Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Daniel Craig

Heróis, vilões e o preço de ser humano: quatro lançamentos da temporada ouro
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Ana Maria Bahiana

Tanta coisa aconteceu nas últimas semanas por aqui que fiquei em super dívida com vocês… Aqui, os filmes que mais me impressionaram nesse tempo em que corri de um lado para o outro:

O conceito do presidente como herói/anti herói é comum na filmografia norte americana, atravessando praticamente todos os gêneros, do drama e thriller político à comédia romântica, rasgada e surreal (Marte Ataca!, por exemplo). É algo que dificilmente se imaginaria na produção de outros países, mas que faz sentido numa nação que elege presidentes há  237 anos, sem interrupções, ditaduras ou golpes militares.

Lincoln (em cartaz nos EUA, dia 25 de janeiro no Brasil) encontra Steven Spielberg em seu modo Amistad, refletindo sobre a história da nação norte americana, principalmente em uma de suas falhas fundamentais – a chaga da escravidão, e seus longos, dolorosos tentáculos até hoje.  Três elementos são o destaque do filme: o roteiro de Tony Kushner (Angels in America, Munique), veloz, erudito, incorporando tanto a complexidade do momento histórico (os momentos finais da Guerra Civil, a luta, no Congresso, para aprovar a lei que abole a escravidão) quanto o ainda mais complicado mundo interior do presidente; a fotografia espetacular de Janusz Kaminski, colaborador de fé de Spielberg; e o desempenho paranormal de Daniel Day Lewis como Abraham Lincoln.

Algo muito interessante aconteceu nesta colaboração: o roteiro de Kushner, centrado nos dilemas pessoais, sociais e políticos que, através de um grupo de pessoas – Lincoln, sua familia, seu braço direito William Seward (David Stathaim), o militante abolicionista Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones, genial) –  acabam impulsionando toda uma sociedade adiante, trava o impulso de Spielberg pela glamourização, pelo sentimental. E o calor passional de Spielberg ilumina e torna humano o que poderia ser um árido discurso sobre trâmites políticos na jovem nação norte-americana.

A notar: os igualmente ótimos desempenhos de Sally Field como Mary , esposa de Lincoln;  uma breve aparição de Joseph Gordon Levitt como Robert, seu filho mais velho; e James Spader, quase irreconhecível, como um antepassado de todos os lobbyistas que hoje  são a fauna mais comum de qualquer capital de Estado.

 Anna Karenina começou  como algo que, hoje, chamaríamos de novela: um folhetim encartado no periódico O Mensageiro Russo, suas oito complexas e generosas partes se estendendo de 1873 a 1877. Não é a toa que o que poderia se resumir a  um conto – mulher da alta sociedade da Russia Imperial, casada com influente político, tem um caso com um homem mais jovem e cai em desgraça —  tornou-se um vasto panorama da elite imperial, com um  15 personagens principais e mais um amplo sortimento de figuras secundárias.

Continuando seu ciclo de adoração cinematográfico-literária a Keira Knightley, Joe Wright (Orgulho e Preconceito,  Desejo e Reparação, Hanna) fez uma opção radical para sua adaptação do texto de Tolstoi: colocou  a maior parte de sua Anna Karenina (em cartaz nos EUA, dia 1 de fevereiro no Brasil) no interior de um velho (e lindo) teatro.

Como artifício dramático, é um espetáculo – Wright coloca os personagens de Tolstoi como elementos de uma grande performance pública, cada um representando seu papel no drama contínuo de uma sociedade altamente estratificada, dividida em classes hermeticamente fechadas. O artifício de transformar as coxias do teatro nas ruas de Moscou, a alta estilização da composição das cenas ( o balé dos burocratas, inspirado numa frase do texto de Tolstoi – “a burocracia é a alma da Russia”- é sensacional), o tom hiper-realista das caracterizações são empolgantes como estética.

O que se perde é a conexão emocional – Anna Karenina é uma obra linda mas fria, na qual o único ser humano parece ser o Karenin de Jude Law, atormentado entre a obrigação de agir de acordo com seu posto social e algo que pode ser, no fundo do seu coração, o pulsar de um afeto. Keira tem a estutura óssea de uma prima ballerina e a câmera está eternamente apaixonada por suas maçãs do rosto. Mas é talvez a mais gelada e distante de todos os lindos marionetes deste marzipan cinematográfico.

É um  sinal dos tempos: dois filmes se debruçam sobre a figura e a obra de Alfred Hitchcock. Um, feito para a TV (The Girl, de Julian Jarrold, para a HBO), ocupa-se de Hitch na época da realização de Os Pássaros; outro, com lançamento em circuito (Hitchcock, de Sacha Gervasi, estreia hoje nos EUA, dia 8 de fevereiro no Brasil) , é focado nos bastidores de Psicose.

E sabem qual é o melhor? O da TV. Jarrold preocupa-se em desconstruir a própria estética de Hitchcock e usar seus elementos para lançar luz nos vãos mais sombrios de sua alma, e Tobby Jones cria um Hitch de dentro para fora, organicamente e não como uma “personificação”.

