Blog da Ana Maria Bahiana

Angelina Jolie, direto do set em Budapeste: “Nunca tive medo de ser diretora”
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Ana Maria Bahiana

Angelina Jolie no set, em Budapeste

Minha colega Aniko Navai teve, recentemente, um raro privilégio: foi a única jornalista convidada para visitar o set do projeto, ainda sem título, que Angelina Jolie escreveu e está dirigindo, em sua primeira investida atrás das câmeras, em locação no leste europeu. Há uma boa razão por Aniko ter sido escolhida: as filmagens estão, neste momento, em Budapeste, e ela é uma das mais respeitadas jornalistas da Hungria, e pessoa querida no meio de cinema, miutas vezes fazendo ponte entre o talento local e os mercados mundiais.

Por especial cortesia de Aniko, aqui vão trechos da entrevista _ que pode se lida na íntegra (e em inglês) aqui, no site do jornal Vasarnapi Hirek.

Um pouco de pano de fundo: Angelina escreveu o roteiro para o projeto, ainda sem nome, baseada , como ela explica aqui, em sua pesquisa sobre conflitos recentes. São várias histórias que se entrelaçam nas vésperas , durante e depois da guerra na Bósnia, nos anos 1990 . Em uma delas, uma mulher muçulmana e um homem sérvio tem um romance complicado, o que provocou tremenda controvérsia na Bósnia, onde Angelina planejava filmar.

A nova diretora não aborda a questão diretamente nesta conversa, mas garante que seu filme é sobre “a tentativa de manter a humanidade nas piores condições possíveis”.

O que lhe deu a ideia para a história?

_ Sempre tive uma enorme frustração com o tempo que demora para que haja uma intervenção  , para que se compreenda um conflito e o mundo dê assistência a quem precisa, e a informação correta chegue à comunidade internacional. Conheci tanta gente ao longo dos anos que esta história, de certa maneira, poderia se passar em qualquer lugar.

Em resumo, conhecemos duas pessoas na véspera da guerra e vemos o que suas vidas poderiam ter sido. Conhecemos os dois quando eles ssão jovens, cheios de esperança, como tantas outras vidas maravilhosas na Iugislávia, um povo único, incrível. E aí a guerra começa na Bosnia e vemos como as pessoas tentam se manter apegadas à sua humanidade mesmo vivendo dentro da guerra e testemunhando a morte de pessoas próximas, família, amigos…  Para mim a ideia central foi: é possível intervir de um modo a encurtar esse sofrimento? Veja Darfur, hoje _ isso se arrasta há anos!

O conflito na Iugoslávia tem uma longa história antes e depois da guerra….

_ É verdade. Eu precisei aprender muito. Começou como uma história simples mas, para leva-la adiante, eu vi que tinha que me educar. Fiz muita epsquisa. Assisti documentários e filmes, entrevistei especialistas e, no final, escolhi pessoas do lugar para o elenco e me sentei com eles para ouvir suas histórias, o que eles fizeram durante a guerra, como eles sobreviveram, o que suas famílias enfrentaram. Eles me ajudaram a completar a história. Há muitos lados diferentes neste conflito e no filme, e eles me disseram como cada um deles se sentiu. Tentamos criar uma voz coletiva.

Você sempre afirmou, com grande veemência, que seu projeto não era uma declaração política e sim uma história humana…

_Não é minha intenção fazer uma declaração política. Meu objetivo é falar com pessoas de todos os lados da sitiuação e permitir que eles tenham uma voz. Permitir que tudo seja expressado, seja crueldade, esperança, beleza, o que for.. Se você conta algo corretamente, não é mais o seu ponto de vista, é o ponto de vista deles.

Você ainda pretende filmar na Bósnia?

_Sim. Vamos à Bósnia. Qualquer pessoa contando uma história sobte um outro povo tem que ter a sensibilidade de saber que nunca será possível compreender inteiramente como o outro se sente. É preciso ser extremamente respeitoso e cuidadoso. Eu sei que eu e todas as pessoas da equipe, aqui, estão vendo o projeto da forma correta, com a perspectiva correta e a intenção de ser respeitoso. Eu amo tanto esta parte do mundo!

Já perdeu o medo de dirigir um filme?

