Blog da Ana Maria Bahiana

Categoria : Corrida do Ouro

O que esperar dos Globos de Ouro? Possivelmente, o inesperado
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Ana Maria Bahiana

Escrevo este post no International Ballroom do Beverly Hilton, enquanto Helen Mirren e Sidney Poitier ensaiam a entrega do troféu Cecil B. De Mille a Morgan Freeman. Um jovem extra faz o papel de Freeman para que a produção marque câmeras, luz e timing. Mirren, sem maquiagem, numa saia estampada, camisa branca e casaco de tricô bege, tem ideias divergentes do diretor, e pede uma modificação no ritmo e espaçamento de duas frases _ e ela está  certa, como sempre. Com as mudanças, o texto ficou mais engraçado e a entrada de Freeman, mais interessante.

Chiquérrima num tailleur preto , a caminho do chá da BAFTA, agora à tarde, Angelina Jolie entra no palco depois, ensaiando a entrega do Globo de melhor diretor. Abre o envelope de mentirinha e exclama: “Michel Hazanavicius e Martin Scorsese! É empate!” , e desata a rir. Quando passa  o texto de novo, ela “dá” o prêmio para o diretor de O Artista. “Quero treinar o nome mais difícil primeiro”, ela explica. “Se ele ganhar mesmo, não quero gaguejar!”.

Numa calça jeans justíssima e top de malha aberta, Mila Kunis é a próxima a ensaiar, passando “melhor ator coadjuvante” ao lado de um Gerad Butler cabeludo, de jaqueta de couro. Não precisam repetir _ tudo certo de primeira.

O salão este ano está em tons de azul, que as luzes tranformam em ouro e prata, oscilando entre vários tons e intensidades enquanto escrevo, o que torna a tarefa substancialmente mais difícil. Pelas paredes do Ballroom alguém teve a brilhante ideia de colocar reproduções do troféu em branco _ num primeiro olhar achei que eram enormes bolas de sorvete de baunilha… Mas enfim…

Estou sentada na mesa 14 onde, tradicionalmente, altos executivos se aboletam com suas champagnes e águas minerais. “Jeffrey Katzenberg” está ao lado. “Colin Firth” e “Judd Apatow” estão na mesa vizinha. É divertido e um pouco assustador. Prêmio-fantasma.

Perambulando silenciosamente pelas mesas cobertas de cartazes com os nomes dos convidados, Ricky Gervais , de jeans e camiseta preta, presta atenção a cada nome. Ao me ver labutando na mesa 14, sorri e pisca o olho: “Estou procurando minhas vítimas.”

Gervais é ao mesmo tempo um bônus e um problema para os Globos. Suas tiradas ano passado enfureceram muita gente, mas colocaram o evento no topo da audiência. A preocupação, este ano, é que ele não perca seu gume cortante mas também não ofenda ninguém de modo irreparável.

Quando Gervais finalmente sobe ao palco do International Ballroom para passar seus textos, respiro aliviada.Meu papel na produção, este ano, é, entre outras coisas, garantir que ele faça exatamente isso, que seja o Gervais engraçado e provocador que amamos, mas que não arrume briga com ninguém. Os textos que ele ensaia são exatamente isso _ fãs não ficarão decepcionados e se os distintos convidados ainda tiverem uma gota de bom humor em suas veias, vão rir muito.

E quem vai ganhar? Quisera eu poder dizer… Com minha querida Associação, é super difícil saber. Cada cabeça uma sentença, um país, uma cultura, um gosto. Não há o consenso de classe das Guildas e a mente coletiva da indústria representada na Academia.

O que posso adiantar: George Clooney e Viola Davis estão na pole entre os atores/drama; O Artista e Os Descendentes são os líderes em melhor filme comédia/musical e drama, respectivamente; o filme estrangeiro favorito é A Separação. Na TV, a coisa se complica. Só posso dizer que é difícil Jessica Lange  sair de mãos abanando do Beverly Hilton…

Até amanhã, quando estarei nas entranhas do Beverly Hilton ….

 

 


Na guerra pelo ouro, a batalha dos documentários
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Ana Maria Bahiana

Feliz ano novo _ prontos para a arrancada final rumo aos prêmios?

