Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Joel Kinnaman

Um RoboCop para tempos de cólera
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Ana Maria Bahiana

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Se é verdade que é tão perigoso para um poeta tentar um novo idioma quanto para um místico tentar uma nova crença – porque ambos correm o risco de perder sua alma – então o realizador que tenta migrar de seu país para a Babilônia de Hollywood corre risco dobrado. Crenças e estilo pessoais são frágeis diante do cinema de escala industrial, e já vi muita gente boa, excelente mesmo, perder não digo a alma mas com certeza a saúde, a paciência e, algumas vezes, o rumo.

Foi um enorme prazer e alegria constatar que, colocado no tango feroz com a Sony, José Padilha não apenas sobreviveu intacto como nos deu um filme sólido, divertido, às vezes deliciosamente perverso, que relê e reposiciona o igualmente sólido, divertido e perverso original de Paul Verhoeven.

Vamos tirar do caminho, logo de cara, o que não deu certo. A música (de Pedro Bromfman) não me convenceu, me pareceu uma trilha genérica levantada de qualquer outro filme de ação. O contraste com as espetacularmente bem escolhidas faixas não-originais – de Frank Sinatra a Focus, passando por uma canção do Mágico de Oz e encerrando com “I Fought the Law” na versão do Clash – só faz tornar a trilha original ainda mais sem graça.

E como já é praxe no gênero, as personagens femininas são pouco mais que nada – assistentes, secretárias e uma esposa que sofre muito (Abbie Cornish, desperdiçada). Mas isso é um problema muito mais vasto que apenas um filme e que, acho, só vai ser consertado quando surgir a Kathryn Bigelow da sci-fi.

De resto, que prazer! O RoboCop de 1987, dirigido por Paul Verhoeven e escrito pela dupla Edward Neumeier e Michael Miner (que também escreveram Tropas Estelares, adaptando o livro de Robert Heinlein) era um comentário ácido sobre a escalada da violência urbana , a inevitável militarização da polícia e o extermínio dos direitos dos cidadãos.

A versão de Padilha – trabalhando com um bom roteiro de Joshua Zetumer, um dos roteiristas não-creditados de Quantum of Solace – incorpora todos os elementos que tornam o mesmo tema muito mais complicado, hoje: a globalização, a guerra por controle remoto de drones e satélites, a interface entre ser humano e inteligência artificial, e as muitas, muitas concessões de liberdades pessoais sacrificadas no altar da “segurança” ao longo dos 27 anos que separam um filme do outro.

Usando uma “personalidade de TV” demagógica  (vivida com a perfeição de sempre por Samuel L. Jackson) como condutor da trama, Padilha traz para seu RoboCop a urgência de um bom documentário, sublinhada pela câmera nervosa de Lula Carvalho e a montagem exata de Daniel Rezende. Mas não é só Tropa de Elite à vigésima potëncia: é tambem uma reflexão sobre o que nos faz humanos, com ecos do Frankenstein de James Whale e uma performance exata e sensível de Joel Kinnaman como o homem comum perdido dentro da máquina.

Mesmo imaginando o que deve ter sido o processo de atualizar uma propriedade intelectual de um grande estúdio com mais inteligência do que é necessário, não posso saber ao certo como foi a batalha de Padilha para realizar sua visão mantendo claros tanto o compromisso com o mercado quanto sua integridade criativa. É nessa batalha que se testam os grandes talentos. E nesse round foi Padilha que saiu vitorioso.

RocoCop estreia nos Estados Unidos dia 12 e no Brasil dia 21 de fevereiro.


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