Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : The Killing

Começar de novo: as novas temporadas de Arrested Development, The Killing
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Ana Maria Bahiana

 

A máxima “ não existem segundos atos em vidas americanas” (do escritor da hora, F. Scott Fitzgerald) não tem muita tração no mundo do entretenimento. Julgando pelas ofertas da temporada-pipoca, quase todos os títulos são segundos  atos(ou terceiros, ou até sextos, como Velozes e Furiosos) ou reboots ou segundos atos de reboots.

Melhor citar o químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada de perde, tudo se transforma.”

Nos domínios de TV e companhia, isso nunca foi tão verdadeiro.

 Arrested Development, a série super cult criada por Mitchell Hurwitz em 2003, foi cancelada pela Fox em 2006, depois de três temporadas premiadas, aclamadas pela crítica mas fracas de audiência. A Imagine de Ron Howard e Brian Grazer, produtora da série, tentou durante anos, transformar Arrested em filme (algo mencionado até nos últimos momentos do último episódio da terceira temporada), sem sucesso.

Corte rápido para o admirável mundo novo o conteúdo on demand, onde empresas que, dez anos atrás, ou não existiam ou eram meras locadoras/vendedoras de produtos alheios – Netflix, Amazon, YouTube—tornaram-se os novos mini-estúdios, a continuação da revolução da TV por assinatura dos anos 1980.

O filme não veio, mas a quarta temporada de Arrested Development estreou na Netflix neste domingo passado, com o mesmo formato de House of Cards, sua antecessora no departamento conteúdo original: todos os 15 episódios  disponíveis ao mesmo tempo, em todos os principais mercados (inclusive o Brasil), esperando que os fãs dediquem o maior tempo possível à série, vendo todos os episódios em seguida (e assim, de certa forma, criando eles mesmos o filme que não chegou a ser produzido.)

Vocês viram? E, se viram, viram assim?

Eu, que sou fã da série original, achei difícil emendar os 15 episódios. Há algo no humor de Hurwitz, veloz, sarcástico, satírico, denso, que pede uma pausa digestiva entre uma dose e outra. Por exemplo: a narração off de Ron Howard, perfeita em um episódio, talvez dois, torna-se quase insuportável se consumida sem pausa, seguidamente.

Fora isso, entendo e não entendo por que os críticos daqui torceram o nariz para esta nova temporada. Entendo porque, a esta altura, e com uma pausa de sete anos no meio, o frescor da novidade se foi; o tom pseudo realista/ totalmente absurdista de Arrested foi incorporado em doses diversas em outras séries; muitos de seus atores subiram em status e popularidade – Michael Cera, Jason Bateman, Will Arnett, Portia de Rossi.

Não entendo porque Arrested Development continua muito, completa, ferozmente engraçada, exata na compreensão dos modos e costumes dos Estados Unidos no século 21 e – o que para mim foi o melhor achado – incorporando na trama os sete anos de sua ausência, e tudo o que aconteceu neles.

Para uma série cujo ponto de partida foi profético – a queda iminente de um mercado imobiliário hiper inflacionado – a crise financeira de 2008 é um prato cheio do qual Hurwitz se serve fartamente. Não quero estragar a alegria de quem ainda vai curtir esta quarta temporada, mas entre os negócios de Michael (Jason Bateman), o julgamento de Lucille (Jessica Walter), as explorações místicas de George (Jeffrey Tambor) e as ambições do casal Lindsay-Tobias (Portia de Rossi. David Cross) a derrubada do poderio econômico norte americano está amplamente explicado – e nós podemos rir muito com ele.

 

A situação de The Killing é diferente. A série começou muito bem no AMC, traduzindo com impacto o clima sombrio e existencial do original dinamarquês. E então, no último episódio da primeira temporada, pisou na bola ao negar à plateia a resolução do caso que tinha sido o gancho de todos os episódios. A segunda temporada arrastou-se à sombra desse passo em falso, eclipsando tudo de bom e promissor com que a série tinha acenado.

O cancelamento, inevitável, veio logo. Mas…

Pensando na possibilidade de ainda haver alguém interessado nos poderes investigativos de Sarah Linden (Mireille Enos) e Stephen Holder (Joel Kinnaman), AMC, Fox e (olha ela aqui de novo) Netflix se uniram para, somando recursos de produção e distribuição, bancar o experimento de criar não um segundo, mas um terceiro ato para a série.

A estreia é neste domingo, dia 2 de junho, mas vi o episódio duplo de estreia e não me decepcionei. The Killing voltou ao ponto de partida, reapresentando Sarah, Holden e seu mundo, algum tempo depois dos acontecimentos das duas primeira temporadas. Holden foi promovido, Sarah foi demitida. Ambos tem novos companheiros, novas vidas mas, aparentemente, os mesmos fantasmas interiores de antes. Uma menina de rua aparece assassinada. É o bastante para abrir os porões da memória de Sarah.

