Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : JK Rowling

Harry Potter e as trevas dos tempos
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

“Vivemos em tempos sombrios”, é a primeira frase que se ouve, logo na abertura de Harry Potter e as Relíquias da Morte, parte I, penúltimo filme da bilionária franquia criada a partir dos best sellers de J K Rowling. “Tempos realmente sombrios, como nunca enfrentamos antes”, continua a voz que, em breve, veremos pertencer ao Ministro da Magia (Bill Nighy) em super close.  Estamos no terceiro e último ato da jornada do herói Harry Potter (Daniel Radcliffe) , da inocência ao despertar do seu destino e, agora, sua conclusão. As perspectivas, como as de todos os seres humanos, não são amenas: testados pelos desafios da adolescência, Potter e seus companheiros Ron e Hermione (Rupert Grint, Emma Watson) são agora adultos, em confronto com as forças da mortalidade, do tempo e do legado de suas famílias.

Uma das (muitas) formas de compreender a obra de Rowling é como um grande arco metafórico sobre a difícil tarefa de viver: da infância à primeira maturidade, perdendo a inocência, ganhando sabedoria, descobrindo um lugar no mundo e, com ele, aliados e inimigos. Cada gesto mágico que Rowling oferece a seus personagens é, também, um processo de crescimento interior, um modo de resolver, em sua narrativa cheia de fantasia, os dilemas e encruzilhadas que fazem parte do trabalho de ser humano.

Outro modo é ver a saga de Potter e seus amigos como um comentário social e político. É interessante, por exemplo, notar como os livros, escritos entre 1997 e 2007, perdem progressivamente o tom alegre e otimista à medida em que o próprio mundo fora de Hogwarts – o nosso mundo, dos muggles  do outro lado da página, e, por consequencia, de Rowling, também – se torna mais desesperadoramente complicado.

Concluída, a saga é também uma grande metáfora sobre nossa luta, como espécie, para suplantar o nosso “lado sombrio”, a eterna fome de poder e controle que nos leva aos desatinos que pontuam nossa breve história neste planeta. É a mesma jornada de JRR Tolkien em Senhor dos Anéis, escrito antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, e por sua vez sugerido por um dos mais antigos mitos sobre a corrupção do poder, o ciclo de histórias do Anel dos Nibelungos que inspirou Wagner em sua obra magna.

Levar tudo isso para o cinema de um modo que, nas palavras do roteirista Steve Koves, “respeite o universo de Rowling e inclua os elementos necessários para um blockbuster” é um desafio de fino equilíbrio. Quando finalmente a saga cinematográfica se concluir, em julho de 2011, que filmes serão lembrados como obras de cinema que caminham pelos próprios pés? Aposto em Prisioneiro de Azkaban, de Alfonso Cuarón.

Mas no final das contas o competente David Yates, que dirigiu mais filmes Harry Potter que qualquer outro realizador, possivelmente será lembrado como a pessoa que cristalizou a forma cinematográfica da série. Yates desimcumbe-se bravamente desta primeira parte do difícil e sombrio Relíquias da Morte. Fãs dos livros (e até não-leitores) provavelmente vão estranhar a ênfase em sequencias de ação _ a perseguição pelas ruas de Londres, por exemplo, com toda cara de videogame. A enorme quantidade de informação que precisa ser passada às vezes congestiona o fluir da narrativa, mas tudo é resgatado pela maravilhosa maneira que Yates encontrou para contar a história das relíquias da morte em si, numa sequencia de animação que é puro lirismo.

O recurso de dividir o último livro em dois filmes cheira  a ganância _ como muito bem aponta Todd McCarthy em sua resenha, o mais longo dos livros, A Ordem da Fênix, foi resolvido em um só filme por  Yates.. Mas agora, como a maturidade de Harry, Ron e Hermione, o exílio do paraíso de Hogwarts, o Ministério da Magia corrompido e a sombra onipresente de Voldemort (Ralph Fiennes)  isso é um fato consumado.

Harry Potter e as Reliquias da Morte, parte I estreia aqui e no Brasil dia 19 de novembro.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>