Blog da Ana Maria Bahiana

Categoria : Estreias

A vida secreta dos espiões, parte I: a balada de Johnny & Clyde
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Ana Maria Bahiana

Dois filmes sobre o complicado, perigoso e muita vezes torpe ofício de vigiar a vida alheia estarão, em breve, competindo por atenção e prêmios, no auge da temporada-ouro: J. Edgar, de Clint Eastwood, e O Espião Que Sabia Demais, de Tomas Alfredson. São criaturas completamente diferentes ( e uma é muito melhor do que a outra).

Falemos de Clint & Hoover, primeiro.

O problema de trazer para a tela a vida de grandes personagens da história começa sempre com a mesma questão: como sintetizar uma vasta vida em duas horas de filme? J.Edgar, de Clint Eastwood, tem que enfrentar um problema a mais: seu protagonista, John Edgar Hoover, chefe do FBI de 1924 até sua morte em 1972, é uma das figuras mais controvertidas da história recente dos Estados Unidos, e tão repleto de segredos quanto o universo que criou à sua volta.

Um documentário poderia explorar essas múltiplas facetas e investigar as contradições através de  fatos e depoimentos. Um filme de ficção tem, em primeiro lugar, que contar uma história, preencher lacunas com a imaginação e criar artifícios através dos quais nós, na platéia, possamos nos conectar com a trama.

J. Edgar tenta bravamente em todas essa frentes, e triunfa em vários momentos. Leonardo Di Caprio tem um desempenho notável _ seu Hoover é um homem completamente fechado em si mesmo, desconectado de seus sentimentos e emoções, capaz de se relacionar apenas com seu trabalho, uma tarefa que o define e que ele idealiza até o absurdo.

O ótimo roteiro de Dustin Lance Black usa um bom artifício para conduzir a trama: sua narrativa é a autobiografia que Hoover dita em seu escritório a vários rapazes bem apessoados. Isso resolve a questão do ponto de vista: é claro que, aos olhos de J.Edgar, ele é o herói da trama – “precisamos deixar bem claro quem é o herói e quem é o vilão”, ele diz, logo de cara, ao primeiro datilógrafo . Não há dúvidas: deportar os bolcheviques de 1920 é a mesma coisa que chantagear Martin Luther King; o caso do sequestro do bebê do herói nacional Charles Lindbergh só foi resolvido graças à sua intervenção; ele mesmo, arma na mão, deu voz de prisão aos maiores gângsters da década de 1930.

Somos todos heróis de nossas próprias vidas e Hoover, desprovido de outra vida além do que, na sua visão, era a caçada interminável aos inimigos da América, tem grandes planos para si mesmo.

Mas existe a sombra, vista primeiro como um vulto através de uma porta de vidro: o fiel assistente Clyde Tolson (Armie Hammer) que pode ter sido a coisa mais próxima de um afeto que Hoover teve em sua vida. Como reconciliar esse pulsar com suas perseguições de políticos e figuras públicas homossexuais, e o terror de perder o amor de sua mãe (Judi Dench, maravilhosa como sempre), que deixa claro que prefere um filho morto a um filho gay?

Eastwood e Black respondem a questão com cenas em que o não dito fala mais alto que o dito: o primeiro encontro dos dois é exemplar, e envolve um lenço e uma janela. E também, é verdade, com uma certa edição dos fatos : Dorothy Lamour, possível amante de Hoover, é mencionada apenas uma vez, e a foto de Marilyn Monroe pelada sumiu do cenário da casa de J.Edgar, cuidadosamente reproduzida pela notável direção de arte de James Murakami.

O que nem sempre funciona nesse exercício é a pesada maquiagem que procura transformar os rostos de Di Caprio, Hammer e Naomi Watts (como a igualmente fiel secretária Helen Gandy, guardiã dos secredos de Hoover) em suas contrapartidas reais, ao longo dos anos. Quanto mais velhos os personagens estão, mais difícil fica acreditar nas próteses e adereços. É possível que um orçamento restrito – Eastwood gosta de trabalhar com orçamentos modestos para ter mais controle artístico da obra- tenha impedido a manipulação digital que tornaria o envelhecimento mais natural. É pena. O Clyde de Armie Hammer é o menos acreditável, um desafio que o ator tenta resolver como pode. Mas não é o bastante.

A trilha, assinada pelo próprio Eastwood, também não ajuda. Num contraste com a calma e o distanciamento que ele imprime ao filme – e que dificulta a conexão emocional de alguns espectadores- seus harpejos de piano e cordas, as vezes com a adição de um coral, são francamente sentimentais. Em alguns momentos (especialmente no final) a música imprime um tom melodramático que chega a chocar.

No geral, é uma brava empreitada, que deve render indicações, principalmente para Leonardo Di Caprio .

J. Edgar estréia sexta feira dia 11 nos EUA e dia 27 de janeiro no Brasil.


Tintim e o Segredo do Licorne: em pleno milênio, a era da inocência
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Ana Maria Bahiana

No cinema Grand Rex, em Paris, transformado numa réplica do galeão Unicórnio (por fora) e um palácio marroquino (por dentro), a apresentadora chamou Milou de Snoopy enquanto VIPs de várias nacionalidades se engalfinhavam pelos melhores lugares e a premiére mundial de Tintim e o Segredo do Licorne, ontem à noite, começava meia hora atrasada.

Mas Steven Spielberg – liderando um time , recém chegado da outra premiere, em Bruxelas, terra natal do herói, que incluía o ator Jamie Bell e a produtora Kathleen Kennedy,  – foi aplaudido entusiasticamente quando subiu ao palco para apresentar o filme e, mais uma vez, quando O Segredo do Licorne terminou. E não foram essas as únicas ovações _ duas sensacionais sequencias de ação (uma envolvendo um avião monomotor e um navio, e outra, uma motocicleta com sidecar, um tanque e uma enchente) foram aplaudidíssimas com o filme ainda na tela.