O risco de tecer uma nova temporada com as mesmas pistas falsas e becos sem saída da primeira ainda é alto, mas achei encorajadora a coerência do perfil dos personagens, e o surgimento de um vilão capaz de dar aulas de como ser sinistro a todos os seus colegas atualmente na telinha: Ray Seward, um assassino condenado à morte, interpretado por  Peter Sarsgaard com uma precisão apavorante.

Agora é ver o que vão fazer com tudo isso..


A loucura da compaixão e outras lições dos finais de The Killing e Jogo de Tronos
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Ana Maria Bahiana

 

Duas séries importantes deste primeiro semestre encerraram suas temporadas de estréia ontem, com resultados bem diferentes: uma, The Killing, me deixou extremamente frustrada; a outra, Jogo de Tronos,  confirmou os altos padrões de concepção e execução que são sinônimos da HBO.

The Killing sofreu do mesmo problema que assombrou outra série da AMC, Rubicon: uma promessa constante de grandes mistérios e revelações que , no final, não se sustenta. A maioria das séries deste nível é planejada minuciosamente antes do início das filmagens, mas os primeiros 13 episodios de The Killing pareciam, muitas vezes, uma improvisação livre em torno do tema “quem matou Rosie Larsen?”

Vamos dar pontos positivos ao desenvolvimento dos personagens que o ritmo da série possibilitou: é raro ver, na TV, as reais consequências, sobre toda a familia, de uma morte súbita e violenta. E mais pontos pelo clima noir-com-chuva, não visto na telinha desde os tempos de Twin Peaks, de saudosa memória.

Mas eu achei o final uma bela tirada de tapete, vocês não concordam? Mais uma falsa resolução, mais um mistério encaixado na última hora, mais um gancho para ver se é possível prender a atenção do público até a segunda temporada. Para mim não funcionou, pareceu coisa feita sem pensar, sem planejar, sem honrar os compromissos com o espectador que já havia investido tanto nas promessas da série.

Jogo de Tronos é uma outra criatura. Um elemento poderoso que narrativas de época, fantasia e ficção científica tem em comum é a capacidade de comentar assuntos extremamente atuais e difíceis deslocando-os para outro lugar ou tempo. Ao colocar sua desenfreada luta pelo poder num universo  fictício, George R.R. Martin nos permite participar, sem sentir, de uma profunda reflexão sobre a natureza humana e seus diversos tombos e topadas no caminho evolutivo.

No mundo de Westeros, situado mais ou menos no equivalenea ao final da nossa idade média, os Sete Reinos tem um certo verniz de civilização: há reis e conselheiros, cavaleiros, professores, estradas e uma engenharia sofisticada o suficiente para construir um gigantesco muro como defesa contra o que sempre tememos – os outros, os que não-são-nós.

No mundo de Essos ainda estamos a poucos passos dos primatas que fomos, e a força bruta é energia predominante: o Khal que não mais pode cavalgar não mais pode liderar; a horda que estupra e escraviza está fazendo “um favor” aos vencidos.

Em ambos, contudo, o ser humano ainda não evoluiu para um plano onde questões morais mais complexas e delicadas possam ser exercitadas.  Em Essos, ao salvar a vida da feiticeira Mirri Maz Duur (Mia Soteriu), Daenerys (Emilia Clarke) tenta exercer a rara arte da compaixão _ o que, como se vê no capítulo final, leva a uma sucessão de tragédias e à pergunta-chave: “Do que você me salvou?”

Em Westeros, visitando o prisoneiro Ned Stark (Sean Bean) no episodio 9, Varys (Conleth Hill), o mestre dos espiões, chama de “loucura” a compaixão que  levou o desgraçado primeiro ministro  a comunicar à rainha Cersei (Lena Headey) a descoberta de sua longa conspiração_ causando, assim, a morte do rei Robert (Mark Addy) e, finalmente, a sua própria.

Seguindo fielmente o primeiro volume da série Uma Canção de Gelo e Fogo – com pequenas alterações que, na verdade, facilitaram a compreensão da história – os roetiristas David Benioff e David B Weiss mantiveram o foco nessa profunda discussão moral que é a essência da saga. Porque estamos num mundo claramente imaginado, as questões podem ser apresentadas assim, de modo puro, sem firulas.

E mantendo sempre seu poder como entretenimento, amplificado por magníficas interpretações (Peter Dinklage como Tyrion Lannister é meu favorito) e por valores de produção de tela grande.

