Blog da Ana Maria Bahiana

Tropa de Elite 2 está fora dos Globos de Ouro
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Ana Maria Bahiana

 

Tropa de Elite 2 não está mais concorrendo ao Globo de Ouro. O filme de José  Padilha está fora do prazo que o qualificaria para a categoria Filme Estrangeiro. Tendo estreado no Brasil em outubro de 2010, Tropa poderia ter concorrido ano passado, mas não agora. Para um filme estrangeiro  poder se qualificar para os Globos  na categoria ele precisa ter estreado em seu país de origem  nos 14 meses entre 1 de novembro e 31 de dezembro do ano anterior aos prêmios – no caso dos concorrentes deste ano, entre 1 de novembro de 2010 e 31 de dezembro de 2011. Tropa 2, infelizmente, estreou no Brasil em outubro de 2010, o que o desqualifica.

Uma exibição para os votantes já havia sido marcada, num dia que não era dos melhores, em pleno feriadão do Dia de Ação de Graças e uma semana depois da estréia comercial aqui em Los Angeles.  Pode-se atribuir esse problema ao sufoco da temporada de prêmios, quando todas as salas de exibição da cidade estão tomadas por candidatos a indicações. No início da noite de sexta feira, a cabine foi cancelada.

Outro filme brasileiro , Bruna Surfistinha, foi exibido para os votantes, numa sessão em horário ingrato -22h- numa cabine longínqua. Bruna teve  poucos espectadores e repercussão muito negativa. Tive que ouvir de um colega: “Então, o Brasil este ano só tem aquele filme pornô?”

Pois é.

Ser indicado para um Globo de Ouro não é essencial para abrir caminhos para o Oscar . Mas ajuda, como prova a trajetória de Central do Brasil. Os Globos não conseguiram alavancar Cidade de Deus junto à Academia na categoria Filme Estrangeiro, mas outros filmes estrangeiros certamente se beneficiaram muito  com uma  indicação: Biutiful, A Fita Branca, Em Um Mundo Melhor, O Complexo Baader Meinhof, Um Profeta, entre muitos outros.  E teria sido muito bom expor o filme a tantos correspondentes de tantas publicações importantes pelo mundo afora.

Agora é aguardar a estréia limitada – uma tela  aqui em Los Angeles, uma em Nova York, prática comum para filmes em língua estrangeira – no dia 18, e observar a trajetória nos Oscars, que tem um prazo qualificador diferente dos Globos.

Os indicados ao Globo de Ouro serão anunciados dia 15 de dezembro.

 


Crise no Oscar resolvida: Billy Crystal é o apresentador
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Ana Maria Bahiana

Os bons companheiros

 

Depois de muito doce de parte a parte- Academia dizendo que queria trazer novas pessoas, ele dizendo que não tinha tempo disponível- Billy Crystal pos sua capa de super-herói e veio salvar o atribulado Oscar 2012. Pela nona vez na história do prêmio ele será o apresentador da cerimônia – produzida em ritmo de urgência por Brian Grazer e Don Mischer.

Fora o fato de Crystal ter anunciado sua participação no Twitter, sua escolha representa, na verdade, um retorno a tempos mais amenos e clássicos para o Oscar. Não é de hoje que a Academia tenta “modernizar” a festa – os fantasmas de Rob Lowe dançando com a Branca de Neve em  1989 ainda chacoalham correntes pelos corredores do prédio da Wilshire com LaPeer. Mas a lição de cada tentativa parecia passar batido pelas diretorias da organização: com mais de 80 anos de vida a cerimônia tem uma bagagem histórica e emocional que reage muito mal a “modernizações” superficiais.

Este ano o universo ou quem sabe os deuses padroeiros do bom gosto criaram uma crise prévia para evitar o que poderia ter sido o armageddon a cerimônia: um espetáculo com a produção criativa de Brett Ratner e a apresentação de Eddie Murphy.

