Blog da Ana Maria Bahiana

Categoria : Circuito

O festival de Telluride anuncia: o fim de ano promete
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Ana Maria Bahiana

 

Este fim de semana é o feriadão do Dia do Trabalho nos Estados Unidos e Canadá _ e embora oficialmente o verão no hemisfério norte só termine com o equinócio, dia 21 de setembro, este é, para todos os efeitos, o final das férias e da temporada pipoca do meio de ano.

O que quer dizer duas coisas: a ansiosa contabilidade da bilheteria da pipocada (previsão: sujeita a tempestades de ira e ranger de dentes) e a chegada do grande oráculo da temporada-ouro- o Festival de Telluride.

Todo ano eu falo dele aqui (podem procurar nos arquivos) porque todo ano cresce minha admiração por este evento pequeno, altamente curatorial, movido unicamente por uma enorme paixão pelo cinema. Não há mercado, não há grandes festas, lançamentos, tapetes vermelhos, badalações. Completando 40 anos neste fim de semana e inteiramente apoiado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, tudo o que Telluride oferece é cinema da maior qualidade, numa cidadezinha histórica com arquitetura do Velho Oeste, no alto das Montanhas Rochosas.

E sempre, todos os anos, as escolhas do festival antecipam as escolhas dos prêmios da virada do ano. Antes mesmo dos Globos de Ouro – os primeiros a anunciar seus indicados, em meados de dezembro – a seleção de Telluride aponta claramente quais os títulos de peso na segunda metade do ano. E um índice muito alto deles acaba colecionando indicações e estatuetas lá no final da temporada-ouro…

Por isso, vale a pena sempre ver quem vai subir a montanha neste final de semana.

De imediato, acho muito interessante ver dois filmes que exploram basicamente o mesmo tema – a absoluta solidão de um ser humano diante de forças infinitamente maiores – com destaque em Telluride. All Is Lost, de J.C. Chandor (Margin Call), que foi sucesso em Cannes,  é um projeto com quem tenho uma relação pessoal, e que amei desde que li o roteiro: é O Velho e o Mar, de Hemingway, numa dimensão mais íntima, com Robert Redfotrd como o Velho e o Mar como o infinito com o qual não há negociação, apenas aceitação.

É esse mesmo o tema de Gravidade, de Alfonso Cuarón, que, neste momento, está arrasando em Veneza. Sandra Bullock é a astronauta à deriva no oceano do espaço, num desempenho que, suspeito, vai colocá-la na mesma lista onde já está Cate Blanchett por Blue Jasmine

Olho vivo também em Nebraska, de Alexander Payne (foto), que, aposto, vai fazer de Bruce Dern um indicado entre os atores, e Inside Llewyn Davis, que foi Grand Prix em Cannes.

Um punhado seleto de filmes não-americanos estará em Telluride, aumentando sua exposição na temporada ouro. Destaque principalmente para Blue Is The Warmest Color, o vencedor de Cannes que está sendo agressivamente divulgado aqui e em Nova York, desde já; The Past, de Ashgar Farhadi; o chileno Gloria, de Sebastian Lelio, e o britânico The Invisible Woman, sobre a amante secreta de Charles Dickens, estrelado e dirigido por Ralph Fiennes.

E assim vai terminando um verão de sustos e surpresas, já desenhando um outono bem mais interessante…


Este é, possivelmente, o filme mais interessante de Cannes 2013
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Ana Maria Bahiana

The Congress,de Ari Folman, explica o que o realizador de Valsa Com Bashir esteve fazendo nos últimos quatro anos e meio: é mais uma engenhosa, perturbadora, maravilhosa colagem/colisão de animação e ao vivo, atacando com unhas, dentes e coração mais um tema que só vale a pena ser visto por todos os lados. No caso, o poder de criar mitos e o que fazemos com ele. Elenco de sonho: Robin Wright, Jon Hamm, Harvey Keitel, Paul Giamatti. Está estreando mundialmente na Quinzena dos Realizadores em Cannes. E já é, oficialmente, o filme da Croisette que mais quero ver.

