Blog da Ana Maria Bahiana

Compaixão pelos diabos: na TV, nossos anti-heróis favoritos

Ana Maria Bahiana

Um dos maiores e melhores prazeres de uma boa narrativa audio visual é poder torcer por quem menos se espera. É um prazer maior que o dos vilões que amamos odiar : o herói improvável, o anti-herói,   fala de nossas próprias falhas e dúvidas, e de uma redenção pequena mas possível. O anti-herói pode ser medonho em algumas áreas de sua vida, e amoroso e dedicado, em outras. A perfeição foi posta de lado – estamos no mundo onde definições de bem e mal são relativas.

A TV, que cada vez mais está dando surras no cinema em termos de inteligência e ousadia, traz, nesta temporada, alguns de nossos mais queridos anti-heróis.

A sólida base literária fornecida por Darkly Dreaming Dexter, de Jeff Lindsay, tem apenas parte do crédito para a complexidade de Dexter (Showtime), possivelmente o anti-herói por excelência da telinha. A sexta temporada começou ontem nos EUA, levantando mais uma vez o limite da excelência e cutucando uma onça muito feroz – religião- com vara curtíssima. Procurando uma boa escola para seu filhote, Dexter se vê conversando sobre crenças com uma freira –e , por exclusão, deixando bem claro que não acredita em coisa alguma. Seu improvável parceiro desta temporada parece ser um ex-presidiário-transformado-em-pastor (Mos Def, excelente) e seu principal antagonista, uma dupla de fanáticos obcecados com o Apocalipse (Edward James Olmos e Colin Hanks, ótima escalação de elenco).

Uma outra série provavelmente escolheria o caminho mais fácil da redenção explícita, mas Dexter está ocupada com as nuances da definição de “fé” e como sua força não tem, necessariamente, ligação nem com bem nem com mal. Depois de uma quinta temporada de altos e baixos, o que vi desta sexta – cinco episódios- me dá mais do que motivo para esperar uma epifania.

Mr. White vai para o inferno _ e Jesse, será que fica pelo purgatório? A quarta temporada de Breaking Bad (AMC) termina nos EUA domingo que vem, dia 9 e, como o criador Vince Gilligan prometeu ao final da terceira, a jornada de seus personagens está absolutamente coerente com as escolhas que fizeram. Se Dexter nos oferece uma alma fracionada – o profissional simpático, o irmão querido, o pai devotado… e o passageiro sombrio, nascido do trauma e da dor- Breaking Bad é exclusivamente sobre opções e responsabilidades. Você é o que você escolhe, a série diz, e cada pequeno passo tem seu peso na teia da vida.

Nesta quarta temporada Mr. White começou a esgotar sua quota de riscos sem retorno. Numa cena absolutamente genial de um dos episódios finais ele está literalmente enterrado vivo, nas fundações da casa que um dia dividiu com sua familia, berrando, soluçando e rindo ao mesmo tempo, num ataque de  lucidez instantânea, vendo afinal tudo o que andou fazendo nos últimos anos.

Mas esta quarta temporada não foi apenas sobre como o personagem de Bryan Cranston administrou suas escolhas _ ela também é sobre Jesse, Skyler, Gus Fring (esta foi a temporada para Giancarlo Esposito brilhar). Opções são um bordado, cada uma é um ponto sustentando outro.  O que vimos, com a estranha alegria que os anti-heróis nos dão, foram 13 episódios em direção do inevitável.

 

Para um personagem (em parte verdadeiro) dos anos 1920, Nucky Thompson é uma figura extremamente contemporânea. E, com certeza, muito conhecida de todos nós: o político corrupto até os ossos, cujas tramóias municipais, estaduais e federais constroem um pequeno império pessoal, sustentado por clientelismo, assistencialismo e trocas de favores.

Na excepcional Boardwalk Empire, da HBO, Nucky tem duas poderosas atenuantes: todo mundo à sua volta é pior que ele; e quem o encarna é Steve Buscemi, capaz de revestir de humanidade e simpatia o mais asqueroso dos bandidos.

E Nucky não é um bandido banal, por isso nos importamos com ele: ele é um homem com fino faro para oportunidades, capaz de tirar o proverbial leite das pedras. E tem um mundo interior complexo, capaz igualmente de grande generosidade e frieza cirúrgica.

Nesta segunda temporada, iniciada dia 25 de setembro nos EUA, nosso anti-herói começa a enfrentar o outro lado de sua ascensão: todas aquelas pessoas que ele deixou tombadas às margens de suas vitórias e negociatas. Jimmy, o afilhado (Michael Pitt) reaproximou-se do pai, o Comodoro (Dabney Coleman) que se recusa a morrer; Eli, o irmão (Shea Whigman) está cansado de comer as sobras de sua mesa. Novas alianças são forjadas, o império parece pronto para ser dividido.

O grande personagem secundário da segunda Boardwalk Empire é, sem dúvida, Chalky White (Michael Kenneth Williams), o elegante gangster negro que é, na verdade, a imagem no espelho de Nucky e, possivelmente, seu mais fiel aliado. Há um confronto na cadeia de Atlantic City, primeiro entre Nucky e Chalky e, logo a seguir, entre Chalky e um bandidinho rasteiro, que dá vontade de levantar e aplaudir: perfeição de roteiro, direção, interpretação.

Ser bandido, na América dos anos 1920, quando tudo é proibido e, portanto, as oportunidades são infinitas, não é para qualquer um: só para quem tem calma, inteligência e classe.