Blog da Ana Maria Bahiana

Os Vingadores: viva a super tropa de elite!
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Ana Maria Bahiana

O desafio de se fazer um filme sobre super-heróis é o mesmo de se fazer um filme sobre contos de fadas ou mitologia de qualquer espécie: tem-se duas opções básicas, e nenhuma das duas é muito fácil. Na opcão 1 leva-se a história absolutamente a sério; na opção 2 pisca-se o olho para a plateia, o tempo tempo, dividindo conosco o absurdo da situação.

Nenhuma opção é melhor do que a outra _ mas ambas são igualmente difíceis, cada qual apresentando um conjunto diferente de problemas. Levar muito a sério arrisca tornar tudo muito chato ou muito ridículo. Não levar a sério arrisca tornar tudo extemamente irritante.

Raro – e muito bom – é o filme que, levando a sério a premissa de gente que voa, atravessa tempo e espaço e é indestrutível, abre espaço para um humor cúmplice com a plateia.

Os Vingadores é um filme assim. A premissa , arriscadíssima, de juntar não um nem dois mas quatro super heróis é parte essencial de um projeto de longa duração da Marvel, iniciada com os filmes individuais de cada um. As permutações das aventuras de Thor, Homem de Ferro, Capitão América e Hulk, individualmente ou como Vingadores, foi cuidadosamente calibrada pelo time liderado pelo chefão da Marvel Studios, Kevin Feige para gerar o que o estúdio define como “uma franquia auto alimentada, em perpetuidade”.

O grande risco é o que se viu nos títulos individuais: o Homem de Ferro ganhou inteligentes interpretações assinadas por Jon Favreau mas os demais…. “irregular” seria um adjetivo cauteloso.

Felizmente os Vingadores ganharam um realizador que, como Favreau, sabe caminhar no arriscado gume entre seriedade e ironia. E por isso o filme é um delicioso exercício escapista, uma bem calibrada fantasia-pipoca que consegue, ao mesmo tempo, abraçar o cânon dos super-heróis, suas super-personalidades, seus super-antagonistas e super-aliados e rir com ela do absurdo de toda a situação.

Fanboys e girls conhecem bem os fundamentos da história: Loki, o irmão-problema de Thor (vivido com arrogância rockstar por Tom Hiddleston) roubou o Cubo Cósmico só para trazer seus amigos alienígenas monstruosos para a Terra e, com isso, dominar os humanos (em um de seus momentos mais geniais, Loki prega a submissão como modo de liberação e dá alfinetas especiais nos alemães, cuja imaginação mítica criou a Asgard de onde ele vem).

À frente de seu serviço ultra secreto, o Shield, Nick Fury (Samuel L.Jackson, sempre a pessoa certa) reune, em regime de urgência, uma tropa de super elite: Thor (Chris Hemsworth), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Capitão América (Chris Evans) e Hulk (Mark Ruffalo), com o apoio da mega agente Natasha Romanoff/Viúva Negra (Scarlett Johansson) e seu parceiro Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) para deter a invasão.

As grandes cenas de ação são convincentes e empolgantes, mas fiquei especialmente bem impressionada com o modo como Whedon soube tratar os super-heróis como personagens de verdade, com personalidades, problemas e desejos, que obviamente se chocam, em proporções épicas, uns com os outros.

Tony Stark/Homem de Ferro ganha as melhores falas (“o que é isso? Shakespeare no parque?”, ele diz quando encontra Thor pela primeira vez). mas gostei muito do modo como Whedon resolveu um dos personagens mais complicados do universo Marvel: Bruce Banner/ Hulk. Escolher Mark Ruffalo para o papel foi o primeiro acerto- Ruffalo tem a delicadeza e a complexidade necessárias para compor o perfil de um homem inteligente e sensível que carrega, literalmente dentro de si, uma arma de destruição em massa. Utilizar mocap para concretizar essa transformação foi o segundo acerto _ monstro e homem estão ligados entre si, completa e profundamente, e seu poder é, ao mesmo tempo, imenso e trágico.

Não tenho a menor dúvida de que Os Vingadores vai ser um enorme sucesso _ e, desta vez, mais que merecido.


Missing, Girls: as garotas só querem se divertir
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Ana Maria Bahiana

A TV sempre foi uma mídia que compreendeu a força da plateia feminina. Em seus primórdios, a ideia de que estava transmitindo para um público feminino cativo – literalmente, em suas casas, enquanto os maridos trabalhavam e etc na rua – deu forma à sua primeira programação. Agora, quando a TV e as mulheres estão em toda parte, a telinha tornou-se um território onde o poder feminino floresce alegremente. No cinema, com raras e preciosas exceções, personagens femininos ainda são acessórios e facilitadores das narrativas dos heróis masculinos. Na TV elas podem ser o que quiserem.

