Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Bravura Indômita

As desventuras de Melissa Leo revelam um pouco do avesso das campanhas
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Ana Maria Bahiana

Qual a diferença entre este anúncio…

...e este?

A duas semanas dos Oscars, a disputa continua em aberto. E a grande pergunta na cabeça de todo mundo é: o que Melissa Leo estava pensando?

Para quem perdeu esse capítulo da emocionante novela do Oscar 2011, aqui vai um resumo: há uma semana um par de anúncios de página inteira apareceu nos trades, os jornais especializados da indústria. Neles, Melissa aparecia em trajes de gala, com uma palavra através da página: “Consider” (considere).

Era claramente um pedido de voto, mas, pela etiqueta da campanha, absolutamente bizarro, embora permitido.

Entre as muitas nebulosidades (ouso dizer hipocrisias?) das batalhas por uma estatueta, a questão da auto-promoção é das mais delicadas. Pelas regras da Academia,  tudo é permitido desde que não ataque diretamente os concorrentes ou envolva presentes ou mordomias ligados aos filmes. Notem que pedidos diretos de votos, feitos sem ataque e sem mimos, são permitidos, assim como brindes e mordomias não diretamente ligados aos filmes _ o que enche a cidade, nesta época do ano, de “gifting suites”, com farta distribuição de todo tipo de artigo de luxo, de bebidas a jóias, para indicados, suas equipes, seus amigos e seus estúdios, na esperança de que esses formadores de opinião usem os produtos em público ou pelo menos falem deles.

Mas voltemos às campanhas e a Melissa.  Ligar para seus amigos e para os amigos de amigos; conversar com todo mundo que pertence à Academia ou é esposo/esposa, parente ou associado de um acadêmico; lembrar favores passados; prometer favores futuros; ter vontades súbitas de oferecer almoços e jantares de congraçamento; enviar emails pessoais; perguntar pela saúde e bem estar de tias, primos, avós, bebês recém-nascidos  de acadêmicos ou mesmo envar cartões, flores e mimos com o mesmo objetivo; se oferecer para passear o cachorrinho ou tomar conta do gato de acadêmicos _ tudo isso é permitido. Mais que isso: é o pão com manteiga de uma campanha.

Gastar cerca de 18 mil dólares por uma página no Variety com um anúncio pedindo votos é, na verdade, tão corriqueiro que ninguém notaria. A não ser por uma coisa: não se tratava dos produtores ou distribuidores de O Vencedor que estavam pedindo consideração para Melissa Leo. Também não era seu agente ou empresário. Era ela mesma. Isso é permitido? É. Mas, como me disse um votante, “é de mau gosto, e parece desespero. E você sabe como esta cidade tem repulsa ao desespero.”

É verdade. Não vamos nos deter sobre a questão do “mau gosto”, algo inteiramente discutível  nesta indústria. Fiquemos no item “desespero”: de fato, este  é o repelente mais eficiente desta terra. Um dos elementos mais cruéis do jogo do sucesso, aqui, é exatamente esse: quanto mais alguém está querendo ou precisando de algo, menos ela e ou ele tem que aparentar que está querendo ou precisando.  O mistério número um, no caso, é que, depois de suas vitórias nos Globos de Ouro e na SAG, Melissa não precisava querer nada _ ela já era a favorita na categoria melhor atriz coadjuvante por seu trabalho como a mãe autoritária e superprotetora dos irmãos Mark Wahlberg e Christian Bale em O Vencedor.

Resta a teoria da pura ingenuidade, que é a linha que Melissa Leo está adotando, agora. Numa entrevista para  Marie Claire, Leo garantiu que “não sabe nada” sobre Oscar e campanhas para o Oscar, e que pensou que os anúncios eram “uma boa ideia”. Isso seria plenamente aceitável se ela não tivesse uma carreira de 20 anos  na TV e no cinema, e se, na mesma entrevista, não dissesse que Amy Adams, que também está indicada como coajuvante por O Vencedor, mas que até agora não ganhou nada, “tem uma certa inveja”; que Helena Bonham Carter lhe deu “empurrões” durante o almoço dos indicados; e que Hailee Steinfeld, a segunda favorita na categoria, está “cafetinando” sua indicação.

Resultado: Hailee está agora na pole position entre as atrizes coadjuvantes, por Bravura Indômita.

E a lição da semana é: se você for indicada e quiser gastar dinheiro, contrate primeiro um assessor de imprensa/estrategista.

Adendo importante: por que Melissa Leo não usou fotos dela no filme? Teria sido mais eficiente?

Teria. Mas ela não tem o direito de uso dessas imagens. Quem tem é o distribuidor. E aí temos outro nó: a decisão de quem, num filme, deve receber atenção nas campanhas públicas, com anúncios, folhetos, convites, etc cabe a ele, o distribuidor. Muita briga rola por causa disso. Melissa pode ter-se sentido não prestigiada com anúncios pagos pelo distribuidor, com cenas do filme, e partido para o ataque por conta própria. Grande erro, como se viu.


Tron, o Legado e Bravura Indômita: dose dupla de Jeff Bridges
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Ana Maria Bahiana

Porque o fim de semana já está aí e, com ele, o lançamento mundial de Tron-O Legado, que tal uma dose dupla de Jeff Bridges, ator que prova o quanto viver muito e bem pode ser produtivo?

