Blog da Ana Maria Bahiana

Categoria : Gritos e sussurros

Angelina Jolie plagiou mesmo seu primeiro filme como diretora?
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Ana Maria Bahiana

 

Angelina Jolie no set

Então vocês já sabem sobre o processo de plágio movido contra Angelina Jolie? Estou tentando desembaraçar os fios desta teia desde ontem, quando In the Land of Blood and Honey, o filme dirigido por Jolie, teve pré-estréia em Nova York e os papéis do processo chegaram, não por acaso, aos escritórios de sua produtora e da GK Films, que bancou o projeto. Ainda não tenho respostas claras sobre as muitas dúvidas que um caso assim provoca, mas já sei mais do que sabia ontem – e, pelo que estou lendo, mais do que tem saído por aí.

A coisa em si: um jornalista bósnio, que se assina tanto James J. Braddock quanto Josip J. Knesevic, acusa Angelina Jolie e seus produtores de terem copiado ilegalmente a trama de seu livro The Soul Shattering, publicado em 2007. Na ação, Braddock/Knesevic, como é de costume, exige reparação e o cancelamento da distribuição de In the Land of Blood and Honey.

Seus argumentos (e aqui há óbviamente SPOILERS, se você pretende ver o filme…) : filme e livro tratam do mesmo assunto, uma mulher muçulmana que é estuprada e aprisionada por soldados sérvios durante a guerra de 1992-1995, e seu relacionamento com o comandante da guarnição onde está aprisionada.

Zana Marjanovic e Goran Kostic em In The Land of Blood and Honey

Braddock/Knesevic argumenta mais: que em 2007, ele teria se reunido com Edin Sarkic, que veio a se tornar um dos produtores de Blood and Honey, e mostrado a ele uma súmula de seu livro. O que alega em seu processo é que Sarkic teria conhecimento do livro e teria usado o material como base do que viria a ser o roteiro que Angelina assina.

Em troca, a GK Films diz que Jolie nunca leu o livro ( e nem poderia, a não ser que ela falasse bósnio, como se verá a seguir) e que os protestos de Knesevic não tem fundamento.

Agora vamos ao que está além disso:

O livro não foi publicado fora da Bósnia. Como o próprio Knesevic descreve, seu manuscrito foi encaminhado para e rejeitado por “centenas de editoras”. Por um ótimo motivo: pelo que se pode ler nos trechos do próprio site do autor, ele é muito ruim.

Seu livro não é uma obra original, única _ é uma reportagem (bastante caótica) sobre as condições em torno de Sarajevo durante a guerra, e inclui uma multidão de personagens e situações. Várias outros documentos, entre reportagens, livros e dossiês, contém ampla documentação dos fatos medonhos ocorridos durante o conflito, inclusive e principalmente o estupro e humilhação sistemática das mulheres. Existe inclusive um vasto livro de entrevistas com mulheres vítimas da guerra, publicado em 1997 sob os auspícios do Comitê para os Direitos Humanos na Sérvia, intitulado exatamente The Shattering of the Soul.

Os elementos que Knesevic alega serem semelhantes entre seu livro e In the Land of Blood and Honey podem ser encontrados na maior parte desses documentos e obras.

Quem negocia uma obra para adaptação cinematográfica toma algumas precauções básicas, como registrar seu trabalho e obter uma carta de intenções de produtores com quem se reune. Que se saiba, Knesevic não tomou nenhuma dessas providências, o que revela pelo menos que ele não é um profissional.

Meu palpite: isso vai morrer na praia.

E o que, para mim, é mais espantoso: o filme é bom. É o filme de uma estreante, mas não é preciso nem dar esse desconto. O complicado relacionamento entre Alya (a sensacional Zana Marjanovic_ quero ver mais filmes com ela!) e Danijel (Goran Kostic, muito bom) vai além do conflito étnico – ela muçulmana, ele sérvio, filho de um general linha-dura ( o sempre competente Rade Serbedzija) para refletir sobre paixão, lealdade, desejo e compaixão. Nada é simplificado, nada é facilitado _ e tanto quanto uma pessoa de fora pode compreender algo tão complexo e doloroso quanto os conflitos na ex-Iugoslávia, o impacto da tragédia na vida cotidiana de seus habitantes é mostrado com clareza.

Independente das confusões, uma bela estréia.

In the Land of Blood and Honey estréia nos EUA (dublado em inglês) dia 23 de dezembro e na Europa, no original em bósnio, a partir de janeiro; ainda não tem data para lançamento no Brasil.


Dez anos do 11 de setembro – De Rambo a Guerra ao Terror, uma longa caminhada pelo Vale das Sombras
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Ana Maria Bahiana

 

Eu me lembro muito bem da primeira cabine depois do ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center. O filme era Zoolander. As pessoas chegavam meio sem saber o que estavam fazendo ali _ há mais de um mês não se passava filme para imprensa, não havia premieres nem junkets nem festas. Especulava-se sobre a viabilidade ou não de Oscars e Globos de Ouro. A cidade tinha passado do estado de choque à depressão profunda. Alguém ainda se lembra de que três dos quatro aviões usados nos ataques vinham para Los Angeles? Havia amigos, colegas, conhecidos naqueles vôos. A ponte aérea LA-NY é super comum, eu mesma tinha bilhetes para um vôo assim, marcado para o dia 12 de setembro de 2001. Claro que não houve.

