Blog da Ana Maria Bahiana

Tron, o Legado e Bravura Indômita: dose dupla de Jeff Bridges
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Ana Maria Bahiana

Porque o fim de semana já está aí e, com ele, o lançamento mundial de Tron-O Legado, que tal uma dose dupla de Jeff Bridges, ator que prova o quanto viver muito e bem pode ser produtivo?

Comecemos por Tron, já que vocês podem conferir agora mesmo esta nova iteração do filme cult de 1982. Muitos fatores tornaram Legado um dos filmes mais esperados do ano _ principalmente o carinho de algumas gerações criadas à sombra do filme original, uma obra bizarra conceitualmente muito à frente de seu tempo.

Imaginar o que os recursos atuais da tecnologia podiam fazer com o universo virtual de Tron já seriam o bastante para fazer qualquer fã salivar; mas ainda havia promessa de uma dose dupla de Jeff Bridges, uma trilha pelo Daft Punk e a presença da super hot Olivia Wilde, sem falar nos  sucessivos  “aperitivos” servidos nas últimas Comic Con.

O Tron de 1982 sempre me intrigou  e fascinou mais do que agradou: me parecia uma ideia em busca de uma forma, um pressentimento, uma mensagem enviada pelo futuro do mesmo modo como,  dois anos depois, William Gibson psicografaria o século 21 em seu livro Neuromancer, a definitiva obra prima da era digital.

Consta que a Disney, produtora de Tron e detentora dos direitos, tinha vergonha de sua obra, o que explica os anos e anos de desenvolvimento do projeto, o sumiço das cópias do DVD do mercado e, finalmente, o mega-esforço do futuro diretor Joseph Kosinski e sua turma de efeitos visuais demostrando, num teaser, que era possível levar a história adiante.

Fãs do filme original não ficarão decepcionados com Legado _ é uma tremenda viagem visual por uma paisagem gelada e noturna, com impecável 3D original (nada de conversões aqui), espetacular direção de arte e a plena realização de algumas das ideias enunciadas em 1982 _ a perseguição de moto, por exemplo, agora de fato uma disputa em alta velocidade, com o espectador no meio. E, sim, duas (ou tres…) vezes Jeff Bridges: no mundo real e virtual, como o pai do herói Sam Flynn (Garrett Heldlund, possivelmente o ator menos carismático que já vi); e como seu avatar virtual, o programa Clu, rejuvenescido graças à mesma plástica digital que envelheceu Brad Pitt em Benjamin Button.

Meu único conselho: não levem a história a sério. Mesmo com longos diálogos expositivos para explicar como Flynn , Sênior foi parar na grid e o que fez por lá nos últimos 20 e tantos anos, qualquer tentativa de acompanhar literalmente a possível metáfora do mundo virtual ou descobrir o que Olivia Wilde é e que diabos Michael Sheen está fazendo fantasiado de David Bowie circa 1972 resulta apenas em uma tremenda dor de cabeça.

Abracem Tron-O Legado como uma experiência sensorial não muito diferente de um bom videogame _ ou, como me lembrou um tronólogo e cinéfilo mega-erudito, não muito diferente de Enter the Void, de Gaspar Noé.

E sim, a trilha , nos momentos em que o Daft Punk resolve se levar a sério , se parece perigosamente com a de Hans Zimmer para Inception. Mas quando eles se entregam a uma versão atualizada do electro-prog dos anos 80, é deliciosa (prestem atenção: são eles na cabine do DJ na cena do clube, mudando o som da pista para acomodar a iminente porradaria).

Bravura Indômita, dos irmãos Coen, também é uma refeitura muitos e muitos anos depois _ o original , dirigido por Henry Hathway, é de 1969 e rendeu a John Wayne o Oscar de melhor ator em 1970. Para seu filme Joel e Ethan Coen, na verdade, passaram consideravelmente ao largo do filme e retornaram ao texto original do livro de Charles Portis, publicado em 1968 e um clássico das  obras western.

