Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Leonardo Di Caprio

Pelos intestinos de Wall Street, guiados pelo Lobo.
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Ana Maria Bahiana

Esta foi minha resenha de O Lobo de Wall Street para o programa Just Seen It, da rede PBS.

Para facilitar, a tradução da resenha que está no site do programa… Divirtam-se!

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Retornando ao territorio que explorou em Os Bons Companheiros e Cassino -um grupo de homens unido pela mais profunda cumplicidade fazem, juntos, uma jornada sinistra por baixezas cada vez maiores – Martin Scorsese está no topo de sua forma com O Lobo de Wall Street, uma comédia super-hiper-negra sobre a era da ganância desenfreada em Wall Street.

Baseado na autobiografia homônima  de Jordan Belfort, o Lobo aborda um período de abusos de todos os tipos com a absoluta falta de respeito que o tema amplamente merece. Nada da solenidade trágica com que Oliver Stone tratou o mesmo assunto em Wall Street, ou a sensação de huis clos e vazio existencial de J. C. Chandor em Margin Call. Scorsese tem exatamente o pudor que o tema merece, ou seja, nenhum : seus anti-heróis são um bando de vira-latas sarnentos que se vêem elevados a lobos (graças a uma matéria da Forbes que é para ser crítica, mas tem o resultado oposto).

Do entretenimento circense envolvendo pessoas de baixa estatura à sensacional sequência em que Belfort (um desempenho espetacular de Leonardo di Caprio ) enfrenta uma overdose literalmente paralisante de mandrix, o Lobo dispara a toda velocidade , sem remorso, às gargalhadas, pelos intestinos do sórdido negócio de enganar trouxas e vender papel enquanto (nas palavras do mentor de Belfort, uma ponta sensacional de Matthew McConaughey) “se tira o dinheiro do  bolso do cliente e se põe no nosso bolso”.

Um conselho, aliás, que Jordan e sua turma  – um grupo de atores  dando o melhor de si, liderado por Jonah Hill num desempenho de primeira – seguem à risca, saltitando de fraude e roubo a orgias regadas a drogas a grande golpes financeiros sem sequer piscar.

Um roteiro impecável de Terence Winter (Sopranos, Boardwalk Empire), a fotografia incandescente de Rodrigo Prieto e mais uma montagem absolutamente precisa de Thelma Schoonmaker (lembrem-se de que Thelma e Marty editam levando o conteúdo emocional da cena em conta em primeiro lugar…) completam um filme imperdível, uma verdadeira festa de cinema (embora com um travo amargo).

Nota 1: com 165 minutos de duração, o Lobo é longo. Mas… que cena você cortaria?

Nota 2: conseguiu achar os três colegas diretores que Marty colocou diante da câmera?

 

 


Todo aquele jazz: O Grande Gatsby, sonho de uma tarde de verão de Baz Luhrmann
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Ana Maria Bahiana

Depois de ler as críticas negativas, mordazes ou simplesmente furiosas, dos colegas norte-americanos, fiquei positivamente intrigada: será que eles viram o mesmo Grande Gatsby que eu vi? Porque embora não seja o filme mais sensacional do ano (esse ainda não apareceu, mas tenho fé em Cannes…) ele não é de jeito nenhum o horror que os críticos americanos estão desenhando.

Pensando bem, acho que compreendo a reação local. Em primeiro lugar, a obra de F. Scott Fizgerald é um monstro sagrado da literatura norte-americana, lida desde o ginásio, entranhada profundamente na cultura do país. Em segundo lugar, nenhuma das três adaptações anteriores – em 1926, 1949 e a que todos os críticos recordam como um monumento de chatura, em 1974 (escrita por Coppola, dirigida por Jack Clayton, estrelada por Robert Redford) –foi bem sucedida, criando a fama de “obra inadaptável”.