_ Nunca tive… desde o primeiro dia amei a experiência tanto quanto sempre amei atuar. Há algo especial no trabalho de diretor _ você passa a conhecer a equipe e o elenco muito mais profundamente. Você realmente se torna parte de um time. Um ator participa das cenas, trabalha com outros atores. Mas como diretor você conhece todo mundo, a equipe de câmera, os eletricistas, os ajudantes, o departamento de arte… e trabalha com todos eles.


Crônica de uma morte não anunciada: a corrida do ouro começa à sombra de um crime
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Ana Maria Bahiana

Ficção, realidade: Tim Robbins em O Jogador...

... e a cena do crime, em Beverly Hills

Com a cidade (e muitos amigos e colegas) ainda em estado de choque com o brutal assassinato de Ronni Chasen, a largada da Corrida do Ouro 2010, esta semana, foi estranha, comedida. Uma espécie de névoa de tristeza e apreensão pairava sobre todos os eventos, as pessoas pelos cantos com copos de vinho na mão sem saber o que dizer, profissionais-chave sumidos, abalados pela perda, pelo absurdo do crime, incapazes de se engajar na mandatória efervescência deste ciclo hollywoodiano.

Numa mostra do status de Ronni na indústria, os seis maiores estúdios estão custeando todas as despesas de seu sepultamento, e o festival de Palm Springs – que Chasen ajudou a criar e onde militava- está oferecendo uma recompensa de 100 mil dólares para a identificação e captura de seu assassino ou assassinos.

Eventos não estão sendo cancelados _ como me disse um colega e amigo dela, “Ronni ficaria furiosa” se isso acontecesse em seu nome _ mas o clima não é o mesmo. É como se todos se sentissem um pouco ameaçados, o destroçamento de suas claras visões de uma vida especial dentro da vida banal dos “civis” (os que não trabalham na indústria). Se aconteceu a um de nós…. pode acontecer a todos nós?

Ouço ecos de O Jogador, o sensacional filme de 1992 de Robert Altman (melhor que o livro em que se baseia, de Michael Tolkin) sobre assassinatos entre não-civis e os bizarros e complexos laços entre ficção e realidade numa cidade sempre tão precariamente equilibrada entre uma coisa e outra.

É interessante que as primeiras reações mais comuns, passado o choque inicial, foram 1. Afirmar que o crime era um fato “isolado e incomum” na gazilionária Beverly Hills, “ainda o bairro mais seguro do mundo'' ; 2. Notar as semelhanças entre o trágico fato real e as imaginárias tramas de cinema e TV que ocupam tanta gente na cidade, todos os dias.  É claro que já ligaram para o escritório de Dick Wolf, o homem que criou e produz a franquia Law & Order (onde casos reais inspiram grande parte dos episodios) para perguntar se haveria algum roteiro sendo escrito sobre uma divulgadora assassinada depois de uma premiere, em plena Beverly Hills; 3. Narrar o drama real como se fosse um filme ou série de TV, destinado a esta ou aquela “plateia” (civis, não -civis…)

Acho significativo também que as primeiras teorias que vieram à tona, elaboradas pelos círculos imediatos à tragédia, imaginam os assassinos como pessoas de fora do meio: um motorista anônimo, furioso, inebriado e, é claro, só de passagem pelo bairro; uma gangue de alguma “vizinhança mais barra pesada”, em busca de “uma loura bonita num carro caro” para um ritual de iniciação. Os outros, sempre, são tão mais perigosos que nós, no modo hollywoodiano de contar histórias…

Há uma outra teoria emergindo agora, mais viável pelo menos como modo de execução: um assassinato por encomenda, muito bem organizado, pilotado por alguém que a seguiu desde a premiere, e executado por um parceiro escondido na praça – escura, arborizada- que fica do outro lado da rua que é o caminho mais curto para a casa da vítima. Faz sentido, como narrativa. Mas um roteiro assim ainda fica sem a peça principal: por que?


Um crime abala Hollywood: quem mataria uma estrategista de prêmios? E por que?
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Ana Maria Bahiana

Ronni Chasen com Danny Boyle, na festa do Oscar por Quem Quer Ser Um Milionário

Na noite de segunda feira Ronni Chasen, divulgadora veterana, uma das pioneiras em estratégia da temporada de prêmios e pessoa muito querida na indústria, chegou cedo ao tapete vermelho em frente ao Chinese Theater. Como fazia sempre em suas três décadas de trabalho em Hollywood, Chasen acompanhou um a um os executivos e astros de um dos projetos para esta temporada de prêmios, a trilha do musical Burlesque, estrelado por Cher e Christina Aguilera., em premiere no Chinese.

