Blog da Ana Maria Bahiana

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Fair Game: o jogo do poder é imundo, mas Naomi Watts é emocionante
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Ana Maria Bahiana

Naomi Watts e Sean Penn em Fair Game...

... e os verdadeiros Joe Wilson e Valerie Plame.

Em 2002, determinada a achar uma razão para invadir o Iraque, a administração W. Bush pressionava todas as agências de inteligência  dos EUA: elas tinham de qualquer maneira que achar  as tais armas de destruição em massa que estariam sendo preparadas desde os tempos de Bush, pai.  No esforço de descobrir o que, soube-se depois, não havia, a CIA despachou o ex-diplomata Joe Wilson, grande conhecedor da África sub-saariana, para o Níger, com a missão de confirmar a venda de um enorme volume de urânio para o Iraque. Wilson não achou coisa alguma e disse isso, com todas as letras, em seu relatório.

Quando, um ano depois, Bush, em seu discurso anual para o Congresso, afirmou que a venda tinha sido efetuada. Wilson – famoso por ter o pavio curto – escreveu um artigo para o New York Times que, já no título, tirava o tapete do presidente e sua turma: “O que eu não encontrei na África.”

Seis meses depois, um jornalista conservador e enturmado com a Casa Branca foi o porta voz do troco: um artigo no Washington Post no qual levantava dúvidas sobre o caráter e as intenções de Wilson e revelava que a mulher dele, Valerie Plame, não era a executiva de uma empresa de investimentos como até seus amigos mais íntimos pensavam e sim uma agente da CIA – que, não por acaso, também não conseguira “achar” as armas de destruição em massa no Iraque.

Esta rede federal de mentiras é o foco de Fair Game (Jogo de Poder, 14 de janeiro no Brasil), o filme de Doug Liman que estreou neste fim de semana nos EUA, em lançamento limitado). Liman é um diretor interessante: começou sua carreira com filmes super indie (Swingers, Go), escreveu a gramática do que viria a ser a triunfante franquia Bourne com o primeiro filme da série (do qual quase foi demitido) e criou Brangelina com Sr. e Sra Smith.

Em Fair Game Liman está a meio caminho entre o blockbuster de ação e o estudo de personagem do cinema independente. Operando ele mesmo a câmera (a digital Red) com a urgência de um documentário e trabalhando com o orçamento de 22 milhões, modesto para um filme desta categoria, com locações em vários países, Liman captura o espectador abrindo a trama com uma sequencia que  cairia bem num thriller de espionagem; e, depois, concentra-se no que realmente quer dizer: o quanto uma trama mentirosa a serviço da manutenção do poder fraciona a vida de um país, de uma sociedade e, no caso de Wilson e Plame, uma família.

É um filme sólido e emocionante, em grande parte por conta da maravilhosa interpretação de Naomi Watts como Plame.  Com um rosto que é uma paisagem emocional em movimento – coisa rara na era do botox- Naomi revela toda a complexidade e humanidade de um tipo de personagem- o espião- que no cinema, em geral, tem uma nota só, na linha “atire primeiro e faça perguntas depois”. Sean Penn é ótimo para papéis de figuras difíceis como Wilson, mas é a mistura de força e delicadeza que Naomi traz para sua Valerie que nos prende à tela, além das imundícies do poder.


Danny Boyle fala sobre 127 Horas: “É um thriller, um drama e não uma reflexão pastoral”
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Ana Maria Bahiana

Estréia amanhã aqui nos EUA  127 Horas, o novo filme de Danny Boyle  que, me  parece, bateu o recorde de O Exorcista em número de pessoas passando mal no cinema (e antes mesmo  de ir para o circuito comercial!).

Seria pena se 127 Horas entrasse na narrativa do cinema apenas como provedor de sustos e horrores – como o filme de William  Friedkin foi, no início. É um belo filme, uma jornada interior traduzida em imagens.

Achei que seria uma boa ocasião para deixar o próprio Danny Boyle falar _ Boyle passou feito um relâmpago por Los Angeles para promover a estréia norte americana de 127 Horas_ e depois, de volta a Londres onde está adiantado o desenvolvimento de mais um Extermínio (desta vez, 28 Months Later, e Boyle, além de produtor, quer pilotar a direção).

