Blog da Ana Maria Bahiana

Drive, Moneyball: celebrando a solidão do herói
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

 

Devo, não nego, um apanhado dos primeiros lançamentos da temporada-ouro. Comecemos por aqui:

“Existem 10 mil ruas nesta cidade e eu conheço todas elas “, diz a narração off. “Eu dirijo. Não carrego armas, não participo de nada. Dou a você duas horas. O que acontece nessas duas horas é responsabilidade minha. O que acontece antes e depois, eu não quero  saber.”

A voz é do anônimo motorista/dublê vivido por Ryan Gosling em Drive, o excepcional filme que marca a estreia do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn numa produção norte-americana (ainda que independente, cortesia da Film District, divisão da GK Films).

Drive começou como um belo livro  de James Sallis, um expert no neo-noir que explora a evolução do crime sob o sol de California, Arizona, Nevada, nas décadas depois da sacramentação do gênero. Na adaptação magistral de Hossein Amini (Paixão Proibida, Asas do Amor), cenário, tramas e personagens foram depurados e concentrados: tudo se passa agora entre uma oficina mecânica, um prédio modesto e uma pizzaria , com um set de filmagem e uma loja de penhores no meio, entre as 10 mil ruas do vasto, complicado município de Los Angeles.

Numa feliz sincronicidade que pode ser obra tanto do acaso quanto de intensa colaboração, o motorista sem nome de Ryan Gosling é a soma perfeita de todos os heróis/antiheróis da obra de Refn: lacônico, contido, seu mundo interior, emocional, trancado a mil chaves e só percebido por mínimos gestos, expressões, olhares.

Refn, que não conduz (porque foi reprovado várias vezes na prova de direção), foi escolhido pessoalmente por Gosling, fã de seu trabalho e do livro de Sallis. Depois de um primeiro encontro desastroso – Refn, gripadíssimo, passou mal à mesa – uma carona de Ryan e uma longa conversa on the road cimentaram a colaboração para criar o protagonista, absolutamente central à história. Nas palavras de Refn, “um homem que se define pelo que faz _ no caso, dirigir.”

Exemplo perfeito: a sequencia de abertura, um primor de fotografia, som e montagem, onde, sem diálogo, passamos a saber tudo sobre o personagem de Gosling, enquanto ele pratica, brilhantemente, seu segundo emprego _ pilotar carros de fuga para grandes roubos. Seu primeiro emprego é motorista-dublê em filmes, o que imediatamente cria uma interessantíssima justaposição de ficção e realidade, tão perfeita tradução de Los Angeles.

O gradual envolvimento com uma vizinha – Carrie Mulligan, excelente – leva nosso anti-herói a um “trabalho” especialmente arriscado, que vai abalar todas frágeis cadeias de seu pequeno mundo: a oficina mecânica do seu mentor – o sempre extraordinário Bryan Cranston, no avesso do seu Mr. White de Breaking Bad – e Nino (Ron Perlman) e Bernie (Albert Broks, absolutamente sensacional) os donos da pizzaria e investidores do seu possível novo projeto, um espetáculo ambulante de stunts.

Refn dirige Drive com o rigor e a clareza de olhar que são a marca do seu trabalho, referenciando as raízes inteligentes do filme de ação – Acossado, Operação França, Bullit – mas traçando seu próprio risco, um ambiente ao mesmo tempo intensamente real e estilizado, onde cada gesto, cada luz e cada sombra tem significado (e aqui, palmas à parte para a fotografia e Newton Thomas Sigl).

Absolutamente imperdível.

Drive está em cartaz nos EUA e ainda sem data de lançamento no Brasil.

 

É possível ver um filme lindamente dirigido, superbem escrito e com grandes desempenhos de bons atores e não se sentir investida emocionalmente nele nem por um segundo? Deve ser, porque foi o que aconteceu comigo em Moneyball.

Dirigido por Bennett Miller (Capote), Moneyball traz outro herói solitário e de poucas –mas boas- palavras: Billy Beane (Brad Pitt, bem escolhido e desempenhando à altura), cartola do time de beisebol Oakland Athletics que, em 2002, cansado de ver o time nadar, nadar e morrer na praia, abandonou os métodos tradicionais de escalação e, com a ajuda de um nerd formado em economia (Jonah Hill, ótimo), passou a escolher jogadores através de um software que leva em conta as estatísticas de desempenho de cada um.