Há dois modos de se tratar um monstro sagrado de má reputação: com extrema cautela e reverência, ou com ousadia e risco. Eu fico muito feliz que Baz Luhrmann, que não é americano (como aliás não eram dois dos três diretores anteriores…) tenha, ao contrário  de seus antecessores, escolhido a segunda opção. Se reverência não deu certo, por que não tentar a irreverência?

Neste momento é bom notar que irreverência não significa  necessariamente falta de respeito. Luhrmann e seu roteirista Craig Pearce (seu colaborador em Vem Dançar Comigo, Romeu +Julieta e Moulin Rouge!) têm tamanha paixão pelo texto original que o colocam literalmente como um elemento de cena. É um grafismo repleto de amor que muitos críticos aqui consideraram “ridículo”, mas que funciona de um modo especialmente dramático, porque Gatsby é, desde o livro, uma história contada por alguém que acaba se tornando escritor por acaso – Nick Carraway, o alter ego de Fitzgerald, vivido no filme, na medida exata, por Tobey Maguire. Aqui as palavras têm, portanto, tanta importância quanto em, digamos, As Mil e Uma Noites. O conto é a pessoa que o conta.

As “liberdades” que Luhrmann tomou com a obra foram essencialmente duas: mudar o recurso narrativo que emoldura a história e praticar seu habitual anacronismo consciente na trilha sonora e na estética do filme.

A primeira não me pareceu nem necessária, nem oportuna. Luhrmann colocou Nick Carraway num sanatório, escrevendo um diário terapêutico sobre seu verão de excessos em Long island, 1922. Não consigo ver como isso adicionou ou iluminou alguma coisa no já complexo e luminoso texto de Fitzgerald.

A segunda é uma delícia, e onde a irreverência de Luhrmann se revela com mais energia e genialidade. Ao alinhavar hip hop e charleston, jazz e pop, mover sua câmera nervosamente (em impecável 3 D, que usa amplamente os recursos dramáticos da terceira dimensão) e montar ao ritmo das emoções, Luhrmann traduziu, para mim, a intensidade dos anos 1920, a embriaguez de um capitalismo absolutamente selvagem, energizado por dinheiro fácil, cocaína, álcool proibido mas abundante, lei e fora da lei se confundindo num abraço positivamente erótico.

Com esse turbilhão em volta, é mais fácil compreender as três ilhas de quietude no centro do furacão, cada uma delas aprisionada, e portanto imóvel, pelas escolhas que fez: Nick, o narrador passivo que pode não estar entendendo nada ou pode estar entendendo mais do que admite (o conto é a pessoa que o conta…). Seu vizinho Gatsby (Leonardo Di Caprio, absolutamente sensacional), o jovem  novo-milionário de passado misterioso, um personagem numa história que ele mesmo criou; e Daisy (Carey Mulligan, perfeita), a moça de alta sociedade que é a obsessão dele.

O gosto de Luhrmann é extremo e, sim, dependendo do ponto de vista, pode flertar com o mau gosto. Mas o mundo de Gatsby é um mundo de excesso, de vulgaridade, e as escolhas de Luhrmann só fazem acentuar este delírio do consumo extremo, claramente informado pela outra crise da bolsa norte-americana, a de 2008.

Quando, a partir do segundo ato, Luhrmann acalma sua narrativa, revela-se a outra turbina de Gatsby : seus extraordinários atores. DiCaprio em especial está absolutamente no controle de sua persona e de seu personagem, enchendo a tela com a mistura de carisma e fragilidade que é a assinatura do verdadeiro movie star.

Uma gratíssima supresa é Joel Edgerton como Tom, o marido sangue-azul de Daisy, um papel que passou por Ben Affleck e Bradley Cooper até chegar a ele. Ainda bem: a truculência que Edgerton usou de forma tão literal em Guerreiro e A Hora Mais Escura traduz-se aqui em uma ameaça mais sutil e talvez ainda mais potente, o poder do dinheiro antigo, da arrogância dos bem-nascidos, a atitude de dono de tudo e de todos.