Coisas importantes foram corrigidas com essa mudança de curso: a voz do filme, no sentido literal e figurativo, voltou a ser da menina Mattie Ross (a sensacional estreante Haillee Steinfeld, justamente lembrada nas indicações da Screen Actors Guild) e não do xerife “Rooster” Cogburn (Wayne  no original. Jeff Bridges, genial, aqui); a paisagem, física e emocional, saiu do épico Colorado do filme de 1969 e retornou ao mundo muito mais árido e desnudo do Arkansas/Oklahoma do livro.

Mais importante: todo verniz de sentimentalismo e qualquer tentativa de açucarar a trama foram eliminados. Como no livro, Mattie não flerta com o xerife texano (Matt Damon, ótimo) que se incorpora à patrulha em busca do assassino do pai dela; a picada de cobra do ato final tem todas as suas implicações sinistras e irremediáveis; e a linguagem mantem o estilo ao mesmo tempo formal e cru de Portis, acrescido do famoso humor dos Coens.

O resultado é um filme muito superior ao original, onde espíritos igualmente  ácidos – os Coens, Portis – se encontram para contar a história da menina de 14 anos que contrata um xerife em fim de carreira, bêbado,caolho e cheio de fantasmas interiores, para vingar o assassinato do pai.  Isto  é puro drama do oeste: como, num território sem contrato social e sem leis, a única bússola possível são os princípios morais de cada um.

Lamento que os executivos da Paramount tenham, por razões que ignoro, escondido o filme, o que pode ter resultado no seu sumiço dos (esquisitíssimos) Globos. Mereciam que Rooster saísse atrás deles, rédeas nos dentes, um revólver em cada mão.

Bravura Indômita estreia nos EUA quarta feira que vem dia 22; e no Brasil dia 21 de janeiro.


Globos de Ouro 2011, o dia depois das indicações: como eu votei (e não votei)
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Ana Maria Bahiana

Globos de Ouro 2011 _ o que dizer além de meus comentários para o UOL Cinema? Numa tentativa de compreender como um desastre cinematográfico como Burlesque foi parar na seleção dos melhores do ano (sem falar em obras bem mais ou menos como The Tourist, Red, Alice no País das Maravilhas e semelhantes) fiz uma pequena enquete entre meus colegas de  variadas vertentes. Alguns estavam tão chocados quanto eu. Outros justificaram o voto na base da diversidade, da necessidade de incluir estrelas no mix da festa, etc. É complicado _ eventos de prêmios são, cada vez mais, eventos. Foi assim que o Oscar perdeu as honras históricas e ganhou 10 indicados a melhor filme.

Queria muito poder dizer, em detalhes, como votei, mas a verdade é que não me lembro de todos os votos. Fiquei feliz de ver nos finalmentes algumas das minhas apostas na contramão: Jacki Weaver por Animal Kingdom, Jennifer Lawrence por Winter’s Bone, Edgar Ramirez por Carlos, Idris Elba por Luther. Mas a lista dos meus votos que ficaram no pó da estrada é maior ainda.

Tentando reconstruir minhas escolhas, aqui vão as principais categorias:

Drama: Emplaquei Inception, A Rede Social e Cisne Negro. Mas meus votos suicidas para Não Me Abandone Jamais e Ghost Writer (um filme muito melhor do que a maioria das pessoas recorda) se perderam. The Fighter tem seus fãs, mas não me incluo entre eles _ me parece qualquer outro filme sobre boxe/familias operárias da costa leste, e todo mundo interpretando como se fosse uma novela mexicana. Sim, até minha amada Melissa Leo.

Comédia: Aqui apanhei mais que Jake La Motta em Touro Indomável. Meu único voto convertido foi Minhas Mães e Meu Pai. Meus votos perdedores foram It’s Kind of a Funny Story (um filme lindo, lírico, que merece muito), Cyrus, Scott Pilgrim Contra o Mundo e Please Give.

Atores: Ó céus, Johnny Depp, gosto muito de você, mas o que você está fazendo DUAS vezes nessa lista?! Não com meu voto. Jesse Eisenberg, Colin Firth e Ryan Gosling foram votos meus, mas adeus Andrew Garfield por Não me Abandone Jamais e Leonardo di Caprio por Inception entre os dramáticos. Entre os comediantes, consegui algo tão dificil quanto emplacar todos: não emplaquei nenhum. Minhas escolhas: Michael Cera (Scott Pilgrim), Keir Gilchrist (Funny Story), John C. Reilly (Cyrus), Jim Carrey (I Love You Philip Morris).

