Blog da Ana Maria Bahiana

The Walking Dead perde mais um produtor
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Ana Maria Bahiana

A maldição de The Walking Dead continua: Glen Mazzara, o roteirista do time de Frank Darabont que substitui o criador da série depois de uma briga com o AMC entre a primeira e a segunda temporadas, bateu de frente com o canal, principal produtor de TWD. Mazzara conduziu TWD durante a segunda e terceira temporadas, e fechou seu trabalho com brilho, levantando a audiencia, ganhando unânimes aplausos da crítica  e encerrando a primeira parte da terceira temporada com um número recorde de mais de 10 mlhões de espectadores.

A AMC e Gale Ann Hurd , co-criaora de série,emitiram as habituais declarações de ''estamos muito orgulhosos e contentes'' com o trabalho de Mazzara. Mas a verdade é que, mais uma vez, a visão criativa entra em rota de colisão com a necessidade de contenção de orçamento. Este é o momento no ciclo de TWD em que a história se expande com mais personagens e locações, e Mazzara queria acompanhar o ritmo do modo mais fiel possível.

A boa notícia: TWD foi renovado para mais uma temporada.


Também para 2013: Harrison Ford careca
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Ana Maria Bahiana

Enquanto se cozinha a quinta aventura do aparentemente insubmergível Indiana Jones, eu recebo a primeira imagem do thriller Paranoia, atualmente em filmagem nos arredores de Filadélfia. Eu deveria me impressionar com os créditos: direção do australiano Robert Luketic ( cujo 21/Quebrando a banca me agrada muito) baseado no best seller de Joseph Finder (fudador da Associação dos Ex-Agentes de Inteligência. Sim. Isso existe), com Gary Oldman,Embeth Davidtz, Richard Dreyfuss, o quase mandatório irmão Hemsworth (Liam, no caso). Mas o que realmente me impressionou for a careca de Harrison Ford, porque não me lembro de te-lo visto assim como um personagem, na tela. Em Paranoia Ford é um alto executivo sendo espionado por seu ex-pupilo (Hemsworth) por conta de uma tramóia de seu rival (Oldman). E, pelo que se vê, sem cabelo. A estréia, aqui nos EUA, é dia 4 de outubro.


Novo trailer de O Grande Gatsby: 2013 será a maturidade do 3D?
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Ana Maria Bahiana

Em 2012, Ang Lee e Peter Jackson mostraram o quanto o 3 D pode realmente ser usado como uma ferramenta de criação. Em maio de 2013 vai ser a vez de Baz Luhrmann usar o mesmo recurso em O Grande Gatsby – pelo que me contam, de uma forma dramática, para ampliar as trocas entre os personagens. O novo trailer não é 3D mas… dá uma boa ideia. Eu me animei. E vocês?


A última safra do ano, parte I: uma visita ao inferno. E à Terra Média.
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Ana Maria Bahiana

Todo mundo que acha que tem chance de ganhar alguma coisa –uma indicação, no mínimo – lança filme nos últimos instantes do ano. E, como comentei há pouco no twitter, a estratégia, de tanto ser repetida nos últimos anos, treinou bem os votantes: porque estreou entre novembro e dezembro, muita gente se sente na obrigação de indicar.

Passei a peneira nos lançamentos “para sua consideração” que encheram meu calendário nestes últimos quinze dias e apenas alguns ficaram. Estes dois foram os primeiros:

A ideia de um filme sobre a caçada a Osama Bin Laden me pareceu, a princípio, prematura, imatura e possivelmente mal intencionada. Me lembrei da safra de filmes lançados nos anos imediatamente a seguir dos ataques do 11 de setembro, que me pareciam, todos, mal disfarçadas peças de propaganda. Ver A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty)  me obrigou a rever todos os meus temores.

Trabalhando mais uma vez com um roteiro de Mark Boal (Guerra ao Terror), Kathryn Bigelow mantem seu olhar ao mesmo tempo compassivo e impassível.

