemente, privilegiava a tela grande sobre a pequena, vista como um primo pobre do cinema, onde carreiras iam para morrer, está na raiz da fundação da Academia de Artes e Ciências da Televisão, em 1946.

A péssima escolha de tom tornou deprimente um espetáculo que poderia ser simplesmente chato, interrompendo os festejos a toda hora para ou memorializar alguém ou recordar um grande momento do passado da TV. A ironia suprema dessa escolha foi ancorar no passado, na saudade, na noção de  “somos importantes porque somos antigos” uma mídia que está passando por sua maior revolução desde que foi inventada e se tornou bem de consumo de massa em meados do século passado.

Como seus primos do século 20, o disco e o rádio, a TV surgiu primeiro como hardware, como uma novidade, um eletrodoméstico. E até o advento do videocassete, na década de 70, não se imaginaria separar hardware de software, conteúdo de suporte – a linguagem da TV era a da audiência com hora marcada, em narrativas interrompidas regularmente para uma mensagem dos nossos patrocinadores, com narrativas emprestadas do rádio e uma estética tirada, com grande simplificação e redução, do cinema.

E agora ,como seus parentes, a TV desencarnou. O que era indústria do disco hoje é indústria da música. A julgar pelos textos e a auto-importância do evento de ontem, a TV ainda acha que é TV, mas está cada vez mais se tornando um espírito livre, desacoplado da tela em que, por acaso e transitoriamente, está sendo visto.  Dêem mais uma década – talvez nem isso – e provavelmente haverá um novo nome para definir esse conteúdo portátil, volante, cuja história terá tanto a ver com os marcos solenemente descritos e celebrados nos Emmys quanto nós, hoje, com os pintores dos cavalos e bisões das cavernas.

Aqui nos EUA a ironia se tornava ainda maior porque, nos intervalos comerciais, entrava um anúncio de um novo televisor Samsung no qual uma familia via vários tipos de conteúdo – You Tube, Facebook, Netflix, Instagram – equanto a mãe mandava “parar de ver tanta TV”, e os filhos (e o marido) respondiam: “Mas não estamos vendo TV…”

Involuntariamente, a chatura saudosista da cerimônia de ontem ficou parecendo o in memoriam da própria TV.

O que não é de todo mau. Que se abram os caminhos para o que está por vir, para o que já está vindo, para o que já está.

 


A plateia no poder: o que querem dizer as vitórias da Netflix nos Emmys
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Ana Maria Bahiana

Sobre os Emmys: em primeiro lugar, calma. Respirem fundo. As nove indicações para House of Cards, e a solitária (injustamente) indicação para Jason Bateman por Arrested Development são, de fato um marco. Mas não exatamente o marco que tenho lido/ouvido por aí.

Repitam comigo: Netflix não é “a internet”. Netlflix é um sistema de distribuição de conteúdo audiovisual que apenas recentemente começou a usar prioritariamente a internet ou melhor, os meios digitais de transmissão, para que  esse conteúdo chegasse a seus assinantes.

Entre 1997, quando a Netflix foi fundada num subúrbio de Santa Cruz, California,  e  julho de 2011, quando separou as assinaturas entre “apenas online” (mais barata) e “apenas DVD”, a Netflix competia em primeiro lugar com locadoras como a Blockbuster, que distribuiam conteúdo através de mídias físicas. O sistema on demand ou instant watch – visão instantânea- não funcionava muito bem nem quando se navegava numa rede de alta velocidade, como DSL ou cabo.

A partir de 2008, quando a Netflix fechou seu primeiro contrato de exclusividade – com o Starz, um canal “tradicional” de TV por assinatura – para distribuição de conteúdo, a empresa acelerou sua decolagem na rampa online. O acordo era, na verdade, uma parceria entre duas empresas que estavam pensando além dos canais disponíveis até então. Starz e Netlflix eram, até então, versões só um pouco mais modernas da locadora de bairro: ambas  distribuíam conteúdo produzido por terceiros, ou através de DVDs, ou de um pacote de TV por assinatura.

As mudanças começaram aí. Em 2010, quando a Starz começa a lançar seu balão de ensaio em conteúdo próprio, a Netflix muda completamente sua infra-estrutura digital. Um ano depois, com seu sistema on demand funcionando plenamente, a Netlflix não muito sutilmente começa a instigar seus assinantes a optarem por receber conteúdo exclusivamente por streaming, seja ele em sua TV, computador, tablet ou smatphone.