As pessoas chegavam na cabine – se não me engano o cinema Harmony Gold, ali na Sunset perto do Directors’ Guild – e não sabiam se cumprimentavam, se conversavam. Dizer o que? E no entanto havia também uma sensação de alivio, uma vaga indicação de que a normalidade talvez fosse possível. Los Angeles faz cinema, poder exibir cinema é como, para um jogador gravemente machucado, entrar de novo em campo.

Além do impacto pessoal do 11 de setembro, haviam outras ramificações  locais da tragédia. Diferentes entre si,  elas acabavam se juntando no final, como tramas bem planejadas de um roteiro complexo.

A primeira era de natureza metafórica ou, se quiserem, espiritual: havia algo terrivelmente familiar no horror  das imagens que as TVs despejavam sem parar naquele dia claro de fim de verão, 10 anos atrás. Durante anos, especificamente os últimos anos do século 20, a indústria tinha se esmerado para imaginar, criar e realizar, nos menores detalhes, coisas muito, muito, muito parecidas.

E não estou falando nem das sérias intenções de Nova York Sitiada, de Ed Zwick que, em 1998, imaginava um ataque terrorista no coração de Nova York e consequente intervenção militar pisoteando os tão caros direitos civis .

“Eu acredito firmemente que nossas maiores ameaças, hoje, vem de situações que nós mesmos criamos no exterior”, Zwick me diria numa entrevista interessantíssima que, muitos anos depois, parece positivamente apavorante.

Mas não, estou falando de pipocada generalizada, filmão para divertir, render altas bilheterias, etc. Por exemplo: Rambo 3, de 1988, com Sylvester Stallone marchando ombro a ombro com os mujahedins islâmicos no Afeganistão, decidido a acabar com o domínio russo na região. Não se falava em Alcaida ou Taliban mas… era isso, não era?

Ou True Lies, de 1994 em que (pelo que eu saiba ) pela primeira vez na imaginação do entretenimento os vilões eram fundamentalistas islâmicos, gravando vídeos com ameaças ao “ocidente decadente”. Havia uma aeronave ameaçando um arranha-céu também _ mas dessa vez os terroristas estavam dentro do prédio, e Arnold Shwarzenegger pilotava o ataque.

“Um antagonista movido por princípios religiosos é muito mais formidável e potente que um movido por ideologia política”, James Cameron me diria em outra entrevista fascinante e sinistramente profética. “Não se pode usar a razão com um terrorista impulsionado pela fé. É inegociável. Ele acredita estar investido por um poder muito maior, estar impulsionado por verdades absolutas.”

True Lies rendeu muito bem na bilheteria mas foi massacrado pela Liga Anti-Discriminação Árabe e outros grupos, que marcharam em Washington pedindo boicote ao filme por “mostrar a população do Oriente Médio como um bando de fanáticos religiosos homicidas.”

Por essas e outras, quando tantos aqui reagiram às primeiras imagens do ataque com um automático “parece um filme!”, eles sabiam muito bem o que queriam dizer. Parecia mesmo. Eles já tinham até feito.

Francis Ford Coppola diz que acredita num estranho poder do cinema: passa-se tanto tempo imaginando, concentradamente, tramas fictícias, que é bem capaz de estarmos conjurando essas energias para o plano do real. Toda magia tem seu lado perigoso _ na luz da tela também podem estar nossas sombras.

A segunda ramificação era de natureza econômica : durante quanto tempo a depressão duraria? O que fazer com filmes já prontos que tinham temas militares, vilões árabes, explosões? (Entre muitos outros, o projeto de True Lies 2 foi cancelado por iniciativa do próprio Cameron. “Terrorismo, como tema, não tem mais a menor graça”, ele disse.)

A resposta veio em dezembro, com um filminho que já tinha sido empurrado de sua data original e que acabou sendo lançado sem muita fanfarra: Atrás das Linhas Inimigas. Nele, Owen Wilson era um soldado americano perdido durante a guerra da Bosnia, lutando sozinho para se reencontrar com seu pelotão.

O filme foi um sucesso, e a indústria respirou aliviada_ o público aceitava guerra e violencia, desde que o herói, americano, tivesse a integridade de seus antecessores na década de 1940 e 1950. A discussão da guerra como um tema moralmente ambivalente, que domina o gênero a partir do Vietnã, é posta na prateleira. Os primeiros anos do novo século são marcados por uma leva de filmes com heróis americanos irrepreensíveis, íntegros, isentos de dúvida ou mácula: Lágrimas do Sol, Falcão Negro em Perigo, Regras do Jogo.

Curiosamente, os eventos do dia 11 de setembro em si, seus antecedentes  e consequências demorariam mais de cinco anos para chegar até a tela. E, embora tenham rendido alguns filmes notáveis –  Vôo United 93 , Fahrenheit 11 de setembro,  Zona Verde, O Reino,  Jogo do Poder , No Vale das Sombras, Restrepo, o oscarizado Guerra ao Terror – os fatos, os atos, as tramas e os desdobramentos daquela manhã de final de verão ainda são indigestas, talvez indigeríveis para a grande plateia norte-americana.

Quando o pesadelo se torna realidade, talvez não seja possível voltar atrás.

E aquela cabine de Zoolander? Foi ótima. Acho que poucas vezes ri tanto na minha vida. Até hoje o filme tem um lugar privilegiado na minha memória. Um gole de água boa depois de uma seca penosa. Ri, rimos, menos para esquecer e mais para lembrar que sim, ainda podíamos rir.

