Blog da Ana Maria Bahiana

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Tron, o Legado e Bravura Indômita: dose dupla de Jeff Bridges
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Ana Maria Bahiana

Porque o fim de semana já está aí e, com ele, o lançamento mundial de Tron-O Legado, que tal uma dose dupla de Jeff Bridges, ator que prova o quanto viver muito e bem pode ser produtivo?

Comecemos por Tron, já que vocês podem conferir agora mesmo esta nova iteração do filme cult de 1982. Muitos fatores tornaram Legado um dos filmes mais esperados do ano _ principalmente o carinho de algumas gerações criadas à sombra do filme original, uma obra bizarra conceitualmente muito à frente de seu tempo.

Imaginar o que os recursos atuais da tecnologia podiam fazer com o universo virtual de Tron já seriam o bastante para fazer qualquer fã salivar; mas ainda havia promessa de uma dose dupla de Jeff Bridges, uma trilha pelo Daft Punk e a presença da super hot Olivia Wilde, sem falar nos  sucessivos  “aperitivos” servidos nas últimas Comic Con.

O Tron de 1982 sempre me intrigou  e fascinou mais do que agradou: me parecia uma ideia em busca de uma forma, um pressentimento, uma mensagem enviada pelo futuro do mesmo modo como,  dois anos depois, William Gibson psicografaria o século 21 em seu livro Neuromancer, a definitiva obra prima da era digital.

Consta que a Disney, produtora de Tron e detentora dos direitos, tinha vergonha de sua obra, o que explica os anos e anos de desenvolvimento do projeto, o sumiço das cópias do DVD do mercado e, finalmente, o mega-esforço do futuro diretor Joseph Kosinski e sua turma de efeitos visuais demostrando, num teaser, que era possível levar a história adiante.

Fãs do filme original não ficarão decepcionados com Legado _ é uma tremenda viagem visual por uma paisagem gelada e noturna, com impecável 3D original (nada de conversões aqui), espetacular direção de arte e a plena realização de algumas das ideias enunciadas em 1982 _ a perseguição de moto, por exemplo, agora de fato uma disputa em alta velocidade, com o espectador no meio. E, sim, duas (ou tres…) vezes Jeff Bridges: no mundo real e virtual, como o pai do herói Sam Flynn (Garrett Heldlund, possivelmente o ator menos carismático que já vi); e como seu avatar virtual, o programa Clu, rejuvenescido graças à mesma plástica digital que envelheceu Brad Pitt em Benjamin Button.

Meu único conselho: não levem a história a sério. Mesmo com longos diálogos expositivos para explicar como Flynn , Sênior foi parar na grid e o que fez por lá nos últimos 20 e tantos anos, qualquer tentativa de acompanhar literalmente a possível metáfora do mundo virtual ou descobrir o que Olivia Wilde é e que diabos Michael Sheen está fazendo fantasiado de David Bowie circa 1972 resulta apenas em uma tremenda dor de cabeça.

Abracem Tron-O Legado como uma experiência sensorial não muito diferente de um bom videogame _ ou, como me lembrou um tronólogo e cinéfilo mega-erudito, não muito diferente de Enter the Void, de Gaspar Noé.

E sim, a trilha , nos momentos em que o Daft Punk resolve se levar a sério , se parece perigosamente com a de Hans Zimmer para Inception. Mas quando eles se entregam a uma versão atualizada do electro-prog dos anos 80, é deliciosa (prestem atenção: são eles na cabine do DJ na cena do clube, mudando o som da pista para acomodar a iminente porradaria).

Bravura Indômita, dos irmãos Coen, também é uma refeitura muitos e muitos anos depois _ o original , dirigido por Henry Hathway, é de 1969 e rendeu a John Wayne o Oscar de melhor ator em 1970. Para seu filme Joel e Ethan Coen, na verdade, passaram consideravelmente ao largo do filme e retornaram ao texto original do livro de Charles Portis, publicado em 1968 e um clássico das  obras western.

Coisas importantes foram corrigidas com essa mudança de curso: a voz do filme, no sentido literal e figurativo, voltou a ser da menina Mattie Ross (a sensacional estreante Haillee Steinfeld, justamente lembrada nas indicações da Screen Actors Guild) e não do xerife “Rooster” Cogburn (Wayne  no original. Jeff Bridges, genial, aqui); a paisagem, física e emocional, saiu do épico Colorado do filme de 1969 e retornou ao mundo muito mais árido e desnudo do Arkansas/Oklahoma do livro.

Mais importante: todo verniz de sentimentalismo e qualquer tentativa de açucarar a trama foram eliminados. Como no livro, Mattie não flerta com o xerife texano (Matt Damon, ótimo) que se incorpora à patrulha em busca do assassino do pai dela; a picada de cobra do ato final tem todas as suas implicações sinistras e irremediáveis; e a linguagem mantem o estilo ao mesmo tempo formal e cru de Portis, acrescido do famoso humor dos Coens.