Ashley Judd, por exemplo, aparentemente quer ser uma action hero. Quietamente, a ex-musa indie criou um conjunto de obra com aventuras, perigos, socos e pontapés de dar inveja a qualquer Jason Statham: Beijos Que Matam, Na Teia da Aranha, Crimes em Primeiro Grau, Risco Duplo. Nada mais natural que ela levasse essa inclinação perigosa também para TV, num dos poucos segmentos (a ação) onde as mulheres ainda estão em minoria.

Confesso que quando vi os primeiros três episódios de Missing,  a série  criada por Gregory Poirier (Tesouro Perdido: Livro dos Segredos) produzida e estrelada por Judd (no ar pela ABC desde 15 de março), fiquei mais exausta que empolgada. Judd é Becca Winstone, uma agente da CIA aposentada, que volta à ativa por conta própria quando o filho Michael (Nick Eversman) é sequestrado em Roma. O modelo claro da série é a franquia Bourne: Becca passa a maior parte do tempo correndo e lutando, lutando e correndo, com bandidos, Interpol e a própria CIA se alternando no seu encalço e na sua mira. É estafante.

Num vôo de ambição raríssimo na TV aberta, ela corre e luta por várias locações europeias, mudando de roupa mais que Madonna durante um show. E tem que decidir  – ó céus – entre o marido Sean Bean e o ex-namorado Adriano Giannini, que tem o hábito de pesquisar na internet sem camisa. Não se pode dizer que o visual não é apurado.

Comecei a me interessar mais por Missing quando a série passou a focar o filho sequestrado, e a tecer tramas mais profundas conectadas com o passado de Becca. A história fica mais suculenta, com mais substância além das correrias. E se eu já tinha respeito por Judd por ocupar tão seguramente o espaço da ação em nome das mulheres, depois do seu muito divulgado texto sobre a objetificação do corpo feminino na mídia ela ganhou minha total admiração.

Não há nada de épico em Girls, a nova série produzida por Judd Apatow que a HBO estreou nese domingo, a não ser os épicos fails de sua anti-heroína Hannah, vivida por Lena Dunham (que também escreve, dirige e co-produz a série). A referência imediata – citada claramente no primeiro episódio – é Sex and the City; mas as quatro amigas (Dunham, mais Allison Williams, Jemima Kirke e Zosia Mamet (filha de David Mamet) são muito mais jovens e muitíssimo mais desorientadas do que Carrie e suas companheiras. SATC era sobre ambições, objetivos, aspirações e seus choques com a realidade _ as vezes dolorosos, as vezes hilários. O quarteto de Girls não tem nem ambições a ambições além de um estágio que algum dia venha com algum tipo de salário, pais que possam continuar pagando mesada ao infinito, e não-namorados que possam fornecer sexo quando não se tem nada melhor para fazer.

Quem gostou de Tiny Furniture, o filme indie também escrito, estrelado, produzido e dirigido por Dunham, vai receber melhor o estilo passivo-agressivo de Girls, suas personagens que se julgam com direito a tudo mas não têm energia para correr atrás de coisa alguma. Pessoalmente, admiro em Girls sua franqueza, a candura sem mistérios com que aborda a sexualidade feminina, e sua visão das personagens como pessoas inteiras, e não como “tipos”.

A autocomplacência das personagens, contudo, transborda para toda a estética da série _ e, embora eu queira muito que ela dê certo, não sei se tenho paciência para esperar…


Titanic 3D, 15 anos depois: a nave vai
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Ana Maria Bahiana

Para os obsessivos com SPOILERS:  o navio ainda afunda no final.

Podemos passar ao que interessa, agora? Titanic 3D é sensacional. Não envelheceu nada nestes 15 anos desde o mega-sucesso de sua estreia,o que, em si mesmo, já é um triunfo.

Com a perspectiva do tempo, fica ainda mais claro porque Titanic foi o evento cinematográfico de 1997-1998, porque conseguiu a rara combinação de altíssima bilheteria – quase 2 bilhões de dólares no mundo todo, número top durante 12 anos, só suplantado por outro de James Cameron, Avatar – e aclamação de seus colegas na industria – 14 indicações ao Oscar, 11 estatuetas: porque retomou, por um breve momento, aquilo que só a grande industria de cinema, voltada  para e impulsionada pelo mercado, pode fazer.  Por um breve momento a possibilidade de que os fabulosos pistões a vapor da gigantesca nave hollywoodiana pudessem impulsionar algo ao mesmo tempo inteligente e popular tornou-se verdade. Os ecos de um tempo em que o cinema norte americano era vital e imenso – …E O Vento Levou, westerns, musicais – voaram sobre o mundo (infelizmente acompanhados por Celine Dion. Mas ninguém é perfeito.)