Os primeiros 20 minutos de Hora são absolutamente brutais e absolutamente necessários: os gritos e gemidos (verdadeiros) das pessoas encerradas nas Torres Gêmeas são mais eloquentes que qualquer imagem, e dissolvem-se em outros gritos e gemidos, os de um prisioneiro sendo torturado num dos muitos “centros especiais de confinamento” que se seguiram, na era Bush, aos ataques do 11 de setembro. Estamos num verdadeiro círculo do inferno descrito por Dante, onde violência sem sentido dá origem a mais violência sem sentido, onde carnificina gera tortura que gera mais carnificina.

É fútil (ainda bem) procurar uma agenda política em Hora. Bigelow conduz a história como um thriller do qual conhecemos o final mas não a trajetória, e seu olhar – as escolhas de composição, o ritmo das sequências – mantem-se equilibrado, pedindo que nós, na plateia, pensemos e tiremos nossas conclusões.

Boal usa um artifício comum em histórias baseadas em fatos verdadeiros: sintetiza várias pessoas em uma só, criando personagens fictícios que representam várias facetas dos reais protagonistas (algo ainda mais importante aqui, quando as fontes eram altamente confidenciais). Mas Maya, a protagonista interpretada (maravilhosamente) por Jessica Chastain é uma pessoa de verdade, uma funcionária do médio escalão da CIA cuja tenacidade e inteligência  levaram à localização de Bin Laden.

É facil notar a identificação de Bigelow com Maya – mulheres no centro de um mundo dominado por homens, conscientes de que suas meras presenças são sinais de mudanças radicais. Chastain é uma atriz de sutilezas, que Bigelow explora muito bem : há uma multidão de emoções em seu rosto, do horror à fúria, da repulsa à revolta. Mas sobre todas elas reina o autocontrole de quem sabe que, numa visita ao inferno, quem não se distancia se queima.

 A Hora Mais Escura estreia dia 14 nos EUA e dia 18 de janeiro no Brasil.

Alguns filmes tem um poder especial pelo menos sobre mim, não sei se sobre vocês: eles imediatamente me remetem aos primeiros anos do meu caso de amor com o cinema, quando ver um filme era me perder num outro mundo. O Hobbit (The Hobbit: An Unexpected Journey) teve esse efeito.

O que não é pouca coisa _ sou fã da trilogia Senhor dos Anéis, mas não gosto do livro O Hobbit. Sempre me pareceu uma obra superficial, apressada, com ideias que não eram plenamente desenvolvidas e um tom infantil que contrasta com o poder metafórico, adulto, de Senhor dos Anéis.

Talvez tudo o que o livro precisasse fosse mesmo o talento combinado das roteiristas Fran Walsh e Philippa Boyens e do diretor Peter Jackson. Está certo que ainda acho Senhor dos Aneis superior como obra mas, ao incorporar as notas e material inédito deixados por Tolkien, Walsh, Boyens e Jackson deram mais detalhe aos personagens e à trama, e fizeram a conexão com o mundo da Terra Média que se desenvolveria, de modo mais complicado, na trilogia.

Ainda acho, também, que, mesmo com essa nova perspectiva, O Hobbit dificilmente aguenta três filmes. Suspeito que, em circunstâncias diferentes, Jackson não teria esticado a primeira metade do seu filme como fez. Mesmo com todo o seu esplendor visual (mais sobre isso daqui a pouco) o filme só pega embalo mesmo quando Bilbo (Martin Freeman) e a companhia de anões liderada por Thorin (Richard Armitage) despencam terra abaixo pelo reino dos goblins, e nosso herói se vê cara a cara com aquele que, para mim, é o personagem mais fascinante de toda o ciclo de histórias: Gollum.