 


Cannes 2013: a minha lista
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Ana Maria Bahiana

Embora Cannes tenha se tornado uma proposta financeiramente inviável para mim, todo ano sigo com maior interesse o que se passa na Croisette e arredores. Durante mais de 10 anos deixei sangue, suor e lágrimas entre o Palais e o Hotel du Cap, e tive algumas das mais maravilhosas experiências cinematográficas  da minha vida (combinadas com alguns dos momentos mais surreais, fora das salas de exibição…)

Mas estou sempre de olho em Cannes, por vários motivos. Um deles é porque dali saem sempre títulos que vão longe, marcando, influenciando e, ocasionalmente, acumulando prêmios pelo mundo afora. Os prêmios podem ser a parte mais visível (alô, O Artista!) mas o mais importante é como esses filmes dialogam com plateias e realizadores pelo mundo afora, a partir do impulso em Cannes.

Estes são os que estou acompanhando este ano:

Only God Forgives (em competição, Nicolas Widing Refn) Estou exagerando quando digo que Refn e o britânico Steve McQueen são dois dos realizadores mais interessantes neste momento? Vejo em ambos uma nova abordagem da violência que foge da noção de entretenimento e espetáculo e vai fundo nas causas e consequencias de atos que infelizmente nos acostumamos a ver como banais. Ryan Gosling como um traficante no submundo de Bangkok me interessa, também.

The Bling Ring (Un Certain Regard, Sofia Coppola) O caso foi manchete aqui em LA entre outubro de 2008 e agosto de 2009 _ casas de celebridades estavam sendo invadidas e roubadas. Quando finalmente os responsáveis foram apreendidos – depois de roubar 50 mansões e mais de três milhões de dólares – veio a surpresa maior: eram todos adolescentes ricos e mimados de um condomínio fechado numa região caríssima da cidade.  Há uma oprtunidade enorme, aqui, para Sofia Coppola exercitar sua sensibilidade em comentário social e seu mordaz senso de humor.

 

Soshite Chichi Ni Naru (em competição, Hirokaru Kore-eda) Sou fã de Kore-eda desde Além da Vida, um filme que me comoveu profundamente. Sua preocupação com a natureza humana e os laços de família estão todos aqui, na história de um homem de negócios ambicioso que descobre que o filho que criou não era, de fato, seu filho.

 

Inside Llewyn Davis (em competição, Joel e Ethan Coen) Mergulhar fundo e recriar micro-universos e subculturas – vagabundos profissionais em LA, família judaicas dos subúbrios, moradores de pequenas cidades do meio oeste- é algo que os irmãos Coen fazem como poucos. Neste caso, o microcosmo é a cena folk de Nova York nos anos 1960 e o elenco tem Carey Mulligan, Justin Timberlake e John Goodman. Já me interessei.

Le Passé (em competição, Asgar Farhadi) Para todo mundo (eu, inclusive) que queria saber o que Farhadi faria depois da perfeição de A Separação, esta é a resposta: um drama romântico em Paris, em Berenice Bejo (de O Artista) e  Tahar Rahim (Un Prophète). Pra mim já basta…

Behind the Candelabra (em competição, Steve Soderbergh) O fato deste ser, na verdade, um filme feito para TV já diz muita coisa sobre o nível da produção de TV, especialmente da TV por assinatura. Este também é o último filme de Sodebergh, pelo menos por algum tempo (se formos acreditar nas promessas dele de se aposentar da “narrativa formal”). Como se sabe, é a história do estranho amor entre Liberace (Michael Douglas), pianista e astro de Las Vegas, e seu motorista muito mais jovem, Scott (Matt Damon). Precisa dizer mais?

Nebraska (em competição, Alexander Payne) Como seus companheiros de geração, Alexander Payne tem a precisão do olhar necessária para compreender e compartilhar o universo individual de cada personagem e a sociedade à sua volta. Aqui, ele centra sua história num tema recorrente nesta safra de Cannes, a relação entre pais e filhos,mais especificamente um pai alcóolatra e o filho que ele perdeu de vista. E o elenco de Bob Odenkirk, o “Saul” de Breaking Bad!!!

 

All is Lost (fora de competição, J. C. Chandor) Li este roteiro muito cedo no processo de criação deste filme e quase me envolvi com ele. Fiquei absolutamente intrigada: a história tem apenas um personagem, um homem do lado de lá da meia idade, sobrevudendo a um naufrágio em alto mar, e não tem diálogo. Não, não é nem As Aventuras de Pi nem Náufrago, mas é uma pequena gema de estrutura e composição. Quero muito saber o que aconteceu com ele, agora que Robert Redford é o homem e Chandor (Margin Call) é o diretor…


Cannes 2013: entre “Gatsby” e “Zulu”
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Ana Maria Bahiana

A lista final de Cannes será anunciada apenas dia 18, mas duas coisas já sabemos: O Grande Gatsby, de Baz Luhrmann, vai abrir o festival, e Zulu, de Jerome Salle, vai encerrar.

