Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Kate Winslet

Titanic 3D, 15 anos depois: a nave vai
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Ana Maria Bahiana

Para os obsessivos com SPOILERS:  o navio ainda afunda no final.

Podemos passar ao que interessa, agora? Titanic 3D é sensacional. Não envelheceu nada nestes 15 anos desde o mega-sucesso de sua estreia,o que, em si mesmo, já é um triunfo.

Com a perspectiva do tempo, fica ainda mais claro porque Titanic foi o evento cinematográfico de 1997-1998, porque conseguiu a rara combinação de altíssima bilheteria – quase 2 bilhões de dólares no mundo todo, número top durante 12 anos, só suplantado por outro de James Cameron, Avatar – e aclamação de seus colegas na industria – 14 indicações ao Oscar, 11 estatuetas: porque retomou, por um breve momento, aquilo que só a grande industria de cinema, voltada  para e impulsionada pelo mercado, pode fazer.  Por um breve momento a possibilidade de que os fabulosos pistões a vapor da gigantesca nave hollywoodiana pudessem impulsionar algo ao mesmo tempo inteligente e popular tornou-se verdade. Os ecos de um tempo em que o cinema norte americano era vital e imenso – …E O Vento Levou, westerns, musicais – voaram sobre o mundo (infelizmente acompanhados por Celine Dion. Mas ninguém é perfeito.)

O que talvez a perspectiva do tempo tenha apagado é o fato de que Cameron, trabalhando com o que era, então, o maior orçamento de todos os tempos – 200 milhões de dólares, custeados por dois estúdios e, em grande parte, o próprio Cameron – realizou seu filme debaixo de uma das mais impiedosas salvas de vaia de que me lembro. Não se passava uma semana, aqui em Los Angeles, sem que se lesse ou ouvisse algum comentário garantindo que o diretor era um louco megalomaníaco, que estava jogando dinheiro fora com um projeto fadado ao fracasso, que sua arrogância era igual à dos construtores do navio que o inspirara.

Não duvido nem um pouco que Cameron seja megalomaníaco ou arrogante _ mas temo que, sem esses dois elementos, ele não teria esse extraordinário poder de realizar suas visões , que parecem impossíveis para o resto do mundo.

Parece meio louco pensar assim, mas Cameron tem muito em comum com os pioneiros do cinema: como os Lumiere ou Méliès, Cameron está interessado tanto na narrativa audiovisual quanto na tecnologia que a torna possível. Em sua concepção de narrativa cinematográfica o modo como a história é contada e o hardware necessário para contá-la são igualmente importantes.

Talvez por isso a longa conversão – mais de um ano de trabalho – de Titanic para 3D tenha sido tão bem sucedida. Estou especulando aqui, mas não é demais imaginar que Cameron tenha pensado Titanic em 3D, desde o começo. Sei (porque ele mesmo me contou) que a ideia de um filme tendo como pano de fundo o naufrágio do malsinado navio data de antes de True Lies, de 1994. Assim como a semente do que viria a ser Avatar rolou na sua cabeça durante uma década, a realização do que seria Titanic dependia de dois elementos de hardware: uma expedição de mergulho que tirasse as dúvidas sobre o naufrágio e informasse o estilo visual do filme; e a tecnologia necessária para realizar os efeitos que Cameron tinha em mente.

Não duvido nada que, assim que ele voltou da expedição de mergulho, Cameron pensou seu filme em 3D. Mas como a tecnologia não se desenvolveu com a rapidez que ele queria, teve que achar outras soluções.

E por isso – porque ele compreende o que realmente faz com que uma experiência visual 3D seja interessante – Titanic 3D ocupa cada centímetro da tela com  segurança e  esplendor. Em 3D, a obsessão de Cameron com detalhes é recompensada à máxima potência: o navio emerge das profundezas em toda a sua grandeza, e somos imediatamente envolvidos pelo aspecto mais poderoso do Titanic e  de sua história _ o fato de que ali estava  uma redução impecável do mundo ocidental em 1912,  fadado ao naufrágio de tantos modos diferentes.

Porque a cabine de imprensa, aqui em LA, foi cancelada por motivos técnicos (Cameron deve ter mandado decapitar alguém…) acabei vendo Titanic 3D em IMAX  numa sessão lotadíssima com uma plateia absolutamente diversa em idade, etnia, cultura; muitos deles eram bebês quando Titanic foi lançado; muitos só tinham visto o filme em telas de TV.