Neste momento eu faço uma pausa para lamentar, pela milionésima vez, o não-reconhecimento de Andy Serkis como um dos melhores atores que temos, hoje, e o pioneiro no desenvolvimento da complicada arte de criar um personagem através de mocap. Hobbit torna-se fascinante, terrível, empolgante a partir do momento em que o Gollum de Serkis esgueira-se de trás das rochas num lago subterrâneo e propõe a Bilbo um jogo de enigmas ( elemento clássico de toda boa lenda). Num mundo que, até então, era habitado unicamente por criaturas fantásticas, o Gollum de Serkis é supreendentemente humano, um ser aprisionado nas cavernas de seu próprio espírito. É o primeiro personagem com todo o fôlego metafórico que Tolkien imprimiria a trilogia Senhor dos Anéis, e sua entrada em cena eleva O Hobbit a um outro plano do qual, com todos os sustos, não queremos mais sair.

E os 48 quadros por segundo? Não me incomodaram nem um pouco. O hiper-realismo que eles dão às imagens tem uma qualidade que aproxima o fantástico de nossa visão cotidiana, como se um dia pudéssemos de fato acordar numa toca debaixo de uma colina e achá-la tão real quanto a geladeira, o microondas e a TV de nossas casas habituais. No 48 fps as sofisticadas composições digitais se integram naturalmente com as imagens captadas de modo tradicional, e os mundos da imaginação e da percepção se abraçam e se confundem.

Não é opção estética para qualquer filme. O 48 fps mataria, por exemplo, a sensacional composição naturalista que Cristian Mungiu imprimiu ao seu Além das Montanhas  (que estreia no Brasil dia 11 de janeiro e eu recomendo com entusiasmo) ou o estilismo expressionista de Nicolas Windig Refn em Drive. Mas numa obra de plena fantasia como esta, é um grande recurso.

O Hobbit estreia aqui e no Brasil dia 14.


Navegar é preciso
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Ana Maria Bahiana

As Aventuras de Pi (outra tradução pouco feliz.. o que há de errado com A Vida de Pi?) , de Ang Lee tem muita coisa em comum com Cloud Atlas, dos irmãos Wachowski e Tom Tykwer: ambos são sobre o ato de contar histórias, ambos são baseados em livros aclamados e ambos foram tidos como “infilmáveis”. Depois de ver e rever Pi, penso cada vez mais que o trio de diretores de Atlas deveria ter se aconselhado com Lee: o que era, no livro, uma jornada interior, filosófica, metafísica, tornou-se, na tela, um banquete visual, uma gloriosa manifestação do poder da imagem em movimento.

A Vida de Pi, do autor franco-canadense (nascido na Espanha) Yann Martel, tem como inspiração o livro Max e os Felinos, do brasileiro Moacyr Scliar.  Na obra de Scliar o protagonista Max,  judeu, foge da Alemanha nazista num cargueiro transportando animais para um zoológico no Brasil; quando o capitão afunda propositalmente o navio para dar um golpe na seguradora, Max se vê em pleno Atlântico num bote salva-vidas que é obrigado a dividir com uma onça.

No livro de Martel, o náufrago é um jovem indiano, o navio ruma para o Canadá, o oceano é o Pacífico e o animal com quem ele  divide o bote é um tigre de Bengala. Como na obra de Scliar, há um zoo sendo transportado no navio que afunda. E também como no livro do brasileiro, a história fica em aberto, deixando que a leitora ou leitor decidam o que realmente se passou no barco à deriva.

Martel sempre assumiu a origem de sua história, e teve uma longa conversa com Scliar cujo conteúdo nunca saberemos, mas que foi o bastante para convencer o escritor brasileiro da legitimidade da admiração de Martel por ele – Pi, o livro, é dedicado a Scliar, “por ter acendido a chama”.  E para fazê-lo desistir de mover um processo por plágio.

Ao descrever esse pano de fundo da trajetoria da mesma ideia – uma pessoa, um felino selvagem, um barco – me ocorreu que estou repetindo o próprio tema do filme: que o mundo secreto de nossas almas pertence apenas a quem conta a história; e que ao contar a história esse mundo secreto pode ser mudado. (Freud e Jung sabiam disso).