O resultado é um filme muito superior ao original, onde espíritos igualmente  ácidos – os Coens, Portis – se encontram para contar a história da menina de 14 anos que contrata um xerife em fim de carreira, bêbado,caolho e cheio de fantasmas interiores, para vingar o assassinato do pai.  Isto  é puro drama do oeste: como, num território sem contrato social e sem leis, a única bússola possível são os princípios morais de cada um.

Lamento que os executivos da Paramount tenham, por razões que ignoro, escondido o filme, o que pode ter resultado no seu sumiço dos (esquisitíssimos) Globos. Mereciam que Rooster saísse atrás deles, rédeas nos dentes, um revólver em cada mão.

Bravura Indômita estreia nos EUA quarta feira que vem dia 22; e no Brasil dia 21 de janeiro.


Uma conversa com Darren Aronofsky, parte 2: “Parece que só eu quero fazer meus filmes”
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Ana Maria Bahiana

No capítulo anterior, Darren Aronofsky ficou impressionado com as top models do Bolshoi, descobriu a dualidade no Lago dos Cisnes e fez a câmera dançar. Na segunda e última parte de nossa conversa, ele fala sobre o estado de coisas na industria, as unhas do Wolverine e como diretores vêem os filmes dos outros.

Você mencionou em algumas entrevistas que o projeto de Cisne Negro levou quase 10 anos para se concretizar. Por que?

_Não era um filme que as pessoas quisessem fazer _só eu. (ri) O que é uma experiência muito comum na minha carreira, só eu quero fazer meus filmes, tenho que convencer um monte de gente a apostar na minha visão. Acho que aceitei fazer o novo Wolverine em parte por isso _ porque era um filme que todo mundo queria fazer. (ri muito) Queria saber como seria o outro jeito!

E as coisas não parecem estar melhorando…

_Não, infelizmente, não. Sempre foi mais difícil fazer filmes pessoais, e a crise econômica encolheu a disponibilidade de dinheiro. Há menos dinheiro circulando e com isso há menos tolerância para riscos e filmes pessoais. O boom dos anos 90 que tornou possível uma nova geração do cinema independente acabou. Ainda existem possibilidades, ainda existe algum ouro na mina e filmes como Atividade Paranormal conseguem ser feitos, mas é muito, muito, muito complicado acessar esse dinheiro.

E além do mais há cada vez menos distribuidores. Basicamente todos eles fecharam: Warner Independent, Paramount Vantage acabaram, Miramax está em fluxo. A Fox Searchlight (distribuidora de Cisne Negro) não tem nenhum incentivo para dar um adiantamento para um filme que ainda não foi feito porque, de certa foram, eles são a única opção na industria, hoje. Todo mundo quer que eles distribuam seus filmes porque eles fazem um trabalho sensacional. Mas a verdade é que ninguem põe dinheiro na mesa sem o filme pronto

Nem para Darren Aronofsky?

_É…. Eu também.Em The Wrestler, que agora todo mundo elogia, me diziam que fazer um filme com Mickey Rourke era loucura, filme de luta livre era loucura,  ia destruir minha carreira. E o filme foi bem, ganhou o Globo de Ouro, Bruce Springsteen ganhou o Globo de Ouro , o filme disparou na disputa dos prêmios e foi o que se viu. Pensei que, com Cisne Negro, tendo uma estrela reconhecida como Natalie comprometida com o projeto, mais um elenco internacional – inclusive com Vincent Cassel, que é super conhecido no Brasil -tudo seria mais fácil. Mas não foi, Literalmente todo mundo nesta cidade dispensou o projeto. Fox Searchlight finalmente disse sim duas semanas antes do início das filmagens.

Então é mesmo por isso que você está fazendo um filme de super-herói?

_Em parte, em parte. Como eu disse, eu já fiz cinco filmes onde eu era a única pessoa na sala querendo fazer o filme. Queria saber como seria o contrário. E além do mais é divertido. Vou me divertir muito, tenho certeza _ é algo diferente, um desafio  e  sempre me animo quando encaro um desafio. Fui um independente em cinco filmes e está na hora de fazer algo diferente.

E se estamos falando de personalidades complexas e duplos, o Wolverine não está tão distante assim dos seus temas…

(ri muito) _ Isso mesmo. Não tem penas, mas tem unhas, garras! Com certeza ele é um personagem fascinante e complexo, e isso torna tudo ainda mais divertido.

O tema do fracionamento da personalidade aparece constantemente em sua obra. Na verdade, muita coisa de Cisne Negro me lembrou o protagonista de PI em sua obsessão. Qual o motivo?

_ Eu sempre fui um garoto muito intenso. Escrevia poemas sobre o fim do mundo quando  tinha 9 anos. Mas além disso eu cresci numa familia que enfrentava o problema da doença mental. Meu tio tinha problemas mentais muito sérios. Passei muito tempo com ele e vi o que realmente é o mundo da doença mental. Procuro tratar o tema com grande delicadeza e respeito, exatamente porque o conheço de perto. No caso de Cisne Negro… é mais um conto de fadas do que um estudo da mente humana. É a antiga disputa da luz contra a sombra. É uma jornada pelo mundo das sombras.