Por aqui, o interlúdio das festas foi breve. O ano nem tinha começado e as campanhas já tinham sido retomadas com renovado vigor. E com razão_ agora é a arrancada final, a hora da decisão. Os vencedores dos Globos de Ouro serão anunciados no domingo, dia 15. As indicações para os Oscars nós vamos saber dia 24. E as indicações das Guildas – atores, diretores, produtores, diretores de fotografia e roteiristas – já estão na rua.

Uma síntese de todo esse movimento dá uma boa ideia de quem está no jogo pelo ouro.

Mas antes falemos de uma categoria menos glamourosa : documentários. A Academia acaba de mudar (mais uma vez) as qualificações para concorrer ao Oscar da categoria: agora, além da obrigatoriedade de exibição comercial em Nova York ou Los Angeles, por uma semana no mínimo, só podem concorrer aos Oscars os documentarios que forem resenhados pelo Los Angeles Times ou New York Times.

A nova regra começa a vigorar este ano, para a cerimônia de 2013, e faz parte de um pacote de medidas que vão afetar muitas coisas no Oscar: a data da cerimônia e do anúncio das indicações, o formato do evento e as qualificações para várias outras categorias,inclusive,  sim, filme estrangeiro.

Como a maior parte das coisas que a Academia faz com relação às suas regras, essa novidade dos documentários parte das melhores intenções e acaba criando um problema ainda maior. A boa intenção era acabar com um certo tipo de elitismo (intencional ou não) da categoria que, ano após ano, tem ignorado documentários importantes. Este ano, por exemplo, Senna e The Interrupters não apareceram na pré lista da Academia, embora estejam entre os melhores filmes do ano para muitos críticos.

Usando um tipo de raciocínio simplista, a Academia decidiu que, se bons documentários são captados pelos críticos mas não pelos 172 integrantes do comitê de documentários – todos voluntários – então vamos passar o encargo para eles! Afinal, todo ano os membros do comitê reclamam da obrigatoriedade de ver os 300 e tantos documentários que se qualificavam pelas regras anteriores ou seja, pela exibição em determinados festivais. Deixem os críticos nos dizerem quais devemos ter o trabalho de ver…

E como a Academia, em termos de mídia não confia em ninguém que não seja de mídia impressa e preferencialmente norte-americano, pronto! New York Times e Los Angeles Times acabaram de ser adicionados ao posto de pré-selecionadores dos Oscars!

Os problemas que essa decisão traz para um prêmio já cheio de problemas são inúmeros. Para começar, retira da Academia o atributo fundamental de seleção, investe duas publicações com um  poder desigual e cria um provincianismo americanocêntrico, que automaticamente desqualifica qualquer documentário que não agradar três ou quatro pessoas em Nova York e Los Angeles.

Para continuar, coloca sobre produtores e distribuidores de documentários um encargo financeiro muito maior: a obrigatoriedade de bancar temporadas em duas cidades caras e contratar divulgadores para colocar as bundas dos resenhistas todo-poderosos nas cadeiras dos cinemas. Eu não vou nem entrar na questão de como isso pode degringolar para turvas áreas éticas…

E para terminar, não alegra os críticos nem assegura o bom funcionamento do esquema: há cada vez menos críticos em todos os jornais e revistas, inclusive esses dois, uma tendência que não deve mudar no futuro. Se 172 pessoas não dão conta de algo que é parte de um prêmio que elas criaram, por que duas ou três ou quatro dariam?

E vocês, o que pensam?


Indicações aos Globos de Ouro 2012: o ano da volta ao essencial do cinema
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Ana Maria Bahiana

Com um grupo tão pequeno e tão diverso quanto nós, os correspondentes estrangeiros em Hollywood, todo ano eu prendo um pouco a respiração na hora do anúncio das indicações ao Globo de Ouro? Que coisa esquisita, bizarra e fora de qualquer compasso meus colegas vão aprontar ?

