Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : maio 2013

Continuação de Blade Runner ganha embalo: isso é bom ou ruim?
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Ana Maria Bahiana

Esta é o tipo da noíicia que não sei se lamento ou comemoro. Talvez a gente deva fazer as duas coisas…

Para comemorar: o projeto de uma continuação de Blade Runner,  que está em ritmo de vai e vem faz tempo, acaba de tomar embalo com a contratação do roteirista Michael Green para trabalhar o roteiro original, de 1982, escrito por Hampton Fancher. Na época, Ridley Scott e Fancher haviam pensado Blade Runner como uma trilogia, expandindo os personagens e tramas de Do Androids Dream of Electric Sheep?, a obra de Philip K. Dick que inspirou o  filme.

E agora começa a parte em que a gente, se não lamenta, pelo menos fica de orelha em pé: Michael Green é o autor, entre outros, dos seguintes roteiros – Lanterna Verde, e, na TV,  Heroes (da fase final…) e o hilariamente ruim The River, cancelado depois de uma temporada, com toda justiça.

Pausa enquanto Philip K. Dick mandar raios e trovões do Além.

Não quero ficar desconfiada, em princípio, do projeto de uma sequel. Acho, para começar, espetacularmente irônico, considerando a via crucis do primeiro filme, as brigas de Ridley Scott e Harrison Ford com a Warner, a primeira versão colocada nas telas de qualquer jeito, montada pelo pessoal da distribuição, o massacre da crítica… Este é o poder do público: descobrir, entender e abraçar um filme, transformando-o em algo tão valioso que…. merece uma continuação…

Se realmente esse sempre foi o projeto – expandir o mundo criado pelo texto e por Blade Runner — poderia ser algo super interessante. Mas essa escolha de roteirista está me deixando muito, muito preocupada…


Começar de novo: as novas temporadas de Arrested Development, The Killing
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Ana Maria Bahiana

 

A máxima “ não existem segundos atos em vidas americanas” (do escritor da hora, F. Scott Fitzgerald) não tem muita tração no mundo do entretenimento. Julgando pelas ofertas da temporada-pipoca, quase todos os títulos são segundos  atos(ou terceiros, ou até sextos, como Velozes e Furiosos) ou reboots ou segundos atos de reboots.

Melhor citar o químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada de perde, tudo se transforma.”

Nos domínios de TV e companhia, isso nunca foi tão verdadeiro.

 Arrested Development, a série super cult criada por Mitchell Hurwitz em 2003, foi cancelada pela Fox em 2006, depois de três temporadas premiadas, aclamadas pela crítica mas fracas de audiência. A Imagine de Ron Howard e Brian Grazer, produtora da série, tentou durante anos, transformar Arrested em filme (algo mencionado até nos últimos momentos do último episódio da terceira temporada), sem sucesso.

Corte rápido para o admirável mundo novo o conteúdo on demand, onde empresas que, dez anos atrás, ou não existiam ou eram meras locadoras/vendedoras de produtos alheios – Netflix, Amazon, YouTube—tornaram-se os novos mini-estúdios, a continuação da revolução da TV por assinatura dos anos 1980.

O filme não veio, mas a quarta temporada de Arrested Development estreou na Netflix neste domingo passado, com o mesmo formato de House of Cards, sua antecessora no departamento conteúdo original: todos os 15 episódios  disponíveis ao mesmo tempo, em todos os principais mercados (inclusive o Brasil), esperando que os fãs dediquem o maior tempo possível à série, vendo todos os episódios em seguida (e assim, de certa forma, criando eles mesmos o filme que não chegou a ser produzido.)

Vocês viram? E, se viram, viram assim?

Eu, que sou fã da série original, achei difícil emendar os 15 episódios. Há algo no humor de Hurwitz, veloz, sarcástico, satírico, denso, que pede uma pausa digestiva entre uma dose e outra. Por exemplo: a narração off de Ron Howard, perfeita em um episódio, talvez dois, torna-se quase insuportável se consumida sem pausa, seguidamente.

Fora isso, entendo e não entendo por que os críticos daqui torceram o nariz para esta nova temporada. Entendo porque, a esta altura, e com uma pausa de sete anos no meio, o frescor da novidade se foi; o tom pseudo realista/ totalmente absurdista de Arrested foi incorporado em doses diversas em outras séries; muitos de seus atores subiram em status e popularidade – Michael Cera, Jason Bateman, Will Arnett, Portia de Rossi.