 


No final da temporada pipoca, a festa da Disney. Mas onde está Tonto?
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Ana Maria Bahiana

Dez dias no Brasil e , na volta, encontro Los Angeles na habitual modorra do final do verão. Toronto e Veneza já anunciaram sua programação, mas ainda falta o mais importante: Telluride, o pequeno que satisfaz  _ e que este ano tem Caetano Veloso como diretor convidado. Com uma curadoria rigorosa e apaixonada e uma seleção de primeira, mas limitada pelo tamanho do evento – quatro dias- Telluride tem-se tornado o melhor indício de quem realmente está com bala na agulha para a temporada ouro (quem passou por Telluride 2010? Uns filminhos: O Discurso do Rei, Cisne Negro, 127 Horas… No passado? Sangue Negro, Benjamin Button, Quem Quer Ser um Milionário?..).

Mas não adianta ficar ansioso:  fiel à sua tradição, a programação 2011 de Telluride só será anunciada dia 1, véspera da abertura do festival.

Resta o rescaldo da temporada pipoca: três dias de delírio nerd (ou melhro: disnerd..) à sombra do castelo da Bela Adormecida em Anaheim, subúrbio ao sul de Los Angeles, na segunda edição da Expo D23. Recapitule-se: a D23, mega fã clube oficial de tudo o que se relaciona ao mundo Disney, foi criado em 2009 pelo presidente do conglomerado, Robert Iger. No mesmo ano o D23 (D de Disney, 23 para 1923, seu ano de fundação) lançou a primeira versão de sua Expo, uma espécie de Comic-Con particular dedicada exclusivamente à Disney.

Em 2010, sacudida por mudanças corporativas, a Disney não organizou uma Expo. Este ano, contudo, a temporada pipoca foi encerrada extra-oficialmente neste fim de semana, com barracas temáticas, personagens Disney ambulantes e, principalmente, apresentações dos próximos projetos Disney, aí incluídos os títulos Pixar e Marvel.

É um momento sensível para tanta festa. A toda poderosa Pixar está atravessando um ano pálido à sombra da inesperada concorrência da Fox (Rio) e Paramount (Rango); a última animação tradicional do estúdio, A Princesa e o Sapo, não brilhou como esperado na bilheteria; e um verão abarrotado de super-heróis de desigual desempenho está levando os estúdios a reavaliarem as franquias comix.

Robert Downey Jr, Chris Hemsworth e Scarlett Johansson na D23 Expo

Mesmo assim, os fãs aplaudiram entusiasmadamente os grandes anúncios do fim de semana:

  • O elenco completo de Os Vingadores, mais quatro minutos de cenas do filme que tem estréia marcada para 4 de maio de 2012 no mundo todo.
  • As novas produções da Pixar e da Disney Animation : Planes, filhote da franquia Cars, com Jon Cryer (2 ½ Men) dublando o protagonista; Wreck It Ralph, que tem as vozes de Sarah Silverman, Jane Lynch e John C.Reilly; Monsters University, prequel de Monsters; e, mais importante, dois longas de animação ainda sem título, um sobre o dinossauros e outro sobre o cérebro humano.
  • A versão longa do curta stop-motion Frankenweenie, de Tim Burton, com a assinatura do mestre (para outubro de 2012)
  • Dois longas de fantasia que tem ao mesmo tempo promessas e problemas: Oz The Great and Powerful, dirigido por Sam Raimi, traz James Franco como o Mago que acaba se instalando em Oz  tornando-se o centro do clássico O Mágico de Oz, de 1939 (promessa: expandir a visão de um mega-clássico; problema: é possível?); e John Carter, adaptação de  um livro de Edgar Rice Burroughs sobre um veterano da Guerra Civil que tem uma vida paralela em Marte, planeta verdejante habitado por nativos de quatro metros de altura, verdes da cabeça aos pés (promessa: um sci fi diferente do que temos visto ultimamente; problema: Avatar? – mas pontos extras para o trailer ao som de “My Body is  A Cage”, do Arcade Fire, cantado por Peter Gabriel)

Ao mesmo tempo, várias perguntas importantes ficaram sem resposta. Por exemplo: a animação tradicional vai voltar ou esté encerrada de vez? Tron Legacy continua ou não? O que são os “Projetos Sem Título” da Marvel para 2014? E por andam Zorro/O Cavaleiro Solitário e Tonto _ o projeto foi cancelado mesmo?

Enfim_ os tempos não estão fáceis nem para um mega- super- conglomerado de entretenimento…

 


Transformers X Tom Hanks: a batalha do 4 de julho
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Ana Maria Bahiana

 

4 de julho, o feriadão da independência norte-americana, é uma data muito importante no calendário hollywoodiano: é o auge da temporada-pipoca, o momento de ouro para lançar arrasa-quarteirões.Por isso mesmo é também um dos fins de semana mais concorridos – senão O mais concorrido – do ano, o campo de batalha onde se constroem reputações e se estabelecem tendencias.

Foi num 4 de julho há exatos 20 anos que James Cameron provou de uma vez por todas que era capaz de produzir mega-sucessos (Exterminador do Futuro 2, 31 milhões de dólares_ o que, em 1991, era um bocado de dinheiro). Foi em outro 4 de julho, cinco anos depois  que Roland Emmerich mostrou que vinha para fazer muita grana (Independence Day, mais de  50 milhões de dólares em 1996); e, seis anos atrás, Steven Spielberg demonstrou que ainda tinha mojo na área do super popular (Guerra dos Mundos, quase 65 milhões de dólares em 2005).