Este ano, pude respirar mais cedo. Bizarrice mesmo não houve, embora eu ainda não tenha entendido o que o pedestre My Week With Marilyn estava fazendo entre os melhores filmes, comédia/musical, Puss in Boots e Cars 2 entre os longas de animação (em vez de Rio, por exemplo), Callie Thorne entre as atrizes/TV/Drama e, principalmente, a indescritivelmente ruim American Horror Story entre as melhores séries de TV/drama.

Algumas indicações podiam ser melhores – duas para o W. E. da Madonna? Mesmo? Pelo menos foi na música que, de fato, se salva. Imagino que os votantes talvez estivessem querendo garantir a presença da Divina Miss M. na festa do dia 15 de janeiro, o que não é má ideia.

Outras indicações me pareciam ter sido feitas no piloto automático: Glee já passou do prazo de validade; Modern Family poderia ter dado sua vaga perpétua para outra série (Community?); e… The Good Wife? De novo? Nada de novo no front? (Me lembrou a indicação perpétua para House que assombrou o prêmio nos últimos anos…)

Há ausências notáveis, para mim: O Espião Que Sabia Demais, Árvore da Vida entre os filmes/drama; Win Win e Beginners entre os filmes/comédia; Carey Mulligan, tanto por Drive quanto por Shame; Jessica Chastain como qualquer coisa – ela deveria ter sido indicada por conjunto de obra, este ano! ; Ewan McGregor, que também merecia estar lembrado por Beginners, além do seu genial coadjuvante Christopher Plummer; senti falta também das canções de Muppets e das maravilhosas trilha de Hannah e Drive. E, é claro, estava torcendo deseperadoramente por Drive (que afinal emplacou Albert Books entre os coadjuvantes). Mas esse era um sonho impossível. (E se meus colegas quisessem realmente colocar a corrida do ouro num outro nível, teriam indicado Andy Serkis por qualquer uma de suas atuacões mocap…)

Por outro lado, meus colegas me deixaram orgulhosa, também. Quase uma década atrás os Globos destacaram uma série estreante que quase ninguem tinha visto: Mad Men. Este ano, indicaram duas vezes – série/comédia e atriz, para Laura Dern – Enlightened, sensacional reflexão sobre a natureza humana em tempos de crise, criada e executada por um talentoso grupo de criadores vindos do cinema independente, e, neste momento, ameçada de ser cancelada. As indicações para Michael Fassbender (pelo difícil mas belo Shame), Tilda Swinton (pelo provocador Precisamos Falar Sobre Kevin) e Joseph Gordon-Leavitt (pelo pequeno 50/50) mostraram que meus colegas estão atentos.

Liderando com cinco indicações num ano extremamente dividido, O Artista tem uma vantagem interessantíssima _ numa época de apogeu tecnológico, ele aponta para o essencial do cinema, sua capacidade mais profunda e simples de contar histórias visualmente. É um estranho no ninho do espetáculo, e sua trajetória, nesta temporada de prêmios, pode ficar na história.

Os Globos de Ouro serão entregues dia 15 de janeiro em Los Angeles.


O Artista, Hugo Cabret: na temporada ouro, gestos de puro amor ao cinema
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Ana Maria Bahiana

 

No momento em que o  cinema vive uma intensa discussão de seus caminhos tecnológicos, em que a exibição em película está em vias de extinção, e a distinção entre “real” e “digital” para todos os efeitos dilui-se, um desejo intenso de voltar ao passado parece estar baixando nos realizadores. Vários títulos com destaque na temporada ouro vão além das características do “filme de época” _ eles não apenas se passam no passado, mas incorporam, referenciam e celebram a estética e as técnicas dos tempos em que o cinema era jovem.

A Invenção de Hugo Cabret (em cartaz nos EUA, dia 17 de fevereiro no Brasil) e O Artista (em circuito limitado nos EUA, ainda sem data no Brasil graças à ganância dos Weinstein) são os mais claros tributos ao cinema em seus primeiros passos, o cinema da alvorada do século 20. Mas há também um mundo de referências e homenagens ao cinema dos anos 1940 e 1950 no magnífico Cavalo de Guerra, de Steven Spielberg, assunto de um próximo post.

Em Hugo e Artista, Martin Scorsese e Michel Hazanavicius partiram exatamente do mesmo ponto- uma sincera e profunda homenagem às raízes da imagem em movimento- para chegar a destinos diferentes, com diferentes escolhas diante do banquete tecnológico dos nossos tempos.