O que talvez a perspectiva do tempo tenha apagado é o fato de que Cameron, trabalhando com o que era, então, o maior orçamento de todos os tempos – 200 milhões de dólares, custeados por dois estúdios e, em grande parte, o próprio Cameron – realizou seu filme debaixo de uma das mais impiedosas salvas de vaia de que me lembro. Não se passava uma semana, aqui em Los Angeles, sem que se lesse ou ouvisse algum comentário garantindo que o diretor era um louco megalomaníaco, que estava jogando dinheiro fora com um projeto fadado ao fracasso, que sua arrogância era igual à dos construtores do navio que o inspirara.

Não duvido nem um pouco que Cameron seja megalomaníaco ou arrogante _ mas temo que, sem esses dois elementos, ele não teria esse extraordinário poder de realizar suas visões , que parecem impossíveis para o resto do mundo.

Parece meio louco pensar assim, mas Cameron tem muito em comum com os pioneiros do cinema: como os Lumiere ou Méliès, Cameron está interessado tanto na narrativa audiovisual quanto na tecnologia que a torna possível. Em sua concepção de narrativa cinematográfica o modo como a história é contada e o hardware necessário para contá-la são igualmente importantes.

Talvez por isso a longa conversão – mais de um ano de trabalho – de Titanic para 3D tenha sido tão bem sucedida. Estou especulando aqui, mas não é demais imaginar que Cameron tenha pensado Titanic em 3D, desde o começo. Sei (porque ele mesmo me contou) que a ideia de um filme tendo como pano de fundo o naufrágio do malsinado navio data de antes de True Lies, de 1994. Assim como a semente do que viria a ser Avatar rolou na sua cabeça durante uma década, a realização do que seria Titanic dependia de dois elementos de hardware: uma expedição de mergulho que tirasse as dúvidas sobre o naufrágio e informasse o estilo visual do filme; e a tecnologia necessária para realizar os efeitos que Cameron tinha em mente.

Não duvido nada que, assim que ele voltou da expedição de mergulho, Cameron pensou seu filme em 3D. Mas como a tecnologia não se desenvolveu com a rapidez que ele queria, teve que achar outras soluções.

E por isso – porque ele compreende o que realmente faz com que uma experiência visual 3D seja interessante – Titanic 3D ocupa cada centímetro da tela com  segurança e  esplendor. Em 3D, a obsessão de Cameron com detalhes é recompensada à máxima potência: o navio emerge das profundezas em toda a sua grandeza, e somos imediatamente envolvidos pelo aspecto mais poderoso do Titanic e  de sua história _ o fato de que ali estava  uma redução impecável do mundo ocidental em 1912,  fadado ao naufrágio de tantos modos diferentes.

Porque a cabine de imprensa, aqui em LA, foi cancelada por motivos técnicos (Cameron deve ter mandado decapitar alguém…) acabei vendo Titanic 3D em IMAX  numa sessão lotadíssima com uma plateia absolutamente diversa em idade, etnia, cultura; muitos deles eram bebês quando Titanic foi lançado; muitos só tinham visto o filme em telas de TV.

Foi um interessantíssimo estudo do poder de diálogo entre um filme  e o público, que se levantou para aplaudir de pé, unanimamente, ao final. Titanic funciona, 15 anos depois, não porque o 3D torna o navio absolutamente real e seu naufrágio, ainda mais medonho – ele funciona porque tem o equilibrio perfeito entre o pequeno e o imenso, o pessoal e o histórico, Jack e Rose , seu romance impossível e as pressões da sociedade à sua volta, condensadas e intensificadas na gloriosa prisão do transatlântico. Porque, no final das contas, não é a história de um navio, mas a história de uma mulher – igualmente a maravilhosa Gloria Stuart e a muito jovem Kate Winslet – e das escolhas que todos fazemos, a cada momento, nas rotas de nossas vidas.

Titanic 3D está em cartaz nos EUA e estreia no Brasil dia 12.


Como Smash se transformou em Glee para adultos
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Ana Maria Bahiana

Vocês estão começando agora a ver Smash, não é? Sinto muito, mas tenho o pior dos spoilers pra vocês: a série vai piorar um bocado, daqui para frente.

