Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Boardwalk Empire

E lá se vai 2011, parte I: o ano do triunfo da TV. De novo.
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Ana Maria Bahiana

Foi um ano estranho. A platéia foi uniformemente subestimada, a linha de montagem empurrou um monte de continuações, franquias, 3D vagabundo e super-heróis sem nenhum carisma.

Como, em compensação a TV deu surras homéricas no cinema, começo por ela minhas listinhas do que me falou ao coração em 2011:

  1. Breaking Bad (AMC) Simplesmente a série melhor escrita, atuada, filmada e dirigida do momento.
  2. Mildred Pierce (HBO) Quanto vale a vida de uma mulher? Todd Haynes e Kate Winslet voltam às origens literárias do melodrama mais copiado de todos os tempos.
  3. Game of Thrones (HBO) Ainda não gosto das perucas, mas que bela adaptação da ficção política de George R.R. Martin.
  4. Homeland (Showtime) A agonia de ver e ser visto na era da paranóia. Atuações maravilhosas.
  5. Enlightened (HBO) A mais delicada e complexa exploração de todo o espectro das emoções humanas que vi recentemente na TV.
  6. Boardwalk Empire (HBO) O caminho da danação nunca foi tão interessante desde os Sopranos.
  7. Downton Abbey (PBS) Como aprendemos a viver no século 20, pelo microcosmo da família.
  8. The Walking Dead (AMC) Começou maravilhosamente, teve uma barriga ali pelo meio, mas nos deixou todos roendo as unhas até fevereiro.
  9. Cinema Verite (HBO) O primeiro reality show revela porque somos viciados na vida alheia
  10. The Killing (AMC) Não fosse aquele final safado estaria bem mais para cima desta lista.

Compaixão pelos diabos: na TV, nossos anti-heróis favoritos
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Ana Maria Bahiana

Um dos maiores e melhores prazeres de uma boa narrativa audio visual é poder torcer por quem menos se espera. É um prazer maior que o dos vilões que amamos odiar : o herói improvável, o anti-herói,   fala de nossas próprias falhas e dúvidas, e de uma redenção pequena mas possível. O anti-herói pode ser medonho em algumas áreas de sua vida, e amoroso e dedicado, em outras. A perfeição foi posta de lado – estamos no mundo onde definições de bem e mal são relativas.

A TV, que cada vez mais está dando surras no cinema em termos de inteligência e ousadia, traz, nesta temporada, alguns de nossos mais queridos anti-heróis.

A sólida base literária fornecida por Darkly Dreaming Dexter, de Jeff Lindsay, tem apenas parte do crédito para a complexidade de Dexter (Showtime), possivelmente o anti-herói por excelência da telinha. A sexta temporada começou ontem nos EUA, levantando mais uma vez o limite da excelência e cutucando uma onça muito feroz – religião- com vara curtíssima. Procurando uma boa escola para seu filhote, Dexter se vê conversando sobre crenças com uma freira –e , por exclusão, deixando bem claro que não acredita em coisa alguma. Seu improvável parceiro desta temporada parece ser um ex-presidiário-transformado-em-pastor (Mos Def, excelente) e seu principal antagonista, uma dupla de fanáticos obcecados com o Apocalipse (Edward James Olmos e Colin Hanks, ótima escalação de elenco).

Uma outra série provavelmente escolheria o caminho mais fácil da redenção explícita, mas Dexter está ocupada com as nuances da definição de “fé” e como sua força não tem, necessariamente, ligação nem com bem nem com mal. Depois de uma quinta temporada de altos e baixos, o que vi desta sexta – cinco episódios- me dá mais do que motivo para esperar uma epifania.

Mr. White vai para o inferno _ e Jesse, será que fica pelo purgatório? A quarta temporada de Breaking Bad (AMC) termina nos EUA domingo que vem, dia 9 e, como o criador Vince Gilligan prometeu ao final da terceira, a jornada de seus personagens está absolutamente coerente com as escolhas que fizeram. Se Dexter nos oferece uma alma fracionada – o profissional simpático, o irmão querido, o pai devotado… e o passageiro sombrio, nascido do trauma e da dor- Breaking Bad é exclusivamente sobre opções e responsabilidades. Você é o que você escolhe, a série diz, e cada pequeno passo tem seu peso na teia da vida.

Nesta quarta temporada Mr. White começou a esgotar sua quota de riscos sem retorno. Numa cena absolutamente genial de um dos episódios finais ele está literalmente enterrado vivo, nas fundações da casa que um dia dividiu com sua familia, berrando, soluçando e rindo ao mesmo tempo, num ataque de  lucidez instantânea, vendo afinal tudo o que andou fazendo nos últimos anos.

Mas esta quarta temporada não foi apenas sobre como o personagem de Bryan Cranston administrou suas escolhas _ ela também é sobre Jesse, Skyler, Gus Fring (esta foi a temporada para Giancarlo Esposito brilhar). Opções são um bordado, cada uma é um ponto sustentando outro.  O que vimos, com a estranha alegria que os anti-heróis nos dão, foram 13 episódios em direção do inevitável.