 Gatsby, é claro, é muito esperada (e adiada) adaptação do livro de F. Scott Fitzgerald, com Leonado di Caprio no papel título, Carey Mullingan como Daisy e Tobey Maguire como Nick Carraway, o jovem escritor que se deixa fascinar pelo mundo glamouroso do milionário nos loucos anos 1920.

Luhrmann, que teve que ir à luta para levantar os recursos necessários para terminar o filme como ele queria (o que atrasou o lançamento para maio deste ano), diz que, além da trilha contemporânea para um drama de época (como ele faz sempre), ele se permitiu  a liberdade de “criar uma novidade” na famosíssima trama: “Não vou usar Nick apenas como o narrador da história, uma voz sem corpo. O processo de criação do livro está no filme… mas é só isso que vou dizer agora…”

Hummm…

Zulu, o filme de encerramento, tem Forrest Whitaker e  Orlando Bloom como policiais na Cidade do Cabo, África do Sul, investigando a morte de duas mulheres no que o diretor define como “um policial noir com ecos da época do apartheid”.

Steven Spielberg, como se sabe, é o presidente do júri e o festival este ano vai de 15 a 26 de maio.


A batalha pelas estatuetas de metal, parte 3: o zum-zum dos festivais e as promessas da animação
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Ana Maria Bahiana

Enquanto vocês curtiam o feriadão, algumas coisas interessantes aconteceram por aqui,  cada uma delas acrescentando mais um pouco de foco e detalhe ao panorama do fim de ano – que, por sua vez, é quando se estabelece o tema e o tom deste momento na indústria cinematográfica.

Na Academia – que tem presidente, diretor executivo e chefe de marketing novos este ano – os planos para o Oscar 2013 começam a tomar forma. Os premiados com Oscars honorários, este ano – aqueles que foram tirados da cerimônia principal e colocados num evento fechado, em novembro – não incluem nem atores, nem atrizes, nem diretores de ficção. Jeffrey Katzenberg, mega-executivo e presidente da DreamWorks Animation (e um dos responsáveis pelo renascimento da Disney nos anos 1980 e 90) ficou com o troféu Jean Hersholt, por atividades filantrópicas, e George Stevens Jr., um dos fundadores do American Film Institute, ganhou um Oscar honorário.

Para mim, os mais interessantes são os outros dois Oscars honorários: D.A. Pennebraker, mestre documentarista e responsável por alguns dos filmes formativos da minha vida – Monterey Pop, Don’t Look Back, Ziggy Stardust and the Spiders From Mars (cujo poster está aqui atrás de mim enquanto escrevo) – e Hal Needham, um dos pioneiros do árduo ofício de dublê profissional (Star Trek e Missão Impossível na tv, e dezenas de títulos no cinema, inclusive Operação França, Rio Lobo, Chinatown e Nasce uma Estrela) e inventor do atual modelo de camera car, que permite tomadas em movimento realistas e de baixo risco.

Os Globos de Ouro continuam no mesmo formato de sempre  (mas ainda não se sabe quem será o host…), e dia 1 de novembro conheceremos o recipiente do troféu Cecil B. de Mille, por conjunto de obra. E, como este ano é o 70 ° aniversário do premio ( e da Associação dos Correspondentes Estrangeiros que o outorga) teremos um troféu especial, a mais, que só será entregue desta vez… conto mais assim que souber…

Na bilheteria, a crise criativa se tornou espetacularmente aparente: este fim de semana foi a pior arrecadação desde o ataque às Torres Gemeas, quando um trauma real paralisou produção e consumo de entretenimento. As coisas estavam tão ruins – 37% a menos que a pior bilheteria deste ano — que o filme com maior venda de ingressos por sala foi…. Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida, relançado em Imax. Ou seja – reciclagem por reciclagem , melhor rever o original.

E os primeiros ecos dos festivais de outono, Veneza e Toronto, apontam The Master, de Paul Thomas Anderson, e Argo, de Ben Affleck, como os pesos-pesados confirmados do final de ano. Não fosse um item do seu regulamento, The Master teria levado o Lido inteiro. Como não levou, abriu-se um foco de luz sobre o coreano Pieta, de Ki-duk Kim, na disputa de filme estrangeiro (onde, cada vez mais, reina Amour, de Michael Haneke).