É uma história verdadeira, contada no livro de não-ficção de Michael Lewis e  adaptada maravilhosamente pelos craques Steve Zaillian e Aaron Sorkin. Como em outro filme escrito por Sorkin – A Rede Social – e de certa forma como em Drive, Beane é um herói solitário andando contra a corrente, buscando apenas em si mesmo a força necessária para prosseguir.

Miller, fiel às suas origens como documentarista, mistura material documental com o filme em si, e enquadra com enorme inteligencia cada tomada, situando Beane em seu mundo e abrindo espaços para seu fugidio mundo interior – como o do anti-heroi de Drive, um mundo secreto, contido, nascido das frustações de quem foi jovem e brilhante atleta, e abriu mão dos estudos por uma carreira curta e brutal.

E com tudo isso…. Jamais consegui me conectar com o filme. Por que? Como muitos de vocês, nasci e me criei num universo onde o futebol era a língua-mãe. Entendo absolutamente nada de beisebol, e seu eco emocional, passional – abordado com tanta precisão em Moneyball – me escapa completamente. E beisebol, acima de qualquer outra coisa, é o coração, a essência de Moneyball. Se você conhece e gosta, não perca. Senão… não sei.

Moneyball estreia hoje nos EUA e 18 de novembro no Brasil.


Por que os Emmys funcionam como show de TV
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

 

E os Emmys, hein? Vocês viram? Gostaram?

Toda vez que sigo um evento assim eu fico pensando como ele se traduz para outros países e culturas, em termos de linguagem e referências. Imagino que os produtores devem ter a mesma preocupação mas, no fim das contas, a arquibancada para quem estão jogando é, em primeiro lugar, a comunidade de indicados e por indicar, os que votaram e os que concorrem (que, em geral, são mais ou menos a mesma coisa); e depois o público norte americano, que, no caso de shows de TV, é quem ainda sustenta o modelo econômico.

Minhas reações aos prêmios estão aqui no UOL TV, mas podem ser resumidos em : Barry Pepper? ARGH! Peter Dinklage? OBA!

Fiquei pensando depois no show em si. Justo no momento em que um dos papos mais comuns na cidade é o-que-vai-acontecer-com-a-transmissão-do-Oscar, um evento de prêmios que mostra saúde nos índices de audiência está dando o que falar.

A meu ver, os Emmys tem alguns elementos sólidos para seu sucesso como show de TV:

  • Só transmite as categorias populares. Os Emmys tem mais categorias que os Grammys, capazes de confundir o mais devoto aficionado ( e isso sem falar em suas subdivisões: Emmys Creative Arts, Emmys Internacionais, Emmys Locais, Emmys do Horário Diurno). Mas todos os prêmios técnicos – direção de arte para shows com uma única câmera, por exemplo- são entregues em cerimônias não televisionadas, deixando na transmissão apenas os prêmios que o público quer ver , aqueles que tem caras e nomes conhecidos.
  • Não mexe na fórmula que deu certo. Ao contrário dos Oscars, que há tempos vem tentando revirar seu formato, alterando o esquema dos musicais, a abertura e o tipo de apresentadores, os Emmys não mexem no time que está ganhando. É um formato simples, sem sofisticação que funciona em grande parte porque…
  • Não se leva a sério. Há sempre um tom de “veja como somos maravilhosos” nos Oscars. Os Emmys há tempos assumiram sua condição de “primo pobre” do cinema e, mesmo no momento em que não são nada pobres (muito pelo contrário, com a TV resgatando várias carreiras e abrindo novos horizontes criativos no vácuo do cinema independente) continuam investindo na linha da ironia e da auto- gozação. Vocês imaginariam um musical como o hilariante Lonely Island (direto do Saturday Night Live), com Michael Bolton e tudo mais, nos Oscars? Ou aquele mash-up em cima do The Office, que começa com Jess entregando um pacotinho suspeito no quartel general de Cranston? Ou mesmo aquela abertura (da qual Alec Baldwin foi eliminado pela Fox, porque queria incluir uma piada sobre Murdoch e escutas telefônicas…) em que basicamente dava-se uma grande risada às custas dos sonhos por atacado da TV? E indicadas a melhor atriz se comportando como se estivessem num prom/baile de debutantes/ concurso de miss? Nos Oscars? Impensável.