O nome de Crystal sempre esteve presente ao fundo de toda crise, como uma espécie de desejo secreto dos fãs e dos próprios acadêmicos. A diretoria devia ter prestado mais atenção à ovação estrondosa que Crystal recebeu este ano quando subiu ao palco do Kodak para a homenagem a Bob Hope – outro apresentador que agregava a unanimidade de público e Academia. A sensação, no Kodak e na sala de imprensa, era de alívio _ ah, se ele pudesse ficar ali até o final da noite!

Meses depois, num evento promovido pela American Cinematheque, Crystal confessou que a entusiástica acolhida durante a festa trouxe boas lembranças e acendeu a vontade de voltar ao posto. Mas essas coisas não funcionam quando as pessoas se oferecem _ era melhor que o convite viesse…

Curiosamente, toda essa confusão teve um interessante efeito colateral: tornou os Oscars empolgantes de novo…


Crise no Oscar: Brian Grazer e a busca de um retorno à elegância
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Ana Maria Bahiana

Não, Grazer não levou um susto com o convite; o cabelo dele é assim mesmo.

 

Como se comentava, Brian Grazer, produtor com vasto curículo de sucessos cinematográficos , responsável tanto por Tower Heist quanto por J. Edgar e quatro vezes indicado ao Oscar, acaba de dizer sim à Academia. Grazer vai parceirar com o experiente Don Mischer na difícil tarefa de produzir o complicado evento em pouco mais de três meses.

O posto de apresentador continua, nesta tarde aqui em Los Angeles, em aberto. Um convite da Academia a Billy Crystal já foi recusado ; o igualmente experiente mestre de cerimônias do Oscar disse estar “muito ocupado” em fevereiro para poder aceitar a responsabilidade. Próximo da lista? Neil Patrick Harris, que arrasou quando foi apresentador dos Emmys (onde Mischer era o produtor).

O clima na Academia, esta tarde, foi  descrito como de “pânico e ansiedade”. Não é apenas uma questão de prazo _ é uma questão de percepção. Há anos o Oscar vem procurando uma mudança e um rejuvenescimento que não tem dado muito certo. Isso estava implícito no convite que Tom Sherak, presidente da Academia, fez a Ratner, em agosto: “Você gosta de comédia, sabe como fazer as pessoas darem risada, e nós queremos trazer mais diversão e alegria ao show”.

Ok, deu no que deu, e ninguém está rindo.

Pelo que pude sentir dos acadêmicos de várias alas, conservadores e vanguarda igualmente, é que todos sonham com um retorno à elegancia e à simplicidade, e esperam ver mais respeito e menos gargalhada em torno da cerimônia. “A Academia devia parar de tentar produzir os prêmios da MTV ou o People’s Choice Awards e se concentrar em trazer classe para os Oscars”, disse um deles.

Vamos ver…


Crise no Oscar: sem produtor e sem apresentador, a três meses da festa
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Ana Maria Bahiana

Como era esperado, menos de 24 horas depois da saída de Brett Ratner como produtor dos Oscars 2012, Eddie Murphy entregou à Academia sua carta de demissão do posto de apresentador da cerimônia. Murphy havia sido escolhido pessoalmente por Ratner, seu amigo  e colaborador no recém-lançado filme de ação Tower Heist, e ninguém imaginava que ele fosse continuar como mestre de cerimônias depois da retirada estratégica de Ratner.

A primeira sensação aqui na cidade, pelo que pude julgar, foi de alívio. Muito poucos levavam fé nesta dupla. Ratner é um diretor competente mas de gosto duvidoso, com uma atitude irresponsável de quem, aos 42 anos, ainda age como um adolescente (como confirmaram suas declarações no fim de semana passado). A estrela de Murphy, que brilhou forte nos anos 1980 como um inspirado comediante e agente provocador da cultura black, está há tempos em curva descendente graças a uma série de filmes entre o insosso e o grotesco (Norbit, Dr. Dolittle, A Familia Klump).

O segundo sentimento está sendo um leve pânico _ os Oscars serão entregues dia 26 de fevereiro. Desde ontem a diretoria da Academia está reunida em clima de urgência, em busca de substitutos para ambos. Um nome que anda circulando com insistência é o do produtor Brian Grazer, responsável, entre muitos outros, tanto por Tower Heist quanto por J. Edgar, que estréia aqui na sexta feira.

