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Missing, Girls: as garotas só querem se divertir
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Ana Maria Bahiana

A TV sempre foi uma mídia que compreendeu a força da plateia feminina. Em seus primórdios, a ideia de que estava transmitindo para um público feminino cativo – literalmente, em suas casas, enquanto os maridos trabalhavam e etc na rua – deu forma à sua primeira programação. Agora, quando a TV e as mulheres estão em toda parte, a telinha tornou-se um território onde o poder feminino floresce alegremente. No cinema, com raras e preciosas exceções, personagens femininos ainda são acessórios e facilitadores das narrativas dos heróis masculinos. Na TV elas podem ser o que quiserem.

Ashley Judd, por exemplo, aparentemente quer ser uma action hero. Quietamente, a ex-musa indie criou um conjunto de obra com aventuras, perigos, socos e pontapés de dar inveja a qualquer Jason Statham: Beijos Que Matam, Na Teia da Aranha, Crimes em Primeiro Grau, Risco Duplo. Nada mais natural que ela levasse essa inclinação perigosa também para TV, num dos poucos segmentos (a ação) onde as mulheres ainda estão em minoria.

Confesso que quando vi os primeiros três episódios de Missing,  a série  criada por Gregory Poirier (Tesouro Perdido: Livro dos Segredos) produzida e estrelada por Judd (no ar pela ABC desde 15 de março), fiquei mais exausta que empolgada. Judd é Becca Winstone, uma agente da CIA aposentada, que volta à ativa por conta própria quando o filho Michael (Nick Eversman) é sequestrado em Roma. O modelo claro da série é a franquia Bourne: Becca passa a maior parte do tempo correndo e lutando, lutando e correndo, com bandidos, Interpol e a própria CIA se alternando no seu encalço e na sua mira. É estafante.

Num vôo de ambição raríssimo na TV aberta, ela corre e luta por várias locações europeias, mudando de roupa mais que Madonna durante um show. E tem que decidir  – ó céus – entre o marido Sean Bean e o ex-namorado Adriano Giannini, que tem o hábito de pesquisar na internet sem camisa. Não se pode dizer que o visual não é apurado.

Comecei a me interessar mais por Missing quando a série passou a focar o filho sequestrado, e a tecer tramas mais profundas conectadas com o passado de Becca. A história fica mais suculenta, com mais substância além das correrias. E se eu já tinha respeito por Judd por ocupar tão seguramente o espaço da ação em nome das mulheres, depois do seu muito divulgado texto sobre a objetificação do corpo feminino na mídia ela ganhou minha total admiração.

Não há nada de épico em Girls, a nova série produzida por Judd Apatow que a HBO estreou nese domingo, a não ser os épicos fails de sua anti-heroína Hannah, vivida por Lena Dunham (que também escreve, dirige e co-produz a série). A referência imediata – citada claramente no primeiro episódio – é Sex and the City; mas as quatro amigas (Dunham, mais Allison Williams, Jemima Kirke e Zosia Mamet (filha de David Mamet) são muito mais jovens e muitíssimo mais desorientadas do que Carrie e suas companheiras. SATC era sobre ambições, objetivos, aspirações e seus choques com a realidade _ as vezes dolorosos, as vezes hilários. O quarteto de Girls não tem nem ambições a ambições além de um estágio que algum dia venha com algum tipo de salário, pais que possam continuar pagando mesada ao infinito, e não-namorados que possam fornecer sexo quando não se tem nada melhor para fazer.

Quem gostou de Tiny Furniture, o filme indie também escrito, estrelado, produzido e dirigido por Dunham, vai receber melhor o estilo passivo-agressivo de Girls, suas personagens que se julgam com direito a tudo mas não têm energia para correr atrás de coisa alguma. Pessoalmente, admiro em Girls sua franqueza, a candura sem mistérios com que aborda a sexualidade feminina, e sua visão das personagens como pessoas inteiras, e não como “tipos”.

A autocomplacência das personagens, contudo, transborda para toda a estética da série _ e, embora eu queira muito que ela dê certo, não sei se tenho paciência para esperar…


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