Comecemos por Tron, já que vocês podem conferir agora mesmo esta nova iteração do filme cult de 1982. Muitos fatores tornaram Legado um dos filmes mais esperados do ano _ principalmente o carinho de algumas gerações criadas à sombra do filme original, uma obra bizarra conceitualmente muito à frente de seu tempo.

Imaginar o que os recursos atuais da tecnologia podiam fazer com o universo virtual de Tron já seriam o bastante para fazer qualquer fã salivar; mas ainda havia promessa de uma dose dupla de Jeff Bridges, uma trilha pelo Daft Punk e a presença da super hot Olivia Wilde, sem falar nos  sucessivos  “aperitivos” servidos nas últimas Comic Con.

O Tron de 1982 sempre me intrigou  e fascinou mais do que agradou: me parecia uma ideia em busca de uma forma, um pressentimento, uma mensagem enviada pelo futuro do mesmo modo como,  dois anos depois, William Gibson psicografaria o século 21 em seu livro Neuromancer, a definitiva obra prima da era digital.

Consta que a Disney, produtora de Tron e detentora dos direitos, tinha vergonha de sua obra, o que explica os anos e anos de desenvolvimento do projeto, o sumiço das cópias do DVD do mercado e, finalmente, o mega-esforço do futuro diretor Joseph Kosinski e sua turma de efeitos visuais demostrando, num teaser, que era possível levar a história adiante.

Fãs do filme original não ficarão decepcionados com Legado _ é uma tremenda viagem visual por uma paisagem gelada e noturna, com impecável 3D original (nada de conversões aqui), espetacular direção de arte e a plena realização de algumas das ideias enunciadas em 1982 _ a perseguição de moto, por exemplo, agora de fato uma disputa em alta velocidade, com o espectador no meio. E, sim, duas (ou tres…) vezes Jeff Bridges: no mundo real e virtual, como o pai do herói Sam Flynn (Garrett Heldlund, possivelmente o ator menos carismático que já vi); e como seu avatar virtual, o programa Clu, rejuvenescido graças à mesma plástica digital que envelheceu Brad Pitt em Benjamin Button.

Meu único conselho: não levem a história a sério. Mesmo com longos diálogos expositivos para explicar como Flynn , Sênior foi parar na grid e o que fez por lá nos últimos 20 e tantos anos, qualquer tentativa de acompanhar literalmente a possível metáfora do mundo virtual ou descobrir o que Olivia Wilde é e que diabos Michael Sheen está fazendo fantasiado de David Bowie circa 1972 resulta apenas em uma tremenda dor de cabeça.

Abracem Tron-O Legado como uma experiência sensorial não muito diferente de um bom videogame _ ou, como me lembrou um tronólogo e cinéfilo mega-erudito, não muito diferente de Enter the Void, de Gaspar Noé.

E sim, a trilha , nos momentos em que o Daft Punk resolve se levar a sério , se parece perigosamente com a de Hans Zimmer para Inception. Mas quando eles se entregam a uma versão atualizada do electro-prog dos anos 80, é deliciosa (prestem atenção: são eles na cabine do DJ na cena do clube, mudando o som da pista para acomodar a iminente porradaria).

Bravura Indômita, dos irmãos Coen, também é uma refeitura muitos e muitos anos depois _ o original , dirigido por Henry Hathway, é de 1969 e rendeu a John Wayne o Oscar de melhor ator em 1970. Para seu filme Joel e Ethan Coen, na verdade, passaram consideravelmente ao largo do filme e retornaram ao texto original do livro de Charles Portis, publicado em 1968 e um clássico das  obras western.

Coisas importantes foram corrigidas com essa mudança de curso: a voz do filme, no sentido literal e figurativo, voltou a ser da menina Mattie Ross (a sensacional estreante Haillee Steinfeld, justamente lembrada nas indicações da Screen Actors Guild) e não do xerife “Rooster” Cogburn (Wayne  no original. Jeff Bridges, genial, aqui); a paisagem, física e emocional, saiu do épico Colorado do filme de 1969 e retornou ao mundo muito mais árido e desnudo do Arkansas/Oklahoma do livro.

Mais importante: todo verniz de sentimentalismo e qualquer tentativa de açucarar a trama foram eliminados. Como no livro, Mattie não flerta com o xerife texano (Matt Damon, ótimo) que se incorpora à patrulha em busca do assassino do pai dela; a picada de cobra do ato final tem todas as suas implicações sinistras e irremediáveis; e a linguagem mantem o estilo ao mesmo tempo formal e cru de Portis, acrescido do famoso humor dos Coens.

O resultado é um filme muito superior ao original, onde espíritos igualmente  ácidos – os Coens, Portis – se encontram para contar a história da menina de 14 anos que contrata um xerife em fim de carreira, bêbado,caolho e cheio de fantasmas interiores, para vingar o assassinato do pai.  Isto  é puro drama do oeste: como, num território sem contrato social e sem leis, a única bússola possível são os princípios morais de cada um.

Lamento que os executivos da Paramount tenham, por razões que ignoro, escondido o filme, o que pode ter resultado no seu sumiço dos (esquisitíssimos) Globos. Mereciam que Rooster saísse atrás deles, rédeas nos dentes, um revólver em cada mão.

Bravura Indômita estreia nos EUA quarta feira que vem dia 22; e no Brasil dia 21 de janeiro.


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