Atrizes: Só emplaquei a dupla de Duas Mães na arena da comédia. Foram-se Sally Hawkins em Made in Dagenham (que não sei se deveria estar em comédia, pra começar…), Catherine Keener por Please Give, Mary Elisabeth Winstead por Scott Pilgrim. No drama fui um pouco melhor, e quatro das minhas escolhas estão lá. Mas Halle Berry no papel de uma stripper com múltipla personalidade me lembrou aqueles telefilmes cafonas dos anos 1980. Quem não consegui emplacar:  a mais que divina Lubna Azabal, de Incendies.

Coadjuvantes: Jacki Weaver, Andrew Garfield, Jeremy Renner e Geoffrey Rush eu consegui. Não consegui: Pierce Brosnan por Ghost Writer, Marion Cotillard por Inception, Chloe Moretz por Let Me In.

Filme estrangeiro: Aqui, novamente, levei uma surra. Só converti Biutiful.  Está certo que Tio Boonmee e Des Hommes et Des Dieux podem parecer muito extremos, mas como esnobar Incendies, um dos melhores filmes do ano, em qualquer língua?

TV: Não fui de todo mal. Meus escolhidos ficaram na órbita de Mad Men, Boardwalk Empire, Walking Dead, Breaking Bad, Carlos, Temple Grandin, You Don’t Know Jack. Não consegui emplacar Sherlock nem minha querida Raising Hope _ espero que ela segure a onda até o ano que vem…

Agora é esperar a cédula defiitiva, para os vencedores, que chega dia 28…


Uma conversa com Darren Aronofsky, parte 2: “Parece que só eu quero fazer meus filmes”
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Ana Maria Bahiana

No capítulo anterior, Darren Aronofsky ficou impressionado com as top models do Bolshoi, descobriu a dualidade no Lago dos Cisnes e fez a câmera dançar. Na segunda e última parte de nossa conversa, ele fala sobre o estado de coisas na industria, as unhas do Wolverine e como diretores vêem os filmes dos outros.

Você mencionou em algumas entrevistas que o projeto de Cisne Negro levou quase 10 anos para se concretizar. Por que?

_Não era um filme que as pessoas quisessem fazer _só eu. (ri) O que é uma experiência muito comum na minha carreira, só eu quero fazer meus filmes, tenho que convencer um monte de gente a apostar na minha visão. Acho que aceitei fazer o novo Wolverine em parte por isso _ porque era um filme que todo mundo queria fazer. (ri muito) Queria saber como seria o outro jeito!

E as coisas não parecem estar melhorando…

_Não, infelizmente, não. Sempre foi mais difícil fazer filmes pessoais, e a crise econômica encolheu a disponibilidade de dinheiro. Há menos dinheiro circulando e com isso há menos tolerância para riscos e filmes pessoais. O boom dos anos 90 que tornou possível uma nova geração do cinema independente acabou. Ainda existem possibilidades, ainda existe algum ouro na mina e filmes como Atividade Paranormal conseguem ser feitos, mas é muito, muito, muito complicado acessar esse dinheiro.

E além do mais há cada vez menos distribuidores. Basicamente todos eles fecharam: Warner Independent, Paramount Vantage acabaram, Miramax está em fluxo. A Fox Searchlight (distribuidora de Cisne Negro) não tem nenhum incentivo para dar um adiantamento para um filme que ainda não foi feito porque, de certa foram, eles são a única opção na industria, hoje. Todo mundo quer que eles distribuam seus filmes porque eles fazem um trabalho sensacional. Mas a verdade é que ninguem põe dinheiro na mesa sem o filme pronto

Nem para Darren Aronofsky?