 Cloud Atlas ganhou uma excelente matéria da New Yorker (que, entre outras coisas, documenta com precisão o que é levantar a arquitetura de financiamento de um projeto original, hoje…) e foi ovacionado em sua primeira sessão em Toronto, mas eu não percebo a unanimidade que cerca Master e Argo. E não é apenas porque as resenhas foram meio a meio – é porque há mais entusiasmo pelas tranças pink de Lana Wachowski (ex-Larry) do que pelo filme como um todo.

Vou conferir todos eles em breve, e continuo monitorando as reações dos formadores de opinião – estou bastante curiosa para saber o que, num ano de eleição, crise econômica e colapso de bilheteria, o cinema poderá expressar, coletivamente.

O que nos leva aos longas de animação. Quando a categoria foi criada nos Oscars, 10 anos atrás – e , cinco anos depois, nos Globos de Ouro, como resultado de uma campanha da qual tenho orgulho de dizer que participei – haviam basicamente três contendores: Disney, Pixar e DreamWorks (a última ganhou o primeiro Oscar com Shrek, a Pixar ficou com o primeiro Globo por Carros).

As coisas mudaram muitíssimo nos últimos anos – um olhar sobre os indicados das premiações deste ano revelam um panorama muito mais amplo, pontuado por estreantes (como a Paramount com Rango e a Fox  com O Fantástico Senhor Raposo) e independentes de paises fora dos EUA (O Segredo de Kells– que foi feito em grande parte no Brasil—  O Ilusionista, Um Gato em Paris, Persepolis, Chico e Rita).

Acho que a disputa deste ano será particularmente saborosa. A Pixar vem com Valente, que literalmente estabeleceu um novo padrão de qualidade na animação digital,  a Disney tem Frankenweenie, de Tim Burton, a DreamWorks vem com A Origem dos Guardiões e Madagascar 3 (um dos maiores sucessos de bilheteria de um ano de vacas anoréxicas).

Mas é sobretudo no território além dos pesos- pesados que vejo grandes possibilidades: Piratas Pirados!, da Sony/Aardman; Paranorman, da Focus;/Laika (os mesmos de Coraline) ; Hotel Transilvania, da Columbia, e O Lorax- Em Busca da Trúfula Perdida, da Universal.

From Up Poppy Hill, do Studio Ghibli

E atenção especial a uma pequena companhia que, título por título, pode ser a mais poderosa distribuidora no mercado norte-americanio: a Gkids, especializada em animação independente de qualidade e produtora do Festival Internacional do Cinema Infantil de Nova York – que qualifica para os Oscars…

Em 2011, a GKIds emplacou Chico & Rita e Um Gato em Paris. Para este ano a Gkids vai lançar cinco títulos dentro dos prazos qualificadores: From Up Poppy Hill, do Studio Ghibli do Japão, A Letter do Momo, também do Japão, e os franceses Zarafa, Le Tableau e o meu favorito, The Rabbi’s Cat (sobre um gato que engole um papagaio e se torna subitamente douto em doutrina judaica). É uma imensa lufada de ar fresco e novas ideias vindas de outros quadrantes, que o departamento de animação da Academia tem recebido de braços e olhos bem abertos.


A batalha pelas estatuetas de metal, parte 3: uma boa maré para os estrangeiros
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Ana Maria Bahiana

 

O Festival de Cinema de Telluride, que começa hoje na deliciosa cidadezinha das Montanhas Rochosas, no estado do Colorado, é um ótimo gancho para pendurar a terceira parte de nossa elucubração sobre o panorama geral do segundo semestre — que é focado, em sua parte mais importante, na batalha por indicações e, se tudo der certo, estatuetas de metal.