A Academia ainda tem uma pessoa extremamente capaz ao timão dos Oscars 2012: o co-produtor Don Mischer, que há anos assina os Emmys. Mas Mischer precisa de alguém para dividir a complicada tarefa de pilotar um dos maiores espetáculos ao vivo da TV e a noite que toda a indústria espera ansiosamente, todos os anos.

Quanto a mestres de cerimônias, ninguém sabe. Definido o produtor, o nome pode surgir com maior rapidez.

Mas estamos a pouco mais de três meses da festa….

Amy Adams e Pedro Almodóvar anunciam o Cecil B. De Mille, hoje de manhã

Numa peculiar ironia, a saída de Murphy foi divulgada quase ao mesmo tempo que o anúncio do escolhido para receber o troféu Cecil B. de Mille, por conjunto de obra, os Globos de Ouro: Morgan Freeman.

A trajetória dos Oscars pode estar um caos, mas a dos Globos está absolutamente tranquila…

 

 

Fotos: Magnus Sundholm, Theo Kingma/HFPA


Crise no Oscar: Brett Ratner fala besteira e se demite
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Ana Maria Bahiana

A grande massa de descontentes com a decisão de entregar o comando do Oscar 2012 ao diretor Brett Ratner está respirando aliviada esta tarde: Ratner acaba de se demitir do posto. Brett Ratner é o diretor da franquia A Hora do Rush, e sua indicação para produtor da cerimônia, anunciada em setembro, causou espanto e apreensão na indústria, que duvidava de sua capacidade para conduzir um projeto tão complexo e de tanta visibilidade.

Ninguém precisou dar o chute fatal _ ele mesmo se enforcou com duas entrevistas recentes, parte da promoção de seu novo filme, Tower Heist. Na primeira, parte de uma exibição promovida pela revista Variety,  sexta feira passada, Ratner disse que  não estava prevendo muito ensaio para o evento porque “ensaio é coisa de viado”.

Dois dias depois, Ratner foi ao programa de rádio de Howard Stern e – com certeza com grande incentivo de Stern – fez uma detalhada lista de seus hábitos sexuais, incluindo o tamanho de seus testículos, as proezas de sua língua, como ele obriga suas parceiras sexuais a fazerem um check up com seu médico de confiança e os detalhes de sua “transa com Lindsay Lohan quando ela ainda era garotinha.”

Segunda de manhã já tinha gente na Academia pedindo a cabeça de Ratner. Em troca, ele ofereceu uma desenxabida carta de desculpas. Agora à tarde, aqui em Los Angeles, Ratner finalmente apresentou sua carta de demissão. “Ele fez a coisa certa”, declarou o presidente da Academia, Tom Sherak. “ Palavras tem peso e consequencia. Brett é uma boa pessoa, mas suas palavras são indesculpáveis.”

Um acadêmico teria comentado: “Se Gil Cates (veterano produtor de múltiplos Oscars, falecido recentemente) ouvisse o que ele disse, morria de novo.”

Dúvida: e Eddie Murphy, que entrou na festa via Ratner? Fica ou vai?

Já sabemos a resposta: vai. Hoje (quarta dia 9) pela manhã Murphy pediu demissão do posto, para alívio de muitos.


A vida secreta dos espiões, parte I: a balada de Johnny & Clyde
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Ana Maria Bahiana

Dois filmes sobre o complicado, perigoso e muita vezes torpe ofício de vigiar a vida alheia estarão, em breve, competindo por atenção e prêmios, no auge da temporada-ouro: J. Edgar, de Clint Eastwood, e O Espião Que Sabia Demais, de Tomas Alfredson. São criaturas completamente diferentes ( e uma é muito melhor do que a outra).

Falemos de Clint & Hoover, primeiro.

O problema de trazer para a tela a vida de grandes personagens da história começa sempre com a mesma questão: como sintetizar uma vasta vida em duas horas de filme? J.Edgar, de Clint Eastwood, tem que enfrentar um problema a mais: seu protagonista, John Edgar Hoover, chefe do FBI de 1924 até sua morte em 1972, é uma das figuras mais controvertidas da história recente dos Estados Unidos, e tão repleto de segredos quanto o universo que criou à sua volta.