_É…. Eu também.Em The Wrestler, que agora todo mundo elogia, me diziam que fazer um filme com Mickey Rourke era loucura, filme de luta livre era loucura,  ia destruir minha carreira. E o filme foi bem, ganhou o Globo de Ouro, Bruce Springsteen ganhou o Globo de Ouro , o filme disparou na disputa dos prêmios e foi o que se viu. Pensei que, com Cisne Negro, tendo uma estrela reconhecida como Natalie comprometida com o projeto, mais um elenco internacional – inclusive com Vincent Cassel, que é super conhecido no Brasil -tudo seria mais fácil. Mas não foi, Literalmente todo mundo nesta cidade dispensou o projeto. Fox Searchlight finalmente disse sim duas semanas antes do início das filmagens.

Então é mesmo por isso que você está fazendo um filme de super-herói?

_Em parte, em parte. Como eu disse, eu já fiz cinco filmes onde eu era a única pessoa na sala querendo fazer o filme. Queria saber como seria o contrário. E além do mais é divertido. Vou me divertir muito, tenho certeza _ é algo diferente, um desafio  e  sempre me animo quando encaro um desafio. Fui um independente em cinco filmes e está na hora de fazer algo diferente.

E se estamos falando de personalidades complexas e duplos, o Wolverine não está tão distante assim dos seus temas…

(ri muito) _ Isso mesmo. Não tem penas, mas tem unhas, garras! Com certeza ele é um personagem fascinante e complexo, e isso torna tudo ainda mais divertido.

O tema do fracionamento da personalidade aparece constantemente em sua obra. Na verdade, muita coisa de Cisne Negro me lembrou o protagonista de PI em sua obsessão. Qual o motivo?

_ Eu sempre fui um garoto muito intenso. Escrevia poemas sobre o fim do mundo quando  tinha 9 anos. Mas além disso eu cresci numa familia que enfrentava o problema da doença mental. Meu tio tinha problemas mentais muito sérios. Passei muito tempo com ele e vi o que realmente é o mundo da doença mental. Procuro tratar o tema com grande delicadeza e respeito, exatamente porque o conheço de perto. No caso de Cisne Negro… é mais um conto de fadas do que um estudo da mente humana. É a antiga disputa da luz contra a sombra. É uma jornada pelo mundo das sombras.

Você tem visto bons filmes este ano?

_ Estou atrasado com meus filmes. Como tenho um filho pequeno, preciso primeiro me atualizar em Toy Story 3, Como Treinar seu Dragão(ri) Fiquei muito impressionado com Enter the Void. Todo filme, mesmo os bons filmes, é derivativo de outros. A Rede Social é derivativo de Jejum de Amor e Todos os Homens do Presidente, e Cisne Negro é derivativo de um monte de outros…. Enter the Void não é derivativo de coisa alguma. É um enorme desafio, super artístico e para mim, como realizador, é empolgante. Mas não é uma obra envolvente _ é intelectual, é como ir a um museu e apreciar uma obra de arte.

Como um diretor vê os filmes dos colegas?

_ De um modo muito diferente. É muito difícil, para um diretor, se perder num filme porque o tempo todo você está pensando sobre o ofício, a técnica, o trabalho. Quando eu consigo não pensar nisso e realmente me perder na história algo mágico acontece e é como se eu tivesse 13 anos de novo. Aí eu sei que o filme está funcionando.


Uma conversa com Darren Aronofsky: “Balé é um esporte olímpico”
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Ana Maria Bahiana

Quando Darren Aronofsky ainda era, nas suas próprias palavras, “o aluno mais jovem” do curso de direção do American Film Institute ele e seu melhor amigo era Matthew Libatique, o aluno mais jovem do curso de direção de fotografia no mesmo AFI, fizeram a si mesmos uma promessa: algum dia iam realizar juntos um filme sobre luta livre e um filme sobre balé. “Eu não notei que, de um modo bizarro, os dois temas tinham uma relação  entre si”, Aronofsky diz, numa  manhã gloriosa de outono em Los Angeles.”Eram atividades expressivas, intensas, coreografadas, que exigem preparo físico e capacidade de suportar a dor. Para nós, eram dois excelentes temas para serem expressados visualmente.”

