Blog da Ana Maria Bahiana

Drive, Moneyball: celebrando a solidão do herói

Ana Maria Bahiana

 

Devo, não nego, um apanhado dos primeiros lançamentos da temporada-ouro. Comecemos por aqui:

“Existem 10 mil ruas nesta cidade e eu conheço todas elas “, diz a narração off. “Eu dirijo. Não carrego armas, não participo de nada. Dou a você duas horas. O que acontece nessas duas horas é responsabilidade minha. O que acontece antes e depois, eu não quero  saber.”

A voz é do anônimo motorista/dublê vivido por Ryan Gosling em Drive, o excepcional filme que marca a estreia do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn numa produção norte-americana (ainda que independente, cortesia da Film District, divisão da GK Films).

Drive começou como um belo livro  de James Sallis, um expert no neo-noir que explora a evolução do crime sob o sol de California, Arizona, Nevada, nas décadas depois da sacramentação do gênero. Na adaptação magistral de Hossein Amini (Paixão Proibida, Asas do Amor), cenário, tramas e personagens foram depurados e concentrados: tudo se passa agora entre uma oficina mecânica, um prédio modesto e uma pizzaria , com um set de filmagem e uma loja de penhores no meio, entre as 10 mil ruas do vasto, complicado município de Los Angeles.

Numa feliz sincronicidade que pode ser obra tanto do acaso quanto de intensa colaboração, o motorista sem nome de Ryan Gosling é a soma perfeita de todos os heróis/antiheróis da obra de Refn: lacônico, contido, seu mundo interior, emocional, trancado a mil chaves e só percebido por mínimos gestos, expressões, olhares.

Refn, que não conduz (porque foi reprovado várias vezes na prova de direção), foi escolhido pessoalmente por Gosling, fã de seu trabalho e do livro de Sallis. Depois de um primeiro encontro desastroso – Refn, gripadíssimo, passou mal à mesa – uma carona de Ryan e uma longa conversa on the road cimentaram a colaboração para criar o protagonista, absolutamente central à história. Nas palavras de Refn, “um homem que se define pelo que faz _ no caso, dirigir.”

Exemplo perfeito: a sequencia de abertura, um primor de fotografia, som e montagem, onde, sem diálogo, passamos a saber tudo sobre o personagem de Gosling, enquanto ele pratica, brilhantemente, seu segundo emprego _ pilotar carros de fuga para grandes roubos. Seu primeiro emprego é motorista-dublê em filmes, o que imediatamente cria uma interessantíssima justaposição de ficção e realidade, tão perfeita tradução de Los Angeles.

O gradual envolvimento com uma vizinha – Carrie Mulligan, excelente – leva nosso anti-herói a um “trabalho” especialmente arriscado, que vai abalar todas frágeis cadeias de seu pequeno mundo: a oficina mecânica do seu mentor – o sempre extraordinário Bryan Cranston, no avesso do seu Mr. White de Breaking Bad – e Nino (Ron Perlman) e Bernie (Albert Broks, absolutamente sensacional) os donos da pizzaria e investidores do seu possível novo projeto, um espetáculo ambulante de stunts.

Refn dirige Drive com o rigor e a clareza de olhar que são a marca do seu trabalho, referenciando as raízes inteligentes do filme de ação – Acossado, Operação França, Bullit – mas traçando seu próprio risco, um ambiente ao mesmo tempo intensamente real e estilizado, onde cada gesto, cada luz e cada sombra tem significado (e aqui, palmas à parte para a fotografia e Newton Thomas Sigl).

Absolutamente imperdível.

Drive está em cartaz nos EUA e ainda sem data de lançamento no Brasil.

 

É possível ver um filme lindamente dirigido, superbem escrito e com grandes desempenhos de bons atores e não se sentir investida emocionalmente nele nem por um segundo? Deve ser, porque foi o que aconteceu comigo em Moneyball.

Dirigido por Bennett Miller (Capote), Moneyball traz outro herói solitário e de poucas –mas boas- palavras: Billy Beane (Brad Pitt, bem escolhido e desempenhando à altura), cartola do time de beisebol Oakland Athletics que, em 2002, cansado de ver o time nadar, nadar e morrer na praia, abandonou os métodos tradicionais de escalação e, com a ajuda de um nerd formado em economia (Jonah Hill, ótimo), passou a escolher jogadores através de um software que leva em conta as estatísticas de desempenho de cada um.

