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A prisão de cada um: Os Suspeitos e o desafio de rever o thriller
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Ana Maria Bahiana

Um dos principais problemas dos thrillers de crime, no cinema – especialmente os que envolvem serial killers – é o quanto a TV, especialmente a TV aberta, esvaziou o gênero. A competição de séries de arco narrativo longo, como The Killing e The Bridge, é o menor dos problemas. O pior são esses duzentos mil e oitenta seriados que a cada semana apresentam um novo monstro “como nunca foi visto na história “ ou coisa parecida e, em 48 minutos, resolvem o caso, acham o criminoso (depois de exatamente 2 e ½ pistas falsas) e pegam o dito cujo, dramaticamente.

Uma consequencia importante desse desgaste é dessensibilizar o público, tornando crueldade e  violência coisas banais, que precisam ser amplificadas cada vez mais para atrair e manter a atenção das pessoas.

Para mim uma das qualidades centrais de Os Suspeitos (Prisoners, 2013) é exatamente subverter esse princípio. Há violência, e muita, no filme do canadense Denis Villeneuve (que nos deu o maravilhoso Incendies em 2010) mas ela é mostrada com  a clareza e a dureza de algo que não é espetáculo, mas horror. E – o que mais nos perturba e nos obriga a um olhar diferenciado – a violência é cometida não pelos personagens que enquadraríamos como “vilões” numa narrativa mais previsível, e sim por aqueles que somos levados a ver como “heróis”.

Há outras qualidades em Os Suspeitos – a fotografia do mestre Roger Deakins, a música de Johán Johánnson, os desempenhos de todos os atores, incluindo Hugh Jackman num papel fora do comum em sua trajetória – mas fiquei marcada especialmente pelo modo cuidadoso, deliberado, preciso, com que Villeneuve conduz e enquadra a narrativa, tocando exatamente em nossos cacoetes de plateia e revertendo nossas expectativas. É perturbador e é bom, como um jorro de água fria no rosto, de manhã, pode ser bom : para estimular, acordar.

O título original, Prisoners, encerra melhor essa ideia. Ao longo da história, diversos personagens serão retirados de suas vidas habituais e confinados, restritos, aprisionados. A trama, em si, é simples. Duas meninas desaparecem misteriosamente no dia de Ação de Graças, num subúrbio classe media dos Estados Unidos. O pai de uma delas – Hugh Jackman – convence-se de que sabe quem é o raptor – Paul Dano, o rapaz que dirigia uma van pela vizinhança no dia – e resolve tomar as medidas que acha apropriadas, à revelia do policial – Jake Gyllenhaal – encarregado do caso.

A questão, contudo, não é nem quem fez o que (embora essa parte seja muito interessante) mas quem é, de fato, prisioneiro – e de que. Quem está absolutamente aprisionado, abrindo mão de sua capacidade de escolher e decidir? E até onde violência é o instrumento desse aprisionamento?

O roteiro original de Aaron Guzikowski (Contrabando) tem lá seus furos, mas a clareza com que Villeneuve conduz nosso olhar, e o quanto ela nos faz pensar, vale tudo.

Os Suspeitos está em cartaz nos EUA e  estreia hoje no Brasil.


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