Encerrada a exibição, Chasen rumou para o recém inaugurado hotel W, a  cinco quarteirões do Chinese, para a festa no badaladíssimo Drai’s, na cobertura (cenário de vários episódios de Entourage). Chasen trocou histórias e piadas com amigos e conhecidos até um pouco depois da meia noite, quando desceu sem que ninguém visse _ coisa nada difícil numa festa dominada por Cher…

O que aconteceu depois tem poucas certezas: Chasen pediu no valet seu Mercedes preto, rumou para Westwood, onde morava e, cerca de 15 minutos depois de partir de Hollywood, telefonou do carro para seu escritório, deixando na caixa de mensagens uma longa mensagem com instruções para seus funcionários, cobrindo tarefas para o dia de terça. Mais ou menos aos 28 min da madrugada de terça os moradores do pacatíssimo e milionário cruzamento da famosa Sunset Boulevard com a rua Whittier, no coração de Beverly Hills, ouviram um som absurdo: uma rápida sucessão de tiros. Quando saíram de casa, encontraram o Mercedes de Chasen preso a um poste de luz, sua motorista inconsciente e ensanguentada, o peito cravado por cinco tiros. Chasen ainda estava viva, mas chegou morta ao hospital, para onde foi transportada logo depois.

Chasen no tapete vermelho da premiere de Burlesque, horas antes de sua morte

Ao longo do dia de hoje, a indústria sacudiu coletivamente a cabeça. A sensação de perda – agravada pelo fato de ontem ter sido o enterro de Dino de Laurentiis, um dos últimos produtores visionários da cidade – mistura-se com espanto, descrença, horror, paranóia. Cinco tiros? Em Beverly Hills (onde, em 2009, não se registrou um homicídio sequer)? E por que Ronni Chasen, pessoa de currículo notável e vasto círculo de amigos de peso? E por que agora, no primeiro patamar da temporada de prêmios, onde Ronni era uma personagem importantíssima?

Ronni Chasen começou sua carreira na prestigiosa empresa de marketing e divulgação Rogers & Cowan, foi vice presidente de marketing da MGM nos anos 1990 e há duas décadas pilotava divulgação e marketing especializado em sua própria empresa. Era uma fera do marketing estratégico de  prêmios _ entre muitos outros, os premiados Quem Quer Ser um Milionário, Guerra ao Terror e Coração Louco devem muito a ela.

Este ano, além da trilha de Burlesque, Chasen estava trabalhando nas campanhas de Alice no País das Maravilhas 3D, de Michael Douglas por Wall Street 2, e, como há tempos, divulgando seu amigo e velho cliente Hans Zimmer  _ devo a Ronni a intermediação que rendeu a entrevista aqui para o UOL Cinema, sobre a trilha de Inception-A Origem. E embora não possa dizer que ela seja minha amiga, tínhamos uma longa e produtiva relação de trabalho e respeito mútuos _ era uma super profissional, incansável e correta.

Estou, como tanta gente na cidade, em choque. As investigações estão indo a toda velocidade – como vocês podem imaginar, há pressão para que seu assassino ou assassinos sejam descobertos o mais rápido possível. E, sobretudo, que a grande pergunta possa ser respondida: por que?


Harry Potter e as trevas dos tempos
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Ana Maria Bahiana

“Vivemos em tempos sombrios”, é a primeira frase que se ouve, logo na abertura de Harry Potter e as Relíquias da Morte, parte I, penúltimo filme da bilionária franquia criada a partir dos best sellers de J K Rowling. “Tempos realmente sombrios, como nunca enfrentamos antes”, continua a voz que, em breve, veremos pertencer ao Ministro da Magia (Bill Nighy) em super close.  Estamos no terceiro e último ato da jornada do herói Harry Potter (Daniel Radcliffe) , da inocência ao despertar do seu destino e, agora, sua conclusão. As perspectivas, como as de todos os seres humanos, não são amenas: testados pelos desafios da adolescência, Potter e seus companheiros Ron e Hermione (Rupert Grint, Emma Watson) são agora adultos, em confronto com as forças da mortalidade, do tempo e do legado de suas famílias.

