Blog da Ana Maria Bahiana

Todo aquele jazz: O Grande Gatsby, sonho de uma tarde de verão de Baz Luhrmann
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Ana Maria Bahiana

Depois de ler as críticas negativas, mordazes ou simplesmente furiosas, dos colegas norte-americanos, fiquei positivamente intrigada: será que eles viram o mesmo Grande Gatsby que eu vi? Porque embora não seja o filme mais sensacional do ano (esse ainda não apareceu, mas tenho fé em Cannes…) ele não é de jeito nenhum o horror que os críticos americanos estão desenhando.

Pensando bem, acho que compreendo a reação local. Em primeiro lugar, a obra de F. Scott Fizgerald é um monstro sagrado da literatura norte-americana, lida desde o ginásio, entranhada profundamente na cultura do país. Em segundo lugar, nenhuma das três adaptações anteriores – em 1926, 1949 e a que todos os críticos recordam como um monumento de chatura, em 1974 (escrita por Coppola, dirigida por Jack Clayton, estrelada por Robert Redford) –foi bem sucedida, criando a fama de “obra inadaptável”.

Há dois modos de se tratar um monstro sagrado de má reputação: com extrema cautela e reverência, ou com ousadia e risco. Eu fico muito feliz que Baz Luhrmann, que não é americano (como aliás não eram dois dos três diretores anteriores…) tenha, ao contrário  de seus antecessores, escolhido a segunda opção. Se reverência não deu certo, por que não tentar a irreverência?

Neste momento é bom notar que irreverência não significa  necessariamente falta de respeito. Luhrmann e seu roteirista Craig Pearce (seu colaborador em Vem Dançar Comigo, Romeu +Julieta e Moulin Rouge!) têm tamanha paixão pelo texto original que o colocam literalmente como um elemento de cena. É um grafismo repleto de amor que muitos críticos aqui consideraram “ridículo”, mas que funciona de um modo especialmente dramático, porque Gatsby é, desde o livro, uma história contada por alguém que acaba se tornando escritor por acaso – Nick Carraway, o alter ego de Fitzgerald, vivido no filme, na medida exata, por Tobey Maguire. Aqui as palavras têm, portanto, tanta importância quanto em, digamos, As Mil e Uma Noites. O conto é a pessoa que o conta.

As “liberdades” que Luhrmann tomou com a obra foram essencialmente duas: mudar o recurso narrativo que emoldura a história e praticar seu habitual anacronismo consciente na trilha sonora e na estética do filme.

A primeira não me pareceu nem necessária, nem oportuna. Luhrmann colocou Nick Carraway num sanatório, escrevendo um diário terapêutico sobre seu verão de excessos em Long island, 1922. Não consigo ver como isso adicionou ou iluminou alguma coisa no já complexo e luminoso texto de Fitzgerald.

A segunda é uma delícia, e onde a irreverência de Luhrmann se revela com mais energia e genialidade. Ao alinhavar hip hop e charleston, jazz e pop, mover sua câmera nervosamente (em impecável 3 D, que usa amplamente os recursos dramáticos da terceira dimensão) e montar ao ritmo das emoções, Luhrmann traduziu, para mim, a intensidade dos anos 1920, a embriaguez de um capitalismo absolutamente selvagem, energizado por dinheiro fácil, cocaína, álcool proibido mas abundante, lei e fora da lei se confundindo num abraço positivamente erótico.

Com esse turbilhão em volta, é mais fácil compreender as três ilhas de quietude no centro do furacão, cada uma delas aprisionada, e portanto imóvel, pelas escolhas que fez: Nick, o narrador passivo que pode não estar entendendo nada ou pode estar entendendo mais do que admite (o conto é a pessoa que o conta…). Seu vizinho Gatsby (Leonardo Di Caprio, absolutamente sensacional), o jovem  novo-milionário de passado misterioso, um personagem numa história que ele mesmo criou; e Daisy (Carey Mulligan, perfeita), a moça de alta sociedade que é a obsessão dele.

O gosto de Luhrmann é extremo e, sim, dependendo do ponto de vista, pode flertar com o mau gosto. Mas o mundo de Gatsby é um mundo de excesso, de vulgaridade, e as escolhas de Luhrmann só fazem acentuar este delírio do consumo extremo, claramente informado pela outra crise da bolsa norte-americana, a de 2008.

