Mad Max, Estrada da Fúria: a sinfonia do caos
Ana Maria Bahiana
Respire fundo. Sabe aquele som que a gente ouve quando abre o Skype? Aquilo. Se você só gosta de pequenos filmes íntimos, quietos, introspectivos, contemplativos, saia imediatamente da sala e peça seu ingresso de volta. Nada contra seu gosto, muito pelo contrário – é só que esta experiência cinematográfica é o oposto completo de tudo isso, e pode, quem sabe, provocar um infarto em você.
Mas se você não tem medo de filmes em grande escala, que pedem (pedem não, exigem sem desculpas ou mais ou menos) entrega total a uma experiência não muito diferente do transe…. Ah… fique aí na poltrona.
Mas antes respire fundo. Porque durante as próximas quase duas horas você vai ter a impressão de que é impossível respirar.
Eis o que George Miller fez com seu reboot de Mad Max : usou todos os recursos disponíveis hoje, 36 anos depois, para realizar por completo o que provavelmente era sua visão desde o final dos anos 1970. Ou seja, a exploração absoluta do movimento como linguagem, a imersão em um universo em que a visão, a audição e a emoção da platéia estão constantemente engajadas, desafiadas, perturbadas. São 11 câmeras, um balé absurdo de stunts e efeitos especiais nas horas certas (uma tempestade de areia que dificilmente vai sair de sua memória) a serviço do que Miller chama de “provavelmente a forma mais pura do cinema” : a ação.
Mad Max: Estrada da Fúria é, basicamente, uma única longa sequencia de perseguição, orquestrada como uma espécie de sinfonia audiovisual, pontuada por preludios e breves momentos de adagio entre os ataques de prestissimo con fuoco que são o coração mesmo da trama.
Há momentos em que nós, na plateia, pensamos que Miller perdeu a batuta e seu filme vai desabar no caos. Não sabemos nada, como Jon Snow. É no caos aparente que está o rigor de George Miller, onde ele encontra o poder mais profundo de seu talento e compõe maravilhas mais velozes e mais terríveis do que nossos olhos são capazes de ver. Na perseguição, na intensa e constante mobilidade dos exércitos em marcha pelo deserto pós-apocalíptico, personagens se chocam e conversam sem palavras, dizem quem são e sobre o que são com um olhar, uma caminhada, um gesto – e, num dos momentos mais emocionantes, o abrir de uma porta de um dos muitos veículos em alta velocidade.
É difícil contar o que acontece sem estragar a experiência de viajar na Estrada da Fúria. Saiba só o seguinte: alguns anos depois dos acontecimentos de Além da Cúpula do Trovão, Max (Tom Hardy) continua assombrado pelos fantasmas de suas perdas, mas não quer mais vingança, apenas um tipo de paz que se parece com sobrevivência. Por artes da vida no mundo brutal da mitologia de Mad Max, seu destino se cruza com o da Imperator Furiosa (Charlize Theron), e ambos se vêem alvo da fúria de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne) e seu exército de War Boys.
O que provoca, alimenta e resolve essa guerra em movimento é também o que dá um destino à ação desenfreada de Estrada da Fúria: ideias sobre a corrupção do poder em todas as esferas, do meio ambiente aos sexos. Miller conjurou todos os elementos do que o cinema de ação tem de melhor e lhes deu um sentido.
Mais não digo. Vão ver, no melhor cinema que puderem encontrar. Se puderem, vejam duas vezes – eu só percebi a completa elegância do caos de George Miller depois da segunda vez. Da primeira vez você se sente mais como alguém que levou uma voadora na pleura- e adorou.
E não esqueçam de respirar.