  • Abre espaços para o quase perigoso- mas mantém a situação sob controle. Este ano, os momentos-espoleta ficaram por conta das aparições de Charlie Sheen, possivelmente o nome mais falado da TV em 2011 (pelos motivos errados) e Ricky Gervais, tormento dos deuses de todas as telas . Cúmplices do jogo, ambos se comportaram bem – Gervais com o artificio de que sua participação teria sido “editada”, mais um comentário mordaz de Jane Lynch sobre suas possíveis carências de infância. Mas o frisson já tinha sido estabelecido.

E para vocês? Foi bom?

 


Eddie Murphy nos Oscars: é pra rir ou pra chorar?
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Os bons amigos: Eddie Murphy, Brett Ratner

 

E o Eddie Murphy nos Oscars, hein? Confesso que estou apreensiva. E não sou só eu: passei os últimos dias fazendo a mesma pergunta a amigos, conhecidos e acadêmicos sortidos, e a resposta foi consistentemente a mesma: ninguém espera muito, na melhor das hipóteses; na pior, esperam um desastre. Ecos do ano-catástrofe de 1989 – aquele da Branca de Neve e Rob Lowe- já estão circulando pela cidade. E isso seis meses depois de um Oscar que, segundo alguns observadores, ficou com a duvidosa palma de pior. Oscar. De todos os tempos.

É sobretudo o potencial para essa  dose dupla e consecutiva de horrores que me preocupa _ e não só a mim. Afinal não tenho nenhum interesse direto no evento além da paixão de fã de cinema e o dever de observadora profissional. “Este ano não me animo a brigar por ingresso”, me disse um acadêmico que é do tipo não-perco-uma.

A apreensão com a escolha tem dois motivos, infelizmente entrelaçados. O primeiro, e básico, é que a escolha foi feita por um produtor no qual, aparentemente, só a diretoria da Academia acredita: Brett Ratner, realizador de notória e, digamos assim, agressiva mediocridade. Sua nomeação como piloto dos Oscars este ano foi o primeiro susto ; certo que ele vem escorado pela experiência de seu co-produtor Don Mischer (Emmys, Comedy Awards, Billboard Awards), mas a reputação (ou falta dela) de Ratner foi o bastante para dar um susto coletivo na comunidade.

Aguardava-se, com a mesma reserva, sua escolha de apresentador. Os rumores de que ele estaria flertando com Oprah Winfrey já provocaram marolas _ Oprah, com certeza uma das pessoas mais poderosas do entretenimento, teria cacife suficiente como pessoa de cinema para ancorar a cerimônia?

E aí… Ratner convida Eddie Murphy, seu amigo e co-astro, ao lado de Ben Stiller (que teria sido, a meu ver, uma escolha melhor) do próximo filme do diretor, Tower Heist.

Murphy foi, depois de Richard Pryor, o comediante negro que mais abriu espaços na indústria, à custa exclusivamente de seu talento e de uma combinação perfeita de audácia, insolência e simpatia. Infelizmente, seus trabalhos mais recentes tem sido, à falta de uma definição melhor, patéticos (com exceção de sua participação em Dreamgirls, cinco anos atrás, torpedeada nos Oscars por sua atuação em Norbit, exemplo típico de onde ele anda desperdiçando seu talento).

Se os Oscars de 2012 tivessem outro produtor, mais criativo e com mais cacife junto a atores, sua escolha poderia ser super interessante _ como disse Dave Karger na Entertainment Weekly, seria muito bom que o evento marcasse a volta triunfal de um grande artista.

De todo modo, apresentar os Oscars é uma das tarefas mais ingratas da indústria _ as chances de tudo dar errado são muito maiores do que as de tudo dar certo. A maioria das estrelas de primeira linha foge dos convites exatamente pelo temor do possível impacto negativo em suas carreiras.