Quando, a partir do segundo ato, Luhrmann acalma sua narrativa, revela-se a outra turbina de Gatsby : seus extraordinários atores. DiCaprio em especial está absolutamente no controle de sua persona e de seu personagem, enchendo a tela com a mistura de carisma e fragilidade que é a assinatura do verdadeiro movie star.

Uma gratíssima supresa é Joel Edgerton como Tom, o marido sangue-azul de Daisy, um papel que passou por Ben Affleck e Bradley Cooper até chegar a ele. Ainda bem: a truculência que Edgerton usou de forma tão literal em Guerreiro e A Hora Mais Escura traduz-se aqui em uma ameaça mais sutil e talvez ainda mais potente, o poder do dinheiro antigo, da arrogância dos bem-nascidos, a atitude de dono de tudo e de todos.

O desempenho de Carey Mulligan é exemplar: sua Daisy não é inteiramente uma pessoa de carne e osso, mas o produto da fantasia dos homens à  sua volta- Gatsby, obcecado por ela; Tom, que se considera seu dono; e Nick, que conta a história e, portanto, tem o poder de editar seus próprios sentimentos. Luhrmann dá a dica logo na primeira cena de Daisy: ela emerge, diáfana, uma mão, um braço, um suspiro entre as cortinas esvoaçantes, o sonho de uma tarde de verão.

 O Grande Gatsby está em cartaz nos Estados Unidos, abre hoje o Festival de Cannes e estréia no Brasil dia 7 de junho.

 

 

 

 


Este é, possivelmente, o filme mais interessante de Cannes 2013
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Ana Maria Bahiana

The Congress,de Ari Folman, explica o que o realizador de Valsa Com Bashir esteve fazendo nos últimos quatro anos e meio: é mais uma engenhosa, perturbadora, maravilhosa colagem/colisão de animação e ao vivo, atacando com unhas, dentes e coração mais um tema que só vale a pena ser visto por todos os lados. No caso, o poder de criar mitos e o que fazemos com ele. Elenco de sonho: Robin Wright, Jon Hamm, Harvey Keitel, Paul Giamatti. Está estreando mundialmente na Quinzena dos Realizadores em Cannes. E já é, oficialmente, o filme da Croisette que mais quero ver.

 


Bem-vindo de volta, Jack Bauer
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Ana Maria Bahiana

No meio da habitual chacina do mês de Maio, uma notícia pelo menos inusitada _ 24  Horas vai voltar. Condensada (o que equivale a um upgrade na TV aberta) em 12 episódios no que a Fox caracteriza como uma “edição limitada” da série, 24 Horas vai estrear em Maio de 2014 com o título 24: Live Another Day.

Quatro coisas interessantes sobre a volta de Jack Bauer:

  1.  A  Fox acaba de cancelar Touch, série que deveria ter mostrado o “lado suave “ de Kiefer Sutherland como pai de um menino autista com poderes extraordinários. Parece que o público prefere mesmo o Sutherland não-suave.
  2. Howard Gordon, que saiu de 24 Horas para tocar Homeland, vai voltar como showrunner de Live Another Day.
  3. A nova série nasceu do impasse gerado pelo projeto de filme baseado em 24 Horas. Como sempre nos dias de hoje,  os co-produtores (Fox e Imagine) não conseguiram chegar a um acordo quanto ao orçamento… Reconfigurado, o roteiro do que viria ser o filme será Live Another Day, a série.
  4. A série “edição limitada” , uma espécie de mini-série que tomou anabolizantes, está se tornando uma opção interessante especialmente na TV aberta e nas emissoras por assinatura não–premium. É uma forma de dar um upgrade nos valores de produção sem ter que gastar (muito) mais. Só a Fox tem, no forno, as “séries edição limitada” Wayward Pines, de M. Night Shyamalan, com Matt Dillon; Blood Brothers, de um dos produtores de Band of Brothers, da HBO; Shogun, mais uma versão do best seller; e The People vs O. J. Simpson, sobre o famoso caso que abalou Los Angeles na década de 90.