 

Para um personagem (em parte verdadeiro) dos anos 1920, Nucky Thompson é uma figura extremamente contemporânea. E, com certeza, muito conhecida de todos nós: o político corrupto até os ossos, cujas tramóias municipais, estaduais e federais constroem um pequeno império pessoal, sustentado por clientelismo, assistencialismo e trocas de favores.

Na excepcional Boardwalk Empire, da HBO, Nucky tem duas poderosas atenuantes: todo mundo à sua volta é pior que ele; e quem o encarna é Steve Buscemi, capaz de revestir de humanidade e simpatia o mais asqueroso dos bandidos.

E Nucky não é um bandido banal, por isso nos importamos com ele: ele é um homem com fino faro para oportunidades, capaz de tirar o proverbial leite das pedras. E tem um mundo interior complexo, capaz igualmente de grande generosidade e frieza cirúrgica.

Nesta segunda temporada, iniciada dia 25 de setembro nos EUA, nosso anti-herói começa a enfrentar o outro lado de sua ascensão: todas aquelas pessoas que ele deixou tombadas às margens de suas vitórias e negociatas. Jimmy, o afilhado (Michael Pitt) reaproximou-se do pai, o Comodoro (Dabney Coleman) que se recusa a morrer; Eli, o irmão (Shea Whigman) está cansado de comer as sobras de sua mesa. Novas alianças são forjadas, o império parece pronto para ser dividido.

O grande personagem secundário da segunda Boardwalk Empire é, sem dúvida, Chalky White (Michael Kenneth Williams), o elegante gangster negro que é, na verdade, a imagem no espelho de Nucky e, possivelmente, seu mais fiel aliado. Há um confronto na cadeia de Atlantic City, primeiro entre Nucky e Chalky e, logo a seguir, entre Chalky e um bandidinho rasteiro, que dá vontade de levantar e aplaudir: perfeição de roteiro, direção, interpretação.

Ser bandido, na América dos anos 1920, quando tudo é proibido e, portanto, as oportunidades são infinitas, não é para qualquer um: só para quem tem calma, inteligência e classe.


Nos finais de Boardwalk Empire e The Walking Dead, o melhor da TV
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Ana Maria Bahiana

Devo, não nego , a entrevista com Darren Aronofsky. Como estou coordenando com a matéria do UOL Cinema que sai segunda feira, peço um pouquinho de paciência.

Até porque duas coisas importantes também aconteceram neste final de semana, além dos recordes de bilheteria de Cisne Negro: os finais de duas das melhores séries da TV americana, Boardwalk Empire and The Walking Dead. Ambos tiveram o duplo impacto que se espera de projetos feitos com cuidado: sucesso de crítica e de público; sólido para Boardwalk, excepcional para Walking Dead.

Por mais que possa parecer bizarro, os dois finais tiveram algo em comum _ a possibilidade de redenção de  personagens conflituados, divididos, torturados. Boardwalk terminou deixando Nucky Thompson (Steve Buscemi) e sua eleita, Margaret Schroeder (Kelly McDonald) vendo o dia nascer sobre o Atlântico depois de uma noite de festa  celebrando mais uma vitória política; o dia também nascia ao final de The Walking Dead, com o xerife Rick Grimes (Andrew Lincoln) triunfando sobre mais uma provação aparentemente impossível.

Mas, antes disso, em cada episódio, os dois heróis mostraram seus pés de barro, expuseram um pouco de suas almas  : Nucky numa cena intensamente emocional com Margaret que confirmou de vez (como se isso fosse necessário) o imenso talento de Buscemi, contra toda a maledicência de quem não o via como o poderoso chefão de Atlantic City; Grimes, em uma troca  igualmente intensa com o Dr. Jenner (ótima participação especial de Noah Emmerich) no Center for Disease Control que vimos no capítulo anterior. Seriam vazias as suas vitórias, as verdadeiras conquistas talvez impossíveis, as perdas verdadeiras, irremediáveis?

Além desse paralelo entre as jornadas dos seus protagonistas Boardwalk e Dead compartilham algo mais: a qualidade de tudo em sua produção, do controle do roteiro ao apuro da direção de arte e desempenho do elenco. Foi um bordão deste ano, não é mesmo? Enquanto o cinema, com raras e felizmente ótimas exceções, vacilava, a TV, aproveitando a vantagem de não ter que correr atrás da plateia, ousava, gastava e realizava.

O episódio de Boardwalk, entre uma noite de Halloween e um dia de eleição, propôs Altlantic City como um microcosmo dos Estados Unidos, as velhas correntes de  dinheiro, poder, raça e religião chocando-se, entrelaçando-se, arranjando-se. O episódio de Dead, entre uma noite e um dia nos subterrâneos do CDC, fez do bunker uma cápsula da humanidade, sua arrogância e sua beleza, sua força e sua fragilidade, sua fé na ciência, tão facilmente abalada por forças maiores e mais antigas. É coisa substancial e apetitosa, o melhor que o entretenimento de massa pode fazer _ prender pela narrativa, emocionar pelos personagens, fazer pensar. Agora queremos mais!