O Artista é um artifício _ um delicioso, inteligente artifício, mas um artifício assim mesmo, uma brincadeira superbem realizada por um cinéfilo para outros cinéfilos. Em seus filmes anteriores, a dupla OSS 117, Hazanavicius fazia mais ou menos o mesmo com o gênero filme-de-espionagem, carregando a mão no pastiche. O genial de O Artista não é ele  ser mudo, preto e branco e no velho formato 1.37: 1 ( que dá ao filme um visual literalmente quadradão). É o fato de Hazanavicius estar contando a história do mesmo  modo como o cinema dos anos 1920 contava, usando os mesmos recursos, da fotografia à cenografia. E nós, os espectadores blasés do século 21, estarmos completamente envolvidos por ela.

A história de amor entre o galã veterano (Jean Dujardin) e a starlet emergente (Berenice Bejo) seria banal se não fosse um melodrama como os que faziam nos idos dos 1920, repletos de súbitas guinadas do destino, com o mandatório cachorrinho adorável, os panos de fundo  obviamente pintados, os enquadramentos que contam o máximo de história possível no mínimo de tempo _ porque não há palavras para impulsionar a trama, só rostos, ações, gestos.

Nos últimos minutos deste elegante exercício formal, Hazanavicius se permite um comentário sobre o próprio uso do som no cinema,  a espoleta do drama que, ao mesmo tempo, destrói a vida do galã, eleva a da mocinha e aproxima os dois. É uma piscadela para todos os cinéfilos na plateia, um modo de explicar porque um realizador do século 21 abriu mão voluntáriamente das riquezas à sua volta para criar algo como seus antepassados. É um pouco a mesma razão que leva místicos e ascetas de todas as tradições e escolher o jejum e a privação: para, através deles, produzir a iluminação e transcendência.

Em O Artista elas nem sempre acontecem, mas sempre vale a pena tentar.

Martin Scorsese seguiu o caminho oposto em A Invenção de Hugo Cabret, abraçando todas as conquistas do século 21 para celebrar as visões de um pioneiro do cinema.

Uma verdadeira enciclopédia ambulante de cinema, Scorsese interessou-se em adaptar o livro de Brian Selznick por três motivos: porque seu autor pertence à familia de outro pioneiro do cinema, o produtor David Selznick (…E o Vento Levou, Nasce uma Estrela, Rebecca, A Mulher Inesquecível); porque o principal elemento da trama é o cinema de George Méliès, o grande visionário dos primeiros anos do cinema; e porque o próprio livro, com suas elaboradas ilustrações, muitas vezes em relevo, sugeria tridimensionalidade, imersão.

Como muitos admiradores do criador de Viagem à Lua, Sorsese tem certeza de que Méliès adoraria viver e fazer cinema hoje _ “toda sua vida foi a busca de empurrar os limites do que era possível fazer, e tornar cada vez mais fantástica e extraordinária a experiência do espectador”, Scorsese me disse.

Nos momentos mais fantásticos de extraordinários de Hugo Cabret, Scorsese usa o digital e o 3D impecável da câmera Cameron-Pace (sim, aquele Cameron..) para apresentar as visões de Méliès às plateias deste novo século, possivelmente já entediadas com a quase sempre inútil fartura tecnológica e seus produtos recentes. E não importa quantos filmes high-tech você já tenha visto: o arrepio vem, nascido da emoção porfunda, da admiração sincera que Scorsese tem pelos que tornaram possível a arte da imagem em movimento.

Para cinéfilos hardcore vale a pena conferir as muitas referências diretas a clássicos dos primeiros anos do cinema, de Lumiére a Harold Lloyd, escondidas nas dobras da história do órfão (Asa Butterfield) que vive numa estação ferroviária da Paris de 1930 com um misterioso autômato deixado por seu pai (Jude Law). Aliás, essa história é o único grande problema de Hugo Cabret _ comédia e estrepolias infantis ainda parecem ser coisas complicadas até para um gênio como Scorsese. Mas quando as rocambolescas perseguições dão lugar ao Palácio de Vidro de Méliès, toda a magia que embala nossos sonhos há mais de um século se torna completamente real.


