Não foi você que envelheceu, Jack Bauer: foi a TV que rejuvenesceu
Ana Maria Bahiana
Em novembro de 2001, quando a 24 Horas estreou na Fox, sua chegada pareceu algo quase paranormal: três meses depois do ataque às Torres Gêmeas, aqui estava uma catarse coletiva prontinha, na medida, com a dose exata de violência explosiva e cuidadosamente orquestrada, produzida e realizada com a mesma extravagância e precisão dos arrasa-quarteirões da tela grande.
Em seu centro, o Jack Bauer de Kiefer Sutherland, um herói indestrutível, um guerreiro imbuído de um senso férreo de certo e errado, capaz de apanhar e bater com igual determinação e, ao mesmo tempo, ter aquela aura de vulnerabilidade ao redor dos olhos, ser um pai de família devotado (como esquecer aquela temporada em ele andou à cata de sua chatíssima filha perdida pelas montanhas ao norte de Los Angeles?).
Como os xerifes/caubóis justiceiros dos westerns clássicos, Bauer se guiava por um código particular de conduta, acima de todas as instituições, a cada hora/programa vingando um pouco mais um público (o norte americano) traumatizado pelo equivalente a uma bofetada cósmica na cara.
E isso explica os quase 14 milhões de espectadores em 2006 , o fato de ter-se tornado a série de ação mais longa da TV norte-americana (ultrapassando Missão Impossível) e uma boa parte dos prêmios – inclusive, em 2008, o primeiro Emmy na categoria “drama” da história da Fox. Para entender os outros aspectos de seu sucesso, tais como sua imensa popularidade pelo mundo afora, seu lugar de destaque na cultura pop do começo deste século, sua inclusão em número 6 na lista 50 melhores séries de todos os tempos da revista britânica Empire é bom lembrar o quanto 24 Horas era audaciosa 14 anos atrás. O “tempo real” da narrativa – 24 horas de TV, uma hora a cada episódio. A contemporaneidade dos temas. A qualidade dos efeitos. O realismo da violência. A complexidade de pelo menos alguns personagens.
Entretanto, entre novembro de 2001 e segunda feira passada – quando estreou aqui a minissérie 24: Live Another Day – tanta coisa aconteceu na TV! A TV aberta, por exemplo, perdeu sua hegemonia para a TV paga, onde séries ainda mais bem produzidas, realistas em sua recriação da violência e infinitamente mais bem escritas tomaram a dianteira no coração das plateias do mundo todo (graças em grande parte a essa outra grande novidade, a internet banda larga).
O mundo ficou ainda mais complicado, e o público, mais relutante em aceitar mocinhos de chapéu branco que salvam tudo na porrada (a não ser que eles tenham capa, collant e estejam na tela grande. Ou se chamem Bourne. Mais sobre isso daqui a pouco). No vácuo de Jack Bauer, ausente da telinha desde 2010, entrou Walter White, o anti-herói sem nenhum caráter.
Tudo isso explica porque Live Another Day pareceu tão previsível, tão sem graca, tão… antigo (e a audiência sólida mas morna parece que concorda comigo…).
Bem que tentaram modernizar a coisa toda: drones, ataques remotos, hackers e violação da privacidade online entram no coquetel; Jack Bauer é apresentado numa sequência de ação vigiada no coração de Londres que parece ter sido scaneada diretamente da franquia Bourne. Mas é tudo um verniz bem leve por cima de intermináveis diálogos de exposição (são quatro anos de ausência para serem explicados, afinal…) e os sopapos de sempre, com a mesma Chloe mal humorada de Mary Lynn Rajskub (agora com olhos de guaxinim!) guiando Bauer em manobras que imploram nossa capacidade de suspender a descrença.
Se você tem muita, muita saudade de 24 Horas, capaz até de achar divertido : é meio como rever um velho amigo, agora um pouco mais barrigudo e careca, mas ainda seu grande chapa. Se não estiver assim tão fissurado… pode dispensar. A TV cresceu e mudou muito desde 24 Horas (e em parte por causa de 24 Horas). Lá fora, hoje, tem muita coisa melhor.