Você tem visto bons filmes este ano?

_ Estou atrasado com meus filmes. Como tenho um filho pequeno, preciso primeiro me atualizar em Toy Story 3, Como Treinar seu Dragão(ri) Fiquei muito impressionado com Enter the Void. Todo filme, mesmo os bons filmes, é derivativo de outros. A Rede Social é derivativo de Jejum de Amor e Todos os Homens do Presidente, e Cisne Negro é derivativo de um monte de outros…. Enter the Void não é derivativo de coisa alguma. É um enorme desafio, super artístico e para mim, como realizador, é empolgante. Mas não é uma obra envolvente _ é intelectual, é como ir a um museu e apreciar uma obra de arte.

Como um diretor vê os filmes dos colegas?

_ De um modo muito diferente. É muito difícil, para um diretor, se perder num filme porque o tempo todo você está pensando sobre o ofício, a técnica, o trabalho. Quando eu consigo não pensar nisso e realmente me perder na história algo mágico acontece e é como se eu tivesse 13 anos de novo. Aí eu sei que o filme está funcionando.


Uma conversa com Darren Aronofsky: “Balé é um esporte olímpico”
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Ana Maria Bahiana

Quando Darren Aronofsky ainda era, nas suas próprias palavras, “o aluno mais jovem” do curso de direção do American Film Institute ele e seu melhor amigo era Matthew Libatique, o aluno mais jovem do curso de direção de fotografia no mesmo AFI, fizeram a si mesmos uma promessa: algum dia iam realizar juntos um filme sobre luta livre e um filme sobre balé. “Eu não notei que, de um modo bizarro, os dois temas tinham uma relação  entre si”, Aronofsky diz, numa  manhã gloriosa de outono em Los Angeles.”Eram atividades expressivas, intensas, coreografadas, que exigem preparo físico e capacidade de suportar a dor. Para nós, eram dois excelentes temas para serem expressados visualmente.”

Aronofsky está resfriado, uma caixa de lenços de papel ao seu lado, uma xícara de chá com limão à sua frente na suite do hotel de Beverly Hills que se transformou no quartel general da campanha de lançamento de Cisne Negro, a segunda parte de sua promessa (a primeira, The Wrestler, já lhe angariou várias indicações e prêmios).  Mas, mesmo mal disposto, Aronofsky não pretende diminuir seu ritmo de trabalho. “O preço por fazer algo pelo qual temos grande paixão é trabalhar em dobro”,ele diz. “Mas não é um sacrifício, é um prazer.”

Aqui, em duas partes, minha conversa com Aronofsky sobre balé, cinema, doença mental e crise econômica. Nesta primeira parte Aronofsky conta o processo de criação de Cisne Negro _ que, depois de uma estreia limitada superbem sucedida, começa neste fim de semana sua expansão em mais telas.

Como foi a evolução deste projeto? Ele sempre teve esta história, com estas características?

_ Veio de duas vertentes, duas vontades. Eu sempre quis explorar o mundo do ballet. Minha irmã é bailarina, então sempre pude observar esse mundo de perto. Por outro lado, a ideia da personalidade fracionada, a possibilidade do outro, do duplo, sempre me fascinou. Creio que a raiz mais profunda deste projeto está O Duplo, de Dostoivesky, que sempre amei. Eu me perguntava, onde eu posso colocar os elementos dessa história. Pensei na ópera, no teatro _ a primeira versão, escrita por Andres Heinz, chamava-se The Understudy e se passava durante a montagem de uma peça. E aí um dia, conversando sobre balé com minha irmã, ela mencionou, de passagem_ ‘Você sabe que no Lago do Cisnes a mesma bailarina dança a Rainha dos Cisnes e o Cisne Negro?’ Aquilo foi um achado para mim, deu uma outra direção para a história.

E você foi assistir Lago dos Cisnes para conferir?

(ri e assoa o nariz) _ Eu já tinha visto algumas vezes… com uma irmã bailarina, é natural. Mas comecei a ver com outra intenção, e vários elementos se encaixaram. Na verdade o filme poderia se chamar Lago dos Cisnes _ todo o filme é uma tradução do balé, todos os personagens são metáforas dos personagens do balé. Logo numa das primeiras vezes em que vi como pesquisa para o filme eu fui conversar com uma famosa primeira bailarina do American Ballet Theater, Julie Kent, que foi Rainha dos Cisnes muitas vezes. Eu queria saber o que acontecia com ela depois que Rothbart lança o feitiço, ela foi encantada, entendo, mas o que realmente acontece com ela? E Julie me disse: “ela é meio humana, meio cisne. É uma criatura estranha…” Imediatamente na minha cabeça eu vi algo como um lobisomem, mas com cisnes. Uma mulher-cisne… Eu poderia fazer a atualização absoluta do filme de lobisomem, sem lobos e sem homens, mas com uma mulher-cisne.