Uma pausa para explicar porque tanta gente graúda gasta tanto tempo e dinheiro para ser indicado ou receber uma láurea que, em si mesma, não traz nenhuma recompensa financeira:

  1. Prestígio. Ser indicado ou ganhador de um prêmio de primeira linha imediatamente atira uma carreira numa dimensão muito mais elevada de poder e cachê dentro da indústria. O que cada um faz com esse prestígio cabe à sabedoria (ou falta dela) individual.
  2. Acesso. Para um grande segmento de criadores e trabalhadores da indústria – documentaristas, realizadores  estreantes, independentes ou de países estrangeiros, atores, técnicos , roteiristas – uma indicação é a diferença entre ser um joão-ninguém hoje e alguém conhecido amanhã. Esta é uma indústria que só dá acesso a quem tem algum tipo de endosso e recomendação. Uma indicação é o endosso mais elevado possível.
  3. Munição de marketing. Num mercado dividido pelo consumo individual (TV, internet, tablets) de entretenimento e afogado em arrasa-quarteirões, uma indicação é o trunfo mais precioso do mundo para um filme desprovido do grande  suporte  de um estúdio. Dentro dos grandes estúdios, projetos que não tem perfil-pipoca são imediatamente analisados pelo seu potencial de emplacar na temporada-ouro – porque esse é seu principal trunfo para atrair público. Fora dos estúdios, essa munição é quase o santo Graal.

Tendo dito isso… Telluride é um pequeno festival – apenas três dias, rigoroso processo de admissão,  acesso restrito, curadoria cuidadosíssima – que, na verdade, é uma das melhores peneiras para determinar quem tem chance de passar para a segunda etapa da briga pelas indicações.

Matthias Schoenaerts e Marion Cotillard em Rust and Bone

 

A lista de filmes escalados para este ano revela alguns já mencionados aqui, como Hyde Park on the Hudson. Mais importante, contudo, são dois outros elementos: as exibições –supresa, que em geral emplacam firme nos prêmios (ano passado foi Os Descendentes), este ano foi Argo, de Ben Affleck, superbem recebido.; e a predominância dos filmes não-americanos na seleção.

Tenho dito e vou repetir – desde a floração dos anos 1970 nunca houve um momento melhor para cinematografias e realizadores fora dos Estados Unidos. Não digo apenas do ponto de vista de bilheteria – o icônico O Artista é uma exceção, mas também uma demonstração importante de que, as vezes, o improvável é possível – mas do ponto de vista de exposição, reconhecimento.

Dentro da lista de Telluride (eu, se fosse de alguma entidade selecionadora para os Oscars, imediatamente escolheria estes filmes para representar seus países para “melhor filme estrangeiro”), os destaques são Amour, de Michael Haneke, que já vem premiado de Cannes; Rust and Bone, de Jacques Un Prophete Audiard (que ainda por cima tem Marion Cotillard e Matthias Schoenaerts , de Bullhead); o australiano The Sapphires, que fez sucesso em Cannes; e o britânico Ginger and Rosa, de Sally Potter.

Não há Brasil em Telluride – mas há o chileno No, de Pablo Larraín – e ignoro o que pode estar se passando pelos bastidores das escolhas oficiais. Aqui, depois de um bom tempo sem grandes repercussões para filmes do Brasil (que, eu sei, estão fazendo grande sucesso no país, o que é ótimo. Mas atravessar fronteiras é um desafio diferente…), O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, vem provocando muito zum-zum desde sua exibição no festival de Rotterdam, e ótimas críticas em sua estreia aqui em circuito limitado. Vamos ver…

No episódio final da saga, a questão da animação e porque a microscópica Gkids pode ser a mais poderosa pequena distribuidora da indústria.


Cannes 2012: quem será O Artista deste ano?
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Ana Maria Bahiana

Começa hoje o festival (e mercado) de Cannes. E este ano ele vem acompanhado de uma tremenda expectativa: quantos títulos o festival vai catapultar para os prêmios de fim de ano?

Nem sempre foi assim. Muito pelo contrário. Cansei de ver sensacionais filmes premiados (e até vencedores, como o genial Underground, de Emir Kusturica, em 1995) demorar uma eternidade para conseguir –  ou não conseguir de jeito nenhum –  distribuição em mercados além dos seus países de origem, especialmente o cobiçado mercadão norte americano.

Muita coisa mudou desde então:

  •  Os mercados internacionais, fora de EUA/Canadá, tornaram-se muito mais importantes tanto como fonte de receita quanto como geradores de produção com possibilidades além de suas fronteiras.
  •  A recessão levou os grandes estúdios a abandonar a produção do que não fosse estritamente comercial, com retorno o mais garantido possível dentro da indústria louca do cinema, criando uma lacuna importante.
  •  Os prêmios de fim de ano assumiram uma importância além da vaidade dos concorrentes e interesse dos fãs: são cada vez mais as principais ferramentas de marketing para qualquer filme que não seja um arrasa-quarteirão apoiado por um milionária campanha de divulgação.