Vamos ver o que acontece em fevereiro…

 


Adeus, John Calley, que trouxe elegância, inteligência e Stanley Kubrick para a Warner
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

John Calley, 1930- 13 de setembro de 2011

''Elegante e inteligente, Calley dava a impressão de estar, de alguma forma, acima daquilo tudo, dignando-se a passar um tempo no esgoto de Hollywood. Como alguém bastante espirituoso disse, ele era aquele tijolinho azul dentro da privada.'' (Peter Biskind em Easy Riders, Raging Bulls: Como a Geração Sexo Drogas e Rock n Roll Salvou Hollywood)


Dez anos do 11 de setembro – De Rambo a Guerra ao Terror, uma longa caminhada pelo Vale das Sombras
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

 

Eu me lembro muito bem da primeira cabine depois do ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center. O filme era Zoolander. As pessoas chegavam meio sem saber o que estavam fazendo ali _ há mais de um mês não se passava filme para imprensa, não havia premieres nem junkets nem festas. Especulava-se sobre a viabilidade ou não de Oscars e Globos de Ouro. A cidade tinha passado do estado de choque à depressão profunda. Alguém ainda se lembra de que três dos quatro aviões usados nos ataques vinham para Los Angeles? Havia amigos, colegas, conhecidos naqueles vôos. A ponte aérea LA-NY é super comum, eu mesma tinha bilhetes para um vôo assim, marcado para o dia 12 de setembro de 2001. Claro que não houve.

As pessoas chegavam na cabine – se não me engano o cinema Harmony Gold, ali na Sunset perto do Directors’ Guild – e não sabiam se cumprimentavam, se conversavam. Dizer o que? E no entanto havia também uma sensação de alivio, uma vaga indicação de que a normalidade talvez fosse possível. Los Angeles faz cinema, poder exibir cinema é como, para um jogador gravemente machucado, entrar de novo em campo.

Além do impacto pessoal do 11 de setembro, haviam outras ramificações  locais da tragédia. Diferentes entre si,  elas acabavam se juntando no final, como tramas bem planejadas de um roteiro complexo.

A primeira era de natureza metafórica ou, se quiserem, espiritual: havia algo terrivelmente familiar no horror  das imagens que as TVs despejavam sem parar naquele dia claro de fim de verão, 10 anos atrás. Durante anos, especificamente os últimos anos do século 20, a indústria tinha se esmerado para imaginar, criar e realizar, nos menores detalhes, coisas muito, muito, muito parecidas.

E não estou falando nem das sérias intenções de Nova York Sitiada, de Ed Zwick que, em 1998, imaginava um ataque terrorista no coração de Nova York e consequente intervenção militar pisoteando os tão caros direitos civis .

“Eu acredito firmemente que nossas maiores ameaças, hoje, vem de situações que nós mesmos criamos no exterior”, Zwick me diria numa entrevista interessantíssima que, muitos anos depois, parece positivamente apavorante.

Mas não, estou falando de pipocada generalizada, filmão para divertir, render altas bilheterias, etc. Por exemplo: Rambo 3, de 1988, com Sylvester Stallone marchando ombro a ombro com os mujahedins islâmicos no Afeganistão, decidido a acabar com o domínio russo na região. Não se falava em Alcaida ou Taliban mas… era isso, não era?

Ou True Lies, de 1994 em que (pelo que eu saiba ) pela primeira vez na imaginação do entretenimento os vilões eram fundamentalistas islâmicos, gravando vídeos com ameaças ao “ocidente decadente”. Havia uma aeronave ameaçando um arranha-céu também _ mas dessa vez os terroristas estavam dentro do prédio, e Arnold Shwarzenegger pilotava o ataque.

“Um antagonista movido por princípios religiosos é muito mais formidável e potente que um movido por ideologia política”, James Cameron me diria em outra entrevista fascinante e sinistramente profética. “Não se pode usar a razão com um terrorista impulsionado pela fé. É inegociável. Ele acredita estar investido por um poder muito maior, estar impulsionado por verdades absolutas.”

True Lies rendeu muito bem na bilheteria mas foi massacrado pela Liga Anti-Discriminação Árabe e outros grupos, que marcharam em Washington pedindo boicote ao filme por “mostrar a população do Oriente Médio como um bando de fanáticos religiosos homicidas.”

Por essas e outras, quando tantos aqui reagiram às primeiras imagens do ataque com um automático “parece um filme!”, eles sabiam muito bem o que queriam dizer. Parecia mesmo. Eles já tinham até feito.