Spielberg e Milou na estréia em Paris, ontem

Merecidamente: utilizando a motion capture de primeira linha praticada pela Weta do produtor Peter Jackson, Spielberg faz uma justa homenagem à iconografia, ao entusiasmo e ao espírito de aventura da série Tintim. As comparações com Indiana Jones são inevitáveis, e tem algo de verdade: quando Spielberg imaginou Indiana Jones ele estava inspirado em grande parte  por O Homem do Rio, de Philippe de Broca (1964).. que, por sua vez, era um fã apaixonado dos quadrinhos de Hergé. Foi de tanto ouvir as comparações entre os dois – Indy e Tintim- que Spielberg foi à fonte, descobrindo, em primeira mão, o mundo de aventuras internacionais, mensagens cifradas e personagens misteriosos imaginado por Hergé nos anos 1930, 1940 e 1950.

É um mundo perigoso mas inocente _ na tela como nos livros a violência é mais figurativa que explícita, ação e heroísmo são sempre recompensados e vilões, punidos. Em seu filme Spielberg manteve a trama nos anos 1930, simplificando a vida e as ambições de seus personagens; os roteiristas Edgar Wright, Steven Moffat e Joe Cornish  (adaptando três diferentes obras de Hergé) se preocuparam em dar mais dimensão emocional aos personagens que, nas histórias de Hergé, simplesmente impulsionavam a trama.

Desempenhos maravilhosos de todo o elenco – com destaque para a fisicalidade de Jamie Bell como o herói, e Andy Serkis mais uma vez extraordinário como o Capitão Hadoque –  uma apresentação que faz homenagem aos quadrinhos bi-dimensionais (e depois se abre para o 3D, magicamente) e uma aparição carinhosa de Hergé em pessoa completam o charme do filme.

Mas é sobretudo o visual, a transposição 3D do detalhado universo traçado pela ligne claire de Hergé – seu estilo característico, marcado pelo detalhe e pela simplicidade dos traços – que encanta em O Segredo do Licorne. Como numa boa HQ, a narrativa é intensamente plástica, e, curiosamente, intensamente fílmica, com cada plano cuidadosamente pensado, repleto de referências a clássicos da história do cinema (inclusive Tubarão…)

A saga de Tintim, Milou e do Capitão Hadoque em busca da nau perdida do título tem, muitas vezes, conotações de sonho, e as gags  são puramente visuais – a graça está no movimento, no que se vê. É, ao mesmo tempo, um filme pipoca à moda antiga, como nossos pais viam nas matinês do cinema do bairro e, ao mesmo tempo, uma obra milenar da mais alta tecnologia.

As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne está em cartaz na Europa desde 22 de outubro , estréia nos EUA dia 23 de dezembro e, no Brasil, dia 20 de janeiro.


É o fim do mundo como o conhecemos: vamos filmar
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Ana Maria Bahiana

Estamos todos com medo _ o presente é assustador, o futuro é incerto e instituições que tínhamos como excelentes, operantes e praticamente infalíveis estão desabando diante de nossos olhos, tais e quais aquelas duas torres altivas e belas, na Nova York de 2001.

Esta parece a soma de todos os medos como interpretada e recriada pelo cinema norte americano, nestes últimos anos. E pode muito bem ser um dos grandes temas desta recém- iniciada temporada-ouro que, suspeito, vai realmente pegar embalo com a estreia de J.Edgar no início de novembro, se Clint Eastwood e Dustin Lance Black cumprirem suas promessas de virar pelo avesso uma figura icônica e sua querida instituição intocável, o FBI.

Dois filmes em cartaz neste fim de semana nos EUA continuam essa narrativa de apreensões.

Dirigido por Steve Soderbergh – em seu modo não-autoral – a partir de um roteiro original (e muito bem pesquisado)  de Scott Z. Burns, Contágio (Contagion, 2011) é um competente exemplar do thriller-epidêmico, no qual cientistas substituem detetives e policiais em busca de um assassino em série poderoso, terrível e invisível a olho nu. É um sub-gênero que tem antecedentes tão distantes quanto o noir The Killer That Stalked New York, de 1950, ou O Enigma de Andrômeda (The Andromeda Strain), de 1971; e, mais recentemente, Epidemia (Outbreak, de 1995).

Como Soderbergh é Soderbergh, seu prestígio arregimentou um elenco de estrelas para compor o mandatório time de vítimas e  investigadores – Matt Damon, Gwyneth Paltrow, Kate Winslet, Jude Law, Laurence Fishburne, Marion Cotillard. E como os tempos são os atuais, voltou sua atenção menos ao vírus e a seus caçadores e mais ao gradual e violento desmantelar da sociedade, ao longo de um mês, enquanto a doença progride, muda, sobrecarrega hospitais, gera paranóia, greves, vandalismo.

Porque o vírus se propaga pelo toque – e porque vivemos numa era em que as pessoas mais e mais se isolam atrás de seus celulares, tabletes e computadores – Soderbergh volta seu olhar, insistentemente, para os pequenos gestos  que nossas mãos fazem o dia todo, sem que percebamos _ a ânsia ancestral por contato, atrofiada numa sociedade em crise.

São elementos assim, mais que qualquer outra coisa, que tornam Contágio interessante. Não é bem, como seus antecessores, uma luta-contra-o-tempo para salvar o mundo – tempo e vírus são inexoráveis, aqui, como seriam na vida real, é o que o roteiro de Burns nos diz- mas uma observação de nossa fragilidade como sociedade, confiantes em forças que, talvez, sejam mais vulneráveis do que pensamos.

E ainda não sei porque Contágio está sendo exibido, pelo menos aqui nos EUA, em IMAX. A não ser para quem queira muito ver uma autópsia de Gwyneth Paltrow numa tela de 22 metros de altura…

Contágio está em cartaz nos EUA e estreia no Brasil dia 28 de outubro.