Uma das (muitas) formas de compreender a obra de Rowling é como um grande arco metafórico sobre a difícil tarefa de viver: da infância à primeira maturidade, perdendo a inocência, ganhando sabedoria, descobrindo um lugar no mundo e, com ele, aliados e inimigos. Cada gesto mágico que Rowling oferece a seus personagens é, também, um processo de crescimento interior, um modo de resolver, em sua narrativa cheia de fantasia, os dilemas e encruzilhadas que fazem parte do trabalho de ser humano.

Outro modo é ver a saga de Potter e seus amigos como um comentário social e político. É interessante, por exemplo, notar como os livros, escritos entre 1997 e 2007, perdem progressivamente o tom alegre e otimista à medida em que o próprio mundo fora de Hogwarts – o nosso mundo, dos muggles  do outro lado da página, e, por consequencia, de Rowling, também – se torna mais desesperadoramente complicado.

Concluída, a saga é também uma grande metáfora sobre nossa luta, como espécie, para suplantar o nosso “lado sombrio”, a eterna fome de poder e controle que nos leva aos desatinos que pontuam nossa breve história neste planeta. É a mesma jornada de JRR Tolkien em Senhor dos Anéis, escrito antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, e por sua vez sugerido por um dos mais antigos mitos sobre a corrupção do poder, o ciclo de histórias do Anel dos Nibelungos que inspirou Wagner em sua obra magna.

Levar tudo isso para o cinema de um modo que, nas palavras do roteirista Steve Koves, “respeite o universo de Rowling e inclua os elementos necessários para um blockbuster” é um desafio de fino equilíbrio. Quando finalmente a saga cinematográfica se concluir, em julho de 2011, que filmes serão lembrados como obras de cinema que caminham pelos próprios pés? Aposto em Prisioneiro de Azkaban, de Alfonso Cuarón.

Mas no final das contas o competente David Yates, que dirigiu mais filmes Harry Potter que qualquer outro realizador, possivelmente será lembrado como a pessoa que cristalizou a forma cinematográfica da série. Yates desimcumbe-se bravamente desta primeira parte do difícil e sombrio Relíquias da Morte. Fãs dos livros (e até não-leitores) provavelmente vão estranhar a ênfase em sequencias de ação _ a perseguição pelas ruas de Londres, por exemplo, com toda cara de videogame. A enorme quantidade de informação que precisa ser passada às vezes congestiona o fluir da narrativa, mas tudo é resgatado pela maravilhosa maneira que Yates encontrou para contar a história das relíquias da morte em si, numa sequencia de animação que é puro lirismo.

O recurso de dividir o último livro em dois filmes cheira  a ganância _ como muito bem aponta Todd McCarthy em sua resenha, o mais longo dos livros, A Ordem da Fênix, foi resolvido em um só filme por  Yates.. Mas agora, como a maturidade de Harry, Ron e Hermione, o exílio do paraíso de Hogwarts, o Ministério da Magia corrompido e a sombra onipresente de Voldemort (Ralph Fiennes)  isso é um fato consumado.

Harry Potter e as Reliquias da Morte, parte I estreia aqui e no Brasil dia 19 de novembro.


Fair Game: o jogo do poder é imundo, mas Naomi Watts é emocionante
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Ana Maria Bahiana

Naomi Watts e Sean Penn em Fair Game...

... e os verdadeiros Joe Wilson e Valerie Plame.

Em 2002, determinada a achar uma razão para invadir o Iraque, a administração W. Bush pressionava todas as agências de inteligência  dos EUA: elas tinham de qualquer maneira que achar  as tais armas de destruição em massa que estariam sendo preparadas desde os tempos de Bush, pai.  No esforço de descobrir o que, soube-se depois, não havia, a CIA despachou o ex-diplomata Joe Wilson, grande conhecedor da África sub-saariana, para o Níger, com a missão de confirmar a venda de um enorme volume de urânio para o Iraque. Wilson não achou coisa alguma e disse isso, com todas as letras, em seu relatório.

Quando, um ano depois, Bush, em seu discurso anual para o Congresso, afirmou que a venda tinha sido efetuada. Wilson – famoso por ter o pavio curto – escreveu um artigo para o New York Times que, já no título, tirava o tapete do presidente e sua turma: “O que eu não encontrei na África.”