AVISO: se você realmente não sabe quem é Aron Ralston e o que aconteceu com ele em maio de 2003 – e que inspirou seu livro Between A Rock and A Hard Place e 127 Horas – você tem duas opções: se informar ou  ler esta entrevista sem entender muito bem o que estamos debatendo (porque, como disse antes, não vou ser eu quem vai contar…)

Você estava trabalhando nesse projeto há muito tempo?

_ Acompanhei o acidente de Aron pela mídia e li o livro dele. Mas foi quando conheci Aron em 2006  que senti que havia um filme ali. Conversei na época com Christian (o produtor Christian Colson, parceiro de Boyle em seus projetos) e ele não concordou. Queria fazer um documentário, e eu sempre quis fazer uma narrativa na primeira pessoa, uma experiência de imersão na jornada interior de Aron _ que, para mim, sempre foi o mais fascinante. Na minha cabeça o que eu queria era estar no canyon com ele, em seus pensamentos, suas alucinações… Escrevi uma sinopse e finalmente convenci Christian. E aí veio o sucesso de Quem Quer Ser Um Milionário e de repente algo que podia ser muito difícil se tornou possível…

Muita gente não teria a mesma visão que você. É um drama tão  individual, tão pessoal, um homem preso no fundo de um canyon…

_ Exatamente, por isso imediatamente eu vi uma narrativa completamente imersiva, em que as pessoas pudessem estar naquele canyon com ele e… sei que parece pretensioso mas.. eu vi que o único modo que a história poderia funcionar seria se o público pudesse, por assim dizer, ajudar Aron a fazer o que ele precisa fazer. Porque de outro modo…. Eu teria multidões saindo correndo do cinema, berrando “isso é insuportável, não consigo ver uma coisa assim!”..

Algumas pessoas estão passando mal mesmo assim…

_ Bom, não dava para não mostrar o momento que, nas palavras do próprio Aron, mudou e redefiniu a vida dele. Eu precisava honrar esse momento, a coragem dele. E não podia ser um segundinho e cortamos para ele fora do canyon. Na realidade ele levou 44 minutos fazendo o que fez. Era fundamental manter essa perspectiva e, mais uma vez, colocar o público junto com ele.

Como você escolheu James Franco para viver Aron Ralston? Fisicamente, não há muita semelhanca, pelo menos à primeira vista..

_ Mas há uma tremenda conexão emocional. James tem um tremendo senso de humor, e uma enorme capacidade dramática. É um espectro de desempenho muito vasto , ele pode nos levar ao drama e ao sofrimento e ao mesmo tempo ser um palhaço, brincar. Quando se passa um tempo com Aron você vê que ele é exatamente assim.

Você é uma pessoa que curte montanhismo, aventura, esportes radicais? A natureza é um grande personagem de 127 Horas.

_ Sou uma pessoa completamente urbana. Simon (Beaufroy, roteirista) é que gosta de escalada e acampamento. E foi por isso que pensei nele em primeiro lugar para fazer o roteiro comigo. Eu acho que, como espécie, nós, humanos, gostamos de estar juntos. Há algo no nosso DNA que nos compele a buscar uns aos outros e por isso estamos em geral aglomerados em cidades. Mas em toda tribo há os outsiders e na nossa, muitas vezes, são pessoas como Aron, que só se sentem realmente felizes sozinhos na natureza, e que, acho, nos desprezam um pouco.  Não pude deixar minha sensibilidade urbana de lado _ filmei 127 Horas com uma linguagem completamente urbana, dinâmica. Para mim é um thriller e um drama pessoal, não uma reflexão pastoral sobre a natureza.