Bem-vindos à quarta temporada de Walking Dead
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Ana Maria Bahiana

Oi, Rick, tem alguém atrás de você: primeira imagem liberada da quarta temporada de The Walking Dead

Neste momento elenco e equipe de The Walking Dead estão na Georgia, nos arredores de Atlanta, filmando a quarta temporada da série: 16 episódios que estreiam em outubro, aqui. Primeira temporada com o novo showrunner, Scott Gimple, que substitui Glen Mazzara, que por sua vez substituiu o criador da série, Frank Darabont.

Confusos? A produtora Gale Ann Hurd – que permanece à frente da série desde o começo — me deu sua visão da coisa, alguns dias atrás: ''Essas coisas acontecem em todos os projetos – a diferença é que nós mantemos sempre  tudo dentro de casa. Glen e Scott trabalharam juntos durante muito tempo, e ambos fazem parte da primeira equipe reunida por Frank Darabont, que é um grande e velho amigo meu. Scott escreveu alguns dos episódios mais importantes da série — Clear, Pretty Much Dead Already, 18 Miles Out— e tenho certeza que ele compreende profundamente o espírito do material.''

Veremos em outubro.


Gravidade, de Alfonso Cuarón, ganha primeiro trailer
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Ana Maria Bahiana

Porque eu gosto de Alfonso Cuarón: porque seu cinema é essencialmente humanista, centrado nos personagens e em sua humanidade; porque ele tem uma estética rigorosa e flexível, adaptada aos gêneros que escolhe; porque, como Neil Blomkamp e Brandon Cronenberg (vocês viram Antiviral? Vale a pena…) ele pensa a ficção científica menos como espetáculo anestesiante e mais como reflexão provocadora.

Tudo se comprova neste primeiro trailer de Gravidade: Náufrago e Open Water no espaço, com implicações que já me fazem pensar. Curiosamente há um paralelo tremendo com All Is Lost, o filme de J.C. Chandor (Margin Call) que está em Cannes. Humm… está ficando cada vez melhor.

Gravidade estréia aqui dia 4 de outubro e no Brasil dia 11 de outubro.


Ecos da reunião da Academia: o que esperar
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Ana Maria Bahiana

A cúpula do futuro museu da Academia, na maquete dos arquitetos Renzo Piano e Zoltan Pali.

A famosa e inédita reunião de todos os integrantes da Academia foi, pelo visto, apenas o começo de uma leva de atividades e possíveis mudanças (digo possíveis porque a Academia é um bicho que se movimenta de-va-gar….)

Eis o que esperar no futuro imediato:

  •  A manutenção do esquema de cinco a dez indicações para melhor filme. A diretoria da Academia considera essa alteração um grande sucesso e, me disse um acadêmico, “a chave para a maior popularidade dos Oscars”.
  • Mais mudanças na escolha do Melhor Filme Estrangeiro e, possivelmente, Documentários. A ideia, que ninguém ousa dizer alto, é abrir o processo de indicação dessas duas categorias para todos os votantes, acabando com os comitês. Ninguém acredita que isso vá se dar este ano, talvez nem no ano que vem, mas o fato do processo admitir, agora, o envio de DVDs e a possibilidade de ver os indicados em qualquer cinema já é  indicador de mudanças nessa direção.
  • Em breve os quase seis mil acadêmicos receberão um longo questionário sobre o desempenho, a governança e os objetivos da Academia e do Oscar. Muitas decisões serão tomadas a partir dessas respostas.
  • A Academia espera que seu  museu seja auto-sustentável. Ou seja, esperem iniciativas comerciais lá dentro (gift shops, eventos, etc). Uma grande e esperada fonte de renda serão as três salas de exibição que serão construídas dentro da “cúpula” anexa ao prédio da May Company, que será inteiramente reformado. A Academia quer tornar as salas do museu o ponto principal para premières e grandes festas da indústria. As obras começam ano que vem, com a inauguração prevista para 2017.
  • A diretoria da Academia considerou o Oscar 2013 “um enorme sucesso”, mas nem todos os membros concordam. Muita gente está resmungando bem alto com a rápida escolha dos mesmos produtores – Craig Zadan e Neil Meron – para a festa de 2014. “Deveria ter havido algum tempo para reflexão”, me confessou uma acadêmica.