Nem sempre foi assim: na verdade, até 1975 e Tubarão, junho-julho era a época em que NÃO se lançavam filmes. A crença vigente era que ninguém ia ao cinema durante as férias de verão do hemisfério norte, preferindo praia, viagem e acampamento. Foi Lew Wasserman, presidente da Universal na época (e, por esse motivo guru de Spielberg durante toda a sua vida) que teve a sacada: um filme sobre um tubarão assassino tem muito mais chances de aterrorizar (e atrair) as pessoas se elas já estiverem pensando em praia e outros prazeres de verão. (Leiam o capítulo Nove: A Vingança do Nerd de Easy Riders, Raging Bulls, de Peter Biskind, onde esta saga é contada em detalhes).

Na verdade a analogia com Tubarão é apropriada para este momentoso 4 de julho de 2011: com todo o ruído de seus avanços tecnológicos, a indústria de cinema como um todo, na verdade, movimenta-se muito lentamentGrandes marcos de mudanças fundamentais no modo de conceber, fazer, distribuir e divulgar cinema são raros e espaçados _ e a invenção do blockbuster de  verão, entre 1975/Tubarão e 1977/Star Wars, Capitulo IV: Uma Nova Esperança, foi, por incrível que pareça, a mais recente. Levando em conta a evolução de gostos e tecnologia, os filmes-pipoca ainda são criados, feitos e vendidos do mesmo modo como eram em 1975.

Será que o 4 de julho de 2011 mostra, afinal, sinais de um desvio importante de curso? Talvez. Os indícios:

Um filme em que o conceito e os efeitos são importantes passou batido por um filme em que os atores são importantes. Dez anos atrás se alguem anunciasse um filme estrelado por Julia Roberts e Tom Hanks estreando no mesmo dia de qualquer outro sem Julia Roberts e Tom Hanks, ninguém na indústria pensaria duas vezes em quem seria o top do feriadão. Neste 4 de julho as criaturas CGI de Transformers 3 deram uma lavada em Larry Crowne, estrelado por Tom Hanks e Julia Roberts: 97 milhões de dólares do primeiro contra 13 milhões de dólares do segundo (isso só nos EUA; no mundo todo T3 está pra lá de 400 milhões de dólares de receita, em apenas quatro dias em cartaz). A goleada foi tamanha (T3 é, agora, o recordista do feriadão) que muita gente se perguntou se este feriado marcava o fim de mais uma era dominada por estrelas, e anunciava um novo período em que o conceito era o grande atrativo para o público.

Um filme em que o conceito e os efeitos são importantes recebeu críticas melhores que um filme sem efeitos, com atores e um diretor importantes. Larry Crowne foi escalado para o 4 de julho como uma opção de programação, visando o público mais velho, possivelmente desgostoso com o festival de porrada de Transformers 3. O previsível seria que T3 levasse uma surra da crítica,enquanto o filme “adulto”, encabeçado por dois ganhadores de Oscar (e dirigido por um deles, Hanks) ganhasse pelo menos o triunfo estético. Não foi o que aconteceu: T3 é uma pipocada divertida, seguindo a fórmula exata dos anteriores, e não decepciona porque não promete mais que isso; Larry Crowne é previsível e banal, decepcionando quem  esperava mais

O filme com grandes estrelas foi financiado independentemente. Cinco, dez anos atrás os nomes “Julia Roberts” e “Tom Hanks” seriam o suficiente para os estúdios abrirem as portas dos cofres. Mas para realizar Larry Crowne Hanks teve que usar recursos próprios, complementados por financiamento de terceiros, como qualquer independente. Os 195 milhões de dólares de T3 foram inteiramente cobertos pela Paramount/Dreamworks. “É incrível sequer pensar nisso, mas o filme de Tom Hanks é o pequeno filme independente”, me disse um escolado soldado da indústria. “Não há mais lugar para esse tipo de projeto na matemática dos estúdios.”

O 3D ganhou novo fôlego. Nas semanas anteriores ao 4 de julho Michael Bay fez um verdadeiro apostolado do 3D, comparecendo a eventos, dando palestras e entrevistas (muitas delas ao lado do messias do 3D, James Cameron) com o fervor de um recém-convertido à técnica. Não sei se foi o papo ou a qualidade da produção, mas a verdade é que T3 reverteu a tendência do ano, que vinha mostrando um declínio veloz do consumo de ingressos para salas 3D: 60% dos ingressos para o novo Transformers veio de exibições em 3D, trazendo nova energia para o segmento.

E vocês, o que acham?  A era das estrelas acabou mesmo? O 3D veio para ficar?

 

 


O 3D morreu? Viva o 3D?
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Ana Maria Bahiana

 

Nas últimas duas semanas algo interessante aconteceu no mercado norte americano:  o 3D como atrativo de bilheteria mostrou sinais de declínio. Sinais claros, vindos do índice de vendas de ingressos, assinalaram o que pode ser , na melhor das hipóteses, um desinteresse momentâneo e, na pior, o começo de uma curva descendente, o ciclo final de uma tendencia.

Primeiro, vamos ver o quadro geral: a venda de ingressos nos EUA, neste primeiro semestre, está em media 20% abaixo do mesmo periodo ano passado. É o ponto mais baixo de uma curva descendente que vem desde 2002, e que foi interrompida brevemente em 2009-inicio de 2010 por Avatar.