Aqui nos EUA Smash está no ar desde 6 de fevereiro e vai até 14 de maio. Por um instante não muito breve esteve ameaçada de cancelamento. Foi renovada de raspão, com o sacrifício de uma cabeça: a da showrunner Theresa Rebeck, roteirista, autora e dramaturga com experiência na Broadway.

A crítica, que abraçou entusiasticamente a série na estréia, está chamando Smash de Glee para adultos (dica: isso não é um elogio…). Depois de uma estréia com 11.4 milhões de espectadores, a audiência despencou mas finalmente estabilizou-se em 7.7 milhões de espectadores; entretanto,  apenas um terço dessa audiência está na cobiçada faixa 18 a 49 anos. É um impasse sério para uma série que começou ambiciosa – os bastidores da Broadway! Grandes números musicais! – e cara – o piloto custou $ 7.5 milhões de dólares, o equivalente à produção de um filme independente.

Para entender o nó da questão de Smash é preciso acompanhar o projeto desde sua origem _é um estudo fascinante de como as mídias se diversificaram e especializaram, e como uma ideia sela seu destino cada vez que escolhe um caminho nas muitas encruzilhadas de seu desenvolvimento.

Smash começou em 2008 como mais uma das ideias ousadas mas complicadas de Steven Spielberg : de olho na Broadway, onde a Disney emplacava um sucesso atrás do outro adaptando filmes para o palco, Spielberg pensou que o caminho oposto poderia ser interessante. Que tal uma série de TV na qual cada episódio fosse a concepção e montagem de um musical? E que tal se cada um desses musicais fosse produzido de verdade, no palco?

Por mais maluca que a proposta pareça ser, uma pessoa acreditou nela – talvez porque seja difícil dizer “não” a Spielberg. Em 2009 Robert Greenblatt, então presidente do canal a cabo premium Showtime, topou ir adiante com o projeto, com alguns ajustes: em vez de um musical por episódio, a série se concentraria nos bastidores de uma grande produção da Broadway, focalizando as vidas, personalidades, desejos e conflitos de quem cria, escreve, compõe, produz e interpreta os musicais. A referência que Greenblatt deu a Speilberg foi, supreendentemente, a série política The West Wing, de Aaron Sorkin: o mesmo olhar sobre as vidas secretas por trás de atos muito públicos.

Quando, em janeiro do ano passado, Greenblatt migrou da Showtime para o posto supremo da rede NBC – perpetuamente enfurnada no quarto lugar entre as quatro grandes e desesperada por sangue e ideias novas – ele resolveu levar Smash consigo. E aí está a raiz do drama da série: TV a cabo, especialmente num canal premium, e TV aberta são modelos financeiros e estéticos tão diversos quanto um filme autoral, independente, e a próxima franquia de super heróis.

Um canal como a Showtime vive exclusivamente para atender o gosto da platéia. É altamente segmentado _ 7.7 milhões seria uma platéia enorme e até um pouco problemática, por ser difícil de entender e atender. Na faixa dos 2, 3 milhões de espectadores o canal tem a liberdade de saber com quem está falando e não depender de anunciantes como fonte de renda. O que Grenblatt temia era que o custo por episódio estivesse acima do bolso do canal – Showtime ainda é a prima pobre da HBO, e não dá para pensar em algo na escala de, digamos, Game of Thrones ou Boardwalk Empire.

Para ter a grande platéia da TV aberta, Smash teria que fazer concessões. Menos bastidores e mais dramas pessoais (Bebês! Casos! Traições! Fofocas! Drinques jogados na cara!). Menos material original – os números musicais da peça em produção, sobre Marilyn Monore, são todos compostos por Michael Shaiman e Scott Wittman – e mais covers de canções conhecidas. Uma aparição de Nick Jonas – cantando, é claro – para atrair a plateia entre 18 e 39 anos (a aparição foi tão forçada quanto aquele Justin Bieber na abertura do Oscar deste ano…).

É nessa encruzilhada que a série se encontra, agora . O episódio da semana passada, com um desesperado número musical “moderno”, vagamente Lady Gaga , valeu como um meta-comentário: na série, o musical está ameaçado e precisa de uma grande estrela popular para salvá-lo; na vida, digamos assim, real, sua ousadia e visão podem estar se mostrando demais para os limites da selva da TV aberta.

Tags : Smash


The Killing, Game of Thrones: o tormento e delícia das segundas temporadas
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Ana Maria Bahiana

 

 

Segundas temporadas , como o segundo ato do roteiro de um longa, são sempre um desafio. Como o segundo ato de um roteiro,  o impacto da novidade já passou, os personagens são conhecidos, suas ações são previsíveis. Algo precisa acontecer de forma ao mesmo tempo surpreendente e coerente, empurrando a narrativa adiante no ritmo certo, sem atropelo mas também sem monotonia. O perfil dos personagens precisa ser aprofundado, as tramas tem que se complicar.