Não entendo porque Arrested Development continua muito, completa, ferozmente engraçada, exata na compreensão dos modos e costumes dos Estados Unidos no século 21 e – o que para mim foi o melhor achado – incorporando na trama os sete anos de sua ausência, e tudo o que aconteceu neles.

Para uma série cujo ponto de partida foi profético – a queda iminente de um mercado imobiliário hiper inflacionado – a crise financeira de 2008 é um prato cheio do qual Hurwitz se serve fartamente. Não quero estragar a alegria de quem ainda vai curtir esta quarta temporada, mas entre os negócios de Michael (Jason Bateman), o julgamento de Lucille (Jessica Walter), as explorações místicas de George (Jeffrey Tambor) e as ambições do casal Lindsay-Tobias (Portia de Rossi. David Cross) a derrubada do poderio econômico norte americano está amplamente explicado – e nós podemos rir muito com ele.

 

A situação de The Killing é diferente. A série começou muito bem no AMC, traduzindo com impacto o clima sombrio e existencial do original dinamarquês. E então, no último episódio da primeira temporada, pisou na bola ao negar à plateia a resolução do caso que tinha sido o gancho de todos os episódios. A segunda temporada arrastou-se à sombra desse passo em falso, eclipsando tudo de bom e promissor com que a série tinha acenado.

O cancelamento, inevitável, veio logo. Mas…

Pensando na possibilidade de ainda haver alguém interessado nos poderes investigativos de Sarah Linden (Mireille Enos) e Stephen Holder (Joel Kinnaman), AMC, Fox e (olha ela aqui de novo) Netflix se uniram para, somando recursos de produção e distribuição, bancar o experimento de criar não um segundo, mas um terceiro ato para a série.

A estreia é neste domingo, dia 2 de junho, mas vi o episódio duplo de estreia e não me decepcionei. The Killing voltou ao ponto de partida, reapresentando Sarah, Holden e seu mundo, algum tempo depois dos acontecimentos das duas primeira temporadas. Holden foi promovido, Sarah foi demitida. Ambos tem novos companheiros, novas vidas mas, aparentemente, os mesmos fantasmas interiores de antes. Uma menina de rua aparece assassinada. É o bastante para abrir os porões da memória de Sarah.

O risco de tecer uma nova temporada com as mesmas pistas falsas e becos sem saída da primeira ainda é alto, mas achei encorajadora a coerência do perfil dos personagens, e o surgimento de um vilão capaz de dar aulas de como ser sinistro a todos os seus colegas atualmente na telinha: Ray Seward, um assassino condenado à morte, interpretado por  Peter Sarsgaard com uma precisão apavorante.

Agora é ver o que vão fazer com tudo isso..


Histórias de soldados
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Ana Maria Bahiana

Hoje, nos Estados Unidos, é Memorial Day, o começo não-oficial do verão por aqui e a data de lembrança e celebração de todos, mulheres, homens, cachorros e cavalos, que morreram em serviço e em combate.

A data me fez lembrar um punhado de bons filmes de guerra que vêem o conflito não pelo  ponto de vista de quem escreve a história – os líderes, generais, políticos, chefes de estado – mas de quem sofre com ela.

Estes são os meus favoritos, na ordem cronológica de nossas insanidades nos últimos cem anos.