Ang Lee, um dos diretores de maior sensibilidade que conheço, compreendeu completamente o desafio de Pi: o livro é a narrativa de uma memória, uma história contada pelo protagonista, o indiano Pi (simplificação do nome absurdo e poético que ele recebeu de seu pai—Piscine Molitor Patel) ao escritor canadense sem nome (avatar do próprio Yann Martel) muitos anos depois do naufrágio.  Em essência, Pi se passa na cabeça do protagonista, no modo como ele escolhe recompor para seu interlocutor a história de sua vida (e não simplesmente de suas “aventuras”, como o título brasileiro afirma).

Lembrem disso quando o olhar preciso e elegante de Lee (realizado plenamente pela fotografia de Claudio Miranda) apresentar um zoológico que mais parece o Jardim do Eden ou uma India em cores de confeitaria : a memória é seletiva e nem por isso menos verdadeira.

Pi (o estreante Suraj Sharma na juventude, Irrfan Kahn quando adulto) é um jovem sedento de revelações: a possibilidade da comunhão com os animais , o poder transformador do amor, a transcendencia, seja por qualquer um, ou quem sabe todos os caminhos espirituais. Seu pai (Adil Hussain) é um pragmático que acredita em primeiro lugar no poder das limitações. Até o naufrágio, a vida de Pi é ordenada pelo confronto entre seu desejo de voar e a força da gravidade exercida por seu pai.

O naufrágio solta todas as amarras. Num bote salva-vidas primeiro com um grupo de animais – uma hiena, um orangotango e uma zebra – e depois apenas com o feroz tigre Richard Parker, Pi se vê no ponto absoluto no qual nenhuma das normas de uma vida “normal” se aplicam. Ele está, literal e simbolicamente, à deriva. Xamãs chamariam isso de uma “busca da visão”. E a visão , em muitas e espetaculares formas, vem em todo o seu esplendor e terror.

Ou será apenas o poder da memória que está filtrando assim, de modo tão absoluto, uma experiencia traumática?

Ang Lee destila essa questão essencial em puro cinema – uma narrativa fluida ( notem como a água é um elemento visual importante, desde o início do filme), essencialmente visual (descontada a narrativa em off, este é quase um filme mudo em sua economia de diálogos) e com uso perfeito de 3D.

É filme para não se perder – e para ver de coração aberto.

As Aventuras de Pi está em cartaz nos EUA e estreia no Brasil dia 21 de dezembro.


Adeus, Larry Hagman, o vilão amado por todos
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Ana Maria Bahiana

Larry Martin Hagman, 21 de setembro de 1931 – 23 de novembro de 2012

''Quero que minhas cinzas sejam espalhadas por um campo, e que depois plantem trigo e maconha sobre elas. Quando vier a colheita, que façam um gigantesco bolo de maconha, o bastante para que 200 e 300 pessoas venham celebrar a vida do Larry.''

 

Foto de Theo Kingma


Heróis, vilões e o preço de ser humano: quatro lançamentos da temporada ouro
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Ana Maria Bahiana

Tanta coisa aconteceu nas últimas semanas por aqui que fiquei em super dívida com vocês… Aqui, os filmes que mais me impressionaram nesse tempo em que corri de um lado para o outro:

O conceito do presidente como herói/anti herói é comum na filmografia norte americana, atravessando praticamente todos os gêneros, do drama e thriller político à comédia romântica, rasgada e surreal (Marte Ataca!, por exemplo). É algo que dificilmente se imaginaria na produção de outros países, mas que faz sentido numa nação que elege presidentes há  237 anos, sem interrupções, ditaduras ou golpes militares.

