Blog da Ana Maria Bahiana

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O 3D, além do bem e do mal
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Ana Maria Bahiana

Dançando em 3D: filmando Pina, de Wenders

 

A declaração de Bernardo Bertolucci, hoje, no Festival de Cannes, de que não apenas é fã de Avatar mas vai fazer seu próximo filme em 3D colocou a questão do novo/velho formato, mais uma vez, no centro de uma discussão bem mais interessante do que” vai ou não vai aumentar o retorno de bilheteria”.

Bertolucci, um nome sem dúvida de peso, é o mais recente realizador de alto calibre a abraçar o 3D. Martin Scorsese causou arrepios na indústria quando anunciou, ano passado, que seu A Invenção de Hugo Cabret seria filmado em 3D. Wim Wenders emocionou o festival de Berlim com seu documentário Pina, captando em 3D e numa mistura de sets, palcos e cenários naturais diversas atuações do grupo de dança da brilhante coreógrafa Pina Bausch. E Werner Herzog está batendo recordes de bilheteria (para um documentário) com sua lírica e idiossincrática visão das pinturas pré históricas de caverna de Chauvet em Cave of Forgotten Dreams.

E agora Bertolucci diz o seguinte: “Amei Avatar e fiquei fascinado com o 3D. Comecei a pensar, por que o 3D é considerado bom apenas para filmes de terror, ficção científica e coisas semelhantes? Pensei, e se 8 ½ de Fellini fosse em 3D, não seria maravilhoso?”

Seria.

O que é o essencial desta conversa _ como toda ferramenta da criação artística, o 3D não é, por si mesmo, “do bem” ou “do mal”. Ele é o que se faz com ele, assim como, no passado do cinema, foram o som, a cor, e os diversos formatos da imagem captada e projetada.

É claro que distribuidores , donos de cinema e executivos vêem a possibilidade como um modo de reverter a tendencia do entretenimento-em-casa que vem contribuindo para a retração da venda de ingressos, principalmente na América do Norte. Contribuindo, sou obrigada a dizer, ao lado de outros fatores como, por exemplo, uma enxurrada de filmes vagabundos, repetitivos, nada criativos e, muitas vezes, com um 3D ordinário. O papel desta turma é administrar o lado negócios do cinema. O que estava faltando na conversa era a voz da turma que administra o lado arte.

A compreensão do 3D como algo que pode modificar positivamente a experiencia visual e se tornar um elemento da narrativa é assunto para a turma da criação. É o que torna as cavernas de Chauvet tão emocionantes no filme de Herzog _ a aproximação, para a plateia, da experiencia dos pintores pre-históricos, que utilizaram o relevo da caverna como parte integrante de suas obras, em muitos casos para criar a ilusão de movimento, “como um proto cinema”, nas palavras do diretor.

Scorsese no set de Hugo Cabret

 

Em Hugo Cabret essa aproximação é absolutamente natural: o lindo livro de Brian Selznick é, ele mesmo, um objeto visual, onde imagens e o ritmo de virar as páginas são a narrativa. Selznick, um ilustrador em primeiro lugar, tem paixão pelos pioneiros da imagem em movimento, principalmente George Meliés, uma enorme influência em Hugo Cabret. Suspeito que Scorsese acredita, como eu, que se Meliés tivesse acesso ao 3D , ele o teria adotado entusiasticamente…

Io e Te, o projeto que Bertolucci vai realizar em 3D, tem apenas dois personagens e um cenário. Mas o que o diretor – preso numa cadeira de rodas há um ano, por conta de sérios problemas de saúde – visualizou, graças à nova tecnologia, foi o bastante para lhe dar novo fôlego: “(Com o 3D) eu vi que, mesmo numa cadeira de rodas, eu poderia imaginar meus filmes.”

Vôo da imaginação: cena de Pina, de Wenders

 


Com Werner Herzog no ventre da Terra, sonhando no escuro
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Ana Maria Bahiana

Do chão de um vinhedo no sul da França, a câmera alça vôo. Em breve estamos sobre uma paisagem profundamente bela: um rio faz curvas sinuosas sob um imenso arco de pedra calcárea, branco contra o céu azul; ao fundo erguem-se montanhas igualmente brancas, encerrando rio e vinhedos num elegante vale em semicírculo.