Francis Ford Coppola diz que acredita num estranho poder do cinema: passa-se tanto tempo imaginando, concentradamente, tramas fictícias, que é bem capaz de estarmos conjurando essas energias para o plano do real. Toda magia tem seu lado perigoso _ na luz da tela também podem estar nossas sombras.

A segunda ramificação era de natureza econômica : durante quanto tempo a depressão duraria? O que fazer com filmes já prontos que tinham temas militares, vilões árabes, explosões? (Entre muitos outros, o projeto de True Lies 2 foi cancelado por iniciativa do próprio Cameron. “Terrorismo, como tema, não tem mais a menor graça”, ele disse.)

A resposta veio em dezembro, com um filminho que já tinha sido empurrado de sua data original e que acabou sendo lançado sem muita fanfarra: Atrás das Linhas Inimigas. Nele, Owen Wilson era um soldado americano perdido durante a guerra da Bosnia, lutando sozinho para se reencontrar com seu pelotão.

O filme foi um sucesso, e a indústria respirou aliviada_ o público aceitava guerra e violencia, desde que o herói, americano, tivesse a integridade de seus antecessores na década de 1940 e 1950. A discussão da guerra como um tema moralmente ambivalente, que domina o gênero a partir do Vietnã, é posta na prateleira. Os primeiros anos do novo século são marcados por uma leva de filmes com heróis americanos irrepreensíveis, íntegros, isentos de dúvida ou mácula: Lágrimas do Sol, Falcão Negro em Perigo, Regras do Jogo.

Curiosamente, os eventos do dia 11 de setembro em si, seus antecedentes  e consequências demorariam mais de cinco anos para chegar até a tela. E, embora tenham rendido alguns filmes notáveis –  Vôo United 93 , Fahrenheit 11 de setembro,  Zona Verde, O Reino,  Jogo do Poder , No Vale das Sombras, Restrepo, o oscarizado Guerra ao Terror – os fatos, os atos, as tramas e os desdobramentos daquela manhã de final de verão ainda são indigestas, talvez indigeríveis para a grande plateia norte-americana.

Quando o pesadelo se torna realidade, talvez não seja possível voltar atrás.

E aquela cabine de Zoolander? Foi ótima. Acho que poucas vezes ri tanto na minha vida. Até hoje o filme tem um lugar privilegiado na minha memória. Um gole de água boa depois de uma seca penosa. Ri, rimos, menos para esquecer e mais para lembrar que sim, ainda podíamos rir.

 


Na Academia, uma aventura pelo avesso do cinema
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Uma das coisas que mais me emociona no cinema é sua mistura em partes iguais de alta tecnologia e puro artesanato, indústria de larga escala e ofício manual, orgânico, simples.  Um dos maiores privilégios deste meu trabalho de observadora é justamente poder acompanhar de perto essa fusão mais que centenária, essa profusão de criatividade, improviso, acrobacia e engenharia que, como  sabem os grandes, – de Meliés a Fellini, de Griffith a Scorsese – tem em seu coração algo de circense.

Começa nesta sexta feira na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, aqui em Los Angeles, uma exposição que captura plenamente essa magia: Crew Call, reunião de 115 fotos de cena realizadas por 25 integrantes da Society of Motion Picture Still Photographers focalizando exatamente o trabalho que, se for bem feito, ninguém jamais vê: o das equipes de técnicos, artesãos e especialistas, os operários da indústria do sonho.

Por exemplo:

 

Fazendo Brandon Routh voar em Superman –O Retorno, de Bryan Singer. Foto de David James.

 

Almoço em família com claquete no set de uma cena fundamental de Touro Indomável. Foto de Brian Hamill.

 

Dando um banho de chuva em Owen Wilson no set de Dois é Bom, Três é Demais. Foto de Melissa Moseley.

 

Uma aventura náutica no set de Zé Colméia- O Filme. Foto de Phil Bray.

 

Tiffany e seus amigos no set de O Filho de Chucky. Foto de Rolf Konow.

 


Telluride clareia as apostas para os prêmios. E tem gosto de Brasil.
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

 

Glenn Close em Albert Nobbs

Tilda Swinton, Glenn Close, George Clooney e Michael Fassbender acabaram de garantir a pole position para a largada da Corrida do Ouro 2011: seus filmes – We Need to Talk About Kevin, de Lynne Ramsey; Albert Nobbs, de Rodrigo Garcia; The Descendants, de Alexander Payne; A Dangerous Method, de David Cronenberg e Shame, de Steve McQueen- estão na seleção do super exclusivo Festival de Telluride que começa amanhã.