O mega-sucesso de Avatar, como se sabe, levou os nervosíssimos chefões da indústria a uma conclusão simples: o 3D é a salvação! Não apenas é o que público deseja, mas também é um modo de vender ingressos mais caros, dando um reforço na receita!

Como sempre acontece nesses casos, neste nível, ninguém discutiu a necessidade de tais filmes serem tão bons, tão envolventes e tão tecnologicamente avançados  quanto Avatar.

Fast forward para o feriadão de Memorial Day, a última segunda feira de maio, que marca o início da temporada-pipoca, em geral a fase das vacas gordas para Hollywood: Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas, estreia no topo, como esperado _ mas apenas 46% de sua receita vem das exibições 3D. Uma semana depois, o filme é derrubado por Se Beber Não Case 2, em 2D. Mais sete dias – este final de semana – e Kung Fu Panda 2 fez pior: apenas 45% de seus ingressos vieram de exibições 3D.

A reação em Wall Street – que é onde realmente se resolvem  os destinos dos grandes estudios  e das empresas que deles dependem – foi rápida: as ações de empresas  do setor, como a Real 3D, despencaram vertiginosamente (11% em um dia, em um caso).

Na primeira eclosão do 3D, nos anos 1950, o entusiasmo das plateias durou exatamente três anos. Tentativas posteriores, nos anos 1970 e 80, resistiram menos tempo: um ano e meio, em media. Todas foram vitimadas pela mesma combinação de fatores: filmes vagabundos, falta de paciência com os óculos, problemas técnicos de exibição, alto custo do ingresso.

E nem assim ninguém aprendeu coisa alguma.

Existem algumas diferenças, contudo, entre as trajetórias anteriores do 3D e o que está acontecendo agora.

A primeira, e mais importante, é a força dos mercados internacionais, coisa que não existia em meados do século passado. O 3D pode estar caindo no consumo norte-americano, mas no exterior ainda é uma novidade pela qual, aparentemente, as plateias não se incomodam em pagar mais caro.

Na verdade, eu diria que todos os grandes lançamentos dos estudios, hoje, são criados, desenvolvidos e planejados visando em primeiro lugar o público fora dos EUA, de saturação mais lenta. Ou vocês acham que esses lançamentos simultâneos ou antecipados de arrasa-quarteirão são por acaso, ou apenas por conta do medo da pirataria?

O segundo elemento é o interesse na nova tecnologia por realizadores que não se alinham com o cinemão, como comentamos aqui, há pouco. A plasticidade e o poder visual da nova tecnlogia está oferecendo o que suas versões anteriores não tinham: a capacidade de ser uma real ferramenta narrativa, com resultados empolgantes e imprevisíveis.

E vocês, que estão consumindo o 3D além das fronteiras dos EUA, o que acham?

 


O 3D, além do bem e do mal
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Ana Maria Bahiana

Dançando em 3D: filmando Pina, de Wenders

 

A declaração de Bernardo Bertolucci, hoje, no Festival de Cannes, de que não apenas é fã de Avatar mas vai fazer seu próximo filme em 3D colocou a questão do novo/velho formato, mais uma vez, no centro de uma discussão bem mais interessante do que” vai ou não vai aumentar o retorno de bilheteria”.

Bertolucci, um nome sem dúvida de peso, é o mais recente realizador de alto calibre a abraçar o 3D. Martin Scorsese causou arrepios na indústria quando anunciou, ano passado, que seu A Invenção de Hugo Cabret seria filmado em 3D. Wim Wenders emocionou o festival de Berlim com seu documentário Pina, captando em 3D e numa mistura de sets, palcos e cenários naturais diversas atuações do grupo de dança da brilhante coreógrafa Pina Bausch. E Werner Herzog está batendo recordes de bilheteria (para um documentário) com sua lírica e idiossincrática visão das pinturas pré históricas de caverna de Chauvet em Cave of Forgotten Dreams.

E agora Bertolucci diz o seguinte: “Amei Avatar e fiquei fascinado com o 3D. Comecei a pensar, por que o 3D é considerado bom apenas para filmes de terror, ficção científica e coisas semelhantes? Pensei, e se 8 ½ de Fellini fosse em 3D, não seria maravilhoso?”

Seria.

O que é o essencial desta conversa _ como toda ferramenta da criação artística, o 3D não é, por si mesmo, “do bem” ou “do mal”. Ele é o que se faz com ele, assim como, no passado do cinema, foram o som, a cor, e os diversos formatos da imagem captada e projetada.

É claro que distribuidores , donos de cinema e executivos vêem a possibilidade como um modo de reverter a tendencia do entretenimento-em-casa que vem contribuindo para a retração da venda de ingressos, principalmente na América do Norte. Contribuindo, sou obrigada a dizer, ao lado de outros fatores como, por exemplo, uma enxurrada de filmes vagabundos, repetitivos, nada criativos e, muitas vezes, com um 3D ordinário. O papel desta turma é administrar o lado negócios do cinema. O que estava faltando na conversa era a voz da turma que administra o lado arte.

A compreensão do 3D como algo que pode modificar positivamente a experiencia visual e se tornar um elemento da narrativa é assunto para a turma da criação. É o que torna as cavernas de Chauvet tão emocionantes no filme de Herzog _ a aproximação, para a plateia, da experiencia dos pintores pre-históricos, que utilizaram o relevo da caverna como parte integrante de suas obras, em muitos casos para criar a ilusão de movimento, “como um proto cinema”, nas palavras do diretor.