Vida, amor e morte no paraíso havaiano: por que Os Descendentes está na frente da corrida do ouro
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Ana Maria Bahiana

Quando a plateia inteira do teatro Samuel Goldwyn, da Academia, se levantou para aplaudir assim que a última imagem de Os Descendentes – George Clooney e as meninas Shailene Woodley e Amara Miller num sofá, comendo pipoca e vendo o documentário A Marcha dos Pinguins, cobertos por uma manta amarela- desapareceu da tela, eu tive a nítida impressão de que sabia quem era, enfim, a pole position na corrida do ouro.

Certo, a exibição  era uma premiere e não a sessão oficial para a Academia (se fosse, eu não estaria lá…) mas com certeza uma boa parte das pessoas que aplaudiam entusiasticamente o filme de Alexander Payne era votante. Uma rápida olhada sobre o salão da Academia superlotado para a recepção depois do filme revelou uma dúzia de cabeças coroadas de estúdios, outra de produtores, e um bom contingente de atores, atrizes e técnicos.

Numa coisa eu concordo com todos eles: Os Descendentes merece todos os aplausos e a dianteira na disputa. É um belíssimo filme, adaptado do livro (igualmente belo) de Kaui Hart Hemming e interpretado por George Clooney e um excelente elenco de apoio com o tipo de sutileza e complexidada raras no cinemão norte-americano. Especialmente notável é o trabalho de Shailene Woodley como a filha mais velha de Matt (Clooney) o advogado de sangue-azul havaiano  ( descente de uma princesa nativa e um banqueiro norte americano) que precisa, ao mesmo tempo, decidir o que fazer com a esposa, que o traiu e agora jaz em coma no hospital, e com um enorme pedaço de terra, intocado e espetacular, que pertence à familia.

Laços de sangue e laços de terra formam a delicada teia da trama, onde as coisas que acontecem fora – os confrontos entre pai e filhas, a aparição de um hilário amigo cabeção da filha mais velha, a busca do amante da esposa, as divergências entre os primos a respeito do destino das terras – são menos importantes do que as acontecem dentro dos personagens. Principalmente o longo, penoso, lindo arco entre decepção e perdão, passando por fúria, desespero e compaixão, que o Matt de George Clooney faz, literalmente diante de nossos olhos, e que certamente vai (com justiça) lhe valer indicações.

Alexander Payne, afastado das telas desde Sideways-Entre Umas e Outras, é um desses raros, preciosos diretores sem o desespero de impulsionar a narrativa a todo custo, com a calma e a precisão capazes de deixar a história e as emoções respirarem através de seus atores e dos detalhes, da luz, da maravilhosa fotografia de Phedon Papamichael ( seu colaborador também em Sideways).

A trilha, composta unicamente de gravações originais de música havaiana – inclusive o mega-mestre da guitarra slack key, Gabby Pahinui – sublinha delicadamente essa jornada.

No final tudo termina naquele sofá, com pipoca e A Marcha dos Pinguins, os descendentes da princesa havaiana e do banqueiro ha’ole cobertos pela mesma colcha amarela que embalou  a esposa em coma. Morte, vida, sangue, terra, família, compreendida, aqui, como algo maior que a mera sucessão de gerações, algo que vai até raízes profundas e ramos vastos da árvore da vida.

Somos todos descendentes, diz o filme de Payne. E, um dia, seremos todos ancestrais.

Os Descendentes estreou esta semana nos EUA ; no Brasil, estréia dia 27 de janeiro.


Numa semana tumultuada, o futuro dos dois prêmios mais importantes da temporada
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Ana Maria Bahiana

Os storm troopers abrem a festa de entrega dos Oscars honorários

 

Mas que semana, hein?  Tudo começou sexta feira passada, no final do dia, quando a verificação de dados dos  filmes inscritos para a categoria “filme estrangeiro” revelou que Tropa de Elite 2 estava fora do prazo necessário para a competição. E terminou com o anúncio da volta de Ricky Gervais como host dos Globos 2012, pela terceira vez.