Ano passado, o poder combinado da Croisette e dos irmãos Weinstein  conseguiu um fato inédito: tornou um filme francês, mudo, preto e branco e com atores desconhecidos o grande vencedor do Oscar e um sucesso de bilheteria pelo mundo afora. Além de O Artista, outros filmes premiados/destacados em Cannes foram para os prêmios de fim de ano e conseguiram uma visibilidade muito maior do que poderiam esperar: Meia Noite em Paris (a maior bilheteria da carreira de Woody Allen), Árvore da Vida, Drive.

O que pode acontecer este ano? Algumas apostas:

The Paperboy: o novo filme do diretor de Preciosa tem Mathew McConaughey e Zac Ephron como dois irmãos que tentam provar que John Cusack é inocente de um crime pelo qual foi condenado. Nicole Kidman é a apetitosa namorada do bandido.

Mud: Matthew McConaughey de novo (este pode ser seu ano, afinal…) neste drama com elementos fantásticos assinado por Jeff Nichols, diretor de uma sensação de Sundance, o ótimo Take Shelter.

 On the road: Tudo no projeto – a expectativa, o material de origem, a assinatura de Walter Salles, o elenco – promete. A IFC/Sundance Selects  pegou o filme para os cinemas nos EUA (HBO na TV) _ ano passado eles emplacaram Pina

Rust and Bone: Jacques Audiard em seu primeiro filme desde Un Prophete : um drama inspirado em fatos reais, sobre uma treinadora de baleias (Marion Cotilliard) envolvida num acidente medonho.

 

Beasts of the Southern Wild: a grande sensação de Sundance deste ano foi esta fábula mágica e quase abstrata sobre uma família numa comunidade isolada numa ilha da costa sudeste dos Estados Unidos. Ecos de Terrence Malick e muita promessa para o diretor estreante Behn Zeitlin

Killing them Softly: Brad Pitt volta a trabalhar com o diretor de O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, Andrew Dominick, num policial sobre um caçador de recompensas com a máfia em seu encalço. Elenco da pesada: Ray Liotta, James Gandolfini, Richard Jenkins. Os Weinstein já puseram a mão e… já ouvi tanto zum zum sobre este filme que, espero, as expectativas não estejam altas demais…

 

Lawless: Outro que já está na mão dos Weinstein _ John Hillcoat (A Estrada) dirige Tom Hardy, Shia LeBeouf , Guy Pearce, Gary Oldman e Jessica Chastain num drama da época da Lei Seca nos EUA. Mais um que já tem zum-zum por aqui…

 Post Tenebras Lux : O novo cinema mexicano a todo vapor na mais recente obra de Carlos Reygadas (Luz Silenciosa, Batalla en el Cielo), um drama fantástico sobre universos paralelos.

 Cosmopolis: David Cronenberg adapta o livro de Don DeLillo sobre um  dia na vida de um jovem executivo (Robert Pattinson) enquanto ele atravessa Manhattan. Paul Giamatti e Juliette Binoche no elenco.

 

Antiviral: Brandon Cronenberg (sim, filho de David) estreia na direção voltando às raízes da familia com um thriller de terror sobre um  super vírus assassino.

Amour : Michael Haneke explora o que acontece numa familia sob o peso da idade avançada e da doença. Com Jean Louis Trintignant e Isabelle Hupert.

 

Agora é ver como esses (e outros..o melhor de Cannes são as supresas) títulos vão se comportar na Croisette e além dela…


Crise no Oscar resolvida: Billy Crystal é o apresentador
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Ana Maria Bahiana

Os bons companheiros

 

Depois de muito doce de parte a parte- Academia dizendo que queria trazer novas pessoas, ele dizendo que não tinha tempo disponível- Billy Crystal pos sua capa de super-herói e veio salvar o atribulado Oscar 2012. Pela nona vez na história do prêmio ele será o apresentador da cerimônia – produzida em ritmo de urgência por Brian Grazer e Don Mischer.

Fora o fato de Crystal ter anunciado sua participação no Twitter, sua escolha representa, na verdade, um retorno a tempos mais amenos e clássicos para o Oscar. Não é de hoje que a Academia tenta “modernizar” a festa – os fantasmas de Rob Lowe dançando com a Branca de Neve em  1989 ainda chacoalham correntes pelos corredores do prédio da Wilshire com LaPeer. Mas a lição de cada tentativa parecia passar batido pelas diretorias da organização: com mais de 80 anos de vida a cerimônia tem uma bagagem histórica e emocional que reage muito mal a “modernizações” superficiais.