Era uma vez na América: em Boardwalk Empire, o crime compensa
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Ana Maria Bahiana

A Las Vegas do Atlântico em seu apogeu em 1920 é o cenário da nova série produzida por Martin Scorsese

Estréia daqui a pouco na HBO neste domingo, aqui nos EUA, Boardwalk Empire, a nova série criada por Terence Winter (o homem que nos deu Família Soprano), produzida por Martin Scorsese, Mark Wahlberg e  Stephen Levinson (Entourage, In Treatment). É o marco zero da temporada de outono na TV norte americana que, pelo que já pude ver, tem petiscos de alto nível: The Walking Dead, de Frank Darabont, Lone Star,  The Event, a nova temporada de Fringe, o Hawaii 5-0 reinventado e divertido. (E ano que vem ainda teremos a minissérie Mildred  Pierce, com Kate Winslet, Todd Haynes na direção; e Camelot, a saga arturiana por Ridley Scott.)

Boardwalk Empire está num outro plano. Vi seis dos 13 episódios da série e posso dizer, com segurança, que é, como Sopranos, um trabalho que vai estabelecer um novo padrão para a produção em TV. Ouso dizer que vai perturbar quem, na indústria da tela grande, ainda pensa em cinema também como projeto artístico – é mais uma cutucada que a liberdade criativa da TV, ancorada na certeza da distribuição e da presença do público, aplica no cinemão tão ansioso com a crise.

Para mim, três coisas imediatamente chamaram a atenção: a maturidade da linguagem narrativa, muito mais próxima do  bom cinema do que da TV; os valores de produção, que também são de filme de grande porte; e a uniforme e alta qualidade do desempenho de todo o elenco, com destaque para Steve Buscemi, que carrega toda a série num tipo de papel que ainda não o vimos fazer.

O rei de Atlantic City: Buscemi como Nucky Thompson

Teve gente na crítica norte-americana que cismou com Buscemi, achou-o deslocado no papel, reclamaram de sua “voz metálica”. Discordo completamente: Buscemi constrói seu Nucky Thompson, o imperador de Atlantic City, com todas as nuances de alguém capaz de ternura e corrupção ao mesmo tempo,  violento com toda a frieza e a calma dos verdadeiros gângsters, charmoso como todo bom político, irônico, tristíssimo, complicado. Sem ele, Boardwalk Empire não seria talvez tão hipnótico, tão irresistível de ver.

Nucky, escrito magistralmente por Winter e sua equipe, é cem por cento imprevisível, e seu universo inclui um andar inteiro do hotel Ritz Carlton (com um mordomo alemão), várias amantes, amigos em quase todas as máfias, inclusive o senado, e uma devoção por ternos italianos e bebês prematuros.

Boardwalk Empire nasceu do livro  “Boardwalk Empire: The Birth, High Times, and Corruption of Atlantic City” de Nelson Johnson, um ex-funcionário da secretaria de planejamento da cidade que, de tanto cavucar os detalhes do passado da “Las Vegas do Atlântico” tornou-se um de seus maiores historiadores. Johnson estava particularmente interessado na figura de Enoch “Nucky” Johnson (nenhum parentesco), tesoureiro da cidade na década de 1920, responsável tanto pelo boom de turismo que enriqueceu Atlantic City quanto pela criação de uma rede de corrupção e crime de dar inveja a Chicago.

Transformado no Nucky Thompson de Steve Buscemi, ele é o centro da série da HBO, um rei-sol do período da lei seca nos EUA, mantendo em sua órbita gângsters como Lucky Luciano (Vincet Piazza), Armold Rothstein (Michael Stuhlbarg, sensacional) e um jovem Al Capone (Stephen Graham, espetacular) ao mesmo tempo em que seduz as senhoras da Liga Contra o Álcool com passionais discursos, cem por cento mentirosos (a ótima Kelly McDonald, de Onde os Fracos Não Tem Vez, é uma delas) e educa um jovem veterano da Primeira Guerra, Jimmy (Michael Pitt, excelente) nos caminhos do sucesso a qualquer preço.

Young guns: Michael Pitt é Jimmy, braço direito de Nucky, e Stephen Graham encarna o jovem Al Capone

“Eu não podia resistir a uma série sobre as origens do crime organizado nos Estados Unidos”, disse Martin Scorsese para explicar seu papel como produtor da série  e diretor do primeiro episódio de Boardwalk Empire. E o que torna ainda mais interessante essa documentação de um outro tempo, quase 100 anos atrás, é o paralelo com uma outra América em apuros, fracionada por outros tipos de quadrilhas, outros tipos de corrupção, outros fanáticos conservadores – a América de hoje, na ressaca dos tempos em que a ganância era uma virtude.


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