127 Horas estréia dia 18 de fevereiro no Brasil. Volto a esta entrevista, com mais detalhes da produção, nessa época.


Uma conversa com Frank Darabont, episódio 2: “Para mim zumbis são como políticos…”
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Ana Maria Bahiana

No episódio anterior , Frank Darabont (Um Sonho de Liberdade, `A Espera de um Milagre, O Nevoeiro) enterra um zumbi no jardim de seu escritório, dá detalhes de sua coleção de action figures, explica como fez Steven Spielberg sentar numa cadeira elétrica e conta as origens da série The Walking Dead (que estréia amanhã nos EUA e dia 2 no Brasil).

Nesta segunda parte, Darabont nos leva para o set de filmagem… e além:

Qual foi sua principal preocupação na realização de The Walking Dead?

_ Os zumbis tinham que ser verdadeiros e assustadores. O que as platéias tinham visto recentemente eram mortos vivos muito engraçados, em dois filmes que amo, Shaun of the Dead e Zombieland. Mas estamos contando uma história séria, trágica mesmo, e nossos zumbis não podem, em nenhum momento, ser engraçados. Essa foi a primeira discussão que tivemos com o elenco e com os maravilhosos, maravilhosos, figurantes que recrutamos.  Todos – os que fazem o papel de mortos-vivos e os que não – precisam estar o tempo todo imbuídos da seriedade da proposta. Sem essa convicção interior a história não se sustenta.

Onde vocês acharam tantos candidatos a zumbi?

_ Em Atlanta, onde filmamos. E o problema foi de fartura, e não de escassez! Tínhamos mais candidatos a zumbi do que precisávamos. Vou ser sincero: não tenho a menor ideia de onde saiu tanta gente talentosa e disposta a trabalhar duro. Eu não tinha noção de que havia toda uma subcultura de zumbis, que existiam Zombie Walks pelo mundo afora… Quando abrimos os testes, apareceram essas multidões, muita garotada, já prontos, vestidos, maquiados…. E eles diziam: que bom que  você está fazendo essa série, sou super fã de zumbis, participo de Zombie Walks…

A que você atribui tanto interesse em zumbis?

_ É uma metáfora muito poderosa, não é? É um ser monstruoso, mas é um ser humano. Somos nós. Acho que muita gente, como eu, ainda vive sob a impressão de  Noite dos Mortos Vivos, de George Romero  _ eu vi pela primeira vez aos 14 anos e fiquei apavorado durante semanas. O excelente filme que Zack Snyder fez , mais recentemente (Madrugada dos Mortos, 2004) deve ter alguma coisa a ver, assim como Extermínio, o maravilhoso filme de Danny Boyle. Mas sobretudo, como tudo aquilo que é realmente bom e forte no gênero fantástico, os zumbis permanecem  porque falam aos nossos medos mais profundos. Cada um encontra o significado que quiser.

O que os zumbis de The Walking Dead representam para você?

_ Os meus zumbis? Eu sempre acho que eles se parecem com políticos _ não tem finalidade alguma a não ser se alimentar dos vivos! (ri muito)

Toda a série foi rodada em locação em Atlanta? Ou você fez algo em estúdio?

_ Foi tudo feito em locação, em película,  16mm. Aprendi com The Shield (Darabont dirigiu o episódio Chasing Ghosts, em 2007) o quanto o 16mm  evoluiu e a qualidade de imagem que se pode obter com ele. Usamos pequenos sets para alguns interiores, mas lá mesmo. Era importante manter a veracidade da história, e os quadrinhos se passam em Atlanta em arredores.

E como foi?

_ Uma bênção e uma maldição. Uma bênção porque  Atlanta é um lugar excelente para filmar, ótimos técnicos, todas as facilidades possiveis, fechamos quarteirões inteiros, rodovias… E tivemos, como disse, aquela fartura de zumbis (ri).

Maldição porque fazia um calor insuportável, em torno de 40 graus todos os dias. Todo mundo suava em bicas. Nas sequências que filmamos no teto do prédio (e que estão no episódio 2. Guts) a temperatura devia ser de quase 50 graus. Não sei como os atores aguentaram. O  suor que você vê neles todos não é maquiagem, é de verdade!

Você só dirigiu o primeiro episódio,  Days Gone Bye, mas se manteve envolvido com toda a série?