Seis meses depois, um jornalista conservador e enturmado com a Casa Branca foi o porta voz do troco: um artigo no Washington Post no qual levantava dúvidas sobre o caráter e as intenções de Wilson e revelava que a mulher dele, Valerie Plame, não era a executiva de uma empresa de investimentos como até seus amigos mais íntimos pensavam e sim uma agente da CIA – que, não por acaso, também não conseguira “achar” as armas de destruição em massa no Iraque.

Esta rede federal de mentiras é o foco de Fair Game (Jogo de Poder, 14 de janeiro no Brasil), o filme de Doug Liman que estreou neste fim de semana nos EUA, em lançamento limitado). Liman é um diretor interessante: começou sua carreira com filmes super indie (Swingers, Go), escreveu a gramática do que viria a ser a triunfante franquia Bourne com o primeiro filme da série (do qual quase foi demitido) e criou Brangelina com Sr. e Sra Smith.

Em Fair Game Liman está a meio caminho entre o blockbuster de ação e o estudo de personagem do cinema independente. Operando ele mesmo a câmera (a digital Red) com a urgência de um documentário e trabalhando com o orçamento de 22 milhões, modesto para um filme desta categoria, com locações em vários países, Liman captura o espectador abrindo a trama com uma sequencia que  cairia bem num thriller de espionagem; e, depois, concentra-se no que realmente quer dizer: o quanto uma trama mentirosa a serviço da manutenção do poder fraciona a vida de um país, de uma sociedade e, no caso de Wilson e Plame, uma família.

É um filme sólido e emocionante, em grande parte por conta da maravilhosa interpretação de Naomi Watts como Plame.  Com um rosto que é uma paisagem emocional em movimento – coisa rara na era do botox- Naomi revela toda a complexidade e humanidade de um tipo de personagem- o espião- que no cinema, em geral, tem uma nota só, na linha “atire primeiro e faça perguntas depois”. Sean Penn é ótimo para papéis de figuras difíceis como Wilson, mas é a mistura de força e delicadeza que Naomi traz para sua Valerie que nos prende à tela, além das imundícies do poder.


Danny Boyle fala sobre 127 Horas: “É um thriller, um drama e não uma reflexão pastoral”
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Ana Maria Bahiana

Estréia amanhã aqui nos EUA  127 Horas, o novo filme de Danny Boyle  que, me  parece, bateu o recorde de O Exorcista em número de pessoas passando mal no cinema (e antes mesmo  de ir para o circuito comercial!).

Seria pena se 127 Horas entrasse na narrativa do cinema apenas como provedor de sustos e horrores – como o filme de William  Friedkin foi, no início. É um belo filme, uma jornada interior traduzida em imagens.

Achei que seria uma boa ocasião para deixar o próprio Danny Boyle falar _ Boyle passou feito um relâmpago por Los Angeles para promover a estréia norte americana de 127 Horas_ e depois, de volta a Londres onde está adiantado o desenvolvimento de mais um Extermínio (desta vez, 28 Months Later, e Boyle, além de produtor, quer pilotar a direção).

AVISO: se você realmente não sabe quem é Aron Ralston e o que aconteceu com ele em maio de 2003 – e que inspirou seu livro Between A Rock and A Hard Place e 127 Horas – você tem duas opções: se informar ou  ler esta entrevista sem entender muito bem o que estamos debatendo (porque, como disse antes, não vou ser eu quem vai contar…)

Você estava trabalhando nesse projeto há muito tempo?

_ Acompanhei o acidente de Aron pela mídia e li o livro dele. Mas foi quando conheci Aron em 2006  que senti que havia um filme ali. Conversei na época com Christian (o produtor Christian Colson, parceiro de Boyle em seus projetos) e ele não concordou. Queria fazer um documentário, e eu sempre quis fazer uma narrativa na primeira pessoa, uma experiência de imersão na jornada interior de Aron _ que, para mim, sempre foi o mais fascinante. Na minha cabeça o que eu queria era estar no canyon com ele, em seus pensamentos, suas alucinações… Escrevi uma sinopse e finalmente convenci Christian. E aí veio o sucesso de Quem Quer Ser Um Milionário e de repente algo que podia ser muito difícil se tornou possível…

Muita gente não teria a mesma visão que você. É um drama tão  individual, tão pessoal, um homem preso no fundo de um canyon…

_ Exatamente, por isso imediatamente eu vi uma narrativa completamente imersiva, em que as pessoas pudessem estar naquele canyon com ele e… sei que parece pretensioso mas.. eu vi que o único modo que a história poderia funcionar seria se o público pudesse, por assim dizer, ajudar Aron a fazer o que ele precisa fazer. Porque de outro modo…. Eu teria multidões saindo correndo do cinema, berrando “isso é insuportável, não consigo ver uma coisa assim!”..