Este ano o universo ou quem sabe os deuses padroeiros do bom gosto criaram uma crise prévia para evitar o que poderia ter sido o armageddon a cerimônia: um espetáculo com a produção criativa de Brett Ratner e a apresentação de Eddie Murphy.

O nome de Crystal sempre esteve presente ao fundo de toda crise, como uma espécie de desejo secreto dos fãs e dos próprios acadêmicos. A diretoria devia ter prestado mais atenção à ovação estrondosa que Crystal recebeu este ano quando subiu ao palco do Kodak para a homenagem a Bob Hope – outro apresentador que agregava a unanimidade de público e Academia. A sensação, no Kodak e na sala de imprensa, era de alívio _ ah, se ele pudesse ficar ali até o final da noite!

Meses depois, num evento promovido pela American Cinematheque, Crystal confessou que a entusiástica acolhida durante a festa trouxe boas lembranças e acendeu a vontade de voltar ao posto. Mas essas coisas não funcionam quando as pessoas se oferecem _ era melhor que o convite viesse…

Curiosamente, toda essa confusão teve um interessante efeito colateral: tornou os Oscars empolgantes de novo…


Telluride clareia as apostas para os prêmios. E tem gosto de Brasil.
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Ana Maria Bahiana

 

Glenn Close em Albert Nobbs

Tilda Swinton, Glenn Close, George Clooney e Michael Fassbender acabaram de garantir a pole position para a largada da Corrida do Ouro 2011: seus filmes – We Need to Talk About Kevin, de Lynne Ramsey; Albert Nobbs, de Rodrigo Garcia; The Descendants, de Alexander Payne; A Dangerous Method, de David Cronenberg e Shame, de Steve McQueen- estão na seleção do super exclusivo Festival de Telluride que começa amanhã.

São quatro dias do melhor cinema  do mundo todo, sem prêmios e sem badalações, numa cidadezinha no alto das Montanhas Rochosas. E porque tem uma curadoria rigorosa, um clima relax e sem pressão (ao contrário dos grandes festivais), acesso ao mesmo tempo exclusivo e popular e posicionamento ideal no começo do outono norte-americano, Telluride está se tornando o melhor primeiro indicador do que vem por aí na temporada de prêmios.

Note-se, por exemplo, que Albert Nobbs foi escolhido, mas seu principal rival na “batalha das divas”, The Iron Lady, com Meryl Streep, ficou de fora (segundo a organização do festival, o filme ainda estava em pós produção e os produtores não queriam arriscar uma cópia inacabada, como Paul Thomas Anderson fez com Sangue Negro alguns anos atrás.)

George Clooney em The Descendants

O Clooney diretor de Tudo pelo Poder também não foi considerado pelo festival (e de fato o filme é fraco), mas o Clooney ator está na linha de frente, agora, com The Descendants, o independente-de-luxo que mais tem crescido em zum-zum de bastidor, nestas últimas semanas do verão.

Carey Mulligan e Michael Fassbender em Shame

Gostei de ver We Need To Talk About Kevin e Shame na lista: dois filmes com propostas intrigantes por dois diretores britânicos que vem na contramão do britânico-de-exportação tão comum nas temporadas de prêmios. Kevin põe Tilda de novo nas cercanias dos prêmios, e Shame pode finalmente aumentar a popularidade de Steve Mc Queen, um interessantíssimo diretor inglês (que não se parece nem um pouco com seu homônimo astro dos anos 1960) cujo filme de estreia em 2008, Hunger, ainda está na minha lista como um dos melhores, mais originais e perturbadores títulos da primeira década do século 21. Além do mais, Shame tem três ótimos atores que, imediatamente, entram para as pré-listas: Michael Fassbender (que tem o reforço do filme de Cronenberg), Carey Mulligan (que também tem Drive no seu currículo 2011) e James Badge Hale (que pode ser um dos coadjuvantes do ano).