    • Glória Feita de Sangue/Paths of Glory ; Stanley Kubrick, 1957. O olhar rigoroso de Kubrick sobre a fluidez moral em tempo de guerra, nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial.
    • Nada de Novo no Front/ All Quiet on the Western Front; Lewis Milestone, 1930. O avassalador livro de Erich Maria Remarque levado à tela com paixão: como a retórica beligerante oculta o verdadeiro massacre da guerra, pelos olhos de um grupo de adolescentes alemães transformados em bucha de canhão na Primeira Guerra Mundial.
  • Gallipoli, Peter Weir, 1981. “ Mas o que nós temos com essa guerra?”, é a frase-tema que atravessa o filme, a jornada de dois caipiras dos cafundós da Austrália até a batalha de Gallipoli, na Turquia, em 1915. Co-estrelando: Mel Gibson aos 24 anos.
  • Além da Linha Vermelha/ The Thin Red Line , Terrence Malick, 1998.  Um grupo de pracinhas e um sargento desiludido da vida procuram o divino, o belo e o consolador nas ilhas dos Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. E que elenco!
  • O Resgate do Soldado Ryan/ Saving Private Ryan, Steven Spielberg, 1998. Para mim vale sobretudo por aquela extraordinária sequência de abertura, que finalmente realiza, para a plateia, o que realmente é estar na linha de fogo. E homenageia alguns dos mais valentes em tempos de guerra : os cinegrafistas e fotógrafos que, armados apenas com câmeras e uma farta dose de loucura, dão testemunho de nossa insanidade coletiva.
  • Das Boot, Wolfgang Petersen, 1981. O filme de submarino para dominar todos os filmes de submarino. A guerra silenciosa, claustrofóbica, opressiva, num submarino alemão durante a Segunda Guerra Mundial.
  • Cartas de Iwo Jima/ Letters from Iwo Jima, Clint Eastwood, 2006. Gosto imensamente do modo como Eastwood reverte seu olhar para abraçar e compreender o lado japonês da batalha que virou a mesa no front do Pacífico, em 1945.
  • M.A.S.H., Robert Altman, 1972. Uma guerra absurda – a da Coréia – olhada de um modo absurdo. Para rir com os dentes trincados.
  • Nascido para Matar/Full Metal Jacket, Stanley Kubrick, 1987. Trinta anos depois de Glória Feita de Sangue, Kubrick aplica sua rigorosa estética à guerra do Vietnã, adaptando a autobiografia de Gus Hasford, fuzileiro veterano da campanha, em dois atos de apavorante beleza: o campo de treinamento, a linha de frente.
  •  Apocalypse Now, Francis Ford Coppola, 1979. Para mim, o filme definitivo sobre a Guerra do Vietnã: Despachos do Front, do correspondente Michael Herr, e Coração das Trevas, de Joseph Conrad, colidem e confluem numa jornada épica.
  • Valsa com Bashir/Waltz With Bashir,  Ari Folman, 2008. O que fizemos no Líbano em 1982? se pergunta um veterano da campanha israelense. As respostas são tão impossíveis que apenas a sensacional fusão de técnicas de Folman dá a real dimensão da tragédia.
  • Soldado Anônimo/Jarhead, Sam Mendes, 2005. Outra guerra absurda – a invasão do Kuwait em 1990—vista exclusivamente pelos olhos dos soldados rasos que, mal saídos da escola, deparam-se com campos de petróleo em chamas e uma cultura que não compreendem.

A aposentadoria de Soderbergh não deu certo
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Ana Maria Bahiana

Soderbergh no set (e na câmera) de Behind The Candelabra. Adoro o detalhe da página do roteiro, toda rabiscada, no bolso…

E por falar na “aposentadoria” de Steve Soderbergh: coloquem mais aspas, por favor. Aparentemente o que ele não aguenta mais é o ritual cada vez mais frustrante e humilhante de tentar posicionar um projeto autoral no mercado de cinema. Trabalhar para TV não tem o menor problema: o próximo projeto de Soderbergh será a série The Knick, para o canal por assinatura Cinemax, divisão da HBO. Clive Owen, que vem desenvolvendo o projeto há tempos, será o astro e co-produtor executivo da série.

O “Knick” do título é o hospital Knickerbocker de Nova York, cenário da série em seu período pioneiro, a alvorada do século 20. Trata-se, portanto, de um drama hospitalar de época, sem desfribiladores, antibióticos e atores berrando “code blue!” … Com certeza uma opção interessantíssima.

A situação das finanças do mercado de produção audiovisual, hoje, está cada vez mais complicada, exigindo uma paciência e um acesso a fontes alternativas de investimento que Soderbergh, a esta altura de sua carreira, tem todo o direito de não ter e não procurar. Enquanto isso, a TV, que resolve de cara um dos maiores problemas de qualquer projeto audiovisual , a distribuição, está, aqui, investindo cada vez mais em talento de primeira linha e conceitos originais. Num passado não muito distante, um filme como Behind The Candelabra, com o nível de qualidade, valores de produção e elenco que tem, estaria automaticamente nos cinemas do mundo todo. Agora…

Ganha, de lavada, a telinha doméstica. Enquanto isso, confiram a outra série de TV de Soderbergh , K Street, de 2003,  co-produzida com George Clooney.


O adeus de Soderbergh: sexo, mentiras e um candelabro
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Ana Maria Bahiana

Revi recentemente Sexo, Mentiras e Videotape, o filme que , em 1989, apresentou Steve Soderbergh ao mundo e, praticamente sozinho, reviveu o cinema independente norte-americano. Foi um acaso feliz: no momento em que,  28 anos e 36 títulos depois, Soderbergh anuncia que vai se aposentar, senão do cinema, pelo menos do “cinema narrativo” (palavras dele), foi importante voltar onde tudo começou e ter, com uma perspectiva nova, um olhar sobre o olhar soderberghiano.

