Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : David Fincher

O que tem nessa cabeça? “Garota Exemplar” e o poder da história
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Ana Maria Bahiana

gone 1 Garota Exemplar (Gone Girl, dir. David Fincher, 2014) começa com o close da cabeça da personagem Amy Elliott Dunne, a “garota exemplar” do título brasileiro, a “garota desaparecida” do título original. O livro de Gillian Flynn – que adaptou sua própria obra para a tela – também começa assim, estabelecendo uma das muitas qualidades da personagem – a fineza de seus traços, que incluem “o que os vitorianos chamavam de uma cabeça bem desenhada”. É também o modo como autora e diretor nos dizem que tudo o que vamos acompanhar daqui para a frente se passa, acima de tudo, na cabeça , ou a partir da cabeça, dos personagens. Não apenas Amy, a que desaparece, e Nick, o marido que se vê acusado de seu desaparecimento, mas os vizinhos, os policiais, os familiares, os habitantes da pequena cidade do Missouri com a história se passa, os espectadores dos programas de debates da TV dedicados a casos escandalosos que fazem a cobertura do desaparecimento. E, obviamente, todos nós, na platéia do cinema. Um dos primeiros grandes sucessos de Garota Modelo é ter colocado a gestão de sua versão visual nas mãos de quem concebeu o projeto original. Porque o projeto original era inteiramente sobre conceitos, sobre imagens, sobre as narrativas fictícias que nós fazemos em nossas cabeças o tempo todo e que, se deixadas à solta, crescem como ervas daninhas e se transformam em “fatos”. Quem leu o livro sabe do que estou falando . Para quem não leu, tentarei dizer o mínmo possível além de: vejam esse filme, vejam correndo. Sim, apesar do Ben Affleck. Mais sobre isso em breve. A premissa é essa que alinhavei aí em cima: numa pequena cidade do interior uma moça – bonita, carismática, filha de pais famosos e ricos – desaparece súbita e misteriosamente. O marido, filho da terra que voltou para a cidadezinha movido a crises pessoais e financeiras, se vê pouco a pouco transformado em principal suspeito. Mas o que realmente está acontecendo? Há ecos imediatos de casos como os de Scott Peterson, que chocou a Califórnia e todo o país em 2004 – e que Ben Affleck entrevistou como parte de sua pesquisa para o papel de Nick Dunne. Mas na verdade a teia de crime e castigo é apenas a fachada : Garota Exemplar é sobre as histórias que inventamos, as histórias que contamos a nós mesmos, os personagens que inventamos, os personagens que vivemos. gone 2 Amy, escritora bissexta, é filha de aclamados autores de livros infantis que a transformaram na personagem de uma série de best sellers. Nick é um jornalista reinventando-se na cidade grande – Nova York – e depois convencendo-se ser um outro personagem, o acadêmico e escritor recluso no campo. São histórias dentro de histórias, máscaras sobre máscaras empilhando-se e se re-arranjando ao sabor de um roteiro exato e da diabólica precisão de David Fincher, sua câmera sempre pousada onde mais oculta fingindo estar mostrando. É um filme longo – duas horas e 25 minutos – que passa quase como um transe, graças à maestria de Fincher e o apoio respeitável da trilha de Trent Reznor. Eu teria preferido que outro ator estivesse no papel de Nick. Mais que isso, o tempo todo eu imaginava outros atores, mais dinâmicos, mais plásticos, compartihando conosco os turbilhões internos do personagem. Pensei que talvez Fincher tivesse sido atraído exatamente pela impassibiidade de Affleck , expressando sempre uma máscara, nunca uma pessoa. Mesmo assim… Principalmente porque Rosamund Pike, no papel de Amy, lida com as mesmas questões de modo absolutamente espetacular. O filme é dela, do começo ao fim, e sem ela não seria o espetáculo que é. Espero que seja lembrada em todos os prêmios.  Garota Exemplar estréia aqui dia 26 de setembro, no festival de Nova York, e em circuito comercial dia 3 de outubro; no Brasil, sua estréia é no Festival do Rio, dia 2 de outubro.


David Fincher e a trilogia Millenium: o dragão tem duas cabeças
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Ana Maria Bahiana

Para os fãs da trilogia Millenium o que vou dizer a seguir é o equivalente a uma blasfêmia, mas lá vai: o principal efeito do impacto visual da versão David Fincher de Homens Que Não Amavam as Mulheres é revelar o quanto a história é, em essência, capenga.