Fiquei impressionada como você pegou os menores detalhes dos rituais do balé. Você passou muito tempo nesse universo?

_ Era absolutamente necessário. E como mostrei que minhas intenções eram sérias e claras, tive um acesso sem precedentes. Minha memória mais fortes foi estar nas coxias do Lincoln Center vendo o Bolshoi dançar _ aquelas mulheres lindas, altissimas, verdadeiras super modelos, mas com a capacidade atlética de uma campeã olímpica! Na plateia não se tem  a menor ideia de nada disso. Na verdade, muito cedo eu tive essa revelação _ balé é um esporte olímpico, exige o mesmo preparo físico, a mesma tenacidade, habilidade, resistência. Só que todo esforço dos bailarinos é não demonstrar nada disso, é fazer tudo parecer lindo, fácil, sem esforço. E eu via como eles saíam do palco resfolegando, sem ar, banhados em suor, muitas vezes com hematomas, sangue…

Como você conseguiu incluir essas observações no filme?

_ Colocando a câmera o mais próximo possível dos meus atores, especialmente Natalie. A personagem foi criada para ela, aliás. Então a câmera tinha que dançar, tinha que estar no palco, nos ensaios. Matt (o DP Matthew Libatique) e eu trabalhamos muito em conjunto, e selecionamos a câmera mais leve possível para Cisne Negro, de forma a estar com Natalie o tempo todo, mover-se quando e como ela se move. Há uma estética natural que se percebe através do viewfinder assim que se pensa o enquadramento desta forma. Os desafios eram como coreografar atriz e câmera, como antecipar onde a bailarina vai estar, onde a câmera vai estar, quão rápido o operador da câmera pode se mover sem lançar sombra… é um quebra cabeças, mas vale a pena.

Continua…
Fotos: Theo Kingma; Fox Searchlight

Em Cisne Negro, a agonia e o êxtase da perfeição
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Ana Maria Bahiana

A possibilidade da perfeição, a transcendência da perfeição, a loucura da perfeição _ em Cisne Negro Darren Aronofsky nos convida não a  ver, mas a viver estes caminhos, em plena comunhão com sua protagonista, Nina (Natalie Portman) a primeira bailarina de uma fictícia companhia dirigida pelo autoritário e possivelmente brilhante Thomas (Vincent Cassel).

Há duas histórias secundárias correndo no fundo do brilhante roteiro  (de Andres Heinz,  Mark Heyman (de O Lutador) John McLaughlin , a partir de um argumento de Heinz adaptando seu roteiro original The Understudy ): o passado de Erica (Barbara Hershey) ex-bailarina, mãe de Nina; e o da ex-primeira bailarina Beth (Winona Ryder) bruscamente aposentada por Thomas no início do filme.

Mas essas tramas são afluentes do rio que realmente importa e sobre o qual quanto eu menos falar, melhor: a história de Nina, que por sua vez se confunde com o próprio enredo do balé Lago dos Cisnes. Tchaikovsky compôs Lago em 1875-76, inspirado numa série de lendas russas que por sua vez se baseavam em mitos germânicos ainda mais antigos. E, se continuarmos neste mergulho, vamos dar num arquétipo de quase todas as culturas: o da mulher-que-muda, a sereia, a selkie, a mulher-lobo, a mulher-garça. A possibilidade do outro, de habitar o outro, de ser a natureza selvagem.

Combinado com a rigorosa disciplina do balé, o mito adquire um poder imenso, que Aronofsly explora como gosta: num mergulho em queda livre, mas absolutamente controlada. Nina é feita prima ballerina, estreando no papel da Odette, a princesa encantada em cisne,  numa nova produção de Lago dos Cisnes “mais moderna, mais nua, mais sensual”,  nas palavras enfáticas de Thomas.

Responsabilidade, ansiedade e estresse são imensos. Como em toda montagem do Lago, Nina terá que dançar não apenas Odette mas sua arqui-rival, sua sombra, Odile, o Cisne Negro, que irrompe num furacão de jetés e fouettés en tournant no terço final do balé, toda paixão, impulso, inconsciente. Como em toda companhia, Nina tem uma bailarina alternativa, que aprende a coreografia para poder substitui-la em caso de necessidade _a mais jovem Lilly (Mila Kunis). E por aqui ficamos.

Como em O Lutador, Aronofsky escolhe um ponto de vista e permanece nele, disciplinado como um dançarino. Vivemos a jornada de Nina com ela, nas aulas, na barra, nos ensaios, nos espelhos, nos múltiplos , pequenos e precisos rituais do balé : as camadas de malhas, o preparo das sapatilhas, as dolorosas sessões de fisioterapia, os calos, as bolhas, os tombos, as equimoses.  É tortura, agonia e é êxtase, transcendência _  nunca, nem nos maravilhosos All That Jazz e The Red Shoes, eu vi um filme traduzir tão perfeitamente a experiência física, emocional e sensorial de dançar (nota pessoal: danço balé desde os 5 anos. Sou uma dedicadissima bailarina sem talento. Tem gente que corre, joga tênis, faz ioga. Eu danço balé.)