O lógico passo seguinte – que a Starz, aliás, também dá nessa época – é investir com tudo em conteúdo próprio.

Aqui é preciso fazer dois esclarecimentos importantes:

  1. A “TV” como ela é usada no Brasil é uma criatura em vias de extinção nos Estados Unidos, esperando apenas o impacto de um meteoro cultural /tecnológico para ir fazer companhia aos dinossauros.  O segmento de público que “assiste TV”, ou seja, liga seu aparelho em determinados horários, para ver programas, notícias ou filmes segundo a grade de programação, está diminuindo a passos largos. Uma estimativa (que eu acho conservadora) diz que em 2020 77% do público de conteúdo audiovisual doméstico não “verá TV” nesse sentido. Em 2012, cinco milhões de lares nos Estados Unidos não tinham nenhum tipo de transmissão “normal” de TV, embora tivessem telas de TV _ estão recebendo conteúdo audiovisual através de streaming em aparelhos como BluRay players, computadores, tablets, consoles de games ou AppleTV.  E mesmo os que tem TV por assinatura não seguem mais a grade – programam seus aparelhos (que podem ser Blu Ray players, consoles, computadores ou hardware específico, como o TiVo) para gravar o que querem, e vêem quando querem.  Uma das grandes sacadas da Netflix foi perceber de imediato o potencial dessa mudança do mercado e começar a oferecer variedade de conteúdo para uma platéia que não tinha mais paciência para deixar que programadores lhe dissessem o que assistir, e quando.
  2. O modo como esse conteúdo é distribuído não altera sua forma ou  estética , a não ser em dois pontos: maior liberdade para exibir cenas realistas de sexo, conflito e violência, e a possibilidade do público controlar o modo como vê, segundo seus horários e disponibilidades. Fora isso, a oferta segue os formatos estabelecidos na TV tradicional: seriados dramáticos com 13 episodios de 50 minutos cada, seriados de comédia de 13 episódios de 22 minutos cada.

A Netflix não produz conteúdo, apenas licencia e distribui on demand. Seu fundador e CEO, Reed Hastings, sempre viu a empresa como uma “programadora, uma distribuidora de licenciamentos”.  A Netflix não é dona do conteúdo que disponibiliza – ela compra uma licença para distribui-lo em seu sistema durante um período X. A premiada House of Cards foi produzida inteiramente pela produtora Media Rights Group. Seu licenciamento foi um leilão, uma verdadeira guerra entre HBO e Netflix pela compra dos direitos (valor final, pago pela Netflix: 100 milhões de dólares por 26 episódios em duas temporadas).

Essa é uma diferença fundamental entre ela e o modelo HBO, com quem a Netflix gosta muito de ser comparada. A HBO é uma produtora, e é dona da imensa maioria do conteúdo original que exibe porque produz, investe nele desde o começo, em muitos casos ainda na fase de desenvolvimento. É mais parecida com um estúdio, envolvendo-se, arriscando-se e bancando projetos.

A Netflix é uma compradora astuta: House of Cards, Arrested Development, Hemlock Grove, Orange is the New Black. Mas ainda está na dependência do que o mercado pode oferecer, já pronto – e é claro que, agora, o mercado está se atropelando mais que os zumbis de Guerra Mundial Z para oferecer conteúdo. E compreendeu até onde vai o desejo de controle por parte da plateia, oferecendo as temporadas de cada um de seus títulos em pacotes com todos os 13 episódios, um procedimento impensável, até hoje, no que estamos chamando de “TV convencional”. A “TV convencional” vende tempo – o tempo que  o anunciante tem para passar a mensagem dele para os olhos, espera-se, cativos dos espectadores. A Netflix não precisa de anunciantes porque tem assinantes e compradores diretos- ela vende, estritamente, o acesso ao conteúdo.

As vitórias  da Netflix nos Emmys não querem dizer que uma nova estética foi subitamente endossada pelo establishment da TV (é isso que todo prêmio é, certo?). Quer dizer que o establishment da TV sabe muito bem que os sistemas de produção, programação e distribuição que foram inventados no século passado estão acabando de vez.


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