Em Tudo pelo Poder (The Ides of March, 2011) são as instituições políticas que estão em risco, ameaçadas não por um micro-organismo daninho, mas por nossa próprias fraquezas.

Diretor , produtor e coadjuvante do seu projeto, George Clooney também é co-roteirista, adaptando com Grant Heslov (com quem ele já havia trabalhado em O Amor Não tem Regras) a peça Farragut North, de Beau Willimon, sobre o jovem e entusiasmado assessor  de um candidato a candidato a presidente dos EUA, e sua penosa curva de aprendizado.

Clooney pegou para si papel do candidato, Mike Morris, um governador estadual do partido Democrata, carismático, progressista e bonitão. Stephen Moyers, o  inocente em treinamento, é Ryan Gosling, mais uma vez dando um show de interpretação inteligente, bem pensada. Outros grandes atores completam o elenco: Philip Seyour Hoffman como o coordenador da campanha de Morris, Paul Giamatti como seu correspondente no campo do oponente, Jeffrey Wright como o senador republicano cujo apoio pode fazer a diferença na corrida para a Casa Branca, Marisa Tomei como a jornalista durona, incansável na busca de uma boa matéria, Evan Rachel Wood como a estagiária bonita e ambiciosa.

O genial de Tudo pelo Poder – além de como Clooney expandiu  a peça a ponto de parecer impossível que a trama possa ser contada num palco – é que, politicamente, tanto Morris quanto Moyers, seu aprendiz de feiticeiro, são inatacáveis. Um candidato a candidato, dizendo o que Morris diz, com a convicção com que ele diz, seria a salvação para uma América em crise _ e a fé de seu pupilo é verdadeira e íntegra.

Não são os princípios ideológicos que abalam suas estruturas _ são fraquezas humanas tão antigas quanto o tempo, desejos inscritos em livros muito anteriores à Constituição dos Estados Unidos, único documento no qual Morris diz ter fé (na sensacional cena de abertura, Moyers repete este credo ; é esta cena, em super close, que serve de tema ao filme, repetida depois, muito, muito diferente, no final).

É um belo filme, especialmente alvissareiro  depois do decepcionante O Amor Não Tem Regras.

Tudo pelo Poder estreia nesta sexta feira nos EUA e estréia no Brasil dia 23 de dezembro.


Drive, Moneyball: celebrando a solidão do herói
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Ana Maria Bahiana

 

Devo, não nego, um apanhado dos primeiros lançamentos da temporada-ouro. Comecemos por aqui:

“Existem 10 mil ruas nesta cidade e eu conheço todas elas “, diz a narração off. “Eu dirijo. Não carrego armas, não participo de nada. Dou a você duas horas. O que acontece nessas duas horas é responsabilidade minha. O que acontece antes e depois, eu não quero  saber.”

A voz é do anônimo motorista/dublê vivido por Ryan Gosling em Drive, o excepcional filme que marca a estreia do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn numa produção norte-americana (ainda que independente, cortesia da Film District, divisão da GK Films).

Drive começou como um belo livro  de James Sallis, um expert no neo-noir que explora a evolução do crime sob o sol de California, Arizona, Nevada, nas décadas depois da sacramentação do gênero. Na adaptação magistral de Hossein Amini (Paixão Proibida, Asas do Amor), cenário, tramas e personagens foram depurados e concentrados: tudo se passa agora entre uma oficina mecânica, um prédio modesto e uma pizzaria , com um set de filmagem e uma loja de penhores no meio, entre as 10 mil ruas do vasto, complicado município de Los Angeles.

Numa feliz sincronicidade que pode ser obra tanto do acaso quanto de intensa colaboração, o motorista sem nome de Ryan Gosling é a soma perfeita de todos os heróis/antiheróis da obra de Refn: lacônico, contido, seu mundo interior, emocional, trancado a mil chaves e só percebido por mínimos gestos, expressões, olhares.

Refn, que não conduz (porque foi reprovado várias vezes na prova de direção), foi escolhido pessoalmente por Gosling, fã de seu trabalho e do livro de Sallis. Depois de um primeiro encontro desastroso – Refn, gripadíssimo, passou mal à mesa – uma carona de Ryan e uma longa conversa on the road cimentaram a colaboração para criar o protagonista, absolutamente central à história. Nas palavras de Refn, “um homem que se define pelo que faz _ no caso, dirigir.”

Exemplo perfeito: a sequencia de abertura, um primor de fotografia, som e montagem, onde, sem diálogo, passamos a saber tudo sobre o personagem de Gosling, enquanto ele pratica, brilhantemente, seu segundo emprego _ pilotar carros de fuga para grandes roubos. Seu primeiro emprego é motorista-dublê em filmes, o que imediatamente cria uma interessantíssima justaposição de ficção e realidade, tão perfeita tradução de Los Angeles.

O gradual envolvimento com uma vizinha – Carrie Mulligan, excelente – leva nosso anti-herói a um “trabalho” especialmente arriscado, que vai abalar todas frágeis cadeias de seu pequeno mundo: a oficina mecânica do seu mentor – o sempre extraordinário Bryan Cranston, no avesso do seu Mr. White de Breaking Bad – e Nino (Ron Perlman) e Bernie (Albert Broks, absolutamente sensacional) os donos da pizzaria e investidores do seu possível novo projeto, um espetáculo ambulante de stunts.

Refn dirige Drive com o rigor e a clareza de olhar que são a marca do seu trabalho, referenciando as raízes inteligentes do filme de ação – Acossado, Operação França, Bullit – mas traçando seu próprio risco, um ambiente ao mesmo tempo intensamente real e estilizado, onde cada gesto, cada luz e cada sombra tem significado (e aqui, palmas à parte para a fotografia e Newton Thomas Sigl).