Num filme, o segundo ato pavimenta o caminho para a conclusão, o clímax, a resolução. Na TV, é bem mais complicado. A segunda temporada é , sim, parte do segundo ato de uma série: a grande história que, em tese, está sendo contada temporada após temporada, para ser resolvida (ou não…) no episódio final. Mas isso é apenas parte de algo mais complexo : a estrutura de cada episódio e de cada temporada, cada uma delas impulsionando a história e os personagens de um modo diferente.

Amanhã, domingo, aqui nos EUA, duas séries super cultuadas estarão testando as águas da temporada número 2: The Killing (AMC)  e Game of Thrones (HBO). E os resultados não podiam ser mais diferentes.

Se você, como eu, se sentiu absolutamente ludibriada pelo final da primeira temporada de The Killing, prepare-se para respirar fundo, fazer yoga, tomar ervas, tarjas pretas, seja lá o que for que funciona para você: a segunda temporada NÃO resolve o assassinato de Rosie Larsen. Pior: a roteirista e showrunner Veena Sud teve a cara de pau de anunciar que o crime só será resolvido no FINAL desta segunda temporada, e que os fãs deveriam “aproveitar a jornada”.

Eu não sei o que vocês acham (me contem…) mas para mim isso é abuso: da paciência, inteligência e investimento emocional das espectadoras e espectadores numa série que tinha tudo para ser excelente.

Com todo o seu climão existencial, The Killing é, essencialmente um procedural _ um drama de crime centrado na tentativa de descoberta de quem fez o que , como e por que. Negar à platéia a resolução daquilo que foi usado para prender sua atenção – e desenvolver todos os personagens – cheira a embuste. Há um limite para o número de pistas falsas que um roteirista ou autor pode colocar no caminho de uma espectadora ou leitora sem perder  sua confiança e fé. The Killing aproxima-se rapidamente do limite absoluto.

O que é super, mega pena: a fotografia e a direção (Agnieska Holland no episódio de estréia) continuam de primeríssimo nivel, o desempenho dos atores permanece absolutamente sensacional. A dinâmica entre Mireille Enos e Joel Kinnaman, alterada pelos eventos do final da primeira temporada, está ainda mais interessante, e é um prazer ver como os dois estupendos atores se desincumbem da tarefa).

Mas a insistência em prolongar além do plausível a busca do assassino da adolescente está prejudicando seriamente o que poderia ser uma lufada de ar fresco (e muito chuvoso) na cansada fórmula policial da TV.

 

Falta de tramas é um mal do qual Game of Thrones não padece. Quem leu os primeiros cinco livros da saga A Song of Ice and Fire, de George R.R. Martin, que inspira a série (revelando meu lado super nerd, eu confesso: eu li. Várias vezes.) sabe que o problema para a adaptação não é a falta mas a abundância de tramas, intrigas, personagens.

Além do profundo respeito que a ambição da produção de Game of Thrones me inspira, não cesso de ter admiração pelo trabalho de David Benioff e D.B. Weiss como roteiristas. Nesta temporada, baseada no segundo livro da saga, A Clash of Kings, o universo da série se expande espetacularmente (dica: prestem atenção a cada abertura de episódio – os  lugares naquele maravilhoso mapa/brinquedo mudam de acordo com  o avanço da história por novas terras…) Benioff e Weiss, contudo, mantem a mão firme no leme da narrativa, simplificando, condensando e, em alguns casos, acrescentando elementos que ajudam quem não leu a se envolver e compreender perfeitamente o que está acontecendo.

Se a primeira Game of Thrones nos apresentava a proposta da luta pelo poder, esta segunda complica e amplia a discussão, envolvendo religião, economia e, cada vez mais, desejos e frustrações completamente pessoais na sangrenta disputa pelo trono dos Sete Reinos, muito fragilmente ocupado pelo jovem psicopata Joffrey (Jack Gleeson). É um prato cheio para os atores _ e agora, sem a carismática figura de Sean Bean para centralizar as atenções da platéia, é a vez de Peter Dinklage brilhar plenamente, com seu cada vez mais fascinante Tyrion Lannister instalado no olho do furacão da corte de King’s Landing.

O premiado Dinklage não está sozinho _ esta é uma temporada onde mulheres são essenciais, e a  fabulosa Cersei de Lena Headey encontra excelente companhia na Melisandre de Carice van Houten, a Margaery de Natalie Dormer (que foi Anna Bolena na saudosa The Tudors), a Yara Greyjoy de Gemma Whelan e, sobretudo, Gwendoline Christie como uma das personagens, para mim, mais fascinantes da saga, a guerreira Brienne of Tarth.