Algumas pessoas estão passando mal mesmo assim…

_ Bom, não dava para não mostrar o momento que, nas palavras do próprio Aron, mudou e redefiniu a vida dele. Eu precisava honrar esse momento, a coragem dele. E não podia ser um segundinho e cortamos para ele fora do canyon. Na realidade ele levou 44 minutos fazendo o que fez. Era fundamental manter essa perspectiva e, mais uma vez, colocar o público junto com ele.

Como você escolheu James Franco para viver Aron Ralston? Fisicamente, não há muita semelhanca, pelo menos à primeira vista..

_ Mas há uma tremenda conexão emocional. James tem um tremendo senso de humor, e uma enorme capacidade dramática. É um espectro de desempenho muito vasto , ele pode nos levar ao drama e ao sofrimento e ao mesmo tempo ser um palhaço, brincar. Quando se passa um tempo com Aron você vê que ele é exatamente assim.

Você é uma pessoa que curte montanhismo, aventura, esportes radicais? A natureza é um grande personagem de 127 Horas.

_ Sou uma pessoa completamente urbana. Simon (Beaufroy, roteirista) é que gosta de escalada e acampamento. E foi por isso que pensei nele em primeiro lugar para fazer o roteiro comigo. Eu acho que, como espécie, nós, humanos, gostamos de estar juntos. Há algo no nosso DNA que nos compele a buscar uns aos outros e por isso estamos em geral aglomerados em cidades. Mas em toda tribo há os outsiders e na nossa, muitas vezes, são pessoas como Aron, que só se sentem realmente felizes sozinhos na natureza, e que, acho, nos desprezam um pouco.  Não pude deixar minha sensibilidade urbana de lado _ filmei 127 Horas com uma linguagem completamente urbana, dinâmica. Para mim é um thriller e um drama pessoal, não uma reflexão pastoral sobre a natureza.

127 Horas estréia dia 18 de fevereiro no Brasil. Volto a esta entrevista, com mais detalhes da produção, nessa época.


Último episódio da trilogia Frank Darabont: ”O poder do cinema fantástico é nos dar pesadelos sob controle”
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Ana Maria Bahiana

Darabont e parte de sua coleção, em seu escritório em Los Angeles

Nos episódios anteriores (posts dos dias 29 e 30/10) o diretor, roteirista e produtor Frank Darabont conta como nasceu e foi produzida  a série The Walking Dead, que  foi sucesso ontem aqui nos EUA e estreia amanhã, dia 2, no Brasil. Na terceira e última parte de nossa conversa, Darabont fala sobre seus pesadelos (estressantes), o estado de coisas no mundo e na indústria (aterrorizador), o eterno poder do medo na tela (sensacional) e como Guillermo del Toro e Alfonso Cuaron restauraram sua fé na humanidade e no cinema.

Qual é, na sua opinião, o tema central de The Walking Dead?

_ É uma jornada de um estado de perplexidade para a possibilidade de sobrevivência . E, finalmente, a perda gradual da inocência e da esperança.

Isso é terrível… seus zumbis estão dizendo, então, que a humanidade não tem saída, que jamais vamos conseguir consertar nossos erros?

_ Quando eu era mais jovem eu era mais otimista (ri). É fácil ser otimista na juventude. Quanto mais você vive, mais você vê como o jogo é sujo, como são cartas marcadas, e como a ganância é o motor de tudo. Mas, debaixo do meu profundo e horrível cinismo (ri mais ainda) ainda existe uma fagulha de otimismo. Senão… não valia a pena sair da cama, não é? Melhor fazer as malas e… (faz o gesto de dar um tiro na cabeça). Bum!

Com certeza eu amadureci muito ao ver, ao longo dos anos, como nossos sistemas políticos e financeiros são desesperadoramente corruptos, e como nossa espécie é desesperadoramente corrupta. É difícil achar nobreza no ser humano, acreditar na grandeza do espírito humano. Talvez em indivíduos, mas não no todo , em grupos, na espécie humana. Os zumbis são uma metáfora  clara para isso. A falta de racionalidade da espécie humana, e como somos perigosos, destruidores e estúpidos em grupos…

E qual o papel do cinema, nisso?