É uma história verdadeira, contada no livro de não-ficção de Michael Lewis e  adaptada maravilhosamente pelos craques Steve Zaillian e Aaron Sorkin. Como em outro filme escrito por Sorkin – A Rede Social – e de certa forma como em Drive, Beane é um herói solitário andando contra a corrente, buscando apenas em si mesmo a força necessária para prosseguir.

Miller, fiel às suas origens como documentarista, mistura material documental com o filme em si, e enquadra com enorme inteligencia cada tomada, situando Beane em seu mundo e abrindo espaços para seu fugidio mundo interior – como o do anti-heroi de Drive, um mundo secreto, contido, nascido das frustações de quem foi jovem e brilhante atleta, e abriu mão dos estudos por uma carreira curta e brutal.

E com tudo isso…. Jamais consegui me conectar com o filme. Por que? Como muitos de vocês, nasci e me criei num universo onde o futebol era a língua-mãe. Entendo absolutamente nada de beisebol, e seu eco emocional, passional – abordado com tanta precisão em Moneyball – me escapa completamente. E beisebol, acima de qualquer outra coisa, é o coração, a essência de Moneyball. Se você conhece e gosta, não perca. Senão… não sei.

Moneyball estreia hoje nos EUA e 18 de novembro no Brasil.

  1. cristiano vieira

    30/09/2011 08:15:31

    Vi DRIVE!É quase um filmaço. É bom. Mas ainda não conseguiu chegar lá. O clima desde a abertura lembra Viver e Morrer em Los Angeles do Willian Friedkin (Esse sim um filmaço).

  2. Luciano

    30/09/2011 03:16:03

    Acabei de ver Drive (baixei) e... Tô sem palavras. É lindo demais. Refn é um novo gênio, só pode. Gosling é mais que perfeito. O elenco é demais. Sei lá. Sem palavras.

  3. Ana Maria Bahiana

    29/09/2011 14:57:38

    Pensei nessa referencia tb qdo soube do filme _ adoro The Stunt Man - mas não, não tem nada a ver. ´É outra criatura.

  4. João Marcelo F. de Mattos

    29/09/2011 12:18:33

    Grandes expectativas para "Drive" há meses. Mas só neste momento, neste preciso instante me ocorreu uma possível influência para a obra: o maravilhoso "O Substituto" (1980, "The Stunt Man") de Richard Rush, com o Peter O'Toole. Tem alguma coisa a ver? (Aliás, o desenvolvimento posterior da carreira de Rush, com apenas uma direção 14 anos depois, aquele imbecil "A Cor da Noite", com o Bruce Willis, é um mistério para mim)

  5. Ana Maria Bahiana

    27/09/2011 18:33:42

    Não, nada a ver.

  6. jlcarvalho

    27/09/2011 18:31:34

    Querida ana, vc nao respondeu o meu email acima, mas vou me expressar melhor. Esse filme Drive tem alguma relacao com o filme de 1978 com Ryan O'Neal e dirigido por walter Hill chamado Driver (http://www.imdb.com/title/tt0077474/), aqui no Brasil como "Caçador de Morte"

  7. Elton

    27/09/2011 00:11:08

    Oi Ana! E o fim do nosso querido R.E.M...

  8. Bruno

    27/09/2011 00:00:28

    Eu vi `Drive` semana passada, e gostei bastante. É daquele tipo de filme que ou você gosta ou odeia, quem for ver esperando um filme cheio de açao vai sair bastante decepcionado.A sequência de abertura é sensacional. A musica e a fotografia lembram os filmes dos anos 80, até os créditos da abertura sao ''à la 80`s''. A relaçao entre o Driver e a Mulligan é daquele tipo que um olhar ou um momento de silêncio falam por si só,no mais, as cenas de açao, apesar de nao serem muitas, quando acontecem compensam com muito sangue e violência.

  9. Ana Maria Bahiana

    26/09/2011 20:01:56

    Vou ver semana que vem..