São quatro dias do melhor cinema  do mundo todo, sem prêmios e sem badalações, numa cidadezinha no alto das Montanhas Rochosas. E porque tem uma curadoria rigorosa, um clima relax e sem pressão (ao contrário dos grandes festivais), acesso ao mesmo tempo exclusivo e popular e posicionamento ideal no começo do outono norte-americano, Telluride está se tornando o melhor primeiro indicador do que vem por aí na temporada de prêmios.

Note-se, por exemplo, que Albert Nobbs foi escolhido, mas seu principal rival na “batalha das divas”, The Iron Lady, com Meryl Streep, ficou de fora (segundo a organização do festival, o filme ainda estava em pós produção e os produtores não queriam arriscar uma cópia inacabada, como Paul Thomas Anderson fez com Sangue Negro alguns anos atrás.)

George Clooney em The Descendants

O Clooney diretor de Tudo pelo Poder também não foi considerado pelo festival (e de fato o filme é fraco), mas o Clooney ator está na linha de frente, agora, com The Descendants, o independente-de-luxo que mais tem crescido em zum-zum de bastidor, nestas últimas semanas do verão.

Carey Mulligan e Michael Fassbender em Shame

Gostei de ver We Need To Talk About Kevin e Shame na lista: dois filmes com propostas intrigantes por dois diretores britânicos que vem na contramão do britânico-de-exportação tão comum nas temporadas de prêmios. Kevin põe Tilda de novo nas cercanias dos prêmios, e Shame pode finalmente aumentar a popularidade de Steve Mc Queen, um interessantíssimo diretor inglês (que não se parece nem um pouco com seu homônimo astro dos anos 1960) cujo filme de estreia em 2008, Hunger, ainda está na minha lista como um dos melhores, mais originais e perturbadores títulos da primeira década do século 21. Além do mais, Shame tem três ótimos atores que, imediatamente, entram para as pré-listas: Michael Fassbender (que tem o reforço do filme de Cronenberg), Carey Mulligan (que também tem Drive no seu currículo 2011) e James Badge Hale (que pode ser um dos coadjuvantes do ano).

E agora ao que eu acho mais lindo de Telluride este ano: o Brasil. O Brasil está nas Montanhas Rochosas tanto na presença de Transeunte, de Eryck Rocha, na mostra principal quanto na mostra paralela organizada pelo curador convidado, Caetano Veloso. Não sei o que amei mais: o fato de Caetano ter escolhido Se Meu Apartamento Falasse, do mestre Billy Wilder, ou o documentário Nordeste: Cordel, Repente e Canção, de minha amiga Tânia Quaresma, cujo maravilhoso trabalho documentando a música do Brasil eu ainda espero ver devidamente reconhecido. Do Norte ao Sul.

 


Uma conversa com Andy Serkis: “Nunca me importei com minha cara, quero me perder nos personagens”
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Quando, nos idos de 1998, os avanços da tecnologia digital de imagem se encaminhavam para o inevitável – a manipulação do desempenho dos atores a serviço da criação de personagens virtuais – a maioria da classe ficou entre o pânico e a fúria. Na contramão da revolta, Andy Serkis, inglês de origem armênia com uma longa carreira no cinema e TV britânicos (inclusive no ótimo Topsy Turvy-O Espetáculo, de Mike Leigh), resolveu investigar o suposto monstro.

“Eu compreendo que muitos atores não tenham gostado e ainda não gostem dessa opção”, Serkis diz numa manhã de verão em Los Angeles, claramente cansado de tanto promover Planeta dos Macacos-A Origem, mas igualmente animado ao discutir seu trabalho nele. “Para eles, ter seu rosto na tela é essencial para o trabalho que fazem, é como eles se expressam. Mas eu nunca me importei com minha cara, e sim com os personagens que interpreto. Ter mais uma ferramenta para me perder nos personagens me pareceu irresistível.”