E no entanto a maior beleza ainda está invisível. Com sua voz de professor meio doidão, meio sinistro, Werner Herzog nos guia até uma estranha porta de aço, como a de um caixa forte, encravada na encosta da montanha. Escuridão, silêncio. A beleza mais extraordinária começa agora.

Na primavera europeia de 2010, Werner Herzog recebeu uma permissão especial do Ministério da Cultura francês para visitar e filmar um dos maiores patrimônios da humanidade: as cavernas de Chauvet, na região do Ardéche, no sul do país. Selado por uma avalanche em algum ponto de sua longa história, o complexo de cavernas guarda em suas paredes a mais antiga coleção de obras de arte do mundo: gravuras e pinturas que datam de pelo menos 32 mil  anos.

A necessidade de preservar a integridade do local gerou condições extremas de filmagem: uma equipe de quatro pessoas, períodos de apenas quatro horas diárias de visita, roupas especiais e restrições de movimentação. Nada disso, contudo, interferiu no excepcional poder das imagens de Cave of Forgotten Dreams, o documentário que resultou da visita e que estreou neste fim de semana nos Estados Unidos (e já se tornou a maior bilheteria de abertura para um filme de Herzog).

Pelo contrário: a luz hesitante, capaz de iluminar apenas alguns trechos durante algum tempo, ajuda o espectador a ver as imagens quase com os olhos de seus autores e contemporâneos; o fato da equipe e seus guias estarem frequentemente no quadro nos conduz facilmente pelo labirinto, entre escuridão completa e flashes de imagens emergindo da pedra, e nos dá a dimensão da intimidade e majestade das cavernas. “Depois de algum tempo é como se os primeiros ocupantes destas cavernas ainda estivessem aqui”, Herzog diz, na narração em off. “Muitos pesquisadores me relataram a mesma sensação. Como se os olhos destes pintores nos acompanhassem, no escuro.”

Herzog, que não é um entusiasta do 3D – só viu Avatar, e se confessou “perdido” pela enxurrada de informações visuais – converteu-se temporariamente à técnica para Cave. Casamento perfeito _ os artistas de Chauvet usaram as saliências e depressões da rocha para dar profundidade e movimento a seus cavalos, bisões, leões e ursos; agora, o 3D recria a experiência- cá estamos nós temporariamente na luz rarefeita da caverna, cavalos , bisões, leões e ursos dançando em nossa direção “como uma espécie de proto-cinema”, diz Herzog, deliciado ao notar as repetições de detalhe, as oito patas e múltiplas cabeças que os artistas criaram para reproduzir movimento em suas obras.

Porque Herzog é Herzog, Cave tem desvios e um bizarro ps envolvendo uma usina nuclear e jacarés albinos. Um dos arqueólogos revela ter sido acrobata de circo. Outro, apresentado como “arqueólogo experimental”, chama-se Wulf, veste-se de peles e toca o hino nacional norte americano numa réplica de flauta pré-histórica. Há tambem um “mestre perfumista” que cheira a montanha em busca de novas cavernas.

Herzog, a flauta e Wulf

Mas desta vez estas idiossincrasias herzoguianas perdem o fôlego diante do imenso poder do que está nas paredes de Chauvet. Ali, auxiliado pela excepcional trilha de Ernst Reijseger, Herzog enuncia com clareza sua visão para o doc: Chauvet mostra por que somos humanos_ porque somos capazes de sonhar, aspirar, intuir o divino, abracá-lo, convidá-lo. Um arqueólogo diz que “homo sapiens” , o homem que pensa, não é a melhor definição de nossa espécie; “homo spiritualis” seria mais exato.

No final, Herzog nos deixa com a mais poderosa das infinitamente poderosas imagens de seu filme: a impressão da palma da mão de um dos pintores de Chauvet, assinando sua obra. Sim, estivemos aqui. Milhões de anos atrás, no ventre da Terra, sonhando no escuro.