A versão original, de 2009, dirigida por Niels Arden Oplev, era tão …humm… sueca que os altos e baixos da história se diluíam entre imagens de pitorescas festas de Natal com almôndegas, prisões que pareciam uma loja de design, e campos de neve pontuados por pinheiros, onde de vez em quando algo violento ou sinistro se insinuava quase que pedindo desculpas.

David Fincher arromba o universo de Stieg Larsson  com uma versão épica da história de Mikael Blomkvist, o jornalista investigativo caído em desgraça (Daniel Craig), Lisbeth Salander, a cyber punk com um passado de dor e vingança  (Rooney Mara) e a família milionária numa ilha na costa da Suécia, na qual metade tem um passado nazista e a outra metade tem mais esqueletos no armário que  faculdade de medicina.

Fincher é mestre em criar ambientes que transcendem imagens: tudo é maior, mais ameaçador, mais espetacular, mais rápido, mais explícito. A ilha dos milionários é o inferno da mitologia nórdica: isolado, gelado, sem saída, pontuado de sangue. A trillha de Trent Reznor é deliciosamente sinistra e frígida. E Rooney Mara… ah! Rooney Mara! Sua Lisbeth Salander faz justiça à genial criação de Noomi Rapace no filme sueco, mas é um riff pessoal na personagem. Há uma fragilidade mais claramente expressa em seus olhos, nos seus gestos. É uma combinação fascinante de extrema dureza, raiva absoluta e um oceano de emoções puras por baixo de tudo.

E no entanto… tudo o que estes elementos adicionais fazem é realçar o quanto da trama de Larsson tem buracos. Não vou mencionar os ditos cujos em detalhes, para não me acusarem de spoiler, mas só adianto que 1. a matemática de membros da familia não parece fazer sentido; 2. a motivação dos crimes, idem. 3. Aquele trecho final , pós-resolução dos crimes, faz menos sentido que os itens anteriores.

O que fascina na obra de Larsson, me parece, é a existência de Lisbeth Salander, a metade feminina, violenta e explosiva do passivo, confuso Mikael Blomkvist _e ambos, juntos, o alter ego de Larsson. Fincher explora muito bem o poder deste dragão de duas cabeças, e cria magníficos panoramas sensoriais de estranheza e impacto. O segredo é não fazer muitas perguntas…

Homens Que Não Amavam Mulheres (alguém tem o mesmo problema que eu com este título, que é o original do livro sueco? O fato dele entregar, de cara, um elemento importante da trama? Enfim…) estréia nos EUA dia 20; no Brasil, dia 27 de janeiro.


Um fim de semana de prognósticos: olho nos prêmios da DGA e SAG!
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Ana Maria Bahiana

Então, já se acostumaram com a safra Oscar 2011? Deixar gente importante e merecedora de fora faz parte do pacote, e é consequencia da natureza do prêmio, do seu sistema de votação preferencial ponderada (votantes tem que apontar seus indicados em ordem preferencial, e indicados em primeiro lugar “valem” mais que os outros) e da peculiar mistura de gosto, amizades, inimizades, interesses que forma o, digamos assim, “inconsciente coletivo” da Academia.

Nesse contexto, a iniciativa de Julia Roberts chamando a atenção para seu colega Javier Bardem é notável não porque seja ilegal ou rara por si mesma, mas porque Julia estava usando seu enorme prestígio na comunidade para endossar e aumentar a visibilidade de alguém com quem, no momento, não tem nenhuma relação de trabalho, num gesto de pura admiração profissional e coleguismo.

Convescotes desse tipo – mais telefonemas, bilhetes, sms, emails – são super comuns nesta época do ano. São, na verdade, a essência, o coração das campanhas, e não violam as regras do prêmio se feitas sem ataques aos concorrentes e sem o acompanhamento de brindes (ironicamente, grandes empresas podem dustribuir brindes à vontade aos votanets e apresentadores, desde que não sejam relacionados a filmes concorrentes– coisas como eletrônicos, jóias, roupas, acessórios). Harvey Weinstein, que destilou a estratégia e transformou-a numa arte nos anos 1990, só não beija bebê de votante porque os bebês em geral abrem o berreiro quando o vêem.