Eis o que aprendi: dividido entre ter fé e desprezar o ser humano, Soderbergh usa sua câmera como uma mistura de telescópio e microscópio, procurando sinais distantes ou mínimos que comprovem um ou outro sentimento. A conexão sueca (Soderbergh, nascido em Atlanta, é de família sueca, e fala o idioma com certa facilidade) me traz à cabeça o nome “Bergman”, mas vou parar por aqui, porque a equivalência areia=caminhão ainda está desequilibrada.

Digo isto: Bergman e Soderbergh são realizadores filosóficos. Andariam pelas colinas com uma lanterna procurando o Homem Justo, se fossem Diógenes e vivessem na Grécia antiga. Em vez disso, andam pelo mundo com a lanterna mágica de suas câmeras- no caso de Soderbergh, literalmente, já que em quase todos os seus filmes ele é seu próprio diretor de fotografia.

Há muito sexo e mentiras nos dois filmes que marcam o “adeus” de Soderbergh, Terapia de Risco (Side Effects) e Behind the Candelabra.  Sexo e mentiras são constantes na filmografia soderberghiana, as duas moedas correntes com que mulheres e homens negociam, arriscam e apostam suas vidas.

Trabalhando com um roteiro de seu colaborador de fé, Scott Z. Burns (Traffic, Contágio, O Desinformante!), Terapia é construído como um thriller psicológico à moda antiga, meio Hitchcock , meio drama político dos anos 1970. A trama em si _ moça (Rooney Mara) começa a apresentar estranhos e perigosos efeitos colaterais depois de medicada com um novo antidepressivo prescrito por seu psiquiatra (Jude Law) _ é quase um artifício para Soderbergh fazer o que mais ama: trabalhar com seus atores nas muitas camadas de verdade e mentira, afeição e manipulação com que todos os personagens tratam-se uns aos outros.

Não é à toa que os atores disputam a tapa a oportunidade de trabalhar com Soderbergh: mesmo em seu modo mais light, como na franquia 11 Homens, ele é um mestre na sutil colaboração entre rosto, corpo, luz e câmera, incentivando, compreendendo e captando o modo como o desempenho do ator conta a verdadeira história: a história atrás da história, escondida nas palavras do roteiro.

Com a possível exceção de Che e talvez Erin Brockovich, Soderbergh tende a descrer do idealismo puro e simples. Sua atração por histórias de golpes, traições, vidas duplas (Romance Perigoso, O Estranho, Traffic, O Desinformante!, O Segredo de Berlim, À Toda Prova , a franquia 11 Homens, até mesmo Contágio) confirma que ele duvida muito que os humanos façam jornadas firmes e retas na direção dos seus objetivos. Ou, mesmo que o façam, talvez não tenham a menor ideia dos verdadeiros impulsos que os estão empurrando.

É esse trabalho que ele tece com seus atores e que, com sua câmera altamente inteligente e sensível, capta com todo rigor.

 Terapia de Risco é a história dos efeitos colaterais causados pelas mentiras que contamos a nós mesmos. Behind the Candelabra, que, oficialmente, é o canto do cisne de Soderbergh, aprofunda essa indagação de forma vertiginosa. Seu exterior de excessos, ouros, peles, plumas e paetês (execução maravilhosa da direção de arte de outro colaborador constante de Soderbergh, Howard Cummings) é essencial para enquadrar o drama que se passa no interior de seus protagonistas: Liberace (Michael Douglas), o pianista superstar, artista mais bem pago das décadas de 1950, 60 e 70, e Scott (Matt Damon), o garoto que rapidamente evolui de seu fã para namorado/assistente/motorista/objeto de cena.

A natureza sinistra, predatória, vampiresca, do relacionamento entre Liberace e Scott não é de modo algum restrita a casais gay, muito pelo contrário: o roteiro perfeito de Richard LaGravenese, a maestria de Soderbergh e o talento de todo o elenco deixam claro que se trata de um drama sobre o inevitável cabo-de-guerra de poder em qualquer relacionamento a dois.  Quem está usando quem? Quem é realmente o forte, quem é realmente o fraco? Quem domina, quem permite ser dominado? Quem compra, quem vende? E sobretudo: por que?