E agora ao que eu acho mais lindo de Telluride este ano: o Brasil. O Brasil está nas Montanhas Rochosas tanto na presença de Transeunte, de Eryck Rocha, na mostra principal quanto na mostra paralela organizada pelo curador convidado, Caetano Veloso. Não sei o que amei mais: o fato de Caetano ter escolhido Se Meu Apartamento Falasse, do mestre Billy Wilder, ou o documentário Nordeste: Cordel, Repente e Canção, de minha amiga Tânia Quaresma, cujo maravilhoso trabalho documentando a música do Brasil eu ainda espero ver devidamente reconhecido. Do Norte ao Sul.

 


Cannes 2011: os filmes que eu quero ver (e o filme que eu já vi)
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Ana Maria Bahiana

Fiquei animada com a lista de Cannes, este ano: mínima ocorrência de “mais do mesmo”,  bom índice de novos nomes, principalmente mulheres, e uma mistura de pop e cabeça altamente interessante.

Não sei se conseguirei ir à Croisette este ano, infelizmente. Mas se eu fosse, estes seriam os filmes que eu não perderia de jeito nenhum:

 

  • The Tree of Life, Terrence Malick. Pelo mistério e a sempre bem-vinda ambição do seu olhar.  Curiosa com o modo como ele usou Brad Pitt, Sean Penn e… dinossauros?
  • Drive, Nicolas Winding Refn. Refn é um dos diretores que mais me fascinam, hoje – um verdadeiro aventureiro visual, com completo controle de sua linguagem. Muito curiosa para ver como ele se saiu numa produção norte americana (independente, é certo) sobre um motorista-dublê (Ryan Gosling) que faz biscates para assaltantes.
  • Le Havre, Aki Kaurismaki. Desde o lirismo absurdista de The Man Without a Past, em 2002, estou me devendo uma nova dose do humor psicodélico de Kaurismaki.
  • La Piel que Habito, Pedro Almodovar. Porque é Almodovar, e não perco nenhum dele. Como sexo e pizza, mesmo quando é ruim é bom. Interessada em saber se Antonio Banderas encontrou, afinal, a redenção que merece.
  • We Need to Talk About Kevin, Lynne Ramsay . A estreia da escocesa Ramsay em Cannes, em 1999, com Ratcatcher, foi arrebatadora. A Croisette tinha os peso-pesados de sempre, os Dardenne (que ganhariam a Palma),Atom Egoyan, Takeshi Kitano. David Lynch estava lá com Straight Story. Mesmo assim só se falava em Lynne. Kevin é uma produção britânica com um elenco interessantissimo – John C. Reilly e  Tilda Swinton- baseado num livro maravilhoso sobre uma familia que começa a intuir que o filho está em vias de se tornar um assassino.
  • This Must Be The Place, Paolo Sorrentino. Sean Penn de batom e  delineador, tocando guitarra? Me inclua nessa… Melhor ainda: saber o que Sorrentino, diretor do excelente Il Divo, fez com Penn – no papel de um astro de rock aposentado – e a sempre divina Frances Mc Dormand.
  • Sleeping Beauty, Julia Leigh. Só me lembro de um filme com credenciais parecidas – estreia de jovem diretor australiano em obra com elementos de sonho e sensualidade – causando semelhante burburinho : Almas Gêmeas, de Peter Jackson. E seria maravilhoso ver Emily Browning (Sucker Punch) atacando um roteiro substancial.
  • Restless, Gus Van Sant. Van Sant tem duas vertentes, os filmes que faz para os outros e os filmes que faz para si mesmo. Este me parece do segundo tipo, com um estranho eco de Ensina-me a Viver na  história da adolescente (Mia Wasikowska) qeu se apaixona pelo menino que passa o tempo indo a enterros (Henry Hopper).
  • Trabalhar Cansa, Juliana Rojas, Marcos Dutra. Porque são poucos os filmes brasileiros que chegam do outro lado do mundo, e porque as carreiras deles me parecem muito interessantes.

Um filme da lista eu já vi e não sei o que fazer com ele: The Beaver, de Jodie Foster, pronto desde o ano passado mas engavetado por conta das estrepolias de seu astro , Mel Gibson. Há coisas muito interessantes no filme, entre elas o desempenho devastador de Gibson na pele de um homem em completa queda livre emocional, claramente alimentado pelo que estava se passando em sua vida. Mas o filme é tão tortuoso, tão em busca de um tom, tão incerto de que  filme ele é – as vezes comédia, às vezes drama, as vezes thriller, as vezes algo tão bizarro que não tem nem nome – que é dificil recomendá-lo sem reservas. Estou muito, muito curiosa para saber como será a repercussão na Croisette…

 


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