Foram 10 ótimos episódios para responder à pergunta da estréia da série – “você sabe por que está morrendo?” – e nos deixar com água na boca para a segunda temporada, no primeiro semestre de 2012.

Eu só ainda não gosto nas perucas.

E vocês, o que acham?

 


Primavera de sangue: paixão, crime, ambição e poder na nova temporada da TV
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Ana Maria Bahiana

Nem só de Mildred Pierce vive a safra 2011 da TV. Alguns destaques do que está no ar nesta primavera norte-americana:

The Borgias (Showtime, no ar nos EUA desde 3 de abril) – O sucesso de The Tudors animou a Showtime a investir nas séries de época, e o canal pago parece ter um xodó especial por linhagens poderosíssimas, cruéis e sexy –  uma combinação irresistível.  Os Borgias, a família de origem espanhola que se apossou de Roma no final do século 15 e se tornou sinônimo tanto de desmedida ambição quando de especial cuidado com as artes, são  sucessores mais que dignos das tramóias de Henrique VIII. Crédito especial para Neil Jordan, que escreveu e dirigiu os dois primeiros episódios, dando o tom para série como um estudo sobre a ambição e a banalidade do mal. Michael Hirst, que se tornou uma espécie de faz-tudo do drama histórico na TV (Tudors, Camelot) e no cinema (Elizabeth, Elizabeth: A era de ouro), segue no mesmo tom, mas o grande, enorme prazer da série é ver Jeremy Irons como o Papa Alexandre, com suas amantes, filhos, altos esquemas políticos, seduções de confessionário e limitada paciência com a mediocridade alheia.

The Killing (AMC, no ar no EUA desde 3 de abril) – Chove o tempo todo. Há florestas silenciosas e enevoadas, e um carro suspenso em câmera lenta, ao entardecer, do fundo de um lago, lindo e terrível. O clima é totalmente Twin Peaks nesta adaptação da mini-série dinamarquesa Fobrydelsen ( 2007), filmada em Vancouver mas teoricamente situada na vizinha Seattle.  Mireille Enos, que vem de vários pequenos papéis em filmes e séries e um desempenho mais substancial em Big Love, é a detetive de homicídios Sarah Linden, que, no último dia de trabalho (ela vai se casar e se mudar para a ensolarada Sonoma, California) tem que resolver o desaparecimento de uma adolescente. Cada episodio é um dia da investigação, e o clima não tem a exposição desenfreada e a necessidade de arrumar e explicar tudo dos CSIs da vida. A AMC apanhou muito com uma outra série cerebral como esta, Rubicon, mas The Killing, embaixo de seu verniz gelado, pulsa de emoção e humanidade.

Camelot (Starz, no ar desde 25 de fevereiro). O mito do Rei Artur é uma especie de template onde cada década e realizador coloca sua marca, ideologia, ponto de vista. Acho que poucas histórias podem ser contadas de tantos modos diferentes e permanecer, essencialmente, a mesma história: a do garoto que não queria ser rei mas acaba criando um país. Na estreia da GK TV – braço televisivo da produtora de Graham King, o melhor amigo de Martin Scorsese – Arthur (Jamie Campbell Bower) é um adolescente meio bobão, um peão no jogo pelo poder articulado por Merlin (Joseph Fiennes) , que se parece menos mago e mais um consiglieri da Mafia se a Mafia existisse nas ilhas britânicas do começo da idade media. A narrativa é meio gaga,  os figurinos são metidos a modernosos, e há diálogos irritantemente contemporâneos, cheios de “ok” e “fantastic”, mas Eva Green como uma linda, poderosa e astuta Morgan compensa quase tudo.

Game of Thrones (HBO, estreia 17 de abril) A HBO entra no território da fantasia jogando alto com esta ambiciosa adaptação do primeiro volume da cultuada saga A Song of Ice and Fire , de George R.R. Martin. Martin, que foi roteirista de TV  (Além da Imaginação, entre outros) antes de se dedicar aos livros, fez basicamente uma variação da história européia dos séculos 13 a 14, quando linhagens e reinos se matavam pelo controle de terras que, muitas vezes, mal eram países. Colocando suas intermináveis disputas num continente ficticio, Westeros, onde invernos e verões podem durar décadas, Martin permitiu que a história, transformada em lenda, pudesse ressaltar não os feitos heróicos, mas as fraquezas e os dramas de ser humano. David Benioff e Dan Weiss, roteiristas e escritores de ficção, fazem um trabalho monumental e perfeito adaptando o texto de Martin, e um grupo sólido de atores britânicos, liderados por Sean Bean como Lord Ned Stark, dá completa credibilidade a esta história de paixões e traições. Algumas perucas podiam ser melhores, mas a trama é tão boa que a gente releva.


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