Lincoln (em cartaz nos EUA, dia 25 de janeiro no Brasil) encontra Steven Spielberg em seu modo Amistad, refletindo sobre a história da nação norte americana, principalmente em uma de suas falhas fundamentais – a chaga da escravidão, e seus longos, dolorosos tentáculos até hoje.  Três elementos são o destaque do filme: o roteiro de Tony Kushner (Angels in America, Munique), veloz, erudito, incorporando tanto a complexidade do momento histórico (os momentos finais da Guerra Civil, a luta, no Congresso, para aprovar a lei que abole a escravidão) quanto o ainda mais complicado mundo interior do presidente; a fotografia espetacular de Janusz Kaminski, colaborador de fé de Spielberg; e o desempenho paranormal de Daniel Day Lewis como Abraham Lincoln.

Algo muito interessante aconteceu nesta colaboração: o roteiro de Kushner, centrado nos dilemas pessoais, sociais e políticos que, através de um grupo de pessoas – Lincoln, sua familia, seu braço direito William Seward (David Stathaim), o militante abolicionista Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones, genial) –  acabam impulsionando toda uma sociedade adiante, trava o impulso de Spielberg pela glamourização, pelo sentimental. E o calor passional de Spielberg ilumina e torna humano o que poderia ser um árido discurso sobre trâmites políticos na jovem nação norte-americana.

A notar: os igualmente ótimos desempenhos de Sally Field como Mary , esposa de Lincoln;  uma breve aparição de Joseph Gordon Levitt como Robert, seu filho mais velho; e James Spader, quase irreconhecível, como um antepassado de todos os lobbyistas que hoje  são a fauna mais comum de qualquer capital de Estado.

 Anna Karenina começou  como algo que, hoje, chamaríamos de novela: um folhetim encartado no periódico O Mensageiro Russo, suas oito complexas e generosas partes se estendendo de 1873 a 1877. Não é a toa que o que poderia se resumir a  um conto – mulher da alta sociedade da Russia Imperial, casada com influente político, tem um caso com um homem mais jovem e cai em desgraça —  tornou-se um vasto panorama da elite imperial, com um  15 personagens principais e mais um amplo sortimento de figuras secundárias.

Continuando seu ciclo de adoração cinematográfico-literária a Keira Knightley, Joe Wright (Orgulho e Preconceito,  Desejo e Reparação, Hanna) fez uma opção radical para sua adaptação do texto de Tolstoi: colocou  a maior parte de sua Anna Karenina (em cartaz nos EUA, dia 1 de fevereiro no Brasil) no interior de um velho (e lindo) teatro.

Como artifício dramático, é um espetáculo – Wright coloca os personagens de Tolstoi como elementos de uma grande performance pública, cada um representando seu papel no drama contínuo de uma sociedade altamente estratificada, dividida em classes hermeticamente fechadas. O artifício de transformar as coxias do teatro nas ruas de Moscou, a alta estilização da composição das cenas ( o balé dos burocratas, inspirado numa frase do texto de Tolstoi – “a burocracia é a alma da Russia”- é sensacional), o tom hiper-realista das caracterizações são empolgantes como estética.

O que se perde é a conexão emocional – Anna Karenina é uma obra linda mas fria, na qual o único ser humano parece ser o Karenin de Jude Law, atormentado entre a obrigação de agir de acordo com seu posto social e algo que pode ser, no fundo do seu coração, o pulsar de um afeto. Keira tem a estutura óssea de uma prima ballerina e a câmera está eternamente apaixonada por suas maçãs do rosto. Mas é talvez a mais gelada e distante de todos os lindos marionetes deste marzipan cinematográfico.

É um  sinal dos tempos: dois filmes se debruçam sobre a figura e a obra de Alfred Hitchcock. Um, feito para a TV (The Girl, de Julian Jarrold, para a HBO), ocupa-se de Hitch na época da realização de Os Pássaros; outro, com lançamento em circuito (Hitchcock, de Sacha Gervasi, estreia hoje nos EUA, dia 8 de fevereiro no Brasil) , é focado nos bastidores de Psicose.