Aronofosky tem dois parceiros preciosos nesta formidável experiência sensual:  a fotografia de Matthew Libatique, que enquadra e se movimenta com a  inteligência do gesto repleto de controle e intenção, e a música de Clint Mansell, que parte de Tchaikovsky para um outro lugar mais sombrio, mais íntimo. O elenco está uniformemente excelente, com destaque para o rigor da abordagem de Natalie Portman, perfeita no entendimento profundo da  vertigem da perfeição (que me fez lembrar a peça Nijinsky,  o Palhaço de Deus).

É filme para não se perder, mas para se perder nele.

Cisne Negro estreia sexta feira dia 3 aqui nos EUA e 4 de fevereiro no Brasil. Em breve, matéria com entrevistas sobre os bastidores de Cisne Negro no UOL Cinema, e 15 minutos de papo com Darren Aronofsky, aqui.


Angelina Jolie, direto do set em Budapeste: “Nunca tive medo de ser diretora”
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Ana Maria Bahiana

Angelina Jolie no set, em Budapeste

Minha colega Aniko Navai teve, recentemente, um raro privilégio: foi a única jornalista convidada para visitar o set do projeto, ainda sem título, que Angelina Jolie escreveu e está dirigindo, em sua primeira investida atrás das câmeras, em locação no leste europeu. Há uma boa razão por Aniko ter sido escolhida: as filmagens estão, neste momento, em Budapeste, e ela é uma das mais respeitadas jornalistas da Hungria, e pessoa querida no meio de cinema, miutas vezes fazendo ponte entre o talento local e os mercados mundiais.

Por especial cortesia de Aniko, aqui vão trechos da entrevista _ que pode se lida na íntegra (e em inglês) aqui, no site do jornal Vasarnapi Hirek.

Um pouco de pano de fundo: Angelina escreveu o roteiro para o projeto, ainda sem nome, baseada , como ela explica aqui, em sua pesquisa sobre conflitos recentes. São várias histórias que se entrelaçam nas vésperas , durante e depois da guerra na Bósnia, nos anos 1990 . Em uma delas, uma mulher muçulmana e um homem sérvio tem um romance complicado, o que provocou tremenda controvérsia na Bósnia, onde Angelina planejava filmar.

A nova diretora não aborda a questão diretamente nesta conversa, mas garante que seu filme é sobre “a tentativa de manter a humanidade nas piores condições possíveis”.

O que lhe deu a ideia para a história?

_ Sempre tive uma enorme frustração com o tempo que demora para que haja uma intervenção  , para que se compreenda um conflito e o mundo dê assistência a quem precisa, e a informação correta chegue à comunidade internacional. Conheci tanta gente ao longo dos anos que esta história, de certa maneira, poderia se passar em qualquer lugar.

Em resumo, conhecemos duas pessoas na véspera da guerra e vemos o que suas vidas poderiam ter sido. Conhecemos os dois quando eles ssão jovens, cheios de esperança, como tantas outras vidas maravilhosas na Iugislávia, um povo único, incrível. E aí a guerra começa na Bosnia e vemos como as pessoas tentam se manter apegadas à sua humanidade mesmo vivendo dentro da guerra e testemunhando a morte de pessoas próximas, família, amigos…  Para mim a ideia central foi: é possível intervir de um modo a encurtar esse sofrimento? Veja Darfur, hoje _ isso se arrasta há anos!

O conflito na Iugoslávia tem uma longa história antes e depois da guerra….

_ É verdade. Eu precisei aprender muito. Começou como uma história simples mas, para leva-la adiante, eu vi que tinha que me educar. Fiz muita epsquisa. Assisti documentários e filmes, entrevistei especialistas e, no final, escolhi pessoas do lugar para o elenco e me sentei com eles para ouvir suas histórias, o que eles fizeram durante a guerra, como eles sobreviveram, o que suas famílias enfrentaram. Eles me ajudaram a completar a história. Há muitos lados diferentes neste conflito e no filme, e eles me disseram como cada um deles se sentiu. Tentamos criar uma voz coletiva.

Você sempre afirmou, com grande veemência, que seu projeto não era uma declaração política e sim uma história humana…

_Não é minha intenção fazer uma declaração política. Meu objetivo é falar com pessoas de todos os lados da sitiuação e permitir que eles tenham uma voz. Permitir que tudo seja expressado, seja crueldade, esperança, beleza, o que for.. Se você conta algo corretamente, não é mais o seu ponto de vista, é o ponto de vista deles.

Você ainda pretende filmar na Bósnia?

_Sim. Vamos à Bósnia. Qualquer pessoa contando uma história sobte um outro povo tem que ter a sensibilidade de saber que nunca será possível compreender inteiramente como o outro se sente. É preciso ser extremamente respeitoso e cuidadoso. Eu sei que eu e todas as pessoas da equipe, aqui, estão vendo o projeto da forma correta, com a perspectiva correta e a intenção de ser respeitoso. Eu amo tanto esta parte do mundo!