Entre uma coisa e outra, a Academia distribuiu seus prêmios  honorários num almoço de gala, em clima  Star Wars. O presidente Tom Sherak entrou no salão de festas do complexo Hollywood/Highland (onde está o teatro Kodak) vestido de Darth Vader e acompanhado por um pelotão de “storm troppers”. “Como foi  a semana de vocês?”, ele disse saudando a ilustre plateia de acadêmicos e convidados, que desatou a gargalhar. Era ao mesmo tempo uma referência a um dos premiados da tarde,  James Earl Jones, a eterna voz de Lord Vader, e ao tumulto que quase paralisou os preparativos para o Oscar 2012 e terminou com a troca de produtor e apresentador.

Estas mudanças foram inesperadas, mas fãs da corrida do ouro já podem se preparar para mais novidades a partir de 2013. Com certeza teremos indicados e prêmios mais cedo : a entrega do Oscar  de 2013 está marcada para 27 de janeiro, o que pode alterar também as datas dos Globos de Ouro. E, se uma ala muito ativa da diretoria da Academia triunfar, teremos também o exílio dos prêmios técnicos – som, fotografia, efeitos, maquiagem, figurino, direção de arte, montagem – para uma cerimônia separada, prévia, como a que hoje abriga os Oscars honorários.

“Posso ser sincero? Nós estamos no meio do maior tumulto. Vocês, pelo contrário, estão tranquilos”, me confessou um acadêmico ( que estava mesmo usando um terno Armani, saindo do almoço).

“Nós”, no caso, somos os votantes dos Globos de Ouro. Que, na verdade, também não passamos uma semana muito tranquila. Entendo perfeitamente os dois lados da discussão pró e contra a volta de Ricky Gervais. Os 16 colegas que votaram contra tem uma metáfora válida: você convidaria para sua festa uma pessoa que só fala mal dos outros convidados? Os Globos tem mesmo um clima de festança informal e divertida, onde astros e estrelas se sentem à vontade _ é uma parte importante do charme do evento.

Mas o executivo da NBC e os que  votaram a favor também tem razão. Os tempos mudaram, a competição ficou mais agressiva na selva da TV, há mais prêmios que coisas a serem premiadas, e a mistura de estabilidade e crescimento que os Globos  tem mantido  tem que ser defendida cuidadosamente. Todo mundo – votantes e emissora- concorda que Gervais errou no tom, em janeiro deste ano. Falha de todos porque, ao contrário do que o público pensa, todo show que é transmitido ao vivo é rigorosamente roteirizado e ensaiado. Quem tivesse comparecido aos ensaios saberia em que direção Gervais estava indo.

Sim, o público adora ver os famosos em saia justa. Os Oscars e Emmys, quando acertam, fazem isso muito bem. O segredo está em achar o tom certo, equilibrar a piada de modo a não tirar o gume cortante do apresentador nem deixar na distinta plateia o clima de mal-estar que reinava no salão do Beverly Hilton em janeiro deste ano.

É o desafio dos Globos este ano. A maioria das estrelas vai comparacer, não se preocupem. Na verdade, Kate Winslet e George Clooney já aceitaram convites para apresentar prêmios. Todo mundo é profissional e sabe desenvolver defesas, ser imune a alfinetas  e gozações. É tudo parte do ofício _ e da corrida do ouro.


Tropa de Elite 2 está fora dos Globos de Ouro
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Ana Maria Bahiana

 

Tropa de Elite 2 não está mais concorrendo ao Globo de Ouro. O filme de José  Padilha está fora do prazo que o qualificaria para a categoria Filme Estrangeiro. Tendo estreado no Brasil em outubro de 2010, Tropa poderia ter concorrido ano passado, mas não agora. Para um filme estrangeiro  poder se qualificar para os Globos  na categoria ele precisa ter estreado em seu país de origem  nos 14 meses entre 1 de novembro e 31 de dezembro do ano anterior aos prêmios – no caso dos concorrentes deste ano, entre 1 de novembro de 2010 e 31 de dezembro de 2011. Tropa 2, infelizmente, estreou no Brasil em outubro de 2010, o que o desqualifica.

