Oscar 2013: sem surpresas, e interminável
Ana Maria Bahiana
Ah, Oscar, o que fazer com você? Às vezes você parece uma criança teimosa que a gente quer muito bem, mas que não pára de fazer bobagens.
E não estou falando nem das escolhas, que foram praticamente como previstas. E na hora em que a gente pensa em quantos outros filmes são superiores ao (muito bom) Argo, é preciso repetir mentalmente aquele mantra: com todo o seu glamour e prestígio, o Oscar é apenas a manifestação da opinião de um grupo de pessoas num determinado momento.
No caso, o grupo de pessoas é a síntese da indústria cinematográfica norte americana – com um grande componente internacional, que cresce a cada ano – e suas escolhas refletem o consenso de seu gosto, neste ano. Curiosamente, a esnobada (ou teria sido um acidente de percurso por conta do novo esquema de votação? ) em Ben Affleck como diretor só serviu para chamar ainda mais atenção dos votantes para Argo. Com seus três Oscars, Argo foi o primeiro filme desde 1990 (Conduzindo Miss Daisy) a ganhar o prêmio maior sem ter uma indicação para seu diretor, e apenas a quarta vitoria desse tipo em 85 anos de Academia.
Quem definitivamente implodiu foi Lincoln – o super favorito na largada, acabou rendendo apenas o já muito anunciado Oscar para Daniel Day Lewis (o terceiro em sua carreira, outro recorde no Oscar) e outro para sua direção de arte (que, a meu ver, deveria ter sido de Anna Karenina).
As Aventuras de Pi e Django Livre entraram no vácuo deixado pelo filme de Spielberg, com Ang Lee ficando com o Oscar de melhor diretor (entre os quatro que o filme recebeu) e Quentin Tarantino com o de melhor roteiro original, mais o prêmio de coadjuvante para Christoph Waltz, repetindo a escolha dos Globos. (Aliás, contrariando até mesmo o que eu penso, as escolhas da Academia este ano foram praticamente idênticas às dos Globos. Menos aquele detalhe embaraçoso de Argo ter-se dirigido sozinho…)
Pi era mesmo a cara da Academia: épico mas íntimo, emotivo mas positivo, visualmente lindo. Django para mim foi a surpresa da noite: o tom, o tema e a linguagem de Tarantino nunca estiveram tão distantes do gosto médio dos acadêmicos. E no entanto…
Mas não, não estou falando das escolhas. Estou falando do evento. Pelos deuses do cinema, o que foi aquilo? Ninguém aprendeu nada com a Branca de Neve de 1989, ou a perpétua saia justa de James Franco e a pobre Anne Hathaway em 2011?
Acho que não. Os produtores Neil Meron e Craig Zadan estavam mais preocupados em louvar a si mesmos, mostrar o quanto Chicago – que eles produziram – foi importante para uma “volta dos musicais” que nunca aconteceu.
Números musicais se atropelavam sem estrutura e sem razão, salvos eventualmente pela classe de uma Shirley Bassey, o carisma de uma Adele e o fôlego de uma Jennifer Hudson. Houve uma “homenagem” aos 50 Anos de James Bond (para justificar os anúncios do Conselho Turístico da Grã Bretanha nos intervalos?) limitada a um número musical. Uma “homenagem” aos musicais que se limitou a três filmes dos últimos 10 anos (e Hairspray, que Meron/Zadan também produziram, citado nos painéis de abertura atrás do semi-mumificado John Travolta). E referencias a melhor canção tão desconcatenadas que quando o Oscar da categoria foi finalmente anunciado, ninguém mais se lembrava que ele existia.
O resultado final foi um espetáculo cansativo, tedioso, esticado além dos limites da paciência por números longos demais.
Oscar é sobre cinema. Transformar esse tema em um grande espetáculo não é fácil, concordo. Mas certamente o caminho escolhido neste domingo não foi exatamente o mais feliz.
E Seth…. Ah, Seth! Sim, ele sabe cantar, dança direitinho e, como criador de animação em TV, tem talento. Como host…
Eis duas coisas que um bom host não faz: achincalhar a plateia e o tema da festa que está apresentando; e fingir que não está achincalhando, pedindo desculpas falsas, dizendo que é tudo parte do número, que , ei, é uma piada.
Ninguém quer ver o Oscar – onde os presentes na plateia estão investidos com suas carreiras, e os espectadores em casa com suas emoções e sua torcida – para ser chamado de idiota, crédulo, irrelevante. Há uma fina arte em cutucar com elegância, fazer rir por expor absurdos e incoerências sem precisar realmente ofender ninguém. Em seu auge, Johnny Carson e Billy Crystal faziam isso sem o menor esforço. Já Seth resolveu abrir o Oscar com uma canção adolescente sobre peitos, fingir que chocava a plateia e depois retratar-se falsamente com a intervenção do Capitão Kirk/William Shatner vindo “do futuro” para recrimina-lo. Como melhorar depois disso? (Resposta: impossível.)
E ainda houve um patético número de encerramento com uma palavra que a Academia, em idos tempos, proibia de ser usada- “perdedores”. Sorte que ninguém no Dolby viu, já que todos os presentes correram para as saídas assim que a turma de Argo aceitou seu Oscar.
Não sei ainda o que pensar sobre a aparição de Michelle Obama para apresentar melhor filme. Será que a dupla de produtores preparou o número pensando que Lincoln iria ganhar? A Primeira Dama e sua franja são muito simpáticas, mas não seria melhor manter um prêmio de cinema dentro da esfera do cinema?
No final das contas os momentos de real graça, real beleza e real emoção da festa ficaram por conta do que ela tem de genuíno: o talento de seus protagonistas. O maior riso da noite veio por conta de Daniel Dany Lewis garantindo que tinha sido abordado para fazer o papel de Margaret Thatcher. Os maiores aplausos, para as gargantas de ouro de Shirley Bassey, Adele e Jennifer Hudson. As emoções mais fortes, na homenagem ao grande Marvin Hamlisch na voz de sua amiga Barbra Streisand (amplificada pelo fato da canção “The Way We Were”, de Hamlisch, já ser o tradicional tema do segmento “in memoriam” da noite) ; na empolgação de Ben Affleck e Jennifer Lawrence; e na revolta da plateia com a tentativa de calar Bill Westenhofer, presidente da falida Rhythm ‘n Hues, oscarizada por efeitos especiais.
Oscar, a gente gosta de você. Mas por favor, não abuse de nossa paixão. E até o ano que vem.