Um documentário poderia explorar essas múltiplas facetas e investigar as contradições através de  fatos e depoimentos. Um filme de ficção tem, em primeiro lugar, que contar uma história, preencher lacunas com a imaginação e criar artifícios através dos quais nós, na platéia, possamos nos conectar com a trama.

J. Edgar tenta bravamente em todas essa frentes, e triunfa em vários momentos. Leonardo Di Caprio tem um desempenho notável _ seu Hoover é um homem completamente fechado em si mesmo, desconectado de seus sentimentos e emoções, capaz de se relacionar apenas com seu trabalho, uma tarefa que o define e que ele idealiza até o absurdo.

O ótimo roteiro de Dustin Lance Black usa um bom artifício para conduzir a trama: sua narrativa é a autobiografia que Hoover dita em seu escritório a vários rapazes bem apessoados. Isso resolve a questão do ponto de vista: é claro que, aos olhos de J.Edgar, ele é o herói da trama – “precisamos deixar bem claro quem é o herói e quem é o vilão”, ele diz, logo de cara, ao primeiro datilógrafo . Não há dúvidas: deportar os bolcheviques de 1920 é a mesma coisa que chantagear Martin Luther King; o caso do sequestro do bebê do herói nacional Charles Lindbergh só foi resolvido graças à sua intervenção; ele mesmo, arma na mão, deu voz de prisão aos maiores gângsters da década de 1930.

Somos todos heróis de nossas próprias vidas e Hoover, desprovido de outra vida além do que, na sua visão, era a caçada interminável aos inimigos da América, tem grandes planos para si mesmo.

Mas existe a sombra, vista primeiro como um vulto através de uma porta de vidro: o fiel assistente Clyde Tolson (Armie Hammer) que pode ter sido a coisa mais próxima de um afeto que Hoover teve em sua vida. Como reconciliar esse pulsar com suas perseguições de políticos e figuras públicas homossexuais, e o terror de perder o amor de sua mãe (Judi Dench, maravilhosa como sempre), que deixa claro que prefere um filho morto a um filho gay?

Eastwood e Black respondem a questão com cenas em que o não dito fala mais alto que o dito: o primeiro encontro dos dois é exemplar, e envolve um lenço e uma janela. E também, é verdade, com uma certa edição dos fatos : Dorothy Lamour, possível amante de Hoover, é mencionada apenas uma vez, e a foto de Marilyn Monroe pelada sumiu do cenário da casa de J.Edgar, cuidadosamente reproduzida pela notável direção de arte de James Murakami.

O que nem sempre funciona nesse exercício é a pesada maquiagem que procura transformar os rostos de Di Caprio, Hammer e Naomi Watts (como a igualmente fiel secretária Helen Gandy, guardiã dos secredos de Hoover) em suas contrapartidas reais, ao longo dos anos. Quanto mais velhos os personagens estão, mais difícil fica acreditar nas próteses e adereços. É possível que um orçamento restrito – Eastwood gosta de trabalhar com orçamentos modestos para ter mais controle artístico da obra- tenha impedido a manipulação digital que tornaria o envelhecimento mais natural. É pena. O Clyde de Armie Hammer é o menos acreditável, um desafio que o ator tenta resolver como pode. Mas não é o bastante.

A trilha, assinada pelo próprio Eastwood, também não ajuda. Num contraste com a calma e o distanciamento que ele imprime ao filme – e que dificulta a conexão emocional de alguns espectadores- seus harpejos de piano e cordas, as vezes com a adição de um coral, são francamente sentimentais. Em alguns momentos (especialmente no final) a música imprime um tom melodramático que chega a chocar.

No geral, é uma brava empreitada, que deve render indicações, principalmente para Leonardo Di Caprio .