E sabem qual é o melhor? O da TV. Jarrold preocupa-se em desconstruir a própria estética de Hitchcock e usar seus elementos para lançar luz nos vãos mais sombrios de sua alma, e Tobby Jones cria um Hitch de dentro para fora, organicamente e não como uma “personificação”.

Anthony Hopkins tenta fazer o mesmo em Hitchcock, mas, por incrível que possa parecer, a pesada maquiagem quase não deixa que ele trabalhe. Gervasi é um diretor simpático, responsável pelo delicioso documentário Anvil! The Story of Anvil. Mas me parece muito peso-leve para atacar um assunto complexo como Hitch. Trabalhando com um orçamento reduzidíssimo e apenas 35 dias de filmagem, ele criou um pequeno filme divertido que, ironicamente, teria sido mais apropriado para a TV.

Hitchcock oscila entre drama e comédia, aproximando-se da complicada mente do diretor mas temendo aprofundar-se em seu labirinto. Seus melhores momentos são os que comentam os eternos absurdos da indústria cinematográfica, a luta de Hitch para realizar seu projeto, as bizarras negociações com executivos e censores.

É interessante ver os dois lado a lado, em ordem cronológica – Hitchcock primeiro, The Girl em seguida. Alfred, o homem e o gênio, provavelmente não é nem nem outro.  Mas quem, décadas depois de sua passagem entre nós, pode ainda despertar tantas perguntas sem resposta?

E finalmente – eu não poderia deixar de comentar Skyfall.  O primeiro filme adaptado dos livros de Ian Fleming – 007 contra o Dr. No, de 1952 – trazia um conceito revolucionário no gênero “ação”: o espião como herói.  James Bond era um efeito colateral da guerra fria – até então, espiões, quando apareciam, eram sujeitos sórdidos, traiçoeiros, nada confiáveis. Um mundo em que conflitos passavam a ser, eles mesmos, secretos e indefinidos, abria espaço para que a atividade obscura fosse, enfim, heróica.

Mais de meio século depois, o impasse era: o que fazer com um ícone que já não parecia ter utilidade num mundo de guerras via bombardeios teleguiados, vírus pela internet e satélites-espião?

Trabalhando com um roteiro a três , mas principalmente do ótimo John Logan, Sam Mendes ataca o dilema de frente. Em suas mãos, o Bond de Daniel Craig é antes de mais nada um signo, um elemento dramático a ser composto como parte de lindos, elaborados panoramas visuais, de Xangai à Escócia. Humanos mesmo são o vilão Silva de Javier Bardem, e a extraordinária mãe-coragem M, de Judi Dench, lados opostos nessa dança mortal pelo controle de um mundo, na verdade, incontrolável.

 


Cloud Atlas: sinfonia ou cacofonia?
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Ana Maria Bahiana

Um aviso prévio: Cloud AtlasAtlas das Nuvens, que coisa difícil de traduzir, né? – recebeu no Brasil o título de A Viagem. Que, a não ser no sentido que se usava nos idos anos 1970 — “tremenda viagem, bicho” – não tem nada a ver nem com a obra original de David Mitchell nem com o filme dos irmãos Wachowski e Tom Tykwer. Vou continuar chamando de Cloud Atlas.

O desafio essencial de adaptar uma obra literária para o cinema é este: uma narrativa literária é uma coisa, uma narrativa audiovisual é outra. A narrativa literária descreve, sugere. A narrativa audiovisual mostra. A narrativa literária tem todo o tempo do mundo – ou melhor, o tempo que a leitora ou leitor se dispuserem a dar à leitura. A narrativa cinematográfica precisa se limitar ao tempo em que a espectadora ou espectador ficarem na cadeira do cinema; que, para Hitchcock, era  “o equivalente à capacidade da bexiga humana” e, pelos cálculos dos donos de cinema, entre 90 e 120 minutos.