Absolutamente imperdível.

Drive está em cartaz nos EUA e ainda sem data de lançamento no Brasil.

 

É possível ver um filme lindamente dirigido, superbem escrito e com grandes desempenhos de bons atores e não se sentir investida emocionalmente nele nem por um segundo? Deve ser, porque foi o que aconteceu comigo em Moneyball.

Dirigido por Bennett Miller (Capote), Moneyball traz outro herói solitário e de poucas –mas boas- palavras: Billy Beane (Brad Pitt, bem escolhido e desempenhando à altura), cartola do time de beisebol Oakland Athletics que, em 2002, cansado de ver o time nadar, nadar e morrer na praia, abandonou os métodos tradicionais de escalação e, com a ajuda de um nerd formado em economia (Jonah Hill, ótimo), passou a escolher jogadores através de um software que leva em conta as estatísticas de desempenho de cada um.

É uma história verdadeira, contada no livro de não-ficção de Michael Lewis e  adaptada maravilhosamente pelos craques Steve Zaillian e Aaron Sorkin. Como em outro filme escrito por Sorkin – A Rede Social – e de certa forma como em Drive, Beane é um herói solitário andando contra a corrente, buscando apenas em si mesmo a força necessária para prosseguir.

Miller, fiel às suas origens como documentarista, mistura material documental com o filme em si, e enquadra com enorme inteligencia cada tomada, situando Beane em seu mundo e abrindo espaços para seu fugidio mundo interior – como o do anti-heroi de Drive, um mundo secreto, contido, nascido das frustações de quem foi jovem e brilhante atleta, e abriu mão dos estudos por uma carreira curta e brutal.

E com tudo isso…. Jamais consegui me conectar com o filme. Por que? Como muitos de vocês, nasci e me criei num universo onde o futebol era a língua-mãe. Entendo absolutamente nada de beisebol, e seu eco emocional, passional – abordado com tanta precisão em Moneyball – me escapa completamente. E beisebol, acima de qualquer outra coisa, é o coração, a essência de Moneyball. Se você conhece e gosta, não perca. Senão… não sei.

Moneyball estreia hoje nos EUA e 18 de novembro no Brasil.


O vampiro mora ao lado: por que o novo Hora do Espanto é melhor que o original
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Ana Maria Bahiana

Colin Farrell e Imogen Poots no novo Hora do Espanto...

Chris Sarandon e Amanda Bearse, no Hora do Espanto de 1985

Quando A Hora do Espanto passou pelos cinemas nos idos tempos de 1985 confesso que não me impressionou muito. Não era – sem trocadilho – de se espantar: os primeiros anos 1980 foram uma era de fartura de excelentes filmes de terror, começando pelo impossivelmente profundo e apavorante O Iluminado, de Stanley Kubrick e incluindo várias outras adaptações de Stephen King – Cujo, Christine, Colheita Maldita; o lançamento de franquias como A Hora do Pesadelo, Sexta Feira 13 e Halloween; George Romero continuando sua saga zumbi com O Dia dos Mortos, Sam Raimi dando o seu troco com Evil Dead. Steven Spielberg escrevia e produzia Poltergeist para Tobe “Massacre da Serra Elétrica” Hooper dirigir, e a fronteira entre riso e grito era amplamente explorada por filmes como Um Lobisomem Americano em Londres, No Limite da Realidade (ambos de John Landis, que também dirigiria o histórico curta/clip Thriller, de Michael Jackson) e Gremlins, de Joe Dante.

Era uma safra e tanto e, olhando em perspectiva, ali estavam os fundamentos do slasher e do terror modernos, empurrando tanto os limites do que era permissível mostrar quanto a profundidade do mergulho psicológico. Efeitos digitais ainda eram um sonho distante, mas os efeitos físicos, principalmente próteses, robótica e animatronics davam um salto quântico nas mãos de uma geração de jovens técnicos criados pelos filmes B dos anos 60: Rick Baker, Chris Walas, Richard Edlund, Greg Nicotero, Stan Winston.  Parceirados com uma nova geração de realizadores com as mesmas influências – Landis, Hooper, Dante, Raimi, mais Wes Craven, John Carpenter – eles realizavam a proposta de, ao mesmo tempo, mais realismo e mais fantasia, o impossível tornado mais aceitável e, por isso, mais assustador.

Com tanta fartura não é de estranhar que A Hora do Espanto tenha passado batido pela minha memória. Vampiros não eram muito comuns nessa safra, e os sofisticados, sexy habitantes de Fome de Viver, de Tony Scott (Catherine Deneuve, Susan Sarandon e David Bowie!!!!) eram muito mais memoráveis. A encruzilhada comédia/terror também não era novidade, assim como não era a inclusão do extraordinário (e extraordinariamente terrível) no cotidiano mais banal (Stephen King era e ainda é mestre nesse setor).

Revisto hoje, A Hora do Espanto de 1985 aparece mais como uma ideia – adolescente tem certeza de que seu vizinho é um vampiro, contra a descrença de todo mundo- não inteiramente resolvida, com um elenco  em grande parte fraco, mais aqueles cabelos e ombreiras absurdas dos anos 80. O que fica são exatamente os efeitos de Richard Edlund, impressionantes até mesmo 26 anos depois, e a presença calmamente aterrorizante de Chris Sarandon como o vampiro que mora ao lado (apesar das lapelas e echarpes…)

Refeito agora em (desnecessário) 3D por um jovem diretor – Craig Gillespie- muito bem escolado na TV (United States of Tara) e cinema independente (A Garota Ideal), o novo A Hora do Espanto é um desses raros casos em que a segunda tentativa ficou melhor que a primeira. Um espertíssimo roteiro de Marti Noxon ( bem treinada na TV: Buffy, A Caça Vampiros, Grey’s Anatomy, Mad Men) enfatiza o principal charme do original, a incrivel banalidade da situação em volta dos inesperados vizinhos. E resolve vários problemas do primeiro filme, principalmente os três personagens secundários (mas importantes): a namorada, a mãe e o melhor amigo. Uma boa escolha de elenco, a excelente fotografia de Javier Aguirresobe (Vicky Cristina Barcelona, A Estrada, A Better Life) e uma combinação impecável de efeitos físicos e digitais se incumbem do resto.