Aronofsky está resfriado, uma caixa de lenços de papel ao seu lado, uma xícara de chá com limão à sua frente na suite do hotel de Beverly Hills que se transformou no quartel general da campanha de lançamento de Cisne Negro, a segunda parte de sua promessa (a primeira, The Wrestler, já lhe angariou várias indicações e prêmios).  Mas, mesmo mal disposto, Aronofsky não pretende diminuir seu ritmo de trabalho. “O preço por fazer algo pelo qual temos grande paixão é trabalhar em dobro”,ele diz. “Mas não é um sacrifício, é um prazer.”

Aqui, em duas partes, minha conversa com Aronofsky sobre balé, cinema, doença mental e crise econômica. Nesta primeira parte Aronofsky conta o processo de criação de Cisne Negro _ que, depois de uma estreia limitada superbem sucedida, começa neste fim de semana sua expansão em mais telas.

Como foi a evolução deste projeto? Ele sempre teve esta história, com estas características?

_ Veio de duas vertentes, duas vontades. Eu sempre quis explorar o mundo do ballet. Minha irmã é bailarina, então sempre pude observar esse mundo de perto. Por outro lado, a ideia da personalidade fracionada, a possibilidade do outro, do duplo, sempre me fascinou. Creio que a raiz mais profunda deste projeto está O Duplo, de Dostoivesky, que sempre amei. Eu me perguntava, onde eu posso colocar os elementos dessa história. Pensei na ópera, no teatro _ a primeira versão, escrita por Andres Heinz, chamava-se The Understudy e se passava durante a montagem de uma peça. E aí um dia, conversando sobre balé com minha irmã, ela mencionou, de passagem_ ‘Você sabe que no Lago do Cisnes a mesma bailarina dança a Rainha dos Cisnes e o Cisne Negro?’ Aquilo foi um achado para mim, deu uma outra direção para a história.

E você foi assistir Lago dos Cisnes para conferir?

(ri e assoa o nariz) _ Eu já tinha visto algumas vezes… com uma irmã bailarina, é natural. Mas comecei a ver com outra intenção, e vários elementos se encaixaram. Na verdade o filme poderia se chamar Lago dos Cisnes _ todo o filme é uma tradução do balé, todos os personagens são metáforas dos personagens do balé. Logo numa das primeiras vezes em que vi como pesquisa para o filme eu fui conversar com uma famosa primeira bailarina do American Ballet Theater, Julie Kent, que foi Rainha dos Cisnes muitas vezes. Eu queria saber o que acontecia com ela depois que Rothbart lança o feitiço, ela foi encantada, entendo, mas o que realmente acontece com ela? E Julie me disse: “ela é meio humana, meio cisne. É uma criatura estranha…” Imediatamente na minha cabeça eu vi algo como um lobisomem, mas com cisnes. Uma mulher-cisne… Eu poderia fazer a atualização absoluta do filme de lobisomem, sem lobos e sem homens, mas com uma mulher-cisne.

Fiquei impressionada como você pegou os menores detalhes dos rituais do balé. Você passou muito tempo nesse universo?

_ Era absolutamente necessário. E como mostrei que minhas intenções eram sérias e claras, tive um acesso sem precedentes. Minha memória mais fortes foi estar nas coxias do Lincoln Center vendo o Bolshoi dançar _ aquelas mulheres lindas, altissimas, verdadeiras super modelos, mas com a capacidade atlética de uma campeã olímpica! Na plateia não se tem  a menor ideia de nada disso. Na verdade, muito cedo eu tive essa revelação _ balé é um esporte olímpico, exige o mesmo preparo físico, a mesma tenacidade, habilidade, resistência. Só que todo esforço dos bailarinos é não demonstrar nada disso, é fazer tudo parecer lindo, fácil, sem esforço. E eu via como eles saíam do palco resfolegando, sem ar, banhados em suor, muitas vezes com hematomas, sangue…

Como você conseguiu incluir essas observações no filme?