O desempenho de Carey Mulligan é exemplar: sua Daisy não é inteiramente uma pessoa de carne e osso, mas o produto da fantasia dos homens à  sua volta- Gatsby, obcecado por ela; Tom, que se considera seu dono; e Nick, que conta a história e, portanto, tem o poder de editar seus próprios sentimentos. Luhrmann dá a dica logo na primeira cena de Daisy: ela emerge, diáfana, uma mão, um braço, um suspiro entre as cortinas esvoaçantes, o sonho de uma tarde de verão.

 O Grande Gatsby está em cartaz nos Estados Unidos, abre hoje o Festival de Cannes e estréia no Brasil dia 7 de junho.

 

 

 

 


Túnel do tempo: retrato das estrelas quando jovens
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Ana Maria Bahiana

A equipe de arquivistas da Associação de Correspondentes Estrangeiros em Hollywood, à qual pertenço, está fazendo um trabalho maravilhoso, localizando, recuperando e catalogando o material de fotografias e depoimentos que se estendem por décadas e mais décadas e, até agora, estavam em caixas empilhadas no depósito da nossa sede. Coisas sensacionais estão aparecendo, e em breve estarão no nosso site. Algumas me despertaram deliciosas memórias de primeiros encontros, descobertas. Por exemplo:

 

Leonardo Di Caprio, novembro de 1993, piscina do Beverly Hilton, depois da entrevista para Aprendiz de Sonhador, de Lasse Halmstrom. Em abril do mesmo ano Leo tinha dado sua primeira entrevista organizada pela Associação, para O Despertar de Um Homem, e nem eu nem meus colegas conseguíamos parar de falar nele. Um talento óbvio, extraordinário. Leo estava meio nervoso nas duas entrevistas, talvez porque sua mãe, Irmelin DiCaprio, estivesse no fundo da sala.

Sandra Bullock, maio de 1994, Beverly Hilton. Um ano antes eu a tinha visto entrar, às gargalhadas, nas costas de um assistente de produção no set de um daqueles filmes acaba-com-tudo do Sylvester Stallone, o apropriadamente intitulado Demolition Man, onde ela era uma substituição de última hora para outra atriz que torcera o pé. Agora, um ano depois, Sandra estava literalmente  na véspera do estrelato _ três semanas depois desta entrevista estrearia Velocidade Máxima e ela se tornaria, oficialmente, a Namoradinha da América. O que mais me chamou a atenção: a simpatia. Que não mudou ao longo desses quase 20 anos.

Robert Downey Jr., novembro de 1992, corredor do Beverly Hills Hotel, depois da entrevista para Chaplin, de Richard Attenborough. Era uma fase difícil para Robert Downey Jr. Algum tempo depois todo mundo saberia de seus problemas com bebida e drogas, mas naquele final de tarde era óbvio que alguma coisa estava profundamente errada com ele. Robert chegou atrasado, começou a entrevista atrasado e demorou um bocado até engrenar num papo que fizesse sentido. A chave foi focar o assunto em Charles Chaplin, um personagem que ele claramente tinha abraçado e que, pelos motivos que sabemos agora, compreendido perfeitamente.

Tim Burton e Johnny Depp, dezembro de 1990, depois da entrevista para Eduardo Mãos de Tesoura. Minha segunda entrevista com Tim, minha primeira entrevista com Johnny, uma das minhas primeiras como integrante da Associação. Burton tinha me impressionado tremendamente com Beetlejuice, dois anos antes, e me intrigado com Batman, em 1989. Eduardo me comoveu profundamente, e ainda é um dos meus filmes favoritos da década. A sintonia entre ele e Johnny era óbvia_ os dois pareciam se conhecer há muito, muito tempo, e já completavam as frases um do outro, como fazem até hoje.

 

Todas as fotos, HFPA/Archives.


Cannes 2013: entre “Gatsby” e “Zulu”
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Ana Maria Bahiana

A lista final de Cannes será anunciada apenas dia 18, mas duas coisas já sabemos: O Grande Gatsby, de Baz Luhrmann, vai abrir o festival, e Zulu, de Jerome Salle, vai encerrar.