Já perdeu o medo de dirigir um filme?

_ Nunca tive… desde o primeiro dia amei a experiência tanto quanto sempre amei atuar. Há algo especial no trabalho de diretor _ você passa a conhecer a equipe e o elenco muito mais profundamente. Você realmente se torna parte de um time. Um ator participa das cenas, trabalha com outros atores. Mas como diretor você conhece todo mundo, a equipe de câmera, os eletricistas, os ajudantes, o departamento de arte… e trabalha com todos eles.


Fair Game: o jogo do poder é imundo, mas Naomi Watts é emocionante
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Ana Maria Bahiana

Naomi Watts e Sean Penn em Fair Game...

... e os verdadeiros Joe Wilson e Valerie Plame.

Em 2002, determinada a achar uma razão para invadir o Iraque, a administração W. Bush pressionava todas as agências de inteligência  dos EUA: elas tinham de qualquer maneira que achar  as tais armas de destruição em massa que estariam sendo preparadas desde os tempos de Bush, pai.  No esforço de descobrir o que, soube-se depois, não havia, a CIA despachou o ex-diplomata Joe Wilson, grande conhecedor da África sub-saariana, para o Níger, com a missão de confirmar a venda de um enorme volume de urânio para o Iraque. Wilson não achou coisa alguma e disse isso, com todas as letras, em seu relatório.

Quando, um ano depois, Bush, em seu discurso anual para o Congresso, afirmou que a venda tinha sido efetuada. Wilson – famoso por ter o pavio curto – escreveu um artigo para o New York Times que, já no título, tirava o tapete do presidente e sua turma: “O que eu não encontrei na África.”

Seis meses depois, um jornalista conservador e enturmado com a Casa Branca foi o porta voz do troco: um artigo no Washington Post no qual levantava dúvidas sobre o caráter e as intenções de Wilson e revelava que a mulher dele, Valerie Plame, não era a executiva de uma empresa de investimentos como até seus amigos mais íntimos pensavam e sim uma agente da CIA – que, não por acaso, também não conseguira “achar” as armas de destruição em massa no Iraque.

Esta rede federal de mentiras é o foco de Fair Game (Jogo de Poder, 14 de janeiro no Brasil), o filme de Doug Liman que estreou neste fim de semana nos EUA, em lançamento limitado). Liman é um diretor interessante: começou sua carreira com filmes super indie (Swingers, Go), escreveu a gramática do que viria a ser a triunfante franquia Bourne com o primeiro filme da série (do qual quase foi demitido) e criou Brangelina com Sr. e Sra Smith.

Em Fair Game Liman está a meio caminho entre o blockbuster de ação e o estudo de personagem do cinema independente. Operando ele mesmo a câmera (a digital Red) com a urgência de um documentário e trabalhando com o orçamento de 22 milhões, modesto para um filme desta categoria, com locações em vários países, Liman captura o espectador abrindo a trama com uma sequencia que  cairia bem num thriller de espionagem; e, depois, concentra-se no que realmente quer dizer: o quanto uma trama mentirosa a serviço da manutenção do poder fraciona a vida de um país, de uma sociedade e, no caso de Wilson e Plame, uma família.

É um filme sólido e emocionante, em grande parte por conta da maravilhosa interpretação de Naomi Watts como Plame.  Com um rosto que é uma paisagem emocional em movimento – coisa rara na era do botox- Naomi revela toda a complexidade e humanidade de um tipo de personagem- o espião- que no cinema, em geral, tem uma nota só, na linha “atire primeiro e faça perguntas depois”. Sean Penn é ótimo para papéis de figuras difíceis como Wilson, mas é a mistura de força e delicadeza que Naomi traz para sua Valerie que nos prende à tela, além das imundícies do poder.


Danny Boyle fala sobre 127 Horas: “É um thriller, um drama e não uma reflexão pastoral”
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Ana Maria Bahiana

Estréia amanhã aqui nos EUA  127 Horas, o novo filme de Danny Boyle  que, me  parece, bateu o recorde de O Exorcista em número de pessoas passando mal no cinema (e antes mesmo  de ir para o circuito comercial!).

Seria pena se 127 Horas entrasse na narrativa do cinema apenas como provedor de sustos e horrores – como o filme de William  Friedkin foi, no início. É um belo filme, uma jornada interior traduzida em imagens.

Achei que seria uma boa ocasião para deixar o próprio Danny Boyle falar _ Boyle passou feito um relâmpago por Los Angeles para promover a estréia norte americana de 127 Horas_ e depois, de volta a Londres onde está adiantado o desenvolvimento de mais um Extermínio (desta vez, 28 Months Later, e Boyle, além de produtor, quer pilotar a direção).