_ Eu já fui mais otimista quanto ao cinema, também… (ri) Hoje em dia eu vejo muito mais qualidade na televisão,  textos brilhantes, e, com certeza, temas adultos e complexos. Ouso dizer que os temas adultos e complexos, cada vez mais, vão ser privilégio da TV. É onde estão as oportunidades para abordar esses temas e contar essas histórias. Os filmes, hoje, não são tanto sobre as histórias e sim sobre a oportunidade de efeitos espetaculares. Veja bem, não tenho nada contra um filmão pipoca, adoro um  bom filmão pipoca, mas tem que ser bom, e não pode ser apenas pipoca… Fico triste pensando que, hoje, um filme como Um Dia de Cão (Sidney Lumet,  1975) talvez não conseguisse ser feito. A não ser na TV por assinatura.

Nenhuma esperança, então?

_ Na TV, com certeza, sim. Sou cada vez mais fã do que está se fazendo na TV. Battlestar Gallactica … demorei a descobrir essa série, mas quando vi, me apaixonei, comprei a caixa de DVDs e vi sem parar durante dias, trancado em casa. Sumi! E The WireDead Set… Mas tenho que admitir uma coisa: quando estou no meu pior pessimismo lá vem um filme ou dois que restauram minha fé. Aquele ano que teve O Labirinto do Fauno e Filhos da Esperança… fiquei empolgadíssimo. Ainda havia cinema! O cinema ainda era capaz de comover, contar histórias, fazer metáforas, abordar temas profundos! Fiquei imensamente grato a Guillermo del Toro e Alfonso Cuaron por restaurarem minha esperança.

O que aconteceu com seu projeto de refilmar Fahrenheit 451?

_ Não consigo  fazer, não é? Não consigo financiar. Mas não desisti.  E uma coisa tenho que dizer: Mel Gibson, que estava envolvido no projeto como diretor, graciosamente passou-o de volta para mim. Isso é muito raro nesta indústria, onde as pessoas se agarram aos projetos o quanto podem. Não sei o que está acontecendo com Mel estes dias mas, comgo, ele sempre foi corretíssimo.

Dos seus filmes, qual é o seu favorito?

_ Boa pergunta…  Um Sonho de Liberdade, é claro, tem toda uma carga, ganhou uma dimensão muito maior do que eu esperava. Mas adoro O Nevoeiro. É um filme raivoso, furioso. Eu estava furioso, muito frustrado, com raiva de tudo. E consegui por isso na tela de um modo muito bacana.

E entre os filmes dos outros?

_Ih, tem tantos…. Todos os de Frank Capra e Billy Wilder, para começar. Noite dos Mortos Vivos, de George Romero que me apavora até hoje e é um filme ousadíssimo  para seu tempo _ um negro é o líder! Em 1968!  E os monstros somos nós mesmos, nos devorando…E minha paixão, Frankenstein, o livro de Mary Shelley e o filme de David Whale. É a história mais potente que já foi contada, na minha opinião. Como uma garota de 18 anos pode ter escrito algo assim? Para mim é a história do drama essencial da humanidade em busca de Deus, do Criador, e perguntando a Êle: quem eu sou? Por que você me criou? Qual a minha finalidade?  E também é uma história sobre pais e filhos, e sobre uma criança, uma criatura-criança, maltratada e abandonada por seu pai.

Esse, para mim, é o poder do cinema, e principalmente do cinema de terror e de fantasia – nos proporcionar pesadelos sob controle, dos quais sabemos que vamos acordar e tudo vai estar bem, lá fora. E, dessa forma, podermos meditar e ter a experiência de nossas questões mais profundas.

Você tem pesadelos?

_ Não muitos. Em geral, antes de começar um filme, tenho pesadelos de ansiedade. Ele vão embora no set. Quando começo a filmar está tudo bem. Tenho também um pesadelo recorrente, desde a adolescência: que matei uma pessoa e enterrei no jardim da minha casa…. (Darabont fica quieto por um tempo, depois começa a rir) Ei! Vai ver que é aquele que está lá no jardim!

Fotos: Theo Kingma e Two Productions/AMC