_ Completamente. Trabalhei em todos o roteiros, e tive a felicidade de contar com um grupo de ótimos diretores para cuidar dos outros episódios enquanto eu montava o material, aqui em Los Angeles e Gale Ann Hurd permanecia no set.

E quando vocês começam a filmar a segunda temporada?

_ Quando a AMC disser que a primeira foi bem… E posso garantir que estou torcendo…

To be continued…


Uma tarde entre monstros ilustres: uma conversa com Frank Darabont
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Ana Maria Bahiana

Tem um zumbi no jardim do escritório de Frank Darabont. É um sujeito relativamente jovem para quem aparenta estar morto e enterrado há algum tempo. Aliás, nem uma coisa nem outra: seus braços se estendem, ansiosos, seu corpo semi-sepultado até o peito, a boca aberta num grito mudo. A grama muito bem cuidada cobre o canteiro à sua volta, até as roseiras plantadas junto ao muro, mas imediatamente ao seu redor há um círculo, limpo e deliberado, de terra batida.

“Êle não é simpático?”, Darabont comenta, depois de contemplá-lo  com uma mistura de satisfação e orgulho. “Achei numa loja de enfeites para jardim, bem a tempo para o Halloween. Mas vai ficar aí o ano todo, claro.”

Não sei onde Darabont compra seus adereços de jardim. Imagino a estátua de gesso do morto-vivo entre anõezinhos, flamingos, begônias, margaridas….  Mas com certeza o zumbi combina com o restante do escritório, uma espaçosa casa em estilo mediterrâneo nas colinas de Hollywood onde Darabont mantém sua produtora Darkwoods, decorada  com parte de uma invejável coleção de action figures, miniaturas,  props de filmes, posters e fotos. O exterminador-esqueleto de Exterminador do Futuro 2 (“Presente de Gale Ann Hurd”); as máscaras dos fantasmas da Casa Mal Assombrada da Disneylândia (“minha primeira memória apavorante”); uma réplica do Nosferatu de Max Schreck e da Criatura de Frankenstein de Boris Karloff (“nunca superados”); uma foto de Steven Spielberg sentado na cadeira elétrica de À Espera de um Milagre (“era uma tradição no set. Todo visitante tinha que sentar na cadeira. Fiquei com a cadeira, está guardada na garagem da minha casa, acho que vou por aqui no escritório…”).

“O restante da minha coleção está em casa e num depósito. Eu já assusto demais os funcionários com o que tenho aqui”, Darabon admite. “Só Guillermo del Toro e Peter Jackson tem mais objetos de terror e fantasia do que eu.”

É uma tarde amena de outono em Los Angeles. Dentro de algumas horas Darabont estará na premiere de The Walking Dead, a série baseada nos comix de  Robert Kirkman, que estréia na TV norte-americana domingo ( no Brasil, dia 2) e que Darabont produziu juntamente com Gale Ann Hurd. (O Exterminador do Futuro I e II, Segredo do Abismo, Aliens) Por enquanto, Darabont e eu nos sentamos entre o Exterminador e Boris Karloff para conversar sobre zumbis, pesadelos, cinema, televisão e o eterno poder do terror sob controle numa sala escura.

Nesta primeira parte, Darabont conta um pouco dos bastidores do nascimento da série:

Houve alguma dificuldade para realizar The Walking Dead na TV? Afinal, terror de verdade não é algo muito comum no horário nobre de canais por assinatura…

_ Na verdade, foi mais fácil que levantar a produção de um filme. Bastante rápido, também, sem obstáculos. A AMC mostrou desde o começo que estava apoiando e investindo no projeto. Normalmente você tem que fazer um piloto primeiro, testar as águas, a reação do público. Os executivos da AMC viraram para nós e disseram _ por que não fazemos uma mini-série com seis episódios, para realmente dar tempo de mostrar a proposta ao público,  dar tempo para a série encontrar sua platéia? Isso é uma raridade hoje em dia tanto na TV aberta quanto no cinema.

Qual a trajetória da narrativa nestes seis episódios?

