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Quando os humildes herdaram a Terra: todo o poder de Elysium
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Ana Maria Bahiana

A melhor ficção científica não é sobre o futuro: é sobre o presente, e tudo aquilo que nos assusta, angustia, empolga e intriga no presente. Dois alicerces do gênero no cinema – Le Voyage Dans La Lune, de Georges Méliès, 1902, e Metropolis, de Fritz Lang, 1927 -falavam, na aurora do século 20, dos medos do que a muito recente revolução industrial poderia fazer com o planeta e seus habitantes.  Chaminés fumegantes inspiram os cientistas de Voyage Dans La Lune a buscar novos horizontes na Lua. Uma sociedade radicalmente dividida entre  operários oprimidos, vivendo em miséria, e oligarcas opressores, vivendo no luxo, gera uma revolução em Metropolis.

Há um tanto de ambos, Metropolis e Le Voyage Dans La Lune, em Elysium, o arrasa-quarteirão mais inteligente desta (fraquíssima) temporada pipoca.  Porque seu realizador, Neil Blomkamp, não deixa o cérebro na prateleira quando cria, todo o poder do sci-fi, sua capacidade de especular sobre o que estamos vivendo agora, com a liberdade de ver os problemas na distância do futuro, passa, intocado, da tela para a plateia.

Em seu sensacional filme de estreia, Distrito 9, Blomkamp refletia profundamente sobre os conceitos de raça, espécie e a infinita arrogância dos humanos, colocando em nossas mãos um novo tipo de ET – o ET das comunidades carentes, dos marginalizados, dos segregados.

De muitos modos Elysium continua o raciocínio de Distrito 9, adicionando boas doses das ideias dos prioneiros da sci fi. Como em Voyage, a Terra em Elysium é um planeta devastado e, como em Metropolis, quem a herdou foram de fato os humildes _ todos aqueles pobres demais, marginalizados demais para se mudar para o novo paraíso celeste, Elysium, uma espécie de mega-condomínio fechado, exclusivo para ricos e bem nascidos, valsando acima da Terra como uma perversão sinistra da estação espacial de 2001 Uma Odisséia no Espaço, imune a pobreza, violência e doença.

Os melhores achados de Elysium estão em sua abordagem do que foi feito da Terra, pelo microcosmo de Los Angeles. No século 22, LA terá se transformado, dependendo do ponto de vista, numa imensa Tijuana ou num interminável Complexo do Alemão, hiper-poluída, desprovida de serviços  públicos  e controlada ou por um sortimento de gangues e mercenários, ou por robocops que chamam todo mundo de “cidadão” enquanto baixam o sarrafo.

É uma vida em círculos, onde quem tem sorte, como Max (Matt Damon) trabalha , por trocados , em condições precaríssimas, em grandes fábricas de bens de luxo e segurança, ganhando tempo até que alguma trivialidade – um encontro mais brusco ou com os robocops ou com os mercenários, uma doença – ponha um ponto final. Uma das melhores cenas desse primeiro ato envolve Max e um robojuiz, que vai fazer a delícia (ou a agonia) de qualquer pessoa que algum dia teve que resolver um caso complicado com um burocrata.

Sobre esse inferno terrestre paira Elysium, acessível apenas aos seus cidadãos, e governado com elegante mão de ferro por uma Jodie Foster em seu melhor modo vilanesco,bebendo champanhe e falando francês enquanto ordena ataques mortais a dezenas de pessoas, à distância e sem elevar o tom de voz.

Eu só lamentaria uma coisa, mas ao mesmo tempo compreendo o que aconteceu. Enquanto Distrito 9 deixava que os personagens contassem a história – e nós nos envolvíamos a partir do que íamos descobrindo sobre eles – Elysium, a partir do meio, apoia-se no velho modelo das repetidas cenas de ação e enfrentamento para tocar a narrativa.

Mas eu entendo: ao contrário de Distrito 9, este é um filme de grande orçamento, com grandes expectativas de um grande estúdio – a Sony – que teve uma temporada pipoca atribulada. Posso imaginar perfeitamente o quanto de interferência o roteiro original sofreu para incluir “mais efeitos!”, “mais ação!”, “mais perseguições!”, “mais explosões!”.

 

A presença de Alice Braga e Wagner Moura num ótimo elenco multicultural que inclui também Diego Luna e  Sharlto Copley merece uma conversa à parte. Ambos estão excelentes e tenho certeza de que, bem administrada, essa exposição pode ser um salto quântico em suas já luminosas carreiras. Eu espero apenas que Alice faça, em breve, um papel num grande projeto internacional onde ela não seja a boa moça em perigo. Sei, sabemos, que ela é capaz de muito, muito mais. Wagner criou seu líder bandido Spider com impressionante presença e fisicalidade _ agora é só esperar as próximas ofertas (e escolher bem).

Elysium estreia aqui nesta sexta feira, dia 9, e no Brasil dia 20 de setembro.


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