 Gatsby, é claro, é muito esperada (e adiada) adaptação do livro de F. Scott Fitzgerald, com Leonado di Caprio no papel título, Carey Mullingan como Daisy e Tobey Maguire como Nick Carraway, o jovem escritor que se deixa fascinar pelo mundo glamouroso do milionário nos loucos anos 1920.

Luhrmann, que teve que ir à luta para levantar os recursos necessários para terminar o filme como ele queria (o que atrasou o lançamento para maio deste ano), diz que, além da trilha contemporânea para um drama de época (como ele faz sempre), ele se permitiu  a liberdade de “criar uma novidade” na famosíssima trama: “Não vou usar Nick apenas como o narrador da história, uma voz sem corpo. O processo de criação do livro está no filme… mas é só isso que vou dizer agora…”

Hummm…

Zulu, o filme de encerramento, tem Forrest Whitaker e  Orlando Bloom como policiais na Cidade do Cabo, África do Sul, investigando a morte de duas mulheres no que o diretor define como “um policial noir com ecos da época do apartheid”.

Steven Spielberg, como se sabe, é o presidente do júri e o festival este ano vai de 15 a 26 de maio.


Novo trailer de O Grande Gatsby: 2013 será a maturidade do 3D?
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Ana Maria Bahiana

Em 2012, Ang Lee e Peter Jackson mostraram o quanto o 3 D pode realmente ser usado como uma ferramenta de criação. Em maio de 2013 vai ser a vez de Baz Luhrmann usar o mesmo recurso em O Grande Gatsby – pelo que me contam, de uma forma dramática, para ampliar as trocas entre os personagens. O novo trailer não é 3D mas… dá uma boa ideia. Eu me animei. E vocês?


Titanic 3D, 15 anos depois: a nave vai
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Ana Maria Bahiana

Para os obsessivos com SPOILERS:  o navio ainda afunda no final.

Podemos passar ao que interessa, agora? Titanic 3D é sensacional. Não envelheceu nada nestes 15 anos desde o mega-sucesso de sua estreia,o que, em si mesmo, já é um triunfo.

Com a perspectiva do tempo, fica ainda mais claro porque Titanic foi o evento cinematográfico de 1997-1998, porque conseguiu a rara combinação de altíssima bilheteria – quase 2 bilhões de dólares no mundo todo, número top durante 12 anos, só suplantado por outro de James Cameron, Avatar – e aclamação de seus colegas na industria – 14 indicações ao Oscar, 11 estatuetas: porque retomou, por um breve momento, aquilo que só a grande industria de cinema, voltada  para e impulsionada pelo mercado, pode fazer.  Por um breve momento a possibilidade de que os fabulosos pistões a vapor da gigantesca nave hollywoodiana pudessem impulsionar algo ao mesmo tempo inteligente e popular tornou-se verdade. Os ecos de um tempo em que o cinema norte americano era vital e imenso – …E O Vento Levou, westerns, musicais – voaram sobre o mundo (infelizmente acompanhados por Celine Dion. Mas ninguém é perfeito.)

O que talvez a perspectiva do tempo tenha apagado é o fato de que Cameron, trabalhando com o que era, então, o maior orçamento de todos os tempos – 200 milhões de dólares, custeados por dois estúdios e, em grande parte, o próprio Cameron – realizou seu filme debaixo de uma das mais impiedosas salvas de vaia de que me lembro. Não se passava uma semana, aqui em Los Angeles, sem que se lesse ou ouvisse algum comentário garantindo que o diretor era um louco megalomaníaco, que estava jogando dinheiro fora com um projeto fadado ao fracasso, que sua arrogância era igual à dos construtores do navio que o inspirara.

Não duvido nem um pouco que Cameron seja megalomaníaco ou arrogante _ mas temo que, sem esses dois elementos, ele não teria esse extraordinário poder de realizar suas visões , que parecem impossíveis para o resto do mundo.