 

 


Adrian Grenier explora o jogo de espelhos da celebridade em sua estréia como diretor
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Ana Maria Bahiana

Adrian Grenier e seu teenage paparazzo, Austin Visschedyk

O primeiro encontro com um paparazzo ninguém esquece. Para Adrian Grenier isso aconteceu em 1998, quando ele, ironicamente, fazia o papel de um amigo do personagem de Leonardo di Caprio em Celebridade, de Woody Allen, e uma nuvem destes mosquitos com câmeras cercou-o durante as filmagens de uma cena de rua. Seis anos depois, em outra  volta extremamente curiosa do destino, Grenier tornou-se ele mesmo a celebridade fictícia na série de TV Entourage, com sua própria corte de amigos e, em muito pouco tempo, o status de verdadeira celebridade, seguida por toda parte pelos flashes.

Quase quatro anos atrás, na saída de um evento, Grenier foi metralhado por uma das saraivadas de flash contínuo mais ferozes de sua vida. Sua surpresa só foi maior quando, ainda atônito, Grenier descobru que, atrás dos flashes havia uma garoto louro enfiado num casaco muito maior que ele, aparentando bem menos do que os já poucos 13 anos que dizia ter _ Austin Visschedyk, o mais jovem paparazzo do métier. “Fiquei imediatamente intrigado”, diz Grenier hoje, conversando num café de West Hollywood não muito longe de várias locações de Entourage (que acaba de concluir sua sétima temporada aqui nos EUA). “Não podia ser verdade que uma criança, um moleque, estivesse seriamente envolvido no business de caçar celebridades. Minha cabeça disparou em todas as direções. Eu não sabia o que fazer com aquela nova informação.”

Sua perplexidade resultou no excelente documentário Teenage Paparazzo, exibido em Sundance este ano e estreando na HBO dia 27. Grenier dirigiu, produziu e está diante das câmeras de Teenage Paparazzo, imerso numa jornada que começa em curiosidade, passa por pasmo, irritação , compaixão e desapontamento e termina numa conclusão simples- a cultura e a indústria da celebridade, no fim das contas, é apenas mais uma face de nossa eterna solidão como seres humanos, incessantemente buscando espelhos para nossas almas.

Grenier começa sua exploração gradual do mundo dos paps seguindo Austin, entrevistando sua família (os pais são separados: o pai tem reservas e impõe limites, a mãe considera o projeto uma aventura educativa) e observando seus dias e noites de trabalho. Em pouco tempo ele está comprando uma câmera nova para Austin, disfarçando-se de paparazzo e seguindo celebridades para conhecer “o outro lado da questão” e, aos poucos, transformando o jovem pap naquilo que, ele admite, sempre quis ser: uma celebridade.

É um quase interminável jogo de espelhos, que inclui Grenier testando  sua capacidade para criar uma notícia falsa alertando Austin que iria “dar um tempo” na casa de sua “boa amiga Paris Hilton”, e entrevistando editores de revistas de fofoca para compreender a hierarquia da fome por celebridades. “As revistas de fofocam não me afetam pessoalmente”, diz Grenier. “Não me tiram o sono, não me perturbam. Para mim elas são apenas entretenimento, e estou no business do entretenimento, não é?  Não posso começar a fazer campanhas contra eles  sem olhar para o que eu mesmo estou fazendo em Entourage. Seria hipócrita. Mas encontrar Austin me fez realmente encarar todas as questões que eu tinha não apenas com relação a paparazzi, mas sobre a cultura da celebridade em geral.”

Grenier diz que se sente “bem mais tranquilo” quando encontra os inevitáveis flashes, hoje – “eu agora compreendo o ponto de vista deles. E creio que mereço o respeito deles, porque os tratei com todo respeito. O que eu quis com o filme foi simplemente fazer todo mundo –eu, inclusive- refletir sobre a celebridade e sua relação com a mídia e com o público. Nossa necessidade, como seres humanos, de preencher nosso vazio com o que um professor que entrevistei chama de ‘relações para-sociais’ com pessoas que na verdade não conhecemos.”

Ou como o próprio Grenier diz na narração de um momento de Teenage Paparazzo: “Lá estávamos todos nós, uns filmando e fotografando os outros, e nada estava acontecendo.”


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