Blog da Ana Maria Bahiana

Numa safra decepcionante, o poder de um jogo de espelhos mortal

Ana Maria Bahiana

Depois do fantástico episódio final de Breaking Bad – tão perfeito que poderia muito bem ser o final de toda a série, como já foi dito aqui (não leia se não viu o episódio, todos os SPOILERS estão lá)- duas coisas ficam claras: a vontade de rever toda esta temporada para sacar cada fio narrativo, cada detalhe, cada passo na direção desta resolução final, a completa danação de Mr. White; e a constatação de que a nova safra de séries está mesmo muito, muito pálida.

Tinha altas esperanças para Person of Interest (Warner Brothers/ CBS; estréia no Brasil dia 18/10). Afinal, era criação de Jonathan Nolan (irmão de Chris e seu parceiro nos roteiros de Amnésia, Cavaleiro das Trevas , O Grande Truque), estrelada por dois excelentes atores: Jim Caviezel e, em seu primeiro papel contínuo desde Lost, Michael Emerson.

Além disso, a série tinha um ponto de partida super interessante: a paranóia pós- 11 de setembro, e a cultura de vigilância perpétua e erosão das liberdades individuais que o ataque gerou. Emerson é um nerd transformado em mega-bilionário graças a um software que analisa imagens captadas por câmeras de segurança e cria “perfis” de bandidos e terroristas em potencial. Caviezel é um ex-agente especial da CIA traumatizado por perdas pessoais durante os atentados, que Emerson recruta para um projeto especial, super secreto: usando seu software, identificar não atacantes mas vítimas em potencial e, assim, impedir que crimes aconteçam.

É material suculento, com ecos de coisas tão díspares e deliciosas quanto Janela Indiscreta – a agonia do observador, a atração do observado – quanto Minority Report-A Nova Lei – a luta do saber contra o mal-fazer, a possibilidade de esvaziar o mal pela prática vigorosa, preventiva, do bem. No piloto , dirigido por David Semel (não por acaso responsável pelo melhor episódio de American Horror Story, até agora) estes temas eram expostos com clareza e a dose certa de mistério, com uma elevação da narrativa em geral simplificada das séries de TV aberta. O uso de imagens de câmeras de rua, lojas e sinais de trânsito aumentava o clima de paranóia mas não interferia na apresentação dos personagens, com a dose certa de revelação e mistério.

Os episódios seguintes não foram tão bons. O segundo, especialmente, se parecia com qualquer outro policial do horário das 20h na TV aberta norte-americana, incrementado pela presenças de dois atores de alto nível e por um visual mais ousado, cortesia das imagens granuladas.

Ainda não desisti da série, ainda acho que promete, mas a TV paga acaba de contra-atacar com uma abordagem muito mais brilhante do mesmo tema – o ver e o ser visto – e clima – a paranóia pós 11 de setembro: Homeland, da Showtime.

Numa interessante viagem de mão dupla, Homeland começou como uma série _ Prisoners of War– da TV israelense, criada e realizada por um diretor nativo mas educado e treinado em Los Angeles, Gideon Raff. Re-inventada pelos produtores e roteiristas Alex Gansa e Howard Gordon (24 Horas, Arquivos X), Homeland manteve o núcleo essencial, o motor que impulsiona toda a narrativa para um outro plano: o personagem central, um prisioneiro de guerra (no caso, no Afeganistão) miraculosamente resgatado depois de oito anos de cativeiro. Quem ele é, realmente, depois da medonha experiência? Um veterano heróico? Um soldado aos pedaços, destruído pela tortura? Ou um agente do inimigo, virado do avesso por inimagináveis pressões físicas, emocionais e existenciais?

Sua contrapartida no outro lado da trama é uma analista da CIA determinada a provar seu valor depois de uma missão arriscada mas desastrosa no Iraque. O enigma do prisioneiro é sua bússola, sua obsessão, e ela o segue com todas as armas de seu ofício _ “olhos e ouvidos”, câmeras e microfones que acabam gerando, nas palavras de um colega, um “estranho reality show”.

Desempenhos maravilhosos – Claire Danes como a agente, Mandy Patinkin como seu chefe, Damian Lewis como o ex-prisioneiro, Morena Bacarin como a mulher dele – e roteiros perfeitos criam um universo hermeticamente fechado de vigias e vigiados entrelaçados numa dança mortal onde tudo é espelho e todos tem vidas duplas, identidades secretas e lugares onde nem câmeras nem microfones conseguem chegar (para o ex- prisioneiro, a garagem de sua casa; para a analista, os bares onde ela ouve jazz e corteja parceiros para rápidos romances).

É , sem  dúvida, a melhor série da safra 2011. Olho nela nos prêmios…