_ O primeiro episódio, de uma hora e meia, que eu dirigi, é exatamente o roteiro que escrevi para o que seria o piloto. A partir daí minha preocupação  foi introduzir os personagens e estabelecer o mundo que êles habitam. Desde o começo, desde minhas primeiras conversas com Robert Kirkman , concordamos que íamos ampliar o material, deixar que ele expandisse, que respirasse, que nos sugerisse novas situações.

Meu foco sempre foi abraçar esses personagens e me deter sobre eles, em vez de disparar com a história _ o que seria mais simples, já que Robert tinha nos dado toda a planta-baixa da trama em seus comix. O primeiro episódio é Rick Grimes ( Andrew Lincoln) entrando nesse mundo apocalíptico. A partir do segundo episódio começamos a fazer esses desvios mais e mais… e é uma delícia! Queremos surpreender o público, inclusive o público que conhece os quadrinhos, queremos que êle reconheça aquilo que ama mas também nunca saiba o que vai acontecer. E no episódio 6 vamos por atalhos realmente inesperados…

Robert Kirkman está então completamente envolvido no processo?

Robert Kirkman e alguns amigos no set de The Walking Dead

_ Completamente. É uma das grandes alegrias deste projeto. Ele estava na primeira reunião comigo, em todos os trabalhos de roteiro, estava presente na sala dos roteiristas para criar cada episódio. Eu disse a êle que queria me deter sobre coisas sugeridas nos quadrinhos e criar novas situações a partir delas. E êle apoiou inteiramente, aliás adorou a ideia de ir nessa jornada pegando desvios, fazendo o jogo do “e se…” Para Robert é como fazer um riff novo sobre um tema que êle conhece muito bem.

Os comix levam a trama numa direção super sombria e terrível_ você vai levar a série nessa direção também? Ou existe algum tipo de pressão da AMC para abrandar o material?

_ Não há interferência alguma. Nunca houve, em nenhum momento, qualquer tipo de sugestão, temos liberdade completa para tratar o material.  Imagino que a série vai mesmo ser sombria e assustadora, provavelmente mais sombria e assustadora que qualquer outra coisa que já se viu na TV. Por exemplo: adoro o Governor, é um personagem fantástico e com certeza quero chegar até êle.

Em algum momento você pensou em adaptar The Walking Dead para o cinema?

_ Não. Uma das coisas que amei no material original é seu longo arco narrativo, o modo como a trama se desenvolve gradualmente. E isso é perfeito para TV. É o tipo de história que a TV nasceu para contar. Você pode contar um tipo de história nas duas horas de um filme _ é um foco mais restrito, que você tem que manter se vai fazer a coisa direito, sem alienar a platéia. Na TV você tem essa maravilha que é o tempo para desenvolver uma trama.

To be continued…

Fotos:Theo Kingma; Two Productions/AMC


Rocky Horror Glee Show esquenta a semana de Halloween
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Ana Maria Bahiana

A semana de Haloween na TV continua melhor que nos cinemas. Ontem foi ao ar o muito badalado e antecipado especial Rocky Horror Show de Glee _ que ganhou até pré-estréia à meia noite no mesmo cinema que abriga as midnight sessions do Rocky Horror Picture Show, o poeira-de-luxo Nuart, aqui em Los Angeles. Com roteiro do showrunner Ryan Murphy e direção de Adam Shankman (Hairspray), o episódio foi o campeão de audiência de ontem, com mais de 11 milhões de espectadores.

Pisando com cuidado para não detonar os odiados spoilers, digo que o episódio foi charmoso e divertido, em grande parte porque resolveu muito bem o grande problema da empreitada: como integrar um texto anárquico e sexualmente insolente como Rocky Horror Show com a vida  num ginásio do meio oeste norte-americano como o de Glee.

O outro ponto positivo do Rocky Horror Glee Show foi sua conhecida habilidade de comentar temas atuais e complexos de modo leve mas eficiente _ uma qualidade que, desde o começo, tornou a série da Fox bem diferente de sua rival mais óbvia, a High School Musical da Disney. Diversidade sexual e estética, aceitação do corpo, criatividade, rebeldia versus conformismo, temas comuns em Glee,  encontraram  o lugar certo na inusitada proposta de Mr. Schue (Matthew Morrison) de transformar a peça cult dos anos 1970 em musical ginasiano (por motivos nada educacionais, como se verá). A alfinetada nos métodos alarmistas da direita norte-americana em ano eleitoral ficou por conta da sempre maravilhosa Sue Sylvester de Jane Lynch (com a ajuda de Meat Loaf numa ponta como o novo diretor da estação de TV local).