A produção é numa escala como não me lembro de ter visto na TV, e a direção e montagem mantem o ritmo preciso entre o revelar e o ocultar, dando tempo para conhecermos os personagens e nos envolvermos com eles.

Um banquete.


Mad Men, quinta temporada: a vida no formigueiro, antes da enchente
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Ana Maria Bahiana

Aviso: como estou falando de uma temporada que só estreia no Brasil mês que vem, há risco de SPOILERS. Tomo todo cuidado para evitar, mas ALGUM elemento tem que ser mencionado, certo?

A primeira vez que vi o episódio de abertura da esperadíssima quinta temporada de Mad Men eu fiquei meio decepcionada. Era como se alguma coisa estivesse faltando, ou não estivesse certa, ou não fosse exatamente como eu lembrava. Mais ou menos como quando você revê um velho amigo depois de uma longa ausência e, embora o calor da amizade ainda esteja lá, alguma coisa parece fora de ordem.

Com pessoas, em geral a estranheza é porque os dois mudaram. Mas quando revi “A Little Kiss”  eu tive uma epifania: Mad Men continuava exatamente o mesmo, eu é que tinha um ano e meio de televisão mais ou menos arquivada nas minhas retinas e no meu cérebro. Um ano e meio de um tipo de narrativa em que rápido é sempre sinônimo de melhor e apenas quando “os riscos são imensos” (jargão para “quando alguém morre , de preferência violentamente”) a história “vale a pena”.

Tinha me esquecido de que podia esperar, na minha (não tão) telinha, o mesmo deleite que me prende na poltrona do cinema quando um grupo de personagens usa bem seu tempo, suas falas, suas presenças para me dizer quem eles são, o que querem e para onde vão.

Don é quarentão. Dick também.

Vendo ''A Little Kiss'' pela terceira vez notei que Matthew Weiner, o criador e showrunner de Mad Men, também tinha levado em consideração o possível estranhamento do público depois de uma pausa de 18 meses entre o apressado, desesperado pedido de casamento de Don Draper para sua secretária Megan, no último episódio da quarta temporada, e o confuso despertar de sua filha Sally no luxuoso novo apartamento do papai, onde paredes vazias e caixas de papelão pelos cantos indicam uma mudança recente.  Uma grande parte das duas horas do episódio de abertura é dedicada a re-apresentar os personagens e a época aos espectadores, trazer-nos de volta ao longínquo (e tão presente, ainda hoje) ano de 1965, e às vidas dos publicitários e secretárias da Sterling Cooper Draper Pryce, seus amigos, famílias e amantes.

E então me lembrei de tudo _ de como Mad Men é sobre o complexo universo emocional e existencial de um grupo de pessoas vivendo seus dias numa época de visceral, violenta mudança, sem saber que todo o mundo à sua volta vai ser virado pelo avesso. São pequenos passos, cada qual minúsculo e imenso ao mesmo tempo.

A poderosa Peggy e sua equipe

Don faz 40 anos. Peggy é líder de um time de criativos e tem um namorado jornalista de “jornais underground” (que delícia!). Roger não tem o que fazer. Peter sonha com um escritório maior, uma piscina e, talvez, a possibilidade de não ser mais quem ele é – o jovem pai de familia bem sucedido enfurnado nos subúrbios. Joan descobre-se, para sua surpresa, uma mulher que ama seu trabalho. Fuma-se maconha na varanda de uma luxuosa cobertura. Há passeatas pelos direitos civis onde só estão “negros, policiais e padres”. Uma banda de iê iê iê anima uma festa.

São pequenos passos num universo imenso, e somos convidados a ver cada um deles de perto, muito de perto, quase como ontomologistas observando um formigueiro onde as formigas tem alma e desejos. E sabendo que em breve haverá uma enchente.

Então está tudo certo _ a excelência em televisão ainda é possível. E mais de três milhões de pessoas concordam comigo.

Tags : mad Men


Jogos Vorazes na tela: bem-vindos a Panem
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Ana Maria Bahiana

Gosto muito da trilogia Jogos Vorazes. Por um milhão de motivos que não cabem aqui tenho especial interesse no que se produz para o público adolescente, em livro, cinema ou TV. Chama a minha atenção, imediatamente, quando um título trata o adolescente como o adulto que ele já é, sem insultar sua inteligência ou menosprezar sua capacidade de compreender as complicações do mundo à sua volta. E é exatamente por isso que tenho especial predileção e carinho pela obra de Suzanne Collins.

