Blog da Ana Maria Bahiana

Em Mildred Pierce, todo o poder da vida de uma mulher

Ana Maria Bahiana

Poucos dias atrás vi um filme que se parecia em tudo com a produção comercial norte-americana dos anos 1940 e 50, exceto no essencial – o toque de gênio que frequentemente estava escondido (mas não muito) debaixo dos clichês exigidos pelos estúdios.

Mildred Pierce, a mini-série da HBO que está no ar aqui e que vocês começaram a ver ontem, é o oposto disso. Baseia-se em um livro de 1941, referencia (e reverencia) o estilo de grandes da época, especialmente Douglas Sirk, grã mestre do melodrama. Mas é uma obra moderna, cuidadosamente pensada e dirigida por um diretor sem medo de ousar _ Todd Haynes, que já nos deu Não Estou Lá, Longe do Paraíso e Velvet Goldmine.

Fã do filme de Michael Curtiz, de 1945 (que rendeu um Oscar para Joan Crawford) Haynes escolheu voltar ao texto original do livro de James Cain e mergulhar, com ele, num estudo de personagem incomum na filmografia de hoje: a vida de uma mulher, em todas as suas facetas, não como acessório à narrativa de algum outro herói, mas inteira em si mesma.

Ao remover a principal alteração feita por Curtiz – o assassinato que transforma toda a narrativa num híbrido de melodrama e noir, dois gêneros  populares na época – Haynes recolocou o poder da história nas mãos de Mildred, a mulher que não se sabe tão forte, tão independente, tão dona de seu corpo e de sua alma até passar por sucessivas perdas e provações.

E ao escolher Kate Winslet para ser essa mulher. Haynes imediatamente acrescentou uma colherada de mel ao projeto , a impressionante mistura de extrema fragilidade e completo poder que Winslet sabe trazer a suas personagens, quando estimulada por um diretor que compreende seu enorme talento.

A mini-série da HBO-  desde já no topo da lista de melhores do ano na categoria- segue estritamente o texto de Cain, eliminando apenas os detalhes que poderiam tirar o foco do essencial. Aos 10 minutos do primeiro episódio Mildred (Winslet) despacha porta afora o marido adúltero, colocando-se a  na posição mais vulnerável possível na escala social dos Estados Unidos em plena Depressão: a mulher descasada, com duas filhas para criar.

Nos episódios subsequentes, Mildred descobrirá seu poder  enfrentando humilhação e mãos na bunda durante anos de trabalho como garçonete, explorando seu desejo primeiro com o desajeitado Waly (James LeGros), depois com o sedutor playboy Monte Beragon (Guy Pearce, ótimo) e, finalmente, criando coragem para abrir seu próprio negócio.

É uma estrutura que vocês vão reconhecer em várias novelas, tributárias do melodrama hollywoodiano em conteúdo e forma. Com a liberdade das cinco horas de uma minissérie e a certeza de estar falando com uma fatia específica do público (afinal, é HBO), Haynes pode se deter na intensidade da paixão, na devastadora dor da perda e, sobretudo, na complexa relação entre Mildred e sua filha mais velha, Veda (Morgan Turner e Evan Rachel Wood).  A filmografia mundial é repleta de títulos que exploram a relação entre o filho e o pai. Raros e bem vindos são os que se ocupam da rede complicada de amor, ressentimento, inveja e admiração que pode se formar entre mães e filhas.

A direção de arte , reproduzindo minuciosamente a ensolarada e ainda provinciana Los Angeles dos anos 1930 (em estudio e em locações nos arredores de Nova York), é um prazer à parte. Mas o grande espetáculo é a confluência dos talentos de Haynes e Winslet.  Em um momento, quando Mildred , já dona de sua vida, se reencontra com o ex-marido (Bryan O’Byrne), muitos anos depois , ambos mais velhos, solteiros, marcados por perdas e ganhos, uma rara luz ilumina a tela da TV – a luz da verdadeira, sincera humanidade que o bom cinema, em qualquer plataforma, é capaz de captar.

  1. Igor Almeida

    21/07/2011 10:01:45

    Melhor mini-série que vi esse ano. Kate Winslet é fantástica.

  2. Claudia

    06/07/2011 21:53:15

    Amei a série! Que atriz! Que história! Mto boa! PS: Adorei o texto. Bj Ana!

  3. Luís Carlos Moura

    05/07/2011 14:15:52

    Realmente, Kate está incrível.Assisti ao filme de 1945 e não me empolguei com aquela trama policial que eles inseriram na história. Esse "Mildred Pierce" está delicioso.Espero ver a Kate subindo ao palco do Primetime Emmy e levar sua estatueta de melhor atriz.P.S.: Ana, adoro suas críticas.