_ Colocando a câmera o mais próximo possível dos meus atores, especialmente Natalie. A personagem foi criada para ela, aliás. Então a câmera tinha que dançar, tinha que estar no palco, nos ensaios. Matt (o DP Matthew Libatique) e eu trabalhamos muito em conjunto, e selecionamos a câmera mais leve possível para Cisne Negro, de forma a estar com Natalie o tempo todo, mover-se quando e como ela se move. Há uma estética natural que se percebe através do viewfinder assim que se pensa o enquadramento desta forma. Os desafios eram como coreografar atriz e câmera, como antecipar onde a bailarina vai estar, onde a câmera vai estar, quão rápido o operador da câmera pode se mover sem lançar sombra… é um quebra cabeças, mas vale a pena.

Continua…
Fotos: Theo Kingma; Fox Searchlight

Nos finais de Boardwalk Empire e The Walking Dead, o melhor da TV
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Ana Maria Bahiana

Devo, não nego , a entrevista com Darren Aronofsky. Como estou coordenando com a matéria do UOL Cinema que sai segunda feira, peço um pouquinho de paciência.

Até porque duas coisas importantes também aconteceram neste final de semana, além dos recordes de bilheteria de Cisne Negro: os finais de duas das melhores séries da TV americana, Boardwalk Empire and The Walking Dead. Ambos tiveram o duplo impacto que se espera de projetos feitos com cuidado: sucesso de crítica e de público; sólido para Boardwalk, excepcional para Walking Dead.

Por mais que possa parecer bizarro, os dois finais tiveram algo em comum _ a possibilidade de redenção de  personagens conflituados, divididos, torturados. Boardwalk terminou deixando Nucky Thompson (Steve Buscemi) e sua eleita, Margaret Schroeder (Kelly McDonald) vendo o dia nascer sobre o Atlântico depois de uma noite de festa  celebrando mais uma vitória política; o dia também nascia ao final de The Walking Dead, com o xerife Rick Grimes (Andrew Lincoln) triunfando sobre mais uma provação aparentemente impossível.

Mas, antes disso, em cada episódio, os dois heróis mostraram seus pés de barro, expuseram um pouco de suas almas  : Nucky numa cena intensamente emocional com Margaret que confirmou de vez (como se isso fosse necessário) o imenso talento de Buscemi, contra toda a maledicência de quem não o via como o poderoso chefão de Atlantic City; Grimes, em uma troca  igualmente intensa com o Dr. Jenner (ótima participação especial de Noah Emmerich) no Center for Disease Control que vimos no capítulo anterior. Seriam vazias as suas vitórias, as verdadeiras conquistas talvez impossíveis, as perdas verdadeiras, irremediáveis?

Além desse paralelo entre as jornadas dos seus protagonistas Boardwalk e Dead compartilham algo mais: a qualidade de tudo em sua produção, do controle do roteiro ao apuro da direção de arte e desempenho do elenco. Foi um bordão deste ano, não é mesmo? Enquanto o cinema, com raras e felizmente ótimas exceções, vacilava, a TV, aproveitando a vantagem de não ter que correr atrás da plateia, ousava, gastava e realizava.

O episódio de Boardwalk, entre uma noite de Halloween e um dia de eleição, propôs Altlantic City como um microcosmo dos Estados Unidos, as velhas correntes de  dinheiro, poder, raça e religião chocando-se, entrelaçando-se, arranjando-se. O episódio de Dead, entre uma noite e um dia nos subterrâneos do CDC, fez do bunker uma cápsula da humanidade, sua arrogância e sua beleza, sua força e sua fragilidade, sua fé na ciência, tão facilmente abalada por forças maiores e mais antigas. É coisa substancial e apetitosa, o melhor que o entretenimento de massa pode fazer _ prender pela narrativa, emocionar pelos personagens, fazer pensar. Agora queremos mais!


Em Cisne Negro, a agonia e o êxtase da perfeição
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Ana Maria Bahiana

A possibilidade da perfeição, a transcendência da perfeição, a loucura da perfeição _ em Cisne Negro Darren Aronofsky nos convida não a  ver, mas a viver estes caminhos, em plena comunhão com sua protagonista, Nina (Natalie Portman) a primeira bailarina de uma fictícia companhia dirigida pelo autoritário e possivelmente brilhante Thomas (Vincent Cassel).