Scorsese no set de Hugo Cabret

 

Em Hugo Cabret essa aproximação é absolutamente natural: o lindo livro de Brian Selznick é, ele mesmo, um objeto visual, onde imagens e o ritmo de virar as páginas são a narrativa. Selznick, um ilustrador em primeiro lugar, tem paixão pelos pioneiros da imagem em movimento, principalmente George Meliés, uma enorme influência em Hugo Cabret. Suspeito que Scorsese acredita, como eu, que se Meliés tivesse acesso ao 3D , ele o teria adotado entusiasticamente…

Io e Te, o projeto que Bertolucci vai realizar em 3D, tem apenas dois personagens e um cenário. Mas o que o diretor – preso numa cadeira de rodas há um ano, por conta de sérios problemas de saúde – visualizou, graças à nova tecnologia, foi o bastante para lhe dar novo fôlego: “(Com o 3D) eu vi que, mesmo numa cadeira de rodas, eu poderia imaginar meus filmes.”

Vôo da imaginação: cena de Pina, de Wenders

 


Kill Bin Laden: a morte do líder da Alcaida é coisa de cinema?
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Ana Maria Bahiana

Mark Boal e Kathryn Bigelow

Na noite de domingo, quando Obama anunciou a morte de Osama Bin Laden, telefonemas e mensagens de texto foram disparadas em todas as direções entre luminares da indústria _onde uma das máximas é “se parece um filme, é um filme”.

Neste momento existem pelo menos três títulos de TV _ um documentário, uma série e um telefilme – e pelo menos um de cinema sobre a caçada ao líder da Alcaida. Quem está na frente, por uma dessas voltas da sorte tão comuns na indústria, é a dupla Kathryn Bigelow/Mark Boal, por um motivo simples: há dois anos eles já vinham trabalhando num projeto sobre a Força Delta – a tropa de elite que finalmente eliminou Bin Laden.

Logo depois da vitória no Oscar 2010, Bigelow e Boal adquiririam os direitos de um  livro de memorias de dois integrantes da tropa (um deles com o pitoresco pseudônimo Dalton Fury) e estavam trabalhando no roteiro paralelamente ao de Triple Frontier, o thriller situado na fronteira Brasil, Argentina e Paraguai (no qual Tom Hanks e Johnny Depp estavam interessados em participar).

Os eventos de domingo mudaram tudo. Aliás, o título do livro, profético, já se tornou o título do projeto, sem nome até dia 1 de maio: Kill Bin Laden.

Kill tem mais duas coisas importantes a seu favor : financiamento completo de desenvolvimento e de grande parte da produção, graças aos generosos fundos da nova empresa Annapuma, de Megan Ellison, filha do gazilionário criador da Oracle (a Annapuma também está financiando o filme sobre Julian Assange); e um ator super cotado para o papel do líder da tropa_ o australiano Joel Edgerton (visto pela última vez em Reino Animal, e já chamado de “o novo Russel Crowe”).

Tem também duas coisas contra: o manifesto desinteresse do público em geral e do norte americano em particular por filmes sobre o conflito no Oriente Médio; e a falta, pelo menos por enquanto, de um distribuidor, o que pode se dever ao primeiro “contra”.

Considerem: Guerra ao Terror, da mesma dupla, com Oscar e tudo, totalizou menos de 50 milhões de dólares no mundo todo (e apenas 17 milhões de dólares nos EUA). Por comparação, no mesmo ano da graça de 2009, a comédia rasgada Se Beber não Case acumulou 467 milhões de dólares no mundo todo, 272 milhões dos quais nos EUA.  Com Matt Damon à frente e uma campanha calcada no climão Bourne, A Zona Verde ficou nos 94 milhões de dólares mundiais, com apenas 35 milhões de dólares nos EUA.

Na hora de negociar um distribuidor forte, estes elementos são da maior importância_ ainda mais em tempos de recessão e encolhimento do mercado para cinema.

Mas não pensem que a coisa fica por aí: Michael Moore está ameaçando contar a história da caçada a Bin Laden lá do seu jeito. E como os comandos em ação em Abbottabad incluiam um cachorro, a piada mais corrente aqui é que até a Disney pode se animar a fazer o seu filme sobre a morte de Bin Laden_ do ponto de vista canino.

 

 

 

 


Metamorfose ambulante: o fim da novela e a nova revolução tecnológica do cinema
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Ana Maria Bahiana

Enquanto Rio lavava a bilheteria norte-americana e tornava-se o recordista do ano entre as estreias, algumas coisas muito interessantes anteciparam tendencias:

  • Exatamente no mesmo dia  em que a rede ABC cancelava suas novelas All My Children e One Life to Live a Univision anunciava planos para um canal de TV exclusivo para telenovelas en español. A ABC vai substituir as duas novelas por talk shows e realities, mantendo no ar apenas outra veterana do gênero, General Hospital, que vem estraçalhando corações desde 1970. No auge das soap operas, nos anos 1960, as grandes redes norte-americanas tinham 19 títulos no ar. Agora, com o cancelamento de All My Children e One Life to Live, apenas cinco sobrevivem.

E no entanto o mercado latino não quer saber de outra coisa. Para atender a demanda a Univision estréia, em julho, o canal Uninovela, servindo a população hispânica dos EUA – 50 milhões de pessoas, a minoria que mais cresce no país- com novelas 24 horas por dia, sete dias por semana.