Na cola de Glee, a nova série da Fox, Raising Hope, também fez bonito com seu episódio de Halloween – com destaque para o Batman mais patético e lírico que já  vi, vestido com orgulho pelo “Jimmy” de Lucas Neff.

Criada por Gregory Thomas Garcia – que era da equipe de My Name is Earl e está estreando como showrunner- Raising Hope tem sido o destaque da nova temporada da Fox, sucesso de crítica e público.

Muito bem escrita, com ótimo elenco (além de Neff, Martha Plimpton, Garret Dillahunt e Cloris Leachman), Hope traz para a tela o cotidiano de um tipo de família que raramente consegue lugar no horário nobre: pessoas de vida muito modesta, com zero auto-piedade. Neff é estoquista num supermercado, criando uma filha de seis meses (a Hope do título) com a ajuda da mãe faxineira (Plimpton), do pai jardineiro (Dilahunt) e da avó doida de pedra (Leachman, genial).

Não esperem discursos populistas _ Raising Hope está mais para Simpsons que para neo-realismo italiano, e sua dose certa de humor e coração é outro exemplo de boa TV.

E já que estamos no tema “boa TV” aproveito para recomendar a nova série policial Luther, da BBC, estrelada e produzida por Idris Elba. Não tem nada a ver com Halloween – descontando os serial killers e companhia – mas é consistentemente genial. Mais ou menos como se House fôsse inglês e trabalhasse para a polícia de Londres…


Em Hereafter, o além é muito chato
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Ana Maria Bahiana

A primeira pergunta que me ocorreu assim que os créditos de Hereafter/Além da Vida começaram a rolar na tela, ao final do filme, foi: como é possível que dois realizadores deste nível – o roteirista Peter Morgan, o diretor Clint Eastwood- tenham conseguido fazer um filme tão chato? O tema é fascinante, intrigante, emocionante: como as vidas de três pessoas tocadas por experiências de perda e morte podem se entrelaçar num plano que, na realidade, transcende tudo isso. Morgan é o brilhante autor dos roteiros de A Rainha e Frost/Nixon, claramente capaz de controlar uma narrativa e  criar nuances em seus personagens. E Clint é…. Clint (e eu ainda não me conformo com a esnobada que Gran Torino recebeu. Creio que a história vai corrigir isso…)

E no entanto… Hereafter/Além da Vida (que está em cartaz em algumas telas neste fim de semana, expandindo seu circuito sexta que vem; no Brasil, dia 7 de janeiro) começa maravilhosamente bem, recriando com perfeição e intensidade o tsunami que arrasou o Sudeste Asiático em 2004. É ali que a jornalista Marie (Cecile de France) tem seu encontro “além da vida”, momento decisivo que vai levá-la a uma jornada de autoconhecimento. A segunda história que a dobradinha Morgan/Eastwood nos apresenta  já vem com menos embalo : em Londres, dois gêmeos (vividos adoravelmente por gêmeos de verdade, George e Frankie McLaren) são separados em circunstâncias trágicas (e, como Morgan não consegue resistir a um fato histórico, os atentados ao metrô de Londres, em 2005, são incorporados à narrativa mais adiante).

Por fim, conhecemos o médium menos carismático da história da parapsicologia: George (Matt Damon), um sensitivo de extraordinários poderes que abandonou esse tipo de trabalho porque, como ele diz à guisa de explicação, “viver em contato com a morte não é vida.”. George, como interpretado por Damon sob a orientação de Eastwood, é um enigma, mas não dos bons. Seus poderes de contato com o além, quando praticados, não parecem perturbá-lo ou sequer emocioná-lo. É mais fácil acompanhar sua paixão por Charles Dickens do que entender o que deveria ser o coração da história: por que ele se sente tão perturbado/assombrado/desencantado com o seu dom de entrar em contato com os que se foram deste mundo.