J. Edgar estréia sexta feira dia 11 nos EUA e dia 27 de janeiro no Brasil.


Ausência de favoritos pode ajudar Harry Potter?
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Ana Maria Bahiana

Mais um mês se passou e ainda não apareceram os super-favoritos que, nos anos anteriores, definiam a corrida do ouro. Vocês se lembram, não é? Sangue Negro ou Onde os Fracos Não Tem Vez? Crash ou Brokeback Mountain? Avatar ou Guerra ao Terror? Benjamim Button ou Quem Quer Ser Um Milionário? A Rede Social ou O Discurso do Rei?

Para fãs, isso pode ser um fator empolgante na disputa deste ano. Para os estrategistas, o vazio tem cor e cheiro de oportunidade: a impressão é que, com pouco mais de um mês até as indicações para os Globos de Ouro e 70 dias das indicações para o Oscar, tudo pode acontecer.

Depois de ver alguns títulos que estavam no balaio de possibilidades – mas impedida, por embargos diversos, de dizer algo a respeito, agora – posso adiantar que a lista original encolheu um pouco. Por outro lado, cresce o burburinho em torno de Young Adult – que não vi ainda-,  retorno da dupla Jason Reitman (diretor)- Diablo Cody (roteirista).

A falta de francos favoritos entre as opções de costume – independentes, independentes de luxo e lançamentos “de prestígio” dos estúdios, principalmente dramas, de preferência de época – pode levar a uma interessante resolução: a premiação de quem menos se esperava, em circunstâncias habituais. Quem se lembra de O Silêncio dos Inocentes em 1992? Lançado em fevereiro de 1991, o thriller de Jonathan Demme disparou na última hora exatamente porque seus rivais – Bugsy, JFK, O Príncipe das Marés e A Bela e a Fera (que aliás entrou na lista pelo mesmo motivo) – não tinham aquele “algo mais” que define o franco favorito.

Mais recente e mais adequada como comparação, a vitória de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei em 2004 nasceu exatamente do mesmo impasse, a falta de poder de fogo da competição (Sobre Meninos e Lobos, Encontros e Desencontros, Mestre dos Mares e Seabiscuit-Alma de Herói).

Acho ainda mais interessante que Retorno do Rei tenha levado tanto o Oscar quanto o Globo de Ouro. O corpo votante dos Globos é menor e mais difícil de prever, impulsionado por preferências pessoais e culturais (afinal, somos todos correspondentes estrangeiros…). Já os Oscars e os prêmios das Guildas representam o consenso da indústria, dos colegas, de quem faz os filmes concorrentes. Suas escolhas revelam um tanto do, digamos assim, subconsciente do ofício: o que se faz é uma coisa, o que merece prêmio é outra.

Quando nenhum título das categorias previsíveis – drama, filme de época- tem a capacidade de gerar admiração sem reservas, sobem as chances de filmes que a indústria faz em grande volume mas quase nunca acha que merecem honra especial – thriller, fantasia, sci-fi.

Quem se beneficia este ano? Harry Potter e As Reliquias da Morte, parte II. É, até agora, uma unanimidade inquestionável de crítica, público e, sobretudo, apreciação de seus pares na indústria.  Seria também um modo de reconhecer uma década de trabalho de superior qualidade realizado por uma equipe extremamente talentosa. E, para a platéia, uma supresa gostosa num ano até agora imprevisível.


Minha conversa com Steven Spielberg, parte 2: “Andy Serkis é um gênio.”
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Ana Maria Bahiana

No set com Jamie Bell e Andy Serkis: "Mocap liberta o ator e o diretor"

No capítulo anterior de As Aventuras de Steven Spielberg: O Segredo do Segredo do Licorne, aprendemos como Indiana Jones levou nosso herói até Hergé, e como um bilhão de pessoas viram o nascimento da parceria com Peter Jackson.

Na segunda parte desta conversa – realizada no Hotel George V de Paris, no dia seguinte à estréia mundial de As Aventuras de Tintim : O Segredo do Licorne, no fim de semana passado – Spielberg fala do processo criativo atrás do filme  e conta qual seu tipo favorito de cachorro.

 

Uma vez que você e Peter acertaram a parceria, qual foi o elemento mais complicado de resolver no projeto Tintim?