Anthony Hopkins tenta fazer o mesmo em Hitchcock, mas, por incrível que possa parecer, a pesada maquiagem quase não deixa que ele trabalhe. Gervasi é um diretor simpático, responsável pelo delicioso documentário Anvil! The Story of Anvil. Mas me parece muito peso-leve para atacar um assunto complexo como Hitch. Trabalhando com um orçamento reduzidíssimo e apenas 35 dias de filmagem, ele criou um pequeno filme divertido que, ironicamente, teria sido mais apropriado para a TV.

Hitchcock oscila entre drama e comédia, aproximando-se da complicada mente do diretor mas temendo aprofundar-se em seu labirinto. Seus melhores momentos são os que comentam os eternos absurdos da indústria cinematográfica, a luta de Hitch para realizar seu projeto, as bizarras negociações com executivos e censores.

É interessante ver os dois lado a lado, em ordem cronológica – Hitchcock primeiro, The Girl em seguida. Alfred, o homem e o gênio, provavelmente não é nem nem outro.  Mas quem, décadas depois de sua passagem entre nós, pode ainda despertar tantas perguntas sem resposta?

E finalmente – eu não poderia deixar de comentar Skyfall.  O primeiro filme adaptado dos livros de Ian Fleming – 007 contra o Dr. No, de 1952 – trazia um conceito revolucionário no gênero “ação”: o espião como herói.  James Bond era um efeito colateral da guerra fria – até então, espiões, quando apareciam, eram sujeitos sórdidos, traiçoeiros, nada confiáveis. Um mundo em que conflitos passavam a ser, eles mesmos, secretos e indefinidos, abria espaço para que a atividade obscura fosse, enfim, heróica.

Mais de meio século depois, o impasse era: o que fazer com um ícone que já não parecia ter utilidade num mundo de guerras via bombardeios teleguiados, vírus pela internet e satélites-espião?

Trabalhando com um roteiro a três , mas principalmente do ótimo John Logan, Sam Mendes ataca o dilema de frente. Em suas mãos, o Bond de Daniel Craig é antes de mais nada um signo, um elemento dramático a ser composto como parte de lindos, elaborados panoramas visuais, de Xangai à Escócia. Humanos mesmo são o vilão Silva de Javier Bardem, e a extraordinária mãe-coragem M, de Judi Dench, lados opostos nessa dança mortal pelo controle de um mundo, na verdade, incontrolável.

 


David Fincher e a trilogia Millenium: o dragão tem duas cabeças
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Ana Maria Bahiana

Para os fãs da trilogia Millenium o que vou dizer a seguir é o equivalente a uma blasfêmia, mas lá vai: o principal efeito do impacto visual da versão David Fincher de Homens Que Não Amavam as Mulheres é revelar o quanto a história é, em essência, capenga.

A versão original, de 2009, dirigida por Niels Arden Oplev, era tão …humm… sueca que os altos e baixos da história se diluíam entre imagens de pitorescas festas de Natal com almôndegas, prisões que pareciam uma loja de design, e campos de neve pontuados por pinheiros, onde de vez em quando algo violento ou sinistro se insinuava quase que pedindo desculpas.

David Fincher arromba o universo de Stieg Larsson  com uma versão épica da história de Mikael Blomkvist, o jornalista investigativo caído em desgraça (Daniel Craig), Lisbeth Salander, a cyber punk com um passado de dor e vingança  (Rooney Mara) e a família milionária numa ilha na costa da Suécia, na qual metade tem um passado nazista e a outra metade tem mais esqueletos no armário que  faculdade de medicina.

Fincher é mestre em criar ambientes que transcendem imagens: tudo é maior, mais ameaçador, mais espetacular, mais rápido, mais explícito. A ilha dos milionários é o inferno da mitologia nórdica: isolado, gelado, sem saída, pontuado de sangue. A trillha de Trent Reznor é deliciosamente sinistra e frígida. E Rooney Mara… ah! Rooney Mara! Sua Lisbeth Salander faz justiça à genial criação de Noomi Rapace no filme sueco, mas é um riff pessoal na personagem. Há uma fragilidade mais claramente expressa em seus olhos, nos seus gestos. É uma combinação fascinante de extrema dureza, raiva absoluta e um oceano de emoções puras por baixo de tudo.

E no entanto… tudo o que estes elementos adicionais fazem é realçar o quanto da trama de Larsson tem buracos. Não vou mencionar os ditos cujos em detalhes, para não me acusarem de spoiler, mas só adianto que 1. a matemática de membros da familia não parece fazer sentido; 2. a motivação dos crimes, idem. 3. Aquele trecho final , pós-resolução dos crimes, faz menos sentido que os itens anteriores.