  10. Rafael Gomes

    26/09/2011 18:22:10

    A Carey Mulligan está com a carreira sedimentada de vez, hein Ana. Fazendo ótimas escolhas nos ultimos anos (principalmente após a indicação ao Oscar).

  11. Marcelo Rebelo

    26/09/2011 16:21:58

    Ana meus parabéns pelo excelente comentário acerca do filme Drive.

  12. João César

    26/09/2011 16:15:16

    Os filmes prometem, obrigado Ana. Ryan Gosling, onipresente este ano, dificilmente será esquecido pela Academia.

  13. Marcelo Paradella

    26/09/2011 12:30:28

    vc falando do Drive me lembrou aquela serie de curtas bacanas da bmw, the hire, com o clive owen como um motorista anonimo. procede?

  14. Marcus Nascimento

    26/09/2011 12:16:00

    Não me lembro de um filme sequer de beisebol que tenha me cativado. Achei tanto o "Bill Durham" quanto "Campo dos Sonhos" um porre ... por coincidência ambos estrelados por Kevin Costner. É coisa mesmo cultural. Ainda que a equipe de "Moneyball" seja acima de qualquer suspeita. Off-topic: Ana, não sei se vc já teve a oportunidade de assistir. Mas "The Artist", uma jóia do cinema francês - na verdade é um desses atuais filmes globais - é simplesmente estupendo. Original - é mudo e tudo acontece e é valorizado pela música - e tocante, é o crowd-pleaser do ano. E não me surpreende que seja muito bem visto na Academia ...

  15. jlcarvalho

    26/09/2011 11:56:53

    Seria um remake, enlatado.http://www.imdb.com/title/tt0077474/

  16. Marcos

    26/09/2011 11:55:44

    Ana Ryan Gosling tem chance de alguma indicaçao cha q esta en tres filmes este ano, eu acho junto com a Emma Stones os astros do ano

  17. brendam

    25/09/2011 23:28:41

    Ana, considerando o desenvolvimento da trama, a tradução correta seria 'Drive - O Motorista', ou 'Drive - Conduza/Dirija' ou nenhuma das duas?

  18. ana

    25/09/2011 21:34:37

    Esse é o ponto então. Tem mesmo que entender de beisebol para se envolver. Pelo menos vai garantir o sucesso doméstico.Ana, acho que a grande coisa do cinema é quando acontece algo que ninguém prevê que vai ser um sucesso e é. Vide casos de criatividade e ousadia como Distrito 9, por exemplo. Acho que os produtores em meio à crise econômica americana estão com tanto medo do fracasso que sufocam grandes idéias e não apostam no que deveriam apostar. É bem natural em se tratando de milhões de dólares. Há que se louvar a paciência de James Cameron de esperar tantos anos para ver um resultado.

  19. Ana Maria Bahiana

    25/09/2011 15:59:43

    acho que não é o caso , aqui. embora muito bem contada, é uma história de beisebol, por fãs de beisebol e para fãs de beisebol.

  20. ana

    25/09/2011 11:19:02

    Entendo perfeitamente a falta de conexão com o beisebol, mas há filmes que mesmo não ligados ao esporte, conseguimos nos conectar com a emoção do jogo como por exemplo, Invictus. É só o diretor saber contar a história para todas as platéias.

  21. brendam

    24/09/2011 12:26:03

    A academia vai lembrar da Carey Mulligan este ano, ou a esnobará como fez com 'Never Let me go'? (Revoltante!)

  22. Danilo

    24/09/2011 09:33:18

    Realmente Drive foi a sensação do ano,praticamente uma unanimidade entre os críticos!Agora em relação as comparações com Taxi Driver,acho que não fazem muito sentido,mas não sei afinal ainda nem vi o filme...Hhehehehhe

  23. Ana Maria Bahiana

    24/09/2011 01:56:11

    Totalmente inválidas. É outra criatura.

  24. Alexandre

    23/09/2011 21:20:04

    Louco para ver Drive! Está na seleção do Festival do Rio. Falando nisso, o que você recomenda, Ana?

  25. Hneto

    23/09/2011 20:11:50

    Aguardando o lançamento dos dois por aqui,principalmente "Drive"(seriam as comparações com "Taxidriver" válidas?).

Os comentários não representam a opinião do portal; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Leia os termos de uso