  4. Paulo Vinícius

    02/06/2011 10:30:28

    Assisti todos os episódio e posso dizer que foram cinco horas de muita emoção.A minissérie é simplesmente perfeita. Desde a trilha sonora, passando pela fotografia, até a direção e atuação, tudo perfeito.Kate Winslet está como sempre, merecedora de muitos aplausos.Recomendo a todos assistir. O final me deixou perplexo, mas narrativas assim que são empolgantes afinal! Não é mesmo?!

  5. Tamara

    08/04/2011 18:43:26

    É engraçado como as artes, em geral,enaltecem o dueto pai e filho,na maioria das vezes com clihês tremendos onde o conflito se resolve num estalar de dedos.Me parece mais uma forma sutil de dizer:'Olha como somos mais evoluídos',sem falar na dificuldade crônica( em especial os de baixa escolaridade) que os homens tem de expressar amor.E no notacante as mães,quase nada é feito,como se estivessem no limbo,ou será receio de cutucar feridas?

  6. Rafael Gomes

    08/04/2011 09:44:40

    Apesar de existirem diversos filmes centrados em personagens masculinos que são ótimos eu sempre achei (não sei bem o motivo) que mulheres rendem histórias bem mais apaixonantes. É incrível como alguns filmes (e performances) com destaques femininos são arrebatadores. Mulheres combinam um misto de ternura/fragilidade com um poder dramático absurdo que nos conquistam de cara.Mas eu acho engraçado como eu não tenho esse mesmo sentimento ao ler histórias protagonizadas por mulheres, acho que uma folha de papel não consegue transpor toda a torrente de emoções que o sexo feminino emana. É preciso enxergar suas nuances, o detalhamento de uma performance ao vivo é uma grande diferença pra mim.

  7. plinio

    06/04/2011 04:21:24

    Interessante é que atrizes como ela, que estão no auge,na telona,oscarizada ha apenas dois anos,na A list do estúdios,raramente se envolvem com TV, que certamente demanda esforço e tempo muito maior do que um filme.Kate prova mais uma vez o quanto é eclética e pé no chão.

  8. Mariana

    05/04/2011 20:23:09

    O primeiro episódio de "Mildred Pierce" me encheu os olhos! A direção de arte cuidadosíssima, a bela fotografia e a sensibilidade de Kate Winslet já devem ser um prenúncio do sucesso. Sem falar no ponto que vc mencionou, Ana, sobre retratar a complexidade do relacionamento entre mãe e filha. Ponto para Haynes! Sinto cheiro de prêmios em 2012....

  9. Ana Maria Bahiana

    05/04/2011 20:11:59

    Asisiti quatro episodios, achei sensacional. E vc tem razão, é clima Twin Peaks mesmo. Post em breve por aqui sobre o primeiro pacote de series da safra Tv 2011.

  10. Ana Maria Bahiana

    05/04/2011 20:10:34

    Já te mandei um email...

  11. Mariana Monteiro

    05/04/2011 17:56:31

    Olá Ana Maria,Sou jornalista do Sportv e gostaria de falar com você por e-mail.Pode me passar o seu endereço?Um abraço,Mariana

  12. Marcos

    05/04/2011 12:13:02

    Ana.. Voce pode asistie a nova serie da AMC "The Killing" eu gostei muito e por momentos me lembrou Twin Peaks.. como e a reacao das pesoas a tragedia.. e nao tanto asim a quem e o asasino

  13. brendam

    05/04/2011 09:31:30

    Esse filme que você viu dias atrás é o 'Água para Elefantes'? Porque foi o único que me lembrou os anos 1940/1950. rs--------Sobre Mildred: quem tem Sky, aproveite o sinal aberto das HBOs nesse final de semana. Teremos Mildred Pierce (parte 1 e 2), Mad Men (4ª temporada), Temple Grandin e You don't know Jack. Diliça!É a bundada da televisão no cinema. --------Sobre a Kate: Esse é o ano Kate - parte II? Emmy, Sag, GG por 'Mildred'?BFCA, GG, Sag, Bafta e Oscar por 'Carnage'?

  14. Gean

    05/04/2011 00:57:37

    Cara AnaTive a oportunidade de assistir ao primeiro episódio na HBO.Me impressionou muito a direção de arte e a grande interpretação de Kate Winslet.Vou continuar acompanhando.

  15. Jennifer

    04/04/2011 23:13:53

    Lindo texto, parece ser uma ótima série, uma pena que eu não tenha a possibilidade de assistir. Kate Winslet é minha atriz preferida, ela tem um dom incrível, vejo qualquer coisa que ela fizer porque sei que sempre terá uma qualidade inigualável em seu trabalho.

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