Parece meio louco pensar assim, mas Cameron tem muito em comum com os pioneiros do cinema: como os Lumiere ou Méliès, Cameron está interessado tanto na narrativa audiovisual quanto na tecnologia que a torna possível. Em sua concepção de narrativa cinematográfica o modo como a história é contada e o hardware necessário para contá-la são igualmente importantes.

Talvez por isso a longa conversão – mais de um ano de trabalho – de Titanic para 3D tenha sido tão bem sucedida. Estou especulando aqui, mas não é demais imaginar que Cameron tenha pensado Titanic em 3D, desde o começo. Sei (porque ele mesmo me contou) que a ideia de um filme tendo como pano de fundo o naufrágio do malsinado navio data de antes de True Lies, de 1994. Assim como a semente do que viria a ser Avatar rolou na sua cabeça durante uma década, a realização do que seria Titanic dependia de dois elementos de hardware: uma expedição de mergulho que tirasse as dúvidas sobre o naufrágio e informasse o estilo visual do filme; e a tecnologia necessária para realizar os efeitos que Cameron tinha em mente.

Não duvido nada que, assim que ele voltou da expedição de mergulho, Cameron pensou seu filme em 3D. Mas como a tecnologia não se desenvolveu com a rapidez que ele queria, teve que achar outras soluções.

E por isso – porque ele compreende o que realmente faz com que uma experiência visual 3D seja interessante – Titanic 3D ocupa cada centímetro da tela com  segurança e  esplendor. Em 3D, a obsessão de Cameron com detalhes é recompensada à máxima potência: o navio emerge das profundezas em toda a sua grandeza, e somos imediatamente envolvidos pelo aspecto mais poderoso do Titanic e  de sua história _ o fato de que ali estava  uma redução impecável do mundo ocidental em 1912,  fadado ao naufrágio de tantos modos diferentes.

Porque a cabine de imprensa, aqui em LA, foi cancelada por motivos técnicos (Cameron deve ter mandado decapitar alguém…) acabei vendo Titanic 3D em IMAX  numa sessão lotadíssima com uma plateia absolutamente diversa em idade, etnia, cultura; muitos deles eram bebês quando Titanic foi lançado; muitos só tinham visto o filme em telas de TV.

Foi um interessantíssimo estudo do poder de diálogo entre um filme  e o público, que se levantou para aplaudir de pé, unanimamente, ao final. Titanic funciona, 15 anos depois, não porque o 3D torna o navio absolutamente real e seu naufrágio, ainda mais medonho – ele funciona porque tem o equilibrio perfeito entre o pequeno e o imenso, o pessoal e o histórico, Jack e Rose , seu romance impossível e as pressões da sociedade à sua volta, condensadas e intensificadas na gloriosa prisão do transatlântico. Porque, no final das contas, não é a história de um navio, mas a história de uma mulher – igualmente a maravilhosa Gloria Stuart e a muito jovem Kate Winslet – e das escolhas que todos fazemos, a cada momento, nas rotas de nossas vidas.

Titanic 3D está em cartaz nos EUA e estreia no Brasil dia 12.


A vida secreta dos espiões, parte I: a balada de Johnny & Clyde
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Ana Maria Bahiana

Dois filmes sobre o complicado, perigoso e muita vezes torpe ofício de vigiar a vida alheia estarão, em breve, competindo por atenção e prêmios, no auge da temporada-ouro: J. Edgar, de Clint Eastwood, e O Espião Que Sabia Demais, de Tomas Alfredson. São criaturas completamente diferentes ( e uma é muito melhor do que a outra).

Falemos de Clint & Hoover, primeiro.

O problema de trazer para a tela a vida de grandes personagens da história começa sempre com a mesma questão: como sintetizar uma vasta vida em duas horas de filme? J.Edgar, de Clint Eastwood, tem que enfrentar um problema a mais: seu protagonista, John Edgar Hoover, chefe do FBI de 1924 até sua morte em 1972, é uma das figuras mais controvertidas da história recente dos Estados Unidos, e tão repleto de segredos quanto o universo que criou à sua volta.