Collins garante que a inspiração para sua obra veio de uma noite em que ela viu na TV, em rápida sucessão, jovens competindo num reality show e jovens lutando no Oriente Médio. Mas vejo raízes ou pelo menos paralelos claros entre Jogos Vorazes e outras obras literárias e cinematográficas: o mundo totalitário do livro 1984, de George Orwell; o reality show onde os participantes tem que matar-se mutuamente do filme indie Series 7:The Contenders, de 2001; e principalmente o japonês Battle Royale, de Kinji Fukasaku onde, num Japão dilacerado do futuro, adolescentes são anualmente encerrados numa ilha e obrigados a combater até a morte. Lançado em 2000, Battle Royale provocou tamanha controvérsia no Japão e em vários outros países que sua exibição foi suspensa ou mesmo vetada (para felicidade dos cinéfilos, Battle Royale acaba de ser lançado em DVD/Blu-ray. Vale conferir.)

Quem, como eu, gosta dos livros, não vai se decepcionar com o filme de Gary Ross, que estreia no EUA, no Brasil e no mundo nesta sexta feira, dia 23. Com todas as dificuldades que fazem parte do processo de adaptar uma obra literária para a tela, Jogos Vorazes é um dos filmes mais fiéis ao texto original desde, pelo menos, Onde os Fracos Não tem Vez, dos irmãos Coen, em 2007.

O que, em si só, não é pouca coisa. Para quem passou os últimos dois anos em Marte: Jogos Vorazes (e seus dois livros seguintes), passa-se num futuro não muito distante, em Panem, o país totalitário que restou da América do Norte depois de uma série de desastes ecológicos e guerras civis. O governo, ditatorial e riquíssimo, controla uma população mantida em estado perpétuo de carência e fome. E, todos os anos os “tributos”, dois jovens de cada um dos 12 distritos de Panem, são escolhidos por sorteio para lutarem entre si até a morte, diante das câmeras de um reality show assistido em todo o país _ os Jogos Vorazes do título.

Um dos principais desafios do livro de Suzanne Collins é sua narrativa na primeira pessoa. O leitor só sabe o que a heroína Katniss Everdeen – um dos “tributos”  do paupérrimo Distrito 12 – sabe, só vê o que ela vê, só sente e percebe as emoções dos outros à sua volta pelo prisma de seus sentimentos e emoções. Num filme  que, além de outras coisas, espera atrair para o cinema pessoas que não leram e não conhecem o livro, isso é um problemão _ é preciso achar um modo de explicar e contextualizar um monte de coisas que impulsionam e justificam a ação.

O roteiro – da própria Suzanne Collins com Ross e  Billy Ray (A Guerra de Hart, Intrigas de Estado) – resolve perfeitamente a questão, tomando pequenas mas eficientes liberdades. Não estamos mais, como no livro, dentro da cabeça de Katniss, mas o seu ponto de vista é o que impera. E Jennifer Lawrence, que praticamente fez uma prévia do papel em outra sobrevivente indômita, a Ree de Inverno da Alma, é mesmo a escolha perfeita para viver Katniss.

Ross (Seabiscuit, Pleasantville)  imprime ao roteiro um ritmo perfeito, abrindo espaços para o contexto do medonho mundo de Panem, com pequenos mas importantes detalhes adicionais como (SPOILER !) uma sequência de insurreição filmada, em segunda unidade, por seu amigo Steve Soderbergh. É um modo de  deixar claros, com este e outros detalhes, os elementos que levarão a história mais adiante.

Os 80 milhões de dólares do orçamento parecem muito comparados com filmes independentes, mas na verdade são um custo modesto para uma produção com esta amplitude. E olhos espertos poderão notar que, embora a direção de arte seja impecável, informada tanto pelos Estados Unidos da Grande Depressão dos anos 1930 quanto pela França totalitária e dividida de Luis XVI e Maria Antonieta, os efeitos digitais flertam com o desapontamento. Talvez por isso não fiquem muito tempo na tela _ porque um pouco mais de tempo e eles não segurariam o impacto.

Como no texto de Collins, a violência de Jogos Vorazes nunca é gratuita ou sem consequências. A simples existência da violência na história é um comentário sobre seu uso perverso como instrumento de opressão. Ao sadismo de uma sociedade entusiasmada pelo espetáculo de jovens se matando o filme, como o livro, propõe a dignidade da caçadora Katniss, que sabe o valor da vida porque, diariamente, precisa decidir sobre ela _ matar o animal na floresta ou permitir que sua familia morra de fome?