Uma exibição para os votantes já havia sido marcada, num dia que não era dos melhores, em pleno feriadão do Dia de Ação de Graças e uma semana depois da estréia comercial aqui em Los Angeles.  Pode-se atribuir esse problema ao sufoco da temporada de prêmios, quando todas as salas de exibição da cidade estão tomadas por candidatos a indicações. No início da noite de sexta feira, a cabine foi cancelada.

Outro filme brasileiro , Bruna Surfistinha, foi exibido para os votantes, numa sessão em horário ingrato -22h- numa cabine longínqua. Bruna teve  poucos espectadores e repercussão muito negativa. Tive que ouvir de um colega: “Então, o Brasil este ano só tem aquele filme pornô?”

Pois é.

Ser indicado para um Globo de Ouro não é essencial para abrir caminhos para o Oscar . Mas ajuda, como prova a trajetória de Central do Brasil. Os Globos não conseguiram alavancar Cidade de Deus junto à Academia na categoria Filme Estrangeiro, mas outros filmes estrangeiros certamente se beneficiaram muito  com uma  indicação: Biutiful, A Fita Branca, Em Um Mundo Melhor, O Complexo Baader Meinhof, Um Profeta, entre muitos outros.  E teria sido muito bom expor o filme a tantos correspondentes de tantas publicações importantes pelo mundo afora.

Agora é aguardar a estréia limitada – uma tela  aqui em Los Angeles, uma em Nova York, prática comum para filmes em língua estrangeira – no dia 18, e observar a trajetória nos Oscars, que tem um prazo qualificador diferente dos Globos.

Os indicados ao Globo de Ouro serão anunciados dia 15 de dezembro.

 


Crise no Oscar: Brian Grazer e a busca de um retorno à elegância
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Ana Maria Bahiana

Não, Grazer não levou um susto com o convite; o cabelo dele é assim mesmo.

 

Como se comentava, Brian Grazer, produtor com vasto curículo de sucessos cinematográficos , responsável tanto por Tower Heist quanto por J. Edgar e quatro vezes indicado ao Oscar, acaba de dizer sim à Academia. Grazer vai parceirar com o experiente Don Mischer na difícil tarefa de produzir o complicado evento em pouco mais de três meses.

O posto de apresentador continua, nesta tarde aqui em Los Angeles, em aberto. Um convite da Academia a Billy Crystal já foi recusado ; o igualmente experiente mestre de cerimônias do Oscar disse estar “muito ocupado” em fevereiro para poder aceitar a responsabilidade. Próximo da lista? Neil Patrick Harris, que arrasou quando foi apresentador dos Emmys (onde Mischer era o produtor).

O clima na Academia, esta tarde, foi  descrito como de “pânico e ansiedade”. Não é apenas uma questão de prazo _ é uma questão de percepção. Há anos o Oscar vem procurando uma mudança e um rejuvenescimento que não tem dado muito certo. Isso estava implícito no convite que Tom Sherak, presidente da Academia, fez a Ratner, em agosto: “Você gosta de comédia, sabe como fazer as pessoas darem risada, e nós queremos trazer mais diversão e alegria ao show”.

Ok, deu no que deu, e ninguém está rindo.

Pelo que pude sentir dos acadêmicos de várias alas, conservadores e vanguarda igualmente, é que todos sonham com um retorno à elegancia e à simplicidade, e esperam ver mais respeito e menos gargalhada em torno da cerimônia. “A Academia devia parar de tentar produzir os prêmios da MTV ou o People’s Choice Awards e se concentrar em trazer classe para os Oscars”, disse um deles.

Vamos ver…


Crise no Oscar: sem produtor e sem apresentador, a três meses da festa
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Ana Maria Bahiana

Como era esperado, menos de 24 horas depois da saída de Brett Ratner como produtor dos Oscars 2012, Eddie Murphy entregou à Academia sua carta de demissão do posto de apresentador da cerimônia. Murphy havia sido escolhido pessoalmente por Ratner, seu amigo  e colaborador no recém-lançado filme de ação Tower Heist, e ninguém imaginava que ele fosse continuar como mestre de cerimônias depois da retirada estratégica de Ratner.