Um documentário poderia explorar essas múltiplas facetas e investigar as contradições através de  fatos e depoimentos. Um filme de ficção tem, em primeiro lugar, que contar uma história, preencher lacunas com a imaginação e criar artifícios através dos quais nós, na platéia, possamos nos conectar com a trama.

J. Edgar tenta bravamente em todas essa frentes, e triunfa em vários momentos. Leonardo Di Caprio tem um desempenho notável _ seu Hoover é um homem completamente fechado em si mesmo, desconectado de seus sentimentos e emoções, capaz de se relacionar apenas com seu trabalho, uma tarefa que o define e que ele idealiza até o absurdo.

O ótimo roteiro de Dustin Lance Black usa um bom artifício para conduzir a trama: sua narrativa é a autobiografia que Hoover dita em seu escritório a vários rapazes bem apessoados. Isso resolve a questão do ponto de vista: é claro que, aos olhos de J.Edgar, ele é o herói da trama – “precisamos deixar bem claro quem é o herói e quem é o vilão”, ele diz, logo de cara, ao primeiro datilógrafo . Não há dúvidas: deportar os bolcheviques de 1920 é a mesma coisa que chantagear Martin Luther King; o caso do sequestro do bebê do herói nacional Charles Lindbergh só foi resolvido graças à sua intervenção; ele mesmo, arma na mão, deu voz de prisão aos maiores gângsters da década de 1930.

Somos todos heróis de nossas próprias vidas e Hoover, desprovido de outra vida além do que, na sua visão, era a caçada interminável aos inimigos da América, tem grandes planos para si mesmo.

Mas existe a sombra, vista primeiro como um vulto através de uma porta de vidro: o fiel assistente Clyde Tolson (Armie Hammer) que pode ter sido a coisa mais próxima de um afeto que Hoover teve em sua vida. Como reconciliar esse pulsar com suas perseguições de políticos e figuras públicas homossexuais, e o terror de perder o amor de sua mãe (Judi Dench, maravilhosa como sempre), que deixa claro que prefere um filho morto a um filho gay?

Eastwood e Black respondem a questão com cenas em que o não dito fala mais alto que o dito: o primeiro encontro dos dois é exemplar, e envolve um lenço e uma janela. E também, é verdade, com uma certa edição dos fatos : Dorothy Lamour, possível amante de Hoover, é mencionada apenas uma vez, e a foto de Marilyn Monroe pelada sumiu do cenário da casa de J.Edgar, cuidadosamente reproduzida pela notável direção de arte de James Murakami.

O que nem sempre funciona nesse exercício é a pesada maquiagem que procura transformar os rostos de Di Caprio, Hammer e Naomi Watts (como a igualmente fiel secretária Helen Gandy, guardiã dos secredos de Hoover) em suas contrapartidas reais, ao longo dos anos. Quanto mais velhos os personagens estão, mais difícil fica acreditar nas próteses e adereços. É possível que um orçamento restrito – Eastwood gosta de trabalhar com orçamentos modestos para ter mais controle artístico da obra- tenha impedido a manipulação digital que tornaria o envelhecimento mais natural. É pena. O Clyde de Armie Hammer é o menos acreditável, um desafio que o ator tenta resolver como pode. Mas não é o bastante.

A trilha, assinada pelo próprio Eastwood, também não ajuda. Num contraste com a calma e o distanciamento que ele imprime ao filme – e que dificulta a conexão emocional de alguns espectadores- seus harpejos de piano e cordas, as vezes com a adição de um coral, são francamente sentimentais. Em alguns momentos (especialmente no final) a música imprime um tom melodramático que chega a chocar.

No geral, é uma brava empreitada, que deve render indicações, principalmente para Leonardo Di Caprio .

J. Edgar estréia sexta feira dia 11 nos EUA e dia 27 de janeiro no Brasil.


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