Foi um interessantíssimo estudo do poder de diálogo entre um filme  e o público, que se levantou para aplaudir de pé, unanimamente, ao final. Titanic funciona, 15 anos depois, não porque o 3D torna o navio absolutamente real e seu naufrágio, ainda mais medonho – ele funciona porque tem o equilibrio perfeito entre o pequeno e o imenso, o pessoal e o histórico, Jack e Rose , seu romance impossível e as pressões da sociedade à sua volta, condensadas e intensificadas na gloriosa prisão do transatlântico. Porque, no final das contas, não é a história de um navio, mas a história de uma mulher – igualmente a maravilhosa Gloria Stuart e a muito jovem Kate Winslet – e das escolhas que todos fazemos, a cada momento, nas rotas de nossas vidas.

Titanic 3D está em cartaz nos EUA e estreia no Brasil dia 12.


Em Mildred Pierce, todo o poder da vida de uma mulher
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Ana Maria Bahiana

Poucos dias atrás vi um filme que se parecia em tudo com a produção comercial norte-americana dos anos 1940 e 50, exceto no essencial – o toque de gênio que frequentemente estava escondido (mas não muito) debaixo dos clichês exigidos pelos estúdios.

Mildred Pierce, a mini-série da HBO que está no ar aqui e que vocês começaram a ver ontem, é o oposto disso. Baseia-se em um livro de 1941, referencia (e reverencia) o estilo de grandes da época, especialmente Douglas Sirk, grã mestre do melodrama. Mas é uma obra moderna, cuidadosamente pensada e dirigida por um diretor sem medo de ousar _ Todd Haynes, que já nos deu Não Estou Lá, Longe do Paraíso e Velvet Goldmine.

Fã do filme de Michael Curtiz, de 1945 (que rendeu um Oscar para Joan Crawford) Haynes escolheu voltar ao texto original do livro de James Cain e mergulhar, com ele, num estudo de personagem incomum na filmografia de hoje: a vida de uma mulher, em todas as suas facetas, não como acessório à narrativa de algum outro herói, mas inteira em si mesma.

Ao remover a principal alteração feita por Curtiz – o assassinato que transforma toda a narrativa num híbrido de melodrama e noir, dois gêneros  populares na época – Haynes recolocou o poder da história nas mãos de Mildred, a mulher que não se sabe tão forte, tão independente, tão dona de seu corpo e de sua alma até passar por sucessivas perdas e provações.

E ao escolher Kate Winslet para ser essa mulher. Haynes imediatamente acrescentou uma colherada de mel ao projeto , a impressionante mistura de extrema fragilidade e completo poder que Winslet sabe trazer a suas personagens, quando estimulada por um diretor que compreende seu enorme talento.

A mini-série da HBO-  desde já no topo da lista de melhores do ano na categoria- segue estritamente o texto de Cain, eliminando apenas os detalhes que poderiam tirar o foco do essencial. Aos 10 minutos do primeiro episódio Mildred (Winslet) despacha porta afora o marido adúltero, colocando-se a  na posição mais vulnerável possível na escala social dos Estados Unidos em plena Depressão: a mulher descasada, com duas filhas para criar.

Nos episódios subsequentes, Mildred descobrirá seu poder  enfrentando humilhação e mãos na bunda durante anos de trabalho como garçonete, explorando seu desejo primeiro com o desajeitado Waly (James LeGros), depois com o sedutor playboy Monte Beragon (Guy Pearce, ótimo) e, finalmente, criando coragem para abrir seu próprio negócio.

É uma estrutura que vocês vão reconhecer em várias novelas, tributárias do melodrama hollywoodiano em conteúdo e forma. Com a liberdade das cinco horas de uma minissérie e a certeza de estar falando com uma fatia específica do público (afinal, é HBO), Haynes pode se deter na intensidade da paixão, na devastadora dor da perda e, sobretudo, na complexa relação entre Mildred e sua filha mais velha, Veda (Morgan Turner e Evan Rachel Wood).  A filmografia mundial é repleta de títulos que exploram a relação entre o filho e o pai. Raros e bem vindos são os que se ocupam da rede complicada de amor, ressentimento, inveja e admiração que pode se formar entre mães e filhas.

A direção de arte , reproduzindo minuciosamente a ensolarada e ainda provinciana Los Angeles dos anos 1930 (em estudio e em locações nos arredores de Nova York), é um prazer à parte. Mas o grande espetáculo é a confluência dos talentos de Haynes e Winslet.  Em um momento, quando Mildred , já dona de sua vida, se reencontra com o ex-marido (Bryan O’Byrne), muitos anos depois , ambos mais velhos, solteiros, marcados por perdas e ganhos, uma rara luz ilumina a tela da TV – a luz da verdadeira, sincera humanidade que o bom cinema, em qualquer plataforma, é capaz de captar.


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