Scorsese rompe o Silêncio, com Andrew Garfield
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Ana Maria Bahiana

Depois de mais de duas décadas tentando trazer para a tela uma adaptação de O Silêncio, de Shusako Endo, Martin Scorsese finalmente conseguiu dar partida no projeto: Andrew Garfield será o protagonista, o jesuíta Padre  Sebastião Rodrigues, que chega ao Japão em 1638 com a missão de investigar os fatos em torno de seu predecessor e mentor, o Padre  Cristóvão Ferreira, que teria abandonado a batina e a igreja e se casado com uma japonesa. Ken Watanabe e Issei Ogata completam o elenco,  e o roteiro é de um velho colaborador de Sorsese, Jay Cocks. A busca de locações já começou e as filmagens estão planejadas para o início de 2014.

Silêncio é um projeto profundamente pessoal de Scorsese que, na juventude, considerou seriamente se tornar padre. Ele completa uma trilogia de indagação filosófica sobre a natureza da fé, iniciada com A Última Tentação de Cristo e continuada com Kundun. E aí está todo o problema de Silêncio: os projetos que Scorsese consegue financiar com facilidade são sempre os dramas policiais que a plateia mais facilmente associa com seu nome. Cristo e Kundun passaram pelos mesmos apuros, que se tornaram ainda maiores neste momento em que apenas filmes seguramente comerciais ou de baixo orçamento conseguem recursos. Foram precisos os recursos do próprio Scorsese, mais os da produtora belga Corsan Films, mais as produtoras de Irwin Winkler, Vittorio Cecci Gori e George Furla para dar o pontapé inicial – o restante do orçamento será levantado no mercado de Cannes, que acontece durante o festival.

O Silêncio já foi levado à tela uma vez, em 1971, por Masahiro Shinoda. Em novembro deste ano estreia The Wolf of Wall Street, a mais nova colaboração de Scorsese com Leonardo Di Caprio.


O que significa a mudança nas regras do voto do Oscar 2014
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Ana Maria Bahiana

Michael Haneke, Oscar de filme estrangeiro em 2013. Como será ano que vem?

Uma mudança importante nas regras de escolha do Oscar, anunciada hoje na tão antecipada reunião de todos os membros da Academia, pode alterar, e muito, os resultados das categorias documentários, curtas e filme estrangeiro.

Pela primeira vez em sua história, a Academia vai permitir que todos os quase 6 mil acadêmicos em atividade votem em todas as  24 categorias, na fase final das escolhas. Mas já não era assim? Não. Para votar em documentários, curtas e filme estrangeiro os acadêmicos precisavam , primeiro,  ver o filme no cinema da Academia ou numa das salas pré-qualificadas,  e assinar um “livro de presença”. Agora – e abrindo um precedente inédito e importante – a Academia liberou o voto para todo mundo, sem ficha de ponto, e podendo ver os filmes em cinemas comerciais ou através de DVDs/ Blu Rays.

Parece coisa pequena, numa era em que muitos de nós, na plateia, no meio ou na imprensa, assistimos filmes de mil modos diferentes – em computadores, tablets, telefones – em lugares e horas diferentes. Os Globos de Ouro, por exemplo, sempre aceitaram  a submissão em DVD e cinema comercial em todas as categorias. E, este ano, acabamos de aprovar a exibição online ou através de plataformas móveis, imediatamente qualificando as séries e filmes originais da Netflix,  DirecTV , Amazon e semelhantes.

Mas, para a Academia, que se move lentamente, possibilitar esse acesso é uma mudança imensa, que vai ter um impacto imediato sobre categorias –principalmente documentários e filmes estrangeiros — cujas escolhas frequentemente despertam controvérsias no pior sentido possível. Um grupo infinitamente maior de acadêmicos vai, agora, escolher os Oscars nessas categorias , expressado mais claramente a tendência de gosto e preferência dessa enorme massa de votantes.

Claro que isso também significa que as mesmas questões que  pairam sobre as demais categorias — será que todos os filmes vão mesmo ser vistos? Qual será a incidência do voto de orelhada, por influência, por troca de favor?- vão afetar os filmes estrangeiros, curtas e documentários… Mas até nisso vamos ver, pela primeira vez, uma unificação maior do modo de pensar e escolher de toda a Academia.

Certo, as indicações vão continuar nas mãos dos comitês de curtas, documentários e filme estrangeiro… Mas… prevejo mudanças aí também… Fiquemos na escuta…