_Fora a parte financeira? Porque a parte financeira foi muito, muito difícil, principalmente porque queriamos um comprometimento para uma série de no mínimo três filmes, e queríamos roda-los um depois do outro, como Peter tinha feito em Senhor dos Anéis. Isso não foi possível mas, dividindo custos e riscos entre Paramount e Sony nós conseguimos finalmente um compromisso para três filmes, de forma que, enquanto rodávamos o primeiro, já podíamos estar desenvolvendo e fazendo story boards do segundo.

Criativamente, precisamos inventar nosso próprio sistema de trabalho. Com tudo o que o próprio Peter já tinha feito e tudo o que eu mesmo tinha feito como produtor de animação na Amblin e na DreamWorks, ninguém tinha feito algo assim. Fomos aprendemos com 60 animadores incríveis, mais 300 ilustradores e artistas visuais e os três roteiristas, durante dois anos de preparação e três de produção.

Você definiria Tintim como animação?

_ Sim. Ele é 85% animação e 25 % de alguma outra coisa meio mágica que começa com  a captura de performance. É animação, mas é uma outra categoria de animação. O estilo, o traço, a visão de Hergé foi nossa inspiração básica e predominante. Tínhamos grandes ampliações de alguns dos quadrinhos dele – aqueles grandes ambientes que ele desenhava como ninguém – e aquilo nos guiava tanto no planejamento das sequências quando no próprio roteiro.

"O Capitão Hadoque É Andy Serkis"

Você acha que é preciso mais reconhecimento para o trabalho dos atores em filmes de captura de performance?

_Com toda certeza. Para os diretores é uma tecnologia que liberta a imaginação. E para os atores é, com certeza, uma experiência ainda mais libertadora : eles podem ser qualquer coisa, e a tecnologia está inteiramente a serviço do seu talento, do desempenho pessoal, único, de cada um. Não é possível que esta tecnologia substitua os atores _ o que torna esses personagens interessantes é que eles SÃO os atores. Tintim É Jamie Bell. O Capitão Hadoque É Andy Serkis. Aliás: Andy Serkis é um gênio. Não há outra palavra para descrever o controle que ele tem sobre cada nuance de sua performance, e como ele sabe atuar em sintonia com a tecnologia. Ele se transforma. Ele é uma pessoa tranquila, doce, simpática. Mas quando ele se transformava em Hadoque… dava medo! Eu não queria ter que ficar na frente dele num daqueles acessos de fúria…

Tintim e Milu, "o melhor cachorro com quem trabalhei"

E evita problemas como, por exemplo, ter que dirigir um cachorrinho…

_ Milu foi o melhor cachorro com quem já trabalhei. Uma maravilha! Fazia tudo o que pedíamos, nunca tinha crises e saía correndo para seu canil, não pedia biscoitos, não fazia xixi no equipamento… Ele foi inteiramente animado, é claro. Em pequenas coisas assim você pode ver porque estou sorrindo tanto com esta experiência _  porque esta tecnologia é a grande aliada do diretor, o modo mais exato de dar controle completo ao diretor.

Qual seu livro favorito da série Tintim?

_Humm…. Não vou dizer não. Porque quero que seja o terceiro da trilogia e prometi a  Peter que não falaríamos publicamente sobre ele. Nem sobre  o segundo, aliás. Me pergunte daqui a dois anos.

E quanto à reputação de Hergé como racista e anti-semita?

_Eu não faria este filme se comprovasse que ele foi anti-semita. Pesquisei muito e hoje tenho certeza de que não, ele nunca foi anti-semita. É claro que há um de seus livros- Tintin no Congo– que ele mais tarde repudiou, pediu desculpas e que nem eu nem Peter temos a menor intenção de chegar perto. Ele era um ser humano e, como qualquer ser humano, fez erros. Mas nem por isso deixa de ser genial.


Minha conversa com Steven Spielberg: “Às vezes estou na platéia, às vezes atrás da câmera”
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Ana Maria Bahiana

Em 1993 Steven Spielberg pôde mostrar ao mundo os dois lados do seu trabalho: o de mestre do universo pipoca com O Parque dos Dinossauros, e, com A Lista de Schindler o de realizador preocupado com questões de importância em sua vida.