O best seller de David Mitchell que inspirou o filme dos irmãos Wachowski e Tom Tykwer é uma obra vasta e super literária. Como uma daquelas bonecas russas, Cloud Atlas, o livro, consiste de seis histórias abrigadas uma dentro da outra, como nos contos das Mil e Uma Noites. Mas com um artifício diferente: as histórias não são contadas oralmente, são o resultado de uma série de documentos – um diário, um livro, uma hq, um filme – de diferentes épocas, do século 19 a um futuro pós-apocalíptico — que se referenciam mutuamente.

E, como uma sinfonia, cada uma dessas histórias enuncia, amplia e passa adiante o tema central da obra: a conexão entre todas as coisas, e como um gesto, hoje, repercute através dos séculos. Também como numa sinfonia, Mitchell faz com que o tema seja enunciado várias vezes, primeiro em ordem direta, depois de trás para a frente, voltando ao princípio, à primeira história/ melodia, só que, agora, carregada das tonalidades e variações de cada uma das versões anteriores.

O próprio Mitchell considerava seu livro “infilmável”. Até que os Wachowskis leram Cloud Atlas – Natalie Portman apresentou o best seller a eles no set de V de Vingança– e não conseguiram resistir.

Depois de passar pelos 172 minutos de Cloud Atlas, fiquei pensando se eles não deveriam ter seguido a primeira opinião do autor. Mesmo com o auxílio do amigo Tom Tykwer – que dirigiu metade das seis histórias – a intensa elucubração filsófico-literária de David Mitchell pode não ser, mesmo, material de cinema.

Pelos motivos expostos lá em cima, a elegante estrutura do livro – possível apenas se, em vez de filme, Cloud Atlas fosse uma mini-série; e mesmo assim…– foi desmontada e substituída por uma espécie de quebra cabeças no qual as seis narrativas não exatamente se encontram, mas se chocam num caleidoscópio de estilos e tons, menos uma sinfonia e mais uma cacofonia .

São dez minutos de drama seguidos por dez de romance , continuados num thriller de ação que vai dar numa farsa seguido por algo que parece uma versão asiática de Matrix. Não há tempo para a espectadora ou espectador se envolver de fato com nenhum dos múltiplos personagens. Quase se consegue isso com o amanuense dos anos 1930, vivido por Ben Whishaw, e com o editor de livros dos dias de hoje, encarnado pelo sempre genial Jim Broadbent, duas narrativas que, significativamente, foram dirigidas por Tykwer. Mas mesmo esses breves acordes se perdem no tumulto do restante.

Há momentos absolutamente espetaculares, em geral cortesia de Lana e Andy Wachowski,  quase todos na Neo-Seul do século 22, onde o drama criador/criatura, senhor/escravo se repete com inteligências artificiais e seres humanos. E instantes de real impacto lírico, quase sempre com assinatura de Tykwer, e mais comuns nas duas histórias que apontei há pouco.

O artifício  de empregar os mesmos atores para diversos papéis ao longo do tempo, escolhido pelo trio para enfatizar a ligação entre as seis histórias, talvez tivesse funcionado se o orçamento (levantado de forma independente, num esforço hercúleo) tivesse permitido um alto nível de sofisticação no acabamento da maquiagem. Não é o caso, infelizmente. Há momentos  francamente embaraçosos, mais próximos de um filme de Eddie Murphy do que, digamos, Benjamin Button. Os pobres Hugo Weaving e Hugh Grant são os que mais sofrem, mas Jim Sturgess e James D’Arcy  como coreanos do futuro estão no limite da vergonha alheia. Além do que, pelo menos para mim, o elemento “descubra o ator!” serve  mais somo uma distração do que uma atração, me distanciando ainda mais de uma narrativa com qual eu já estava lutando para me engajar.

No final, fica o louvor  ao trio por ter tentado tamanha loucura, e pelos momentos de brilho produzidos por tanto esforço. Ou, como disse A.O. Scott no New York Times, pelo fato de ter seis filmes diferentes pelo preço de um ingresso…

Cloud Atlas estreia aqui hoje e dia 25 de dezembro no Brasil.