AVISO: se você realmente não sabe quem é Aron Ralston e o que aconteceu com ele em maio de 2003 – e que inspirou seu livro Between A Rock and A Hard Place e 127 Horas – você tem duas opções: se informar ou  ler esta entrevista sem entender muito bem o que estamos debatendo (porque, como disse antes, não vou ser eu quem vai contar…)

Você estava trabalhando nesse projeto há muito tempo?

_ Acompanhei o acidente de Aron pela mídia e li o livro dele. Mas foi quando conheci Aron em 2006  que senti que havia um filme ali. Conversei na época com Christian (o produtor Christian Colson, parceiro de Boyle em seus projetos) e ele não concordou. Queria fazer um documentário, e eu sempre quis fazer uma narrativa na primeira pessoa, uma experiência de imersão na jornada interior de Aron _ que, para mim, sempre foi o mais fascinante. Na minha cabeça o que eu queria era estar no canyon com ele, em seus pensamentos, suas alucinações… Escrevi uma sinopse e finalmente convenci Christian. E aí veio o sucesso de Quem Quer Ser Um Milionário e de repente algo que podia ser muito difícil se tornou possível…

Muita gente não teria a mesma visão que você. É um drama tão  individual, tão pessoal, um homem preso no fundo de um canyon…

_ Exatamente, por isso imediatamente eu vi uma narrativa completamente imersiva, em que as pessoas pudessem estar naquele canyon com ele e… sei que parece pretensioso mas.. eu vi que o único modo que a história poderia funcionar seria se o público pudesse, por assim dizer, ajudar Aron a fazer o que ele precisa fazer. Porque de outro modo…. Eu teria multidões saindo correndo do cinema, berrando “isso é insuportável, não consigo ver uma coisa assim!”..

Algumas pessoas estão passando mal mesmo assim…

_ Bom, não dava para não mostrar o momento que, nas palavras do próprio Aron, mudou e redefiniu a vida dele. Eu precisava honrar esse momento, a coragem dele. E não podia ser um segundinho e cortamos para ele fora do canyon. Na realidade ele levou 44 minutos fazendo o que fez. Era fundamental manter essa perspectiva e, mais uma vez, colocar o público junto com ele.

Como você escolheu James Franco para viver Aron Ralston? Fisicamente, não há muita semelhanca, pelo menos à primeira vista..

_ Mas há uma tremenda conexão emocional. James tem um tremendo senso de humor, e uma enorme capacidade dramática. É um espectro de desempenho muito vasto , ele pode nos levar ao drama e ao sofrimento e ao mesmo tempo ser um palhaço, brincar. Quando se passa um tempo com Aron você vê que ele é exatamente assim.

Você é uma pessoa que curte montanhismo, aventura, esportes radicais? A natureza é um grande personagem de 127 Horas.

_ Sou uma pessoa completamente urbana. Simon (Beaufroy, roteirista) é que gosta de escalada e acampamento. E foi por isso que pensei nele em primeiro lugar para fazer o roteiro comigo. Eu acho que, como espécie, nós, humanos, gostamos de estar juntos. Há algo no nosso DNA que nos compele a buscar uns aos outros e por isso estamos em geral aglomerados em cidades. Mas em toda tribo há os outsiders e na nossa, muitas vezes, são pessoas como Aron, que só se sentem realmente felizes sozinhos na natureza, e que, acho, nos desprezam um pouco.  Não pude deixar minha sensibilidade urbana de lado _ filmei 127 Horas com uma linguagem completamente urbana, dinâmica. Para mim é um thriller e um drama pessoal, não uma reflexão pastoral sobre a natureza.

127 Horas estréia dia 18 de fevereiro no Brasil. Volto a esta entrevista, com mais detalhes da produção, nessa época.


Último episódio da trilogia Frank Darabont: ”O poder do cinema fantástico é nos dar pesadelos sob controle”
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Ana Maria Bahiana

Darabont e parte de sua coleção, em seu escritório em Los Angeles

Nos episódios anteriores (posts dos dias 29 e 30/10) o diretor, roteirista e produtor Frank Darabont conta como nasceu e foi produzida  a série The Walking Dead, que  foi sucesso ontem aqui nos EUA e estreia amanhã, dia 2, no Brasil. Na terceira e última parte de nossa conversa, Darabont fala sobre seus pesadelos (estressantes), o estado de coisas no mundo e na indústria (aterrorizador), o eterno poder do medo na tela (sensacional) e como Guillermo del Toro e Alfonso Cuaron restauraram sua fé na humanidade e no cinema.

Qual é, na sua opinião, o tema central de The Walking Dead?

_ É uma jornada de um estado de perplexidade para a possibilidade de sobrevivência . E, finalmente, a perda gradual da inocência e da esperança.

Isso é terrível… seus zumbis estão dizendo, então, que a humanidade não tem saída, que jamais vamos conseguir consertar nossos erros?