Três anos depois Serkis estava na tela, irreconhecível, como Smeagol/Gollum no primeiro filme da trilogia O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson. Foi o início de uma colaboração tão produtiva que Serkis mudou-se parcialmente para a Nova Zelândia, mantendo uma casa em Wellington só para ficar próximo do quartel general da WETA Digital _ para quem continuaria sendo Gollum e, em 2005, o Kong do King Kong de Jackson. A mais nova colaboração de Serkis com a WETA, o Capitão Haddock de Tintin e o Segredo do Licorne, estreia mundialmente em dezembro.

Com Planeta dos Macacos- A Origem nas telas brasileiras  é mais fácil conferir o enorme de talento de Serkis como Caesar, o chimpanzé que, aos poucos, adquire inteligência e sensibilidade humanas  (ou ,seria melhor dizer, uma alma?). Aqui, o ele tem a dizer sobre a experiência, os macacos e viver plenamente um outro ser.

 


Você teve uma inspiração individual para Caesar?

_ Tive. Além de toda a pesquisa que venho fazendo com primatas desde King Kong eu me inspirei diretamente em Oliver, um chimpanzé que foi muito popular nos anos 1970 porque andava sempre em duas patas e exibia uma série de comportamentos que podíamos chamar de humanos. Na época ele foi promovido como “o elo perdido”  e a própria comunidade científica acreditou nessa possibilidade e submeteu Oliver a várias experiências. Quando se comprovou que ele era apenas um primata inteligente e, possivelmente, treinado, ele foi abandonado e posto numa jaula. Para mim ele é o centro do personagem Caesar: um inocente que, gradualmente, toma consciência do mundo à sua volta.

 

Existe alguma técnica específica para o trabalho com captura de desempenho (mocap)?

_Muitos atores ainda acham que é preciso ser exagerado, fazer uma performance carregada, uma pantomina, para render bem em mocap. Minha experiência me diz o contrário: a tecnologia é perfeitamente capaz de captar os movimentos mais sutis dos músculos, dos nervos. O desempenho precisa ser o que todo desempenho deve ser: sentido de dentro para fora, com integridade absoluta, fiel à verdade do personagem. Com mocap não dá para fingir. Se existe uma técnica específica para o desempenho em mocap é ser preciso. A precisão rende os melhores resultados.

 

Como a técnica em si evoluiu nessa década em que você trabalhou em mocap?

_ Eu me lembro que no Senhor dos Anéis o trabalho teve que ser em duas etapas: uma primeira em que trabalhei contracenando com outros atores num set normal, e depois a parte da captura, que foi separada, num estúdio menor. E no fim tivemos que refazer várias tomadas onde havia closes de Gollum, para que a sincronicidade fosse perfeita. Era mais um trabalho de animação, e os animadores tinham que criar expressões faciais para o Gollum a partir do que havíamos filmado. Em King Kong já tínhamos marcadores faciais, e eram eles que guiavam a “marionete digital” _ todas as expressões faciais de Kong eram, literalmente, as minhas expressões, direto do meu rosto.

No Planeta do Macacos todos os equipamentos estavam mais leves e portáteis e a tecnologia muito mais ágil. Podíamos trabalhar como um grupo de atores, contracenando, inspirando-nos pelas atuações dos outros, respondendo aos movimentos, interagindo, e tudo era captado. Mais que isso: podíamos usar o mesmo processo em sets vivos, em locações, dando muito mais campo para trabalharmos com objetos, com reações diretas ao ambiente.

 

Seu trabalho como ator muda de um filme “normal” para um filme mocap?

_Não… ser ator é ser ator. Não tem diferença para mim. Ser ator é conscientemente se perder em outra pessoa, outro ser. Não faz diferença se esse outro ser é (o punk rocker) Ian Dury (que Serkis interpretou em Sex and Drugs and Rock n Roll, de 2010) ou Caesar em Planeta dos Macacos-A Origem. O trabalho é sempre achar a verdade do personagem, entrar em sua mente, procurar sua fisicalidade e construir emocionalmente o personagem, de dentro para fora. Nunca faço distinção entre  um trabalho ao vivo e um trabalho mocap.

 

Deveria haver uma categoria nos prêmios para atuações mocap?

_Não sei. No fim das contas, todas as interpretações são interpretações humanas, conduzidas pelo ator. Se a interpretação é mostrada, em última forma, realistica ou estilizadamente, isso não altera o essencial, que é o trabalho do ator. Animação, mocap são apenas ferramentas. O que as anima é o espírito do ator.