O assustadiço adolescente agora é o ótimo Anton Yelchin, que mora com a mãe (Toni Collette) nos subúrbios que mais crescem nos Estados Unidos: os de Las Vegas, surreais em si mesmos como comprova a sensacional imagem de abertura , um retângulo de luz perdido numa vastidão de nada, com a silhueta psicodélica da Strip de Las Vegas à distância. Para a casa ao lado, tão genérica quanto qualquer outra do condomínio, muda-se  o misterioso Colin Farrell, sedutoramente arrogante como pede o papel  ; a namorada é a inglesinha Imogen Poots (V de Vingança, Extermínio II), autoconfiante e despachada; e o melhor amigo, especialmente mal resolvido no filme original, agora é Christopher Mintz Plasse como mais um nerd oprimido pela espetacular mediocridade das turminhas de ginásio. (Numa alteração substancial e eficiente, neste Espanto é o amigo quem primeiro desconfia do vizinho _ porque,como bom nerd, ele possui vasto conhecimento da mitologia vampiral, e nutre especial repulsa pelos vampiros bonzinhos da série Crepúsculo).

Outra transposição muito bem feita foi a do “caçador de vampiros” Peter Vincent (o nome uma homenagem a dois grandes do horror clássico- Peter Cushing e Vincent Price).  Em ambos os Espantos seu papel na trama é representar  o passado do mito do vampiro na nossa cultura pop e a possibilidade de verdade atrás das histórias que contamos para nós mesmos. No primeiro filme ele era um apresentador de TV (Roddy McDowall) relegado ao horário da madrugada, apresentando filmes B, C e Z para impressionar adolescentes insones. Como a TV hoje não tem mais esse poder, o novo Peter Vincent (o inglês David Tennant) é um astro de Las Vegas na linha Criss Angel, rock n roll, gótico, cheio de atitude. Seu posto na narrativa continua o mesmo: seus truques recriam cenas clássicas dos filmes de terror, relembram as regras do mundo vampiresco, reancendem seu poder em nossa mente… e na dos impressionáveis adolescentes lidando, possivelmente, com um vizinho sinistro.

Se você não viu o filme de 1985, mais não contarei (a não ser alertar para a presença de Chris Sarandon numa ponta saborosa…) . Digo apenas que a mesma mistura de riso e susto está presente aqui, muito melhor expressada e resolvida, com um  aceno de respeito à trajetória da mitologia. E, muito importante, com vampiros como os dos bons tempos, famintos, cheios de dentes, sem dar a mínima para nós, pobres mortais. Se você quer um passatempo bem feito para uma noite de sábado, não há como errar.

A Hora do Espanto está em cartaz nos EUA e tem estreia prevista no Brasil para dia 7 de outubro.

 


Por que os macacos ainda nos fascinam?
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Ana Maria Bahiana

 

Os anos 1960 foram importantes para os grandes símios. Em 1963 o francês Pierre Boulle, um ex-soldado e ex-agente secreto dos aliados na Ásia durante a Segunda Guerra Mundial que se tornara autor de sucesso  em 1952 com o livro A Ponte do Rio Kwai (transformado em filme ganhador do Oscar em 1957) lançou uma obra de ”ficção científica clássica, repleta de suspense e inteligência satírica”(segundo um crítico) : La Planete des Singes ou, no título da primeira tradução em inglês, Monkey Planet.

4 anos depois outro autor europeu, o zoólogo e antropólogo inglês Desmond Morris, lançou um dos maiores best sellers da década, O Macaco Nu, uma popularização das diversas teorias que aproximavam seres humanos e seus primos primatas.

Ao mesmo tempo, vários centros de pesquisa desenvolviam programas para estudar as funções cerebrais dos símios, especialmente os chimpanzés. Os dois mais bem sucedidos, da Universidade de Columbia em Nova York e da Universidade de Nevada em Reno, envolviam a criação de dois chimpanzés – o macho Nim e a fêmea Washoe, respectivamente – em ambientes humanos, com o objetivo de “evoluir” seu potencial cognitivo  e de comunicação. Washoe foi o primeiro primata a usar a lingugem de gestos para se comunicar, e Nim  atingiu níveis ainda mais altos. Ambos, contudo, sofreram muito – Nim morreu aos 26 anos de um ataque do coração, como uma pessoa estressada e angustiada. Sua história pode ser vista no excelente documentário Project Nim.

Mas antes de tudo isso havia o chimpanzé Oliver, apresentado em circos e parques de diversão, desde 1960, como o “macaco humano”. Oliver tinha o hábito de andar apenas em duas patas, era extremamente inteligente e demonstrava preferência por mulheres e não fêmeas de sua espécie.

É interessante manter esse pano de fundo na cabeça quando se pensa em O Planeta dos Macacos, o primeiro filme a adaptar o livro de Pierre Boulle e um dos grandes sucessos de 1968 . Um sucesso tão imenso que gerou várias continuações (todas inferiores ao primeiro), uma série de TV , quadrinhos e uma tentativa de reboot em 2001, com Tim Burton. Numa era de imensas transformações – os anos 1960 – não eram tanto os símios que nos interessavam, era o mistério de nossa própria humanidade – o que ela tinha de específico, o que ela tinha de adquirido, o que ela tinha de imprevisível- que nos intrigava.