A primeira sensação aqui na cidade, pelo que pude julgar, foi de alívio. Muito poucos levavam fé nesta dupla. Ratner é um diretor competente mas de gosto duvidoso, com uma atitude irresponsável de quem, aos 42 anos, ainda age como um adolescente (como confirmaram suas declarações no fim de semana passado). A estrela de Murphy, que brilhou forte nos anos 1980 como um inspirado comediante e agente provocador da cultura black, está há tempos em curva descendente graças a uma série de filmes entre o insosso e o grotesco (Norbit, Dr. Dolittle, A Familia Klump).

O segundo sentimento está sendo um leve pânico _ os Oscars serão entregues dia 26 de fevereiro. Desde ontem a diretoria da Academia está reunida em clima de urgência, em busca de substitutos para ambos. Um nome que anda circulando com insistência é o do produtor Brian Grazer, responsável, entre muitos outros, tanto por Tower Heist quanto por J. Edgar, que estréia aqui na sexta feira.

A Academia ainda tem uma pessoa extremamente capaz ao timão dos Oscars 2012: o co-produtor Don Mischer, que há anos assina os Emmys. Mas Mischer precisa de alguém para dividir a complicada tarefa de pilotar um dos maiores espetáculos ao vivo da TV e a noite que toda a indústria espera ansiosamente, todos os anos.

Quanto a mestres de cerimônias, ninguém sabe. Definido o produtor, o nome pode surgir com maior rapidez.

Mas estamos a pouco mais de três meses da festa….

Amy Adams e Pedro Almodóvar anunciam o Cecil B. De Mille, hoje de manhã

Numa peculiar ironia, a saída de Murphy foi divulgada quase ao mesmo tempo que o anúncio do escolhido para receber o troféu Cecil B. de Mille, por conjunto de obra, os Globos de Ouro: Morgan Freeman.

A trajetória dos Oscars pode estar um caos, mas a dos Globos está absolutamente tranquila…

 

 

Fotos: Magnus Sundholm, Theo Kingma/HFPA


Crise no Oscar: Brett Ratner fala besteira e se demite
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Ana Maria Bahiana

A grande massa de descontentes com a decisão de entregar o comando do Oscar 2012 ao diretor Brett Ratner está respirando aliviada esta tarde: Ratner acaba de se demitir do posto. Brett Ratner é o diretor da franquia A Hora do Rush, e sua indicação para produtor da cerimônia, anunciada em setembro, causou espanto e apreensão na indústria, que duvidava de sua capacidade para conduzir um projeto tão complexo e de tanta visibilidade.

Ninguém precisou dar o chute fatal _ ele mesmo se enforcou com duas entrevistas recentes, parte da promoção de seu novo filme, Tower Heist. Na primeira, parte de uma exibição promovida pela revista Variety,  sexta feira passada, Ratner disse que  não estava prevendo muito ensaio para o evento porque “ensaio é coisa de viado”.

Dois dias depois, Ratner foi ao programa de rádio de Howard Stern e – com certeza com grande incentivo de Stern – fez uma detalhada lista de seus hábitos sexuais, incluindo o tamanho de seus testículos, as proezas de sua língua, como ele obriga suas parceiras sexuais a fazerem um check up com seu médico de confiança e os detalhes de sua “transa com Lindsay Lohan quando ela ainda era garotinha.”

Segunda de manhã já tinha gente na Academia pedindo a cabeça de Ratner. Em troca, ele ofereceu uma desenxabida carta de desculpas. Agora à tarde, aqui em Los Angeles, Ratner finalmente apresentou sua carta de demissão. “Ele fez a coisa certa”, declarou o presidente da Academia, Tom Sherak. “ Palavras tem peso e consequencia. Brett é uma boa pessoa, mas suas palavras são indesculpáveis.”

Um acadêmico teria comentado: “Se Gil Cates (veterano produtor de múltiplos Oscars, falecido recentemente) ouvisse o que ele disse, morria de novo.”

Dúvida: e Eddie Murphy, que entrou na festa via Ratner? Fica ou vai?

Já sabemos a resposta: vai. Hoje (quarta dia 9) pela manhã Murphy pediu demissão do posto, para alívio de muitos.