Este ano o fenômeno se repete _ em rápida sequência, as platéias verão o Spielberg pop de As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne e o Spielberg “sério” de Cavalo de Guerra. “São dois pontos de vista”, Spielberg diz numa ensloarada manhã de outono em Paris, depois da dupla estréia internacional de Licorne, em Paris e em Bruxelas. '' No Parque, nos Indiana Jones e em Tintim eu estou sentado na plateia. Em filmes como Schindler, Amistad, Resgate do Soldado Ryan e, agora, Cavalo de Guerra eu estou atrás da câmera e nem estou pensando se alguém vai aparecer para ver o filme.”

Um ponto de vista não é mais importante que outro, Spielberg diz _ apenas diferentes e complementares.

Na primeira parte desta conversa – que se estendeu além dos 20 minutos regulamentares, a pedido do próprio Spielberg- ele fala sobre Hergé, a parceria com Peter Jackson e a importância de ser pai .

Dá para compreender por que você esperou tanto tempo para finalmente realizar Tintim – ainda não existia a tecnologia necessária. Mas por que você nunca desistiu?

_Porque comecei a ter filhos. E pude ver, um após outro, como as histórias de Hergé, que eu tinha começado a colecionar em 1983, tinham o mesmo apelo para eles que para mim. Isso manteve minha fé no trabalho de Hergé.

Mesmo levando em consideração que as crianças mudaram muito nestes  quase 30 anos?

_ Crianças estão sempre abertas para novas experiências. Eles gostam de videogames, certo, mas também gostam de ir ao cinema. E eu também! Aprendi com eles – adoro videogames e continuo apaixonado por cinema…. Acho que há espaço para tudo, hoje…

 

Hergé e Tintim, no Centro de Histórias em Quadrinhos de Bruxelas

Como foi seu primeiro contato com as histórias de Hergé?

_ Quando o primeiro Indiana Jones foi lançado eu não parava de ouvir  e levar comparações com um tal de Tintim, Tintim… Fui ver o que era, comprei meu primeiro livro – As 7 Bolas de Cristal– e me apaixonei instantaneamente. Nem tinha acabado de ler e já estava comprando todos os outros. Em 1983, Hergé e eu conversamos longamente ao telefone. Eu me lembro que fiquei impressionado com o vigor e o entusiasmo na voz dele, ele parecia alguem muito mais jovem…. Combinamos de nos ver em Bruxelas dentro de duas semanas… e jamais nos encontramos, porque ele faleceu antes do nosso encontro… E qual não foi minha supresa, quando estava em Londres filmando Indiana Jones e o Templo da Perdição, de receber uma ligação de Fanny, sua viúva, me convidando para ir a Bruxelas. Passei um fim de semana inesquecível, conhecendo o estúdio de Hergé, tocando os originais de Tintim… eu soube naquele momento que, de um modo ou de outro, um dia eu faria um filme com aquela inspiração…

Dupont e Dupond: no set, Spielberg e Jackson

E como você e Peter Jackson firmaram a parceria que ia tornar isso realidade?

_ Você viu quando eu e Peter nos encontramos pela primeira vez… você e mais um bilhão de pessoas! Foi quando eu entreguei o Oscar a ele por Senhor dos Anéis- O Retorno do Rei. Nossa amizade começou ali… e quando ele me disse que era fã de Tintim, vi logo que ali estava a parceria ideal _ eu tinha ficado impressionadíssimo com o que a WETA tinha feito no Senhor dos Anéis. O que eu não sabia é que, além de talentosíssimo, ele é a pessoa mais interessante que conheci na minha vida, ao mesmo tempo distraidíssimo e super concentrado, inteligente, culto e vivendo num mundo só dele, com um senso de humor super agudo. Em todo o tempo em que trabalhamos juntos, jamais discutimos, jamais divergimos. A maioria de nosso trabalho se dava numa janela de duas horas diárias em nos falávamos pela tela do computador. Eu ficava ansiosíssimo por aquelas duas horas, das três às cinco, horário de LA. Era a hora mais divertida e produtiva do meu dia: duas horas com algumas das mentes mais originais e criativas do mundo discutindo como criar algo novo. Desde ET – que foi minha produção favorita- eu não me divertia tanto.