Numa era de mudanças ainda maiores – a segunda década do século 21- voltamos ao mito dos macacos pensantes trazendo, agora, novas inquietações. O preço de nossa irresponsabilidade com o meio ambiente –raiz do “suspense e inteligëncia satírica” do livro original- está muito mais claro e urgente. Nossa nova fronteira cognitiva somos nós mesmos: como ampliar nosso cérebro, como impedir seu envelhecimento. O pano de fundo tornou-se mais complexo e por isso o novo Planeta dos Macacos- A Origem (estréia mundial hoje)  consegue ter o mesmo impacto que o primeiro gerou, 43 anos atrás: porque coloca a questão de novo, numa linguagem que nós, os passageiros do século 21, entendemos perfeitamente: o que nos faz humanos? e que responsabilidade carregamos juntamente com essa humanidade?

Tenho grande admiração pelos filmes de puro entretenimento que usam plenamente a capacidade metafórica do cinema. Planeta dos Macacos-A Origem é exatamente assim, o drama de Frankenstein – criatura X criador, o terror da responsabilidade  traída – realizado na era digital, onde o imenso talento da Weta e de um grupo atores liderado por Andy Serkis, é capaz de colocar o humano literalmente dentro do símio.

Vejam – é o melhor filme da temporada pipoca 2011.

 


Uma festa para caubóis, índios e ETs
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Ana Maria Bahiana

 

Aviso aos leitores mais sensíveis: o TÍTULO DO FILME é Cowboys & Aliens. Portanto, dizer que a trama inclui o aparecimento de aliens NÃO É SPOILER, certo?

Com esta questão devidamente esclarecida, vamos ao que interessa: não tenham receio de Cowboys & Aliens. É um delicioso filme-pipoca, bem concebido, planejado e executado, com  um coração que é alegria pura, tesão pelas possibilidades de encantamento do cinema e muito respeito pelos westerns.

Confesso: Não era absolutamente o que eu esperava. Acompanho este projeto há algum tempo, e a alta rotatividade de roteiristas – seis estão listados nos créditos- me fazia antecipar um desses filmes-por-comitê , tão comuns na temporada-pipoca, que no final não tem gosto nem cara de nada.

Certo, a história tem quase nada a  ver com a graphic novel do mesmo nome mas, na verdade, nem filme nem graphic novel tem as origens que se espera.

 

Antes que os dois –filme e graphic novel- existissem, existia o empresário Scott Mitchell Rosenberg, fã de quadrinhos e astuto homem de negócios. Nos anos 90, inspirado por um cartum da série The Far Side, Rosenberg registrou a marca Cowboys & Aliens e se pôs a vender o conceito – antes mesmo que houvesse algum produto baseado nele. Acabou na capa da Variety, depois de vender o pitch para a Universal por 500 mil dólares.

Quando, cinco anos depois, o filme prometido no acordo ainda não tinha se materializado, Rosenberg começou a pensar em seguir a ordem natural das coisas e criar uma graphic novel. Alguns times e mais cinco anos depois Cowboys & Aliens chegou às livrarias em 2006 com a assinatura de Rosenberg, Fred Van Lente e o brasileiro Luciano Lima no traço.

A complicada história de Cowboys & Aliens talvez ajude a entender por que o filme sobreviveu ao distanciamento da graphic novel e às muitas versões do roteiro_ porque ele é em primeiro lugar um conceito, flutuando no espaço da industria de entretenimento como… hum… uma nave alienígena em busca de pouso. Ou encarnação.

E esta encarnação do conceito, escrita por um bando de gente (boa, felizmente: entre outros Damon Lindelof, Roberto Orci, Alex Kurtzman,  Mark Fergus, com créditos que incluem Fringe, Lost, Alias, Homem de Ferro e Filhos da Esperança), funcionou. Caubóis, índios e ETs misturam-se harmonicamente numa trama que diverte e, ao mesmo tempo, faz referência aos cânones do western, adicionando uma pitada de tempero.

Nesta iteração do conceito, o herói (Daniel Craig, cuja semelhança com um Yul Brynner com cabelo não é coincidência) é lacônico como os pistoleiros-ícones de Clint Eastwood;  o anti-herói (Harrison Ford, agregando toda a sua carga pessoal de heróis passados) é um barão do gado que poderia estar num filme de John Ford; a paisagem é o imponente deserto do sudoeste, a porta do bar balança, há uma briga sobre o balcão, um tiroteio na rua principal, e chapéus são muito importantes.

Mas o mais divertido é como os ETs se incorporam a esse universo ,e como o seus signos – as naves, armas, abduções, objetivos – se encaixam no mundo do oeste norte-americano  de meados do século 19, quando ouro e prata substituíam o gado como impulso para a expansão, pequenas cidades nasciam aparentemente do nada e havia um vago esboço de lei e ordem.

E como este é um western escrito em parte pela turma de Lost e Fringe, os índios tem um papel importante – afinal, existem pinturas nas cavernas do Novo México que parecem mostrar seres gigantescos com capacetes. E este deve ser o único filme em que uma viagem xamânica em busca de um animal de poder se incorpora naturalmente a uma narrativa sobre ladrões, xerifes e seres malévolos de outro planeta.

Mais não digo – aí sim seria spoiler. Jon Favreau  (Homem de Ferro 1 e 2) mantem o ritmo animado mas não frenético, os efeitos convencem, o elenco de apoio é sólido, o som é impecável e, felizmente, ninguém tomou a decisão desastrada de enfiar um 3D furreca sobre a linda fotografia de Matthew Libatique.

 

Cowboys & Aliens estréia nesta sexta, dia 29, nos EUA, e dia 9 de setembro no Brasil.

 


No adeus de Harry Potter, o poder da vida e a magia do cinema
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Ana Maria Bahiana

 

 

A morte e os mortos tem um papel de destaque no derradeiro Harry Potter, parte II do último livro da saga concebida por J.K.Rowling, Harry Potter e as Reliquias da Morte. É um tema apropriado para o fim de um ciclo, a jornada de  mais de uma década de um herói que influenciou e povoou os sonhos de uma geração.