Esse tom gelado e monótono impera durante todo o filme, depois que as águas do tsunami recuam. Abordar a possibilidade de vida depois da morte, no cinema, é escolha que pode ir pelo viés do terror, do suspense, do drama e até do romance e da comédia. Mas é algo sempre impactante, que exige e merece nossa atenção. O além de Morgan/ Eastwood não tem emoção alguma.

Fiquei intrigada quando Morgan disse que a inspiração para seu roteiro veio da perda súbita de um amigo e a sensação de vazio que sua morte deixou. É material forte, emocionalmente rico, perfeito para um mergulho profundo. Teria Morgan tentado não se envolver mais com a dor da perda? Ou ele é do tipo de escritor que só consegue se expressar através e a partir de fatos reais?

No final – que aliás, é uma das coisas mais forçadas e previsíveis que já vi no filme de um diretor respeitado – uma única pessoa no cinema aplaudiu. Muita gente se virou para ver quem era a alma penada. “Deve ser da família”, o jornalista ao meu lado comentou.


Let Me In: um remake à altura do original
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Ana Maria Bahiana

Fim de semana interessante na bilheteria. Fiquei feliz ao ver a popularidade de The Social Network, o título número 1 nos EUA com 23 milhões de dólares de bilheteria. Para um filme que é  estudo de personagem, diálogo em alta intensidade e recusa de abraçar os padrões herói/vilão, é uma bem-vinda surpresa.

Fiquei triste, contudo, com o fraco desempenho de Let Me In, a refeitura do cultíssimo sueco Let the Right One In – um traço na bilheteria, com pouco mais que 5 milhões de dólares. Triste porque o filme é ótimo, reverente quanto ao material original, delicadamente adicionando referências que tornam a história enraizada não mais num subúrbio de Estocolmo, mas em Los Alamos, Novo México, nos primeiros anos da década de 1980.

Refeituras, em si mesmas, não são nem boas nem ruins – são apenas mais uma forma de abordar conteúdo pré-existente, como adaptações de livros, graphic novels, séries de TV. É verdade que a grande maioria das refeituras são bobagens colossais – banalizações de algo que fazia todo sentido do mundo na versão original. Mas um bom conceito e uma boa história, com sólida estrutura e personagens completos, pode, sim, ser transplantada de lugar, tempo e referência cultural e se transformar em algo muito interessante. Penso em Carne Trêmula, Os Infiltrados, Sete Homens e um Destino, entre outros.

Let Me In com certeza está nesta nobre lista. Antes de ser diretor no cinema (na TV ele já tinha vasta experiência) Matt Reeves era roteirista, assinando dois títulos excelentes: The Pallbearer, de 1996, e The Yards, de 2000. Ao trazer Let The Right One In da Suécia para o final do inverno no Novo México de 1983 Reeves fez, e primeiro lugar, um admirável trabalho de roteiro, simplificando elementos (que já haviam sido sintetizados pelo próprio autor , John Lindqvist,  no filme original, uma adaptação do  seu bem mais complicado livro) e firmando a tragédia da história em cultura pop, religiosidade e hábitos sociais coerentes com a realidade norte americana na era Reagan.

O elenco é excepcional – com destaque para Chloe Moretz, nova iteração de Jodie Foster,  Kodi Smit-McPhee, vindo de A Estrada, e o sempre ótimo Richard Jenkins, como o guardião da menina. E a trilha de Michael Giacchino tem a dose certa de lirismo e treva que a história exige.

Boas refeituras tem um elemento em comum – ao levar uma história de um meio ambiente para outro, ressaltam o que havia de essencialmente brilhante no material original. A profunda solidão de todos os protagonistas de Let Me In – não apenas as crianças, mas os adultos à sua volta, também – a escuridão de um mundo que fala muito em “bem”  e “mal” mas não consegue definir nem um nem outro iluminam o filme de Matt Reeves como um sol da meia noite bizarramente perdido sobre as mesas do Novo México.