Uma conversa com Darren Aronofsky, parte 2: “Parece que só eu quero fazer meus filmes”
Ana Maria Bahiana
No capítulo anterior, Darren Aronofsky ficou impressionado com as top models do Bolshoi, descobriu a dualidade no Lago dos Cisnes e fez a câmera dançar. Na segunda e última parte de nossa conversa, ele fala sobre o estado de coisas na industria, as unhas do Wolverine e como diretores vêem os filmes dos outros.
Você mencionou em algumas entrevistas que o projeto de Cisne Negro levou quase 10 anos para se concretizar. Por que?
_Não era um filme que as pessoas quisessem fazer _só eu. (ri) O que é uma experiência muito comum na minha carreira, só eu quero fazer meus filmes, tenho que convencer um monte de gente a apostar na minha visão. Acho que aceitei fazer o novo Wolverine em parte por isso _ porque era um filme que todo mundo queria fazer. (ri muito) Queria saber como seria o outro jeito!
E as coisas não parecem estar melhorando…
_Não, infelizmente, não. Sempre foi mais difícil fazer filmes pessoais, e a crise econômica encolheu a disponibilidade de dinheiro. Há menos dinheiro circulando e com isso há menos tolerância para riscos e filmes pessoais. O boom dos anos 90 que tornou possível uma nova geração do cinema independente acabou. Ainda existem possibilidades, ainda existe algum ouro na mina e filmes como Atividade Paranormal conseguem ser feitos, mas é muito, muito, muito complicado acessar esse dinheiro.
E além do mais há cada vez menos distribuidores. Basicamente todos eles fecharam: Warner Independent, Paramount Vantage acabaram, Miramax está em fluxo. A Fox Searchlight (distribuidora de Cisne Negro) não tem nenhum incentivo para dar um adiantamento para um filme que ainda não foi feito porque, de certa foram, eles são a única opção na industria, hoje. Todo mundo quer que eles distribuam seus filmes porque eles fazem um trabalho sensacional. Mas a verdade é que ninguem põe dinheiro na mesa sem o filme pronto
Nem para Darren Aronofsky?
_É…. Eu também.Em The Wrestler, que agora todo mundo elogia, me diziam que fazer um filme com Mickey Rourke era loucura, filme de luta livre era loucura, ia destruir minha carreira. E o filme foi bem, ganhou o Globo de Ouro, Bruce Springsteen ganhou o Globo de Ouro , o filme disparou na disputa dos prêmios e foi o que se viu. Pensei que, com Cisne Negro, tendo uma estrela reconhecida como Natalie comprometida com o projeto, mais um elenco internacional – inclusive com Vincent Cassel, que é super conhecido no Brasil -tudo seria mais fácil. Mas não foi, Literalmente todo mundo nesta cidade dispensou o projeto. Fox Searchlight finalmente disse sim duas semanas antes do início das filmagens.
Então é mesmo por isso que você está fazendo um filme de super-herói?
_Em parte, em parte. Como eu disse, eu já fiz cinco filmes onde eu era a única pessoa na sala querendo fazer o filme. Queria saber como seria o contrário. E além do mais é divertido. Vou me divertir muito, tenho certeza _ é algo diferente, um desafio e sempre me animo quando encaro um desafio. Fui um independente em cinco filmes e está na hora de fazer algo diferente.
E se estamos falando de personalidades complexas e duplos, o Wolverine não está tão distante assim dos seus temas…
(ri muito) _ Isso mesmo. Não tem penas, mas tem unhas, garras! Com certeza ele é um personagem fascinante e complexo, e isso torna tudo ainda mais divertido.
O tema do fracionamento da personalidade aparece constantemente em sua obra. Na verdade, muita coisa de Cisne Negro me lembrou o protagonista de PI em sua obsessão. Qual o motivo?
_ Eu sempre fui um garoto muito intenso. Escrevia poemas sobre o fim do mundo quando tinha 9 anos. Mas além disso eu cresci numa familia que enfrentava o problema da doença mental. Meu tio tinha problemas mentais muito sérios. Passei muito tempo com ele e vi o que realmente é o mundo da doença mental. Procuro tratar o tema com grande delicadeza e respeito, exatamente porque o conheço de perto. No caso de Cisne Negro… é mais um conto de fadas do que um estudo da mente humana. É a antiga disputa da luz contra a sombra. É uma jornada pelo mundo das sombras.
Você tem visto bons filmes este ano?
_ Estou atrasado com meus filmes. Como tenho um filho pequeno, preciso primeiro me atualizar em Toy Story 3, Como Treinar seu Dragão… (ri) Fiquei muito impressionado com Enter the Void. Todo filme, mesmo os bons filmes, é derivativo de outros. A Rede Social é derivativo de Jejum de Amor e Todos os Homens do Presidente, e Cisne Negro é derivativo de um monte de outros…. Enter the Void não é derivativo de coisa alguma. É um enorme desafio, super artístico e para mim, como realizador, é empolgante. Mas não é uma obra envolvente _ é intelectual, é como ir a um museu e apreciar uma obra de arte.
Como um diretor vê os filmes dos colegas?
_ De um modo muito diferente. É muito difícil, para um diretor, se perder num filme porque o tempo todo você está pensando sobre o ofício, a técnica, o trabalho. Quando eu consigo não pensar nisso e realmente me perder na história algo mágico acontece e é como se eu tivesse 13 anos de novo. Aí eu sei que o filme está funcionando.