Como algumas gerações anteriores – as que cresceram à sombra do ciclo O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, obra que com certeza é uma influência no trabalho de Rowling – os contemporâneos da jornada de Harry foram levados a debater a importância das escolhas individuais, o sentido da amizade e da lealdade e, em última análise, a natureza do bem e do mal. Como Frodo em Senhor dos Anéis, Harry não é excepcionalmente forte, inteligente ou poderoso _ seu destino foi selado pela mão do acaso, e sua natureza heróica deve ser provada ou rejeitada pelas opções que fará nas encruzilhadas de sua trajetória. E, como Frodo, seu chamado não é para obter algo, mas para destrui-lo: a recusa de um tipo de poder para que se possa, amplamente, abraçar seu avesso.

Todos esses temas estão expressos e sintetizados em Harry Potter e As Relíquias da Morte – parte II, fecho perfeito para o ciclo de  oito filmes que, consistentemente, adaptou a obra de Rowling para a tela. Alguns foram melhores que outros,  mas mesmo o primeiro, Harry Potter e a Pedra Filosofal, que hoje parece ainda mais tosco, tem o mérito de ter escalado, brilhantemente, o elenco essencial que deu corpo a Harry, Ron, Hermione, seus colegas, adversários e mestres.

Reliquias II pode ser lembrado como um dos melhores. Mais uma vez, fãs do texto de Rowling podem estranhar as simplificações e liberdades que Steve Kloves –roteirista de sete dos oito filmes, escolhido pessoalmente pela autora – tomou com a obra. Mas é sempre bom repetir o mantra: livro é livro, filme é filme.

O essencial- o confronto entre Harry e Voldemort, que é, basicamente, o encontro de Harry com seu destino – precisa ser expressado visualmente dentro de um período limitado de tempo. Imagens e gestos precisam ser conjurados para concretizar o que, na página, são descrições e adjetivos.

Kloves e o diretor David Yates – que se desincumbiu bravamente dos quatro últimos títulos da série – ancoraram o episódio final de Harry Potter numa série de sequências de ação empolgantes, um contraste com o ritmo mais lento da primeira parte: a invasão das caixas fortes do banco Gringotts, o ataque a Hogwarts, o confronto final entre Harry e Voldemort.

O clima aqui é de urgência e resolução – com um poderoso interlúdio na estação de King’s Cross do metrô de Londres, perfeito em espírito e realização, que ilustra bem um outro ponte forte da série, a integração excepcional entre desenho de produção, fotografia e efeitos.

Este talvez seja o mais emotivo de todos os Harry Potters, provando o quanto vale a qualidade de um elenco de primeira linha, encabeçado por mestres como Alan Rickman (Severus Snape), Ralph Fiennes (Voldemort) e Michael Gambon (Dumbledore).

E no final estamos de volta a Hogwarts, encerrando um ciclo e começando outro, como a vida, que se estende sempre além da morte.

Precisava ter sido dividido em duas partes? Provavelmente não. Precisava ser em 3D? A não ser para espectadores que realmente apreciam cobras avançando em sua direção e objetos mágicos voando sobre as poltronas, não faz muita diferença. A magia de Harry Potter é obra de suas ideias e não de seus truques.

Harry Potter e as Reliquias da Morte Parte II teve pré-estreia  dia 7 na Grã Bretanha e entra em circuito mundial a partir de 14 de julho. Nos EUA e no Brasil,a estréia é dia 15 de julho.

 

 


Super 8: brincando nos campos do Senhor Spielberg
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Ana Maria Bahiana

A primeira coisa que você precisa saber sobre Super 8, de J.J. Abrams, é que é necessário suspender MUITO a descrença. Cartesianos super racionais talvez prefiram poupar o dinheiro do ingresso, o que seria uma pena, porque o filme é uma delicia. Se resolverem correr o risco, lembrem-se do meu aviso: não comecem a se perguntar “mas como?”, “como é que é?”, “como é possível?” e coisas do tipo.

A segunda coisa é que, como bem disse este crítico, Super 8 é “pornô Spielberg”: uma citação explícita, reverente, salivante, hard core de temas, imagens e signos spielberguianos.

Tem gente torcendo o nariz para isso, mas não me incluo nesse bloco. Tenho outros problemas com Super 8 _ a gigantesca quantidade de fé na premissa que nem sempre é recompensada nem com a lógica interna do roteiro; o final meio apoteose em fúria, jogando no liquidificador todos os possíveis e imagináveis elementos fantásticos de uma história que já estava implorando por um pouquinho mais de lógica.

Mas cultuar o (aliás produtor) Spielberg não é um desses problemas. Gosto sempre de lembrar que os humanos das cavernas foram  provavelmente os únicos com direitos exclusivos à originalidade absoluta. Nas artes populares contemporâneas saber escolher as referências é uma parte importante da qualidade final. Afinal, a geração de Spielberg (e Lucas, e Coppola, e Scorsese, e Friedkin) achava que estava fazendo seu próprio culto a Truffaut, Godard, Clouzot, Antonioni e Kurosawa ( e os Beatles e Rolling Stones tinham certeza de que sua música era i-gual-zinha a dos grandes mestres do blues dos anos 1940 e 50…)

Muito natural, portanto, que Abrams vá direto à veia da Geração 70, pegando como inspiração uma frase de uma entrevista de Coppola dos anos 1980 sobre o futuro do cinema – “algum dia alguma garotinha gorducha do Ohio vai ser o próximo Mozart e fazer um filme lindo com a camcorder de seu pai”-  e saturando sua premissa com o cânon spielberguiano.