Peter Jackson na casa de Bilbo

  • É fascinante ver como, no cinema, a tecnologia empurra a linguagem. Na encolha, há uma nova revolução a caminho: a imagem a 48 quadros por segundo, o dobro do que temos hoje. O impacto, diz a Variety, é o equivalente a “ som, cor e 3D” como marco da evolução do cinema: uma imagem espetacularmente realista, com imensa nitidez e detalhes, e que, garantem seus fãs, não cansa o olhar.  Captar a imagem em 48 quadros por segundo representa, nas palavras de James Cameron, “ completar o que o 3D já fez ao nos levar para dentro da narrativa. Deixamos de olhar a ação através de uma janela.”

Peter Jackson, que está filmando O Hobbit à velocidade de 48 por segundo, tem uma longa e detalhada explicação sobre como o 24 por segundo acabou sendo o default do cinema, e por que está na hora de um upgrade em regra. “Eu sei que os puristas vão reclamar da falta de distorções e refrações, mas toda a nossa equipe – que inclui muitos puristas- já se converteu”, ele diz. “Você se habitua rapidamente ao novo visual, é uma experiência muito mais realista e confortável.”

Pandora é aqui: o MBS Media Campus

 

Cameron, o outro apóstolo do 48 por segundo, já está com os estúdios de captação de desempenho prontos, aqui em Los Angeles: o MBS Media Campus, no subúrbio praieiro de Manhattan Beach. E, garante, Avatar 2 e 3 – rodados em sequencia para lançamento em dezembro de 2014 e 2015 – serão captados digitalmente a 48 ou 60 quadros por segundo.

Um pequeno problema: uma primeira pesquisa, encomendada pelo próprio Jackson, revelou que apenas 10 mil telas em todo mundo tem projetores capazes de exibir títulos captados acima de 24 quadros por segundo… “Mas tenho certeza de que os donos de cinema tem, agora, um grande incentivo para se atualizar…”, ele diz.

 


CinemaCon 2011: o cinema morreu, viva o cinema
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Ana Maria Bahiana

Apostas da temporada pipoca: Cowboys & Aliens...

... e Super 8

Começou ontem à noite em Las Vegas o ritual da primavera dos exibidores, Cinema Con (que se chamava Showest até que a diretoria mudou e eles resolveram correr atrás de um clima ComicCon…) É um evento reservado apenas a exibidores, distribuidores, donos de cinema e profissionais da midia especializada (como eu).

É divertido mas repetitivo depois de alguns anos inspecionando diferentes tipos de poltronas e fazedores de pipoca, e ouvindo os executivos prometendo que dessa vez sim, as plateias irão se multiplicar, o público vai disparar para os cinemas para ver nossos maravilhosos filmes…

De uns três anos para cá o tom dessas fanfarras tem sido cada vez mais desesperado: salva brevemente pelo fenômeno Avatar em 2009, a situação da bilheteria norte-americana está cada vez mais crítica , caindo aos poucos mas sem parar, de ano para ano.

Este ano, a crise crônica está atingindo níveis agudos. A bilheteria do primeiro trimestre foi patética, com uma queda de mais de 20% comparado com 2010. E, olhando para o que vem a ser temporada mais gorda do ano – o festival de pipoca entre maio e agosto – muitos executivos duvidam que haja volume suficiente de filmes atraentes para garantir uma reviravolta.

As apostas estão em alguns títulos, todos eles continuações e franquias: o derradeiro Harry Potter, Carros 2, Transformers Dark of the Moon, X Men First Class, Kung Fu Panda 2, The Hangover part II. Há uma carencia grande de títulos originais, e os poucos que se aventuram são, neste mercado instável, incógnitas: Cowboys & Aliens, Lanterna Verde, Capitão America, Super 8. Pessoalmente, aposto em Cowboys  & Aliens e Super 8. Mas a verdade é que, numa industria em que “ninguém sabe nada”, como já dizia o sábio e oscarizado roteirista William Goldman, agora sabe-se menos ainda. Se isso fosse possivel.

O primeiro dilema que está se debatendo na CinemaCon é, nas palavras do diretor da CinemaCon à Variety, se os hábitos do público mudaram de vez devido à “abundancia de outras avenidas adicionais competindo pelo dinheiro do consumidor.” É o velho dilema TV X cinema, VHS x cinema, DVD/Blu Ray X cinema, só que agora muito pior: mais opções, menos incentivos para sair de casa, com todas as chateações, e gastar uma nota preta por um filme que pode ou não satisfazer o consumidor.

O segundo dilema é:  o que fazer com o mercado externo? Os apetitosos novos mercados – China, especialmente, mas nosso Brasil também (ou vocês acham que Rio e Fast 5 foram por acaso?) – tem problemas proprios: regulamentação estrita (caso da China), falta de telas, pirataria. E no entanto parecem ser a única saída para o congestionamento do mercado norte americano.

E se você já está se perguntando o que isso tem a ver com você, a resposta é : tudo. Ansiedade quanto à resposta do mercado leva `a retranca na produção: mais sequels, mais franquias, mais fórmulas, menos risco, menos aquisições de projetos independentes, menos oportunidades para novas ideias, temas e realizadores (Sucker Punch, por exemplo, deveria ter sido um meta-filme comentando a propria cultura do entretenimento, especialmente a estética gamer/anime. Snyder admite ter sido “desencorajado” pela Warner a prosseguir nessa trilha. Prestando atenção, nota-se que  exatamente uma cena do velho roteiro permaneceu. Eu gostaria de ter visto esse outro filme.)