Há duas histórias secundárias correndo no fundo do brilhante roteiro  (de Andres Heinz,  Mark Heyman (de O Lutador) John McLaughlin , a partir de um argumento de Heinz adaptando seu roteiro original The Understudy ): o passado de Erica (Barbara Hershey) ex-bailarina, mãe de Nina; e o da ex-primeira bailarina Beth (Winona Ryder) bruscamente aposentada por Thomas no início do filme.

Mas essas tramas são afluentes do rio que realmente importa e sobre o qual quanto eu menos falar, melhor: a história de Nina, que por sua vez se confunde com o próprio enredo do balé Lago dos Cisnes. Tchaikovsky compôs Lago em 1875-76, inspirado numa série de lendas russas que por sua vez se baseavam em mitos germânicos ainda mais antigos. E, se continuarmos neste mergulho, vamos dar num arquétipo de quase todas as culturas: o da mulher-que-muda, a sereia, a selkie, a mulher-lobo, a mulher-garça. A possibilidade do outro, de habitar o outro, de ser a natureza selvagem.

Combinado com a rigorosa disciplina do balé, o mito adquire um poder imenso, que Aronofsly explora como gosta: num mergulho em queda livre, mas absolutamente controlada. Nina é feita prima ballerina, estreando no papel da Odette, a princesa encantada em cisne,  numa nova produção de Lago dos Cisnes “mais moderna, mais nua, mais sensual”,  nas palavras enfáticas de Thomas.

Responsabilidade, ansiedade e estresse são imensos. Como em toda montagem do Lago, Nina terá que dançar não apenas Odette mas sua arqui-rival, sua sombra, Odile, o Cisne Negro, que irrompe num furacão de jetés e fouettés en tournant no terço final do balé, toda paixão, impulso, inconsciente. Como em toda companhia, Nina tem uma bailarina alternativa, que aprende a coreografia para poder substitui-la em caso de necessidade _a mais jovem Lilly (Mila Kunis). E por aqui ficamos.

Como em O Lutador, Aronofsky escolhe um ponto de vista e permanece nele, disciplinado como um dançarino. Vivemos a jornada de Nina com ela, nas aulas, na barra, nos ensaios, nos espelhos, nos múltiplos , pequenos e precisos rituais do balé : as camadas de malhas, o preparo das sapatilhas, as dolorosas sessões de fisioterapia, os calos, as bolhas, os tombos, as equimoses.  É tortura, agonia e é êxtase, transcendência _  nunca, nem nos maravilhosos All That Jazz e The Red Shoes, eu vi um filme traduzir tão perfeitamente a experiência física, emocional e sensorial de dançar (nota pessoal: danço balé desde os 5 anos. Sou uma dedicadissima bailarina sem talento. Tem gente que corre, joga tênis, faz ioga. Eu danço balé.)

Aronofosky tem dois parceiros preciosos nesta formidável experiência sensual:  a fotografia de Matthew Libatique, que enquadra e se movimenta com a  inteligência do gesto repleto de controle e intenção, e a música de Clint Mansell, que parte de Tchaikovsky para um outro lugar mais sombrio, mais íntimo. O elenco está uniformemente excelente, com destaque para o rigor da abordagem de Natalie Portman, perfeita no entendimento profundo da  vertigem da perfeição (que me fez lembrar a peça Nijinsky,  o Palhaço de Deus).

É filme para não se perder, mas para se perder nele.

Cisne Negro estreia sexta feira dia 3 aqui nos EUA e 4 de fevereiro no Brasil. Em breve, matéria com entrevistas sobre os bastidores de Cisne Negro no UOL Cinema, e 15 minutos de papo com Darren Aronofsky, aqui.


Foi dada a partida: quem está na frente na Corrida do Ouro 2010-2011
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Ana Maria Bahiana

Pronto, agora é guerra. Como vocês podem ver pelo estado de coisas no meu escritório, as armas incluem dvds/blu rays, livros, sacos de bala e pipoca, garrafas de vinho, babilaques diversos ligados ao conceito de filmes e séries de TV.