Em Super 8 um garoto gorducho do Ohio faz um filme, não necessáriamente lindo,  com a super 8 do pai dele. E esta é, na verdade, a melhor parte da película de Abrams. O garoto  Charles (Riley Griffiths) é.. bem… o DW Griffith de uma turminha de moleques (Joel Courtney, Zach Mills, Ryan Lee, Andrew e Jakob Miller e a cada vez mais excepcional Elle Fanning) que, claramente inspirada por George Romero (conte as referências…) está fazendo um filme de zumbis em uma pacata cidade do interior.

Como todo bom realizador, Charles está interessado em “grandes valores de produção”, de preferência a custo zero, o que leva sua brava equipe a uma estação de trem no meio da noite. Algo acontece, a camereta continua rodando e a história se torna mais spielberguiana e mais fantástica a partir daí. As referencias  – a ET, Parque dos Dinossauros, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Guerra dos Mundos– se empilham, assim como o glossário de imagens spielberguianas: espelhos, automóveis, flashlights, rápidas aproximações da câmera.

A delícia não está aí: está no coração da trama, em sua inocência fundamental, no grupo de crianças, no limite da adolescência, buscando sua voz e sua visão, aprendendo a se relacionar entre si e com o mundo adulto, através da poderosa metáfora da fantasia, da imagem em movimento. O que acontece a partir da brusca interrupção de suas filmagens é divertido e segue em bom ritmo – exigindo cada vez mais a suspensão de descrença que mencionei lá em cima – até a mega apoteose final, absurdista ao ponto do bizarro (me lembrou a fruteira emergente do final de Segredo do Abismo. Não foi uma boa lembrança…)  Mas o que nos prende ao filme não é o fantástico: é o profunda e cândidamente humano.

Super 8 estreia dia 10 nos EUA e dia 12 de agosto no Brasil.E… fique até o final dos créditos…

 


No novo filme de Mel Gibson, a vida imita a arte que imita a vida
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Ana Maria Bahiana

Um Novo Despertar (The Beaver, Jodie Foster, 2010) é, em muitos aspectos, como um acidente de carro: você sabe que nada bom vai sair dali, mas não pode parar de olhar quando cruza com ele na rua ou na estrada.

Durante uns quatro anos este roteiro de Kyle Killen circulou pelos corredores do poder em Hollywood, incluido na elogiosa mas complicada lista de “os melhores roteiros não-produzidos”.  Killen _ nascido no Texas, formado pela prestigiosa escola de cinema da University of Southern California_ acabou estreando profissionalmente com Lone Star, uma série de TV  promissora (eu era fã) mas cancelada depois de dois episódios por falta de audiência. Ele está na fila de novo este ano, com a série Awake, interessantíssima, mas de cujo poder de fogo nas pesquisas de audiencia os analistas já estão duvidando.

Com essa perspectiva _ que Jodie Foster não tinha na época em que aceitou dirigir o projeto _ fico pensando em que tipo de perfil Killen tem. Possivelmente alguém que tem excelentes ideias mas se confunde com o próprio brilho de suas invenções e perde o caminho lá pelo meio da longa, trabalhosa jornada que é estruturar uma narrativa.

A premissa é fascinante (como era a de Lone Star e como é a de Awake): no meio de uma tenebrosa crise de depressão (cujas origens  nunca são explicadas, embora haja uma alusão à genética ) Walter Black, homem de meia idade , pai de familia e dono de uma fábrica de brinquedos, encontra a salvação através de um fantoche em forma de castor (o “beaver” do título). Com o fantoche em sua mão direita, Black cria um alter ego instantâneo, uma espécie de terapia ambulante através da qual se torna capaz de, finalmente, assumir  o controle de sua vida.

Numa dessas sincronicidades absurdas, Gibson, que se envolveu no projeto em 2009, a convite de Foster, sua amiga desde que os dois trabalharam juntos em Maverick, começou a filmar Despertar no meio da série de crises que abalaram sua vida em  2009-2010, quando sua ex-mulher Oksana Grigorieva divulgou as gravações das furiosas brigas do casal. Em outras palavras: enquanto Mel Gibson interpretava Walter Black, homem de meia idade, rico, pai de familia, caindo furiosamente por um poço sem fundo de angustia, fúria e depressão, ele era um homem de meia idade, rico, pai de familia, caindo furiosamente por um poço sem fundo de angustia, fúria e depressão.

Talvez este elemento explique a melhor coisa de Despertar: o próprio Gibson, numa interpretação tão visceral e poderosa que é impossível não pensar na correlação entre drama e vida. (Eu estou entre os que acham Gibson um bom ator que se tornou melhor com o passar dos anos e o áspero polimento dado pela vida).

O resto é complicado. Despertar começa como um estudo de personagem que se torna pouco a pouco absurdo, no bom sentido. Sua primeira meia hora é brilhante, e Foster parece ter a mão firme nas decisões de como significar, visualmente, a fratura da alma de Walter Black.

No exato momento em que as coisas se tornam realmente complicadas e interessantes, o roteiro dá uma guinada primeiro para a comédia – aquela historinha tão comum no cinemão americano, onde uma grande crise de repente se resolve de um modo bem engraçadinho – e depois, sem aviso prévio, para o filme de terror. Para terminar com tudo certinho, resolvido e explicado.

Há muitas boas ideias e pelo menos dois desempenhos fantásticos – Mel Gibson e Anton Yelchin, como o filho mais velho que teme estar seguindo os passos do pai. Mas a impressão que fica, no final das contas, é a de uma espécie de salada com melão, anchova e chocolate. Ou, talvez, o acidente de carro que você fica querendo olhar por todos os motivos errados.

Um Novo Despertar está em cartaz nos EUA (onde não foi bem nem de bilheteria nem de crítica) desde o dia 20 e estreia dia 27 no Brasil.

No próximo post, uma interessante conversa com Mel Gibson, aqui em Los Angeles.