Baseado na autobiografia do mesmo nome de Scott Thorson, que teve um relacionamento intenso e secreto com Liberace entre 1977 e 1981, o filme se recusa a tomar partido nessa discussão, evitando a armadilha fácil de caracterizar Liberace como o predador eternamente emboscando jovens presas descartáveis e Scott como sua vítima inocente. Ambos são apresentados como homens complexos, com mais coisas em comum do que podem suspeitar ou admitir: famílias partidas, uma insaciável sede de aceitação e amor e um pavor paralisante de ser rejeitado e abandonado. Há uma forma muito especial de egoísmo que se desenvolve alimentado por esse tipo de fratura interior, e o filme de Soderbergh é absolutamente preciso em captá-lo.

Há algo naturalmente arriscado quando se coloca um drama dessas proporções (ou seria uma divina comédia?)  no ambiente de Las Vegas dos anos 1970, ainda mais no habitat de um popstar perto de quem Elton John e Lady Gaga são figuras discretas. O flerte com o ridículo está sempre presente em Candelabra, ampliando o drama humano e dando um gume de risco que  Douglas e Damon, em especial, surfam com a habilidade de mestres.

Além de todos esses temas Candelabra oferece mais alguns: uma discussão da ideia de masculinidade, e um olhar sobre um tempo em que ser gay era visto como algo pior que a lepra na Idade Média, capaz de sepultar a mais fulgurante das carreiras. O quanto o segredo _ e o medo e o poder que vêm  com o segredo _informa o comportamento amoroso dos dois? E seria possível que, mesmo na mais bizarra e doentia das circunstâncias, o amor realmente se dê entre eles?

 Behind the Candelabra começa com “I Feel Love”, de Donna Summer, e termina com “The Impossible Dream”, interpretado por Michael Douglas como Liberace. Entre uma e outra ideia, entre uma e outra canção, esconde-se a resposta.

 Terapia de Risco está disponível em DVD/BluRay nos Estados Unidos, e em cartaz no Brasil. Behind the Candelabra está no festival de Cannes e estreia domingo dia 26 na HBO, nos Estados Unidos.

 


Guerra e paz entre as estrelas: Além da Escuridão-Star Trek
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Ana Maria Bahiana

(Almas mais sensíveis: mesmo fazendo todos os esforços para evitar SPOILERS, é muito possível que alguns deles pipoquem por aqui…)

 

Lá pelo meio de Além da Escuridão: Star Trek, enquanto algum personagem despejava um monte de exposição – “você quer dizer que se fizermos isto, aquilo vai acontecer?” “sim, porque naquele dia quando estávamos em órbita do planeta xyz fulano não apertou o rebimbete da parafuseta”—eu pensei: “Caramba, agora que a televisão está fazendo cinema, o cinema tá fazendo televisão, em IMAX 3D com um sonzão…”

Não pensem que tive raiva: na minha distante infância eu muitas vezes pensava como seria absolutamente bárbaro (gíria da época) ver Spock e Kirk e seus planetas de papelão numa tela imensa como, digamos, a do cine Rian em Copacabana. Vejam como os sonhos mudam.

E coloquem-se no meu lugar por um segundo – todo mundo que acha o Star Trek original “docemente cafona”, como já li, se esquece de que, para jovens mentes impressionáveis  da época de sua estreia (como a minha), cada monstro de pelúcia, cada sacolejo da ponte de comando da Enterprise, cada meteoro de isopor era absolutamente acreditável e capaz de gerar sonhos e pesadelos subsequentes. Especialmente  quando vistos numa telinha num canto da sala de estar, no meio do Brasil preto e branco dos anos 1970.

Creio que o apelo da franquia, que suplantou o aparente “fracasso” de sua estreia na TV norte-americana, em 1968, gerou uma vasta mitologia e agregou-se ao tecido da cultura pop se deve a isso: a coerência interior, a capacidade de tecer as tramas mais absurdas, com os recursos mais limitados, e não perder a atenção de quem vê. Com mais um elemento: como toda boa ficção científica deve ser, Star Trek falava do presente, não do futuro, discutindo temas que poderiam ser espinhosos se não estivessem num possível século 21/22 (por si só otimista- ei, a humanidade chegou até lá!).

Tudo isso me volta à cabeça quando revejo mais uma etapa dessa jornada nas estrelas. Com seu reboot de 2009 J.J. Abrams se deu permissão de repensar toda a mitologia, usando o velho e bom artifício da “linha do tempo alternativa”. Agora, em sua segunda incursão, ele finalmente morde com vontade sua licença poética, revisitando, de uma tacada só, um vilão antológico da mitologia, vários elementos dos filmes dos anos 1980 e episódios de TV (inclusive o mito das camisas vermelhas) e o primeiro comandante da Enterprise, Christopher Pike (Bruce Greenwood).