No próximo capítulo: aventuras em mocap e por que Andy Serkis dá medo.

 

 

 

 

 


Tintim e o Segredo do Licorne: em pleno milênio, a era da inocência
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Ana Maria Bahiana

No cinema Grand Rex, em Paris, transformado numa réplica do galeão Unicórnio (por fora) e um palácio marroquino (por dentro), a apresentadora chamou Milou de Snoopy enquanto VIPs de várias nacionalidades se engalfinhavam pelos melhores lugares e a premiére mundial de Tintim e o Segredo do Licorne, ontem à noite, começava meia hora atrasada.

Mas Steven Spielberg – liderando um time , recém chegado da outra premiere, em Bruxelas, terra natal do herói, que incluía o ator Jamie Bell e a produtora Kathleen Kennedy,  – foi aplaudido entusiasticamente quando subiu ao palco para apresentar o filme e, mais uma vez, quando O Segredo do Licorne terminou. E não foram essas as únicas ovações _ duas sensacionais sequencias de ação (uma envolvendo um avião monomotor e um navio, e outra, uma motocicleta com sidecar, um tanque e uma enchente) foram aplaudidíssimas com o filme ainda na tela.

Spielberg e Milou na estréia em Paris, ontem

Merecidamente: utilizando a motion capture de primeira linha praticada pela Weta do produtor Peter Jackson, Spielberg faz uma justa homenagem à iconografia, ao entusiasmo e ao espírito de aventura da série Tintim. As comparações com Indiana Jones são inevitáveis, e tem algo de verdade: quando Spielberg imaginou Indiana Jones ele estava inspirado em grande parte  por O Homem do Rio, de Philippe de Broca (1964).. que, por sua vez, era um fã apaixonado dos quadrinhos de Hergé. Foi de tanto ouvir as comparações entre os dois – Indy e Tintim- que Spielberg foi à fonte, descobrindo, em primeira mão, o mundo de aventuras internacionais, mensagens cifradas e personagens misteriosos imaginado por Hergé nos anos 1930, 1940 e 1950.

É um mundo perigoso mas inocente _ na tela como nos livros a violência é mais figurativa que explícita, ação e heroísmo são sempre recompensados e vilões, punidos. Em seu filme Spielberg manteve a trama nos anos 1930, simplificando a vida e as ambições de seus personagens; os roteiristas Edgar Wright, Steven Moffat e Joe Cornish  (adaptando três diferentes obras de Hergé) se preocuparam em dar mais dimensão emocional aos personagens que, nas histórias de Hergé, simplesmente impulsionavam a trama.

Desempenhos maravilhosos de todo o elenco – com destaque para a fisicalidade de Jamie Bell como o herói, e Andy Serkis mais uma vez extraordinário como o Capitão Hadoque –  uma apresentação que faz homenagem aos quadrinhos bi-dimensionais (e depois se abre para o 3D, magicamente) e uma aparição carinhosa de Hergé em pessoa completam o charme do filme.

Mas é sobretudo o visual, a transposição 3D do detalhado universo traçado pela ligne claire de Hergé – seu estilo característico, marcado pelo detalhe e pela simplicidade dos traços – que encanta em O Segredo do Licorne. Como numa boa HQ, a narrativa é intensamente plástica, e, curiosamente, intensamente fílmica, com cada plano cuidadosamente pensado, repleto de referências a clássicos da história do cinema (inclusive Tubarão…)

A saga de Tintim, Milou e do Capitão Hadoque em busca da nau perdida do título tem, muitas vezes, conotações de sonho, e as gags  são puramente visuais – a graça está no movimento, no que se vê. É, ao mesmo tempo, um filme pipoca à moda antiga, como nossos pais viam nas matinês do cinema do bairro e, ao mesmo tempo, uma obra milenar da mais alta tecnologia.

As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne está em cartaz na Europa desde 22 de outubro , estréia nos EUA dia 23 de dezembro e, no Brasil, dia 20 de janeiro.