_ Quando eu era mais jovem eu era mais otimista (ri). É fácil ser otimista na juventude. Quanto mais você vive, mais você vê como o jogo é sujo, como são cartas marcadas, e como a ganância é o motor de tudo. Mas, debaixo do meu profundo e horrível cinismo (ri mais ainda) ainda existe uma fagulha de otimismo. Senão… não valia a pena sair da cama, não é? Melhor fazer as malas e… (faz o gesto de dar um tiro na cabeça). Bum!

Com certeza eu amadureci muito ao ver, ao longo dos anos, como nossos sistemas políticos e financeiros são desesperadoramente corruptos, e como nossa espécie é desesperadoramente corrupta. É difícil achar nobreza no ser humano, acreditar na grandeza do espírito humano. Talvez em indivíduos, mas não no todo , em grupos, na espécie humana. Os zumbis são uma metáfora  clara para isso. A falta de racionalidade da espécie humana, e como somos perigosos, destruidores e estúpidos em grupos…

E qual o papel do cinema, nisso?

_ Eu já fui mais otimista quanto ao cinema, também… (ri) Hoje em dia eu vejo muito mais qualidade na televisão,  textos brilhantes, e, com certeza, temas adultos e complexos. Ouso dizer que os temas adultos e complexos, cada vez mais, vão ser privilégio da TV. É onde estão as oportunidades para abordar esses temas e contar essas histórias. Os filmes, hoje, não são tanto sobre as histórias e sim sobre a oportunidade de efeitos espetaculares. Veja bem, não tenho nada contra um filmão pipoca, adoro um  bom filmão pipoca, mas tem que ser bom, e não pode ser apenas pipoca… Fico triste pensando que, hoje, um filme como Um Dia de Cão (Sidney Lumet,  1975) talvez não conseguisse ser feito. A não ser na TV por assinatura.

Nenhuma esperança, então?

_ Na TV, com certeza, sim. Sou cada vez mais fã do que está se fazendo na TV. Battlestar Gallactica … demorei a descobrir essa série, mas quando vi, me apaixonei, comprei a caixa de DVDs e vi sem parar durante dias, trancado em casa. Sumi! E The WireDead Set… Mas tenho que admitir uma coisa: quando estou no meu pior pessimismo lá vem um filme ou dois que restauram minha fé. Aquele ano que teve O Labirinto do Fauno e Filhos da Esperança… fiquei empolgadíssimo. Ainda havia cinema! O cinema ainda era capaz de comover, contar histórias, fazer metáforas, abordar temas profundos! Fiquei imensamente grato a Guillermo del Toro e Alfonso Cuaron por restaurarem minha esperança.

O que aconteceu com seu projeto de refilmar Fahrenheit 451?

_ Não consigo  fazer, não é? Não consigo financiar. Mas não desisti.  E uma coisa tenho que dizer: Mel Gibson, que estava envolvido no projeto como diretor, graciosamente passou-o de volta para mim. Isso é muito raro nesta indústria, onde as pessoas se agarram aos projetos o quanto podem. Não sei o que está acontecendo com Mel estes dias mas, comgo, ele sempre foi corretíssimo.

Dos seus filmes, qual é o seu favorito?

_ Boa pergunta…  Um Sonho de Liberdade, é claro, tem toda uma carga, ganhou uma dimensão muito maior do que eu esperava. Mas adoro O Nevoeiro. É um filme raivoso, furioso. Eu estava furioso, muito frustrado, com raiva de tudo. E consegui por isso na tela de um modo muito bacana.

E entre os filmes dos outros?

_Ih, tem tantos…. Todos os de Frank Capra e Billy Wilder, para começar. Noite dos Mortos Vivos, de George Romero que me apavora até hoje e é um filme ousadíssimo  para seu tempo _ um negro é o líder! Em 1968!  E os monstros somos nós mesmos, nos devorando…E minha paixão, Frankenstein, o livro de Mary Shelley e o filme de David Whale. É a história mais potente que já foi contada, na minha opinião. Como uma garota de 18 anos pode ter escrito algo assim? Para mim é a história do drama essencial da humanidade em busca de Deus, do Criador, e perguntando a Êle: quem eu sou? Por que você me criou? Qual a minha finalidade?  E também é uma história sobre pais e filhos, e sobre uma criança, uma criatura-criança, maltratada e abandonada por seu pai.

Esse, para mim, é o poder do cinema, e principalmente do cinema de terror e de fantasia – nos proporcionar pesadelos sob controle, dos quais sabemos que vamos acordar e tudo vai estar bem, lá fora. E, dessa forma, podermos meditar e ter a experiência de nossas questões mais profundas.

Você tem pesadelos?

_ Não muitos. Em geral, antes de começar um filme, tenho pesadelos de ansiedade. Ele vão embora no set. Quando começo a filmar está tudo bem. Tenho também um pesadelo recorrente, desde a adolescência: que matei uma pessoa e enterrei no jardim da minha casa…. (Darabont fica quieto por um tempo, depois começa a rir) Ei! Vai ver que é aquele que está lá no jardim!

Fotos: Theo Kingma e Two Productions/AMC