É a Corrida do Ouro 2010-2011 em pleno vigor a partir do feriadão do Dia de Ação de Graças, encerrado ontem. Não se pode acessar um site ou abrir uma revista ou jornal sem ser bombardeado por anúncios “para sua consideração” e, na mesma proporção, listas e mais listas de possíveis, prováveis candidatos a candidatos.

E a verdade é que há tão pouca certeza…

Eis o que se sabe:

  • Os Oscars escalaram seus apresentadores : Anne Hathaway e James Franco. A decisão  mostra claramente o desejo de rejuvenescer o evento e garantir uma porção maior do público abaixo de 35 anos para suas três horas de transmissão, de onde as referências técnicas e históricas – os prêmios científicos e honorários- já foram cuidadosamente removidos. Os dois são jovens, bonitos, charmosos, desincumbem-se bem da tarefa de cantar e dançar. Vamos ver o que acontece…
  • Nos Globos, Ricky Gervais vai repetir a dose. É uma boa combinação, clima de festa à moda antiga, todo mundo relax por conta da bebida farta, e o humor britânico, seco e às vezes cruel. A azeitona no martini.
  • Existe também um processo da minha associação contra a Dick Clark Productions, pelo controle dos direitos da marca Golden Globes. Por motivos de confidencialidade, não posso dar mais detalhes, mas eis o que importa: nada disso afeta o evento deste ano, dia 16 de janeiro.

Para quem tem a responsabilidade de escolher indicados e vencedores, o barulho constante dos anúncios e das previsões é uma distração não muito bem-vinda. Essa é uma das razões pelas quais procuro não entrar tão cedo nesse exercício de antecipação _ porque compreendo que ele faz parte da estratégia da campanha,  e que as listas são, em grande parte, resultado de sugestões vindas dos estrategistas. É um pouco assim: se a gente falar muito que fulano é candidato, e  se quem vota ler isso muito, quem sabe ela não vota no fulano?

Entendendo isso, e a curiosidade de quem acompanha o processo, posso dizer que estes são os títulos que estão mesmo na dianteira para diversas considerações: Inception-A Origem; A Rede Social; O Discurso do Rei; 127 Horas; Cisne Negro; The Town; e Rabbit Hole.

Entre as comédias, num ano magro, Minhas mães e meu pai é a pole, com múltiplas indicações possíveis; e também: Scott Pilgrim Contra o Mundo, Due Date, Reds-Aposentados e Perigosos, CyrusBurlesque é a grande incógnita_ será que meus colegas gostaram? É uma espécie de Showgirls com muita cantoria, mas o fator-Cher/Aguilera não deve ser desprezado.

Desempenhos individuais que podem ser lembrados incluem Leonardo Di Caprio em Ilha do Medo; Lelsey Manville em Another Year; Jacki Weaver e Ben Mendelsohn em Animal Kingdom; Jennifer Lawrence em Winter’s Bone; Andrew Garfield e Carey Mulligan em Não Me Abandone Jamais; Sally Hawkins em Made in Dagenham; Rebecca Hall em  Please Give; Christian Bale e Mark Wahlberg por The Fighter; Naomi Watts por Jogo do Poder; Robert Duvall e Bill Murray em Get Low; Michelle Williams e Ryan Gosling em Blue Valentine; Chloe Moretz e Kody Smit-McPhee em Let me In; Dakota Fanning em The Runaways; e Tilda Swinton em Il Sono L’Amore.

Filme estrangeiro é um mistério completo _ muito poucos realmente chamaram a atenção do povo. Incendies, Biutiful, La Prima Cosa Bella e Des Hommes et des Dieux são os poucos que vi deixarem marcas mais unânimes.

Na animação, Toy Story 3 domina, mas há tambem L’Illusioniste, Como Treinar o Seu Dragão e A Lenda dos Guardiões.

Na TV, os dramas que realmente chamaram atenção foram Mad Men, Breaking Bad, Boardwalk Empire, The Walking Dead, Fringe, The Good Wife e o final de Lost; nas comédias, Glee, Modern Family, Raising Hope. E vai ser dificil tirar os premios de ator/telefilme de Al Pacino por You Don’t Know Jack e de Claire Danes por Temple Grandin.

O resto é a incerteza que todo tudo mais apetitoso…