Para quem está em regime de treinamento para os palpites, vale prestar atenção aos dois prêmios deste final de semana: Directors Guild no sábado e Screen Actors Guild no domingo. Interpretações literais das vitórias nesses prêmios não serão muito produtivas:  a Directors Guild tem 14 mil integrantes, e o departamento de diretores da Academia (aquele que esnobou Christopher Nolan) tem 367; da mesma forma a SAG representa 125 mil atrizes e atores, enquanto o departamento de atores da Academia (que preferiu, por exemplo, James Franco em 127 Horas a Ryan Gosling em Blue Valentine), conta com apenas 1. 183 (ainda assim, o departamento mais numeroso da Academia; e a atual presidente é a indicada Annette Bening, o que não deve supreender ninguém….)

Ao contrario da Academia, a DGA lembrou-se de Nolan, mas não creio que ele leve o prêmio dos colegas, no domingo _ há uma espécie de vontade coletiva de premiar David Fincher, este ano. Mesmo assim, é uma gota no agora vasto mar dos Oscars, onde, agora, 6000 votantes estão escolhendo os vitoriosos de 2011.

As vitórias na SAG podem ser um pouco mais significativas, exclusivamente pelo peso numérico de seus integrantes na Academia. Olho vivo sobretudo na categoria “melhor conjunto de elenco”, que é o equivalente ao “melhor filme” para os atores _ frequentemente uma vitória aqui indica uma tendência importante para melhor filme.


David Fincher: “Tecnologia por si mesma não faz bons filmes”
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Ana Maria Bahiana

David Fincher no Walter Reade: "Social Network é o meu American Graffiti"

Esta manhã o cinema Walter Reade da Film Society, no Lincoln Center de Nova York, estava lotado até o teto com o creme de la crème da intellingentsia cinematográfica novaiorquina para saudar, com aplausos, a entrada de David Fincher para uma muito rara coletiva sobre The Social Network. O “filme do Facebook” (como ele já está sendo chamado de leste a oeste) , ovacionado, está abrindo o 48 Festival Internacional de Cinema de Nova York, mas Fincher parte hoje à tarde para Upsala, na Suécia, onde as filmagens de sua versão de The Girl with the Dragon Tattoo já estão rolando. “Para mim a maravilha da tecnologia é, por exemplo, o fato de eu poder ver, no meu computador, todas as opções de ângulo para uma cena complicada que vamos fazer em Upsala”, diz Fincher, depois de se confessar “não exatamente um fã da tecnologia pela tecnologia. Tecnologia não faz melhores filmes, apenas dá mais opções. O filme tem que ser bom por si mesmo.”

O que é um assunto pertinente, uma vez que The Social Network é uma história da geração amamentada em tecnologia digital. “Mas não foi por isso que quis fazer o projeto”, ele esclarece. “Quis fazer porque amei o roteiro (de Aaron Sorkin, o homem de, entre muitas outras coisas, a série West Wing), porque amei o grupo de pessoas envolvido com o projeto. E porque sempre quis fazer American Graffiti – a oportunidade de trabalhar com um grupo notável de atores no momento em que estão prestes a alçar vôo.”

O grupo notável inclui Jesse Eisenberg (no papel que provavelmente vai deslanchar de vez de sua carreira e levá-lo até as indicações, a versão cinematográfica de Mark Zuckenberg, um dos criadores e atual cappo do Facebook), Justin Timberlake, Andrew Garfield e Rooney Mara, que será a nova Lisbeth de Dragon Tattoo. “São atores capazes de compreender inteiramente a complexidade e a velocidade do diálogo de Aaron, transmitir duas, três emoções ao mesmo tempo e pensar em mais duas ou três”, Fincher define, no que pode ser a transcrição, para a arte dramática, do conceito de “multitasking”.

Aguardem minhas considerações sobre The Social Network em breve no UOL Cinema, mas podem já ficar sabendo: 1. é um filmaço, algo entre Rashomon, Cidadão Kane e, sim, American Graffiti ; e 2. Já é o principal desafiante de Inception/A Origem na disputa pelo ouro (e como todo ano há sempre dois carros na pole…já sabemos quais são os de 2010/2011…) “É um filme de um conjunto de atores, que vai triunfar ou não pelo desempenho deles e pela nossa compreensão comum do poder da narrativa”, Fincher resume. “Não é um filme sobre a internet – é sobre a natureza humana, sobre temas antiquíssimos como inveja, poder, paixão.”


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