Por outro lado,  cortejar o mercado internacional pode representar mais lançamentos simultâneos, prazos menores para saída de títulos em DVD/BluRay/TV e, sobretudo, muito mais interesse em parcerias e co-produções com realizadores locais e mais portas abertas para talento além das fronteiras norte-americanas. Ano passado, 10 dos 20 filmes com maior retorno internacional foram dirigidos por não-americanos.  A tendencia é vermos esse tipo de aproximação ficar cada vez mais intensa.


Depois dos prêmios, as crises
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Ana Maria Bahiana

Dá pra ver o Charlie Sheen daí? Cena de Marte Precisa de Mães...

...e os produtores Zemeckis, Jack Rapke e Steve Starke,da ImageWorks Digital

Se o Brasil retoma a vida depois do carnaval, LA  volta ao normal depois do Oscar, fim oficial e real da temporada de prêmios. Neste momento do ano que afinal começa, duas crises tem ocupado a industria:  a de Charlie Sheen e da animação por motion capture, escola Robert Zemeckis.

O suspense da crise Charlie Sheen tem duas partes: como  CBS/Warner/Chuck Lorre vão reformular Two and a Half Men,  sua série campeã de audiênica nos EUA e principal exportação mundo afora; e se Charlie será capaz de se reinventar depois do que parece  um descontrolado suicídio profissional.

Saberei mais, pelo menos sobre a primeira parte, em breve.

Passemos portanto para a segunda crise, que foi selada esta semana com o desastre de  Marte Precsia de Mães, a derradeira obra da ImageMovers Digital, o estúdio de captura digital criado por Robert Zemeckis em parceria com a Disney em 2007. Apesar de boas críticas, o longa de animação, que custou mais de 200 milhões de dólares e dois anos de trabalho para realizar e lançar, rendeu minguados 6.9 milhões de dólares na bilheteria norte americana. E os mercados internacionais não vão ajudar: Marte fez apenas 2.1 milhões de dólares nos 8 países nos quais já estreou (o filme ainda não tem previsão de lançamento no Brasil).

Todo mundo parece ter uma explicação para o fracasso de Marte : o título, que teria afugentado os meninos; a história de mães abduzidas, que poderia ter assustado a criançada mais moça; o congestionamento de lançamentos de animação. Mas o mais convicente, para mim, é o mais óbvio: a proposta estética do tipo de captura que Zemeckis e sua equipe praticam é frio, esquisito, desconfortável e, mais importante, vastamente suplantado por outras opções, como a perfeição psicodéllica de Avatar ou a “emotion capture” de Rango.

Mars – escrito e dirigido por Simon Wells, mas produzido por Zemeckis- não é a primeira rejeição deste estilo de mocap : Os Fantasmas de Scrooge foi outro fracasso de bilheteria, capaz de segurar os 200 milhões de dólares de seu custo apenas depois do lançamento internacional. O Expresso Polar, seu antecessor no estilo Zemeckis de mocap, foi apenas ok na bilheteria em 2004 _ e ambos contavam com o clima de festas para gerar interesse. (Beowulf, voltado para um outro segmento de plateia, é um caso a parte, mas também foi salvo pela bilheteria internacional).

A ImageWorks Digital já havia sido ejetada pela Disney ano passado, e agora fechou de vez, demitindo não apenas os 450 técnicos, artistas e funcionários responsáveis por Mars, mas também todos os que trabalhavam no reboot de Yellow Submarine – que já está oficialmente cancelado.

É um drama comum em pioneiros: ver primeiro não significa necessariamente ter a melhor solução.

Nos idos de 2002 Zemeckis foi um dos primeiros a abraçar completamente o que se anunciava como a nova grande fronteira da linguagem cinematográfica: a capacidade de anular a divisão entre real e virtual, captado e manipulado. Infelizmente, a WETA de Peter Jackson disparou à sua frente, desenvolvendo a tecnologia necessaria para realmente integrar os dois aspectos, inserindo o virtual no real sem quebra de engajamento da plateia – pensem na primeira vez em que vimos Gollum em Senhor dos Aneis – e, finalmente, em Avatar,  possibilitando a completa fusão de ambos.

Acho muito interessante o que aconteceu com Rango – que, se vocês não viram, devem correr para ver, pois é o melhor filme de 2011, até agora. Talvez porque tenha sido concebido e executado por dois forasteiros no mundo  da animação – Gore Verbinski e a Industrial Light and Magic – o maravilhoso western existencial se permitiu pensar fora da caixa.

Verbinski escreveu o roteiro pensando em cinema em geral e não animação em particular – o melhor modo de se pensar, como já propunha Papai Walt Disney . E como não queria perder a capacidade de improvisação de seu velho amigo Johnny Depp, e a vitalidade que vem de um bando de atores interagindo – o equivalente a gravar um álbum ao vivo- Verbinski e a ILM inventaram um sistema entre o mocap e a animação digital, captando interpretações ao vivo de todo o elenco que serviram de base para criação de suas personas digitais.

Há tempos este sistema é usado por animadores tradicionais e digitais como base de sequencias mais complexas – a valsa entre Bela e Fera, por exemplo, no longa de 1991. Sem um passado de animador, Verbinsky olhou para o recurso como uma ferramenta criativa nova, que poderia ancorar toda a sua saga de habitantes do deserto vivendo uma saga meio Chinatown, meio Sergio Leone e um tanto Carlos Castañeda. O resultado é um filme que, além de maravilhoso por si mesmo, está sendo abracado entusiasticamente pelas plateias. Como merece.

Mais Rango no próximo.