O que fascina na obra de Larsson, me parece, é a existência de Lisbeth Salander, a metade feminina, violenta e explosiva do passivo, confuso Mikael Blomkvist _e ambos, juntos, o alter ego de Larsson. Fincher explora muito bem o poder deste dragão de duas cabeças, e cria magníficos panoramas sensoriais de estranheza e impacto. O segredo é não fazer muitas perguntas…

Homens Que Não Amavam Mulheres (alguém tem o mesmo problema que eu com este título, que é o original do livro sueco? O fato dele entregar, de cara, um elemento importante da trama? Enfim…) estréia nos EUA dia 20; no Brasil, dia 27 de janeiro.


Uma festa para caubóis, índios e ETs
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Ana Maria Bahiana

 

Aviso aos leitores mais sensíveis: o TÍTULO DO FILME é Cowboys & Aliens. Portanto, dizer que a trama inclui o aparecimento de aliens NÃO É SPOILER, certo?

Com esta questão devidamente esclarecida, vamos ao que interessa: não tenham receio de Cowboys & Aliens. É um delicioso filme-pipoca, bem concebido, planejado e executado, com  um coração que é alegria pura, tesão pelas possibilidades de encantamento do cinema e muito respeito pelos westerns.

Confesso: Não era absolutamente o que eu esperava. Acompanho este projeto há algum tempo, e a alta rotatividade de roteiristas – seis estão listados nos créditos- me fazia antecipar um desses filmes-por-comitê , tão comuns na temporada-pipoca, que no final não tem gosto nem cara de nada.

Certo, a história tem quase nada a  ver com a graphic novel do mesmo nome mas, na verdade, nem filme nem graphic novel tem as origens que se espera.

 

Antes que os dois –filme e graphic novel- existissem, existia o empresário Scott Mitchell Rosenberg, fã de quadrinhos e astuto homem de negócios. Nos anos 90, inspirado por um cartum da série The Far Side, Rosenberg registrou a marca Cowboys & Aliens e se pôs a vender o conceito – antes mesmo que houvesse algum produto baseado nele. Acabou na capa da Variety, depois de vender o pitch para a Universal por 500 mil dólares.

Quando, cinco anos depois, o filme prometido no acordo ainda não tinha se materializado, Rosenberg começou a pensar em seguir a ordem natural das coisas e criar uma graphic novel. Alguns times e mais cinco anos depois Cowboys & Aliens chegou às livrarias em 2006 com a assinatura de Rosenberg, Fred Van Lente e o brasileiro Luciano Lima no traço.

A complicada história de Cowboys & Aliens talvez ajude a entender por que o filme sobreviveu ao distanciamento da graphic novel e às muitas versões do roteiro_ porque ele é em primeiro lugar um conceito, flutuando no espaço da industria de entretenimento como… hum… uma nave alienígena em busca de pouso. Ou encarnação.

E esta encarnação do conceito, escrita por um bando de gente (boa, felizmente: entre outros Damon Lindelof, Roberto Orci, Alex Kurtzman,  Mark Fergus, com créditos que incluem Fringe, Lost, Alias, Homem de Ferro e Filhos da Esperança), funcionou. Caubóis, índios e ETs misturam-se harmonicamente numa trama que diverte e, ao mesmo tempo, faz referência aos cânones do western, adicionando uma pitada de tempero.

Nesta iteração do conceito, o herói (Daniel Craig, cuja semelhança com um Yul Brynner com cabelo não é coincidência) é lacônico como os pistoleiros-ícones de Clint Eastwood;  o anti-herói (Harrison Ford, agregando toda a sua carga pessoal de heróis passados) é um barão do gado que poderia estar num filme de John Ford; a paisagem é o imponente deserto do sudoeste, a porta do bar balança, há uma briga sobre o balcão, um tiroteio na rua principal, e chapéus são muito importantes.

Mas o mais divertido é como os ETs se incorporam a esse universo ,e como o seus signos – as naves, armas, abduções, objetivos – se encaixam no mundo do oeste norte-americano  de meados do século 19, quando ouro e prata substituíam o gado como impulso para a expansão, pequenas cidades nasciam aparentemente do nada e havia um vago esboço de lei e ordem.

E como este é um western escrito em parte pela turma de Lost e Fringe, os índios tem um papel importante – afinal, existem pinturas nas cavernas do Novo México que parecem mostrar seres gigantescos com capacetes. E este deve ser o único filme em que uma viagem xamânica em busca de um animal de poder se incorpora naturalmente a uma narrativa sobre ladrões, xerifes e seres malévolos de outro planeta.

Mais não digo – aí sim seria spoiler. Jon Favreau  (Homem de Ferro 1 e 2) mantem o ritmo animado mas não frenético, os efeitos convencem, o elenco de apoio é sólido, o som é impecável e, felizmente, ninguém tomou a decisão desastrada de enfiar um 3D furreca sobre a linda fotografia de Matthew Libatique.

 

Cowboys & Aliens estréia nesta sexta, dia 29, nos EUA, e dia 9 de setembro no Brasil.

 


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