Ross abrandou a violência em Jogos Vorazes, colocando alguns momentos mais sangrentos fora da câmera e detendo-se o mais breve e delicadamente possível sobre algumas mortes essenciais. Violência não é diversão, seu filme diz. Violência tem um custo e um peso.

Onde tenho mais respeito e admiração pelo trabalho de Ross é por isso, por sua integridade em manter o compromisso do livro com  temas complicados e espinhosos: o poder do indivíduo e da consciência, a violência institucionalizada como método de controle, o interminável sacrifício da juventude no altar do jogo de poder.

São ideias que se encontram também nas obras que citei lá em cima, mas a oportunidade e a precisão com que elas foram expressas por Collins em seus livros explica porque eles se tornaram um sucesso tão imenso _ porque num mundo em que adolescentes são exterminados diariamente em guerras, atentados, tiroteios, na miséria, no abandono, recrutados como bombas humanas, aviões do narcotráfico, vítimas de guerras civis, enfiados em escolas sem professores, familias fraturadas, cidades doentes, a história de Katniss e seus companheiros de mortandade de Jogos Vorazes faz muito sentido, real e imediato.

 


Como o realismo (e o baixo astral) acabaram com Luck
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Ana Maria Bahiana

É extremamente raro eu comentar uma série e , no post seguinte, ter que tecer considerações sobre seu cancelamento.

Mas este é o destino da ironicamente intitulada Luck, que tanto me empolgou em sua primeira temporada. E que, por motivos que exploramos a seguir, foi suspensa no meio das filmagens do que seria a segunda temporada.

A morte de um terceiro cavalo foi o estopim do cancelamento, mas os problemas da série vem de antes, e nem todos envolvem quadrúpedes. Desde a filmagem do primeiro episódio – que foi ao ar nos EUA, como uma preview/ teste em dezembro – pessoas ligadas à produção me diziam que havia uma tensão palpável e muitas vezes explosiva entre o criador David Milch e o produtor Michael Mann. Milch tem a reputação de ser temperamental, teimoso e arrogante _ uma combinação que não é incomum na indústria, mas nem por isso torna as coisas mais fáceis.

David Milch, Dustin Hoffman e Michael Mann na estréia de Luck, em Los Angeles

Dustin Hoffman –que, além de protagonista, também é produtor de Luck – ficava de fiel da balança,  ponto de equilíbrio. Hoffman é queridíssimo por colegas atores e técnicos da equipe, que muitas vezes sofriam com o pavio curtíssimo de Milch. Antes da morte do terceiro cavalo, durante as filmagens desta semana, já havia um clima de quase guerra no set, entre Milch e  Mann, e entre Milch e a equipe. Parte do acordo do showrunner com a HBO incluia a previsão de que ele dirigisse episódios no caso de haver uma segunda temporada. Milch, me contam minhas fontes, não tem a paciência necessária para lidar com os imprevistos, prazos apertados e mudanças rápidas que são comuns numa produção. Muito antes do cavalo sofrer a bizarra queda que levou ao seu sacrifício, Milch já havia demitido pessoas chave da equipe, criado animosidades irrecuperáveis e, num incidente reportado pelo Los Angeles Times, ameaçado Michael Mann com um bastão de beisebol.

O baixo astral da morte dos dois primeiros animais em curto espaço de tempo já era uma nuvem desconfortável pesando sobre a produção. “Eu mesmo fiquei na dúvida se poderíamos ou mesmo deveríamos ir em frente”, Hoffman me disse numa entrevista quando a segunda temporada começava a ser filmada. “A morte dos dois cavalos foi muito triste. Ninguém gosta de sacrificar um animal, ainda mais esses que considerávamos como colegas de elenco.”

Os dois acidentes, ocorridos durante a filmagem de cenas de corrida, fizeram com que a Humane Society, que monitora o tratamento de animais no cinema e TV, retirasse seu endosso a Luck durante vários episódios. A PETA, mais vocal ativista dos direitos dos animais, vinha liderando protestos contra a série desde então, alegando que os cavalos usados não tinham mais idade ou condições físicas de participar das árduas cenas de páreos, principalmente porque, como em todo projeto, as tomadas precisavam ser repetidas várias vezes.

Tanto a Humane Society quanto a PETA haviam sugerido à produção que usasse material documental, filmado durante verdadeiras corridas de cavalos e /ou efeitos digitais. Milch, contudo, insistia no realismo das tomadas, feitas exclusivamente com cavalos recrutados nos serviços que alugam animais para cinema e TV.

Some-se tudo isso a críticas divididas e audiência baixa, e temos  a sentença de morte de Luck.

Ainda bem que Mad Men não tem cavalos. Ou David Milch.