Argo: a maturidade de Ben Affleck, diretor
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Ana Maria Bahiana

O problema de se fazer um thriller com um pano de fundo político é que quase sempre o ruído que a política faz acaba abafando o conteúdo humano. Que, no fim das contas, é o que viemos ver (caso contrário estaríamos num comício, certo?). Grandes obras do gênero, como Z, de Costa Gavras e Todos os Homens do Presidente, de Alan Pakula, compreendem esse desafio e mantem o elemento político sob controle, como o gatilho que impulsiona a narrativa.

Argo, de Ben Affleck, tem exatamente a mesma qualidade. Não é pouca coisa, considerando que se trata de apenas o terceiro filme de Affleck como diretor e , além disso, aborda um dos eventos mais carregados de complicações políticas e passionais: a revolução islâmica que, em 1979, retirou do poder o Xá Reza Pahlavi e instaurou a teocracia no Irã.

Trabalhando com um ótimo roteiro do também quase estreante Chris Terrio (com apenas um curta em seu currículo) Affleck não cai na armadilha de transformar a ação em panfletagem, mas domina perfeitamente o lado humano de uma história tão absurda que só poderia ser real (como, de fato, é). O pano de fundo político é estabelecido logo no começo, através de um artifício inteligente e visualmente intrigante: a história de como o Império Persa da antiguidade se tornou o Irã do século 20 – e o papel dos interesses do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos nisso tudo – é contada, com uma narração em farsi, por uma série de imagens de storyboard.

Do projeto de um filme que não houve somos jogados imediatamente no calor do momento que gerou outro filme que também não houve: estamos em novembro de 1979 em Teerã, e o complexo diplomático norte-americano está em vias de ser tomado de assalto por uma multidão de militantes islâmicos, os mesmos que acabaram de derrubar  o Xá e instalar o exilado Ayatolá Khomeini no poder. Seis funcionários consulares vão conseguir fugir por uma saída de emergência. E é com eles, e com a inacreditável operação armada para tirá-los de Teerã em segurança – e sem agravar a delicadissima crise internacional já armada – que Argo se ocupa, com excepcional maestria.

O artifício inventado pelo agente da CIA Tony Mendez (Ben Affleck) envolve cinema, o que remete elegantemente aos storyboards do início (que fecharão o ciclo ainda mais numa sensacional sequencia no aeroporto de Teerã, envolvendo guardas revolucionários e mais storyboards). Não vou entrar em detalhes para não estragar o prazer de quem não sabe nada a respeito. Mas é tão espetacularmente absurdo que só pode ser verdade.

Affleck  se diverte claramente com o segundo ato de Argo, dedicado ao mercado de egos e ilusões de Hollywood , particularmente nos anos seguintes à revolução causada por Star Wars. Alan Arkin e John Goodman, nos papéis de dois veteranos profissionais da industria, conduzem essa parte da trama com enorme prazer. Um dos grandes trunfos da firme direção de Affleck é como ele sabe modular os diversos tons de sua história, oscilando entre suspense, drama humano e comédia farsesca sem jamais perder o pulso.

Argo é um filme que dá gosto ver. É um belissimo thriller de fundo político,  à vontade entre outros grandes títulos do gênero.  No final, fica no ar uma delicada mas muito clara sobreposição de temas: Star Wars, a saga sobre fugitivos, militantes, impérios, liberdades roubadas; Argo, o navio abençoado por Atena, a deusa grega da sabedoria e da guerra, que conduziu Jasão ao Velo de Ouro; e storyboards falando do irresistível poder do cinema como modo de contar histórias que, de sua propria maneira, se tornam verdadeiras – e são capazes, até, de trazer a liberdade nos momentos mais inacreditáveis.

Argo estreia hoje nos EUA e 9 de novembro no Brasil.