Embora qualquer busca no IMDB vá revelar mais do que pretendo escrever aqui, prossigo com cautela. Eis no que Abrams ficou devendo, para mim:

–       Pensar, criar e produzir em grupo, um sistema que Abrams trouxe da TV, é ótimo, mas às vezes faz o projeto cair em antigos cacoetes da TV. O que abre este post – a necessidade de explicar tudo através do diálogo dos personagens – é um dos mais notoriamente abusados em Além da Escuridão.

–       Outro típico da TV: a necessidade de criar situações catastróficas/ críticas a cada 10 minutos com medo de perder a atenção da plateia. Ó criadores de pouca fé! Há uns bons 15 minutos de crises mecânicas, correrias, uma visita a um planeta deserto para desarmar um torpedo  e um sortimento de explosões que, para mim, tiram o impacto das reais cenas épicas que vem depois.

–       Por que Alice Eve de calcinha e sutiã? Por que, pelos Senhores de Kobol?! (upa, referência errada…). A esta altura do século 21? No mínimo, para equilibrar, eu queria ter visto Benedict Cumberbatch sem camisa. Just sayin’…

E por falar nisso… no que J. J.acertou em cheio:

–       Em escolher Cumberbatch para viver “John Harrison”. The Batch pode ler uma lista de endereços e dar medo, se quiser.

–       Em dar o devido tempo de tela e a devida direção para que Zachary Quinto, Chris Pine (especialmente) e todo a tripulação da Enterprise desenvolvam seus personagens. Essa é uma das vantagens de migrar dos 50 minguados minutos da tela pequena para as 2 horas e 20 minutos da mega-telona: para apreciarmos melhor o Dionísio de Kirk batendo de frente com o Apolo de Spock.

–       Em fazer de Além da Escuridão uma reflexão sobre a ideia da guerra oportuna, da militarização da ciência, do intervencionismo em nome da paz, tão presentes no verdadeiro século 21.

Em tempo: se possível, vejam Além da Escuridão num bom cinema, com a maior tela disponível e som poderoso. Neste caso, é essencial.

Além da Escuridão: Star Trek está em cartaz nos Estados Unidos e estreia no Brasil dia 14 de junho.


Novidades da temporada de prêmios: Seth não, Tina e Amy, talvez
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Ana Maria Bahiana

Enquanto preparo um outro post mais longo (e inter-estelar), as novidades da temporada-ouro:

– Seth McFarlane não será o host do Oscar 2014. “Não consegui encaixar na minha agenda: em alguma hora eu preciso dormir”, foi a explicação.

– Tina Fey e Amy Poehler serão convidadas para voltar aos Globos de Ouro, ano que vem. Agora é acompanhar os trâmites…

 

 


Admirável mundo novo: a Academia encara a era digital
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Ana Maria Bahiana

Damon Lindelof…

…e Mark Boal no evento da Academia.

Não havia um lugar vazio no teatro Samuel Goldwyn da Academia na noite de quarta feira. A fila tinha começado duas horas antes do evento, e muita gente teve que voltar para casa sem conseguir entrar para ver roteiristas, montadores e produtores discutirem como a tecnologia digital mudou, está mudando e ainda vai mudar ainda mais o modo como histórias são contadas no cinema.

O seminário, intitulado Turning the Page: Storytelling in the Digital Age (Virando a Página: Contando Histórias na Era Digital), foi algo inédito na Academia, a primeira vez que a organização propunha um debate público sobre o impacto das novas tecnologias sobre o coração mesmo da narrativa audiovisual. É parte da “nova visão” (palavras do presidente Hawk Koch durante a reunião geral de todos os membros, no início do mês) da Academia, aparentemente determinada a entrar com tudo no século 21. Até que enfim.

O encontro foi interessante e teve momentos sensacionais, como, por exemplo, depois da exibição, em silêncio respeitoso, de clipes de dois vencedores do Oscar, A Hora Mais Escura e Argo, ver a distinta plateia explodir em aplausos com a abertura de Além da Escuridão: Star Trek  (no fundo , no fundo somos todos adolescentes famintos por aventura na sala escura do cinema…).

J.J. Abrams no set de Além da Escuridão: Star Trek

Mas podia ter ido mais longe: a conversa se limitou às mudanças formais no processo de produção de um filme, sem mergulhar fundo na discussão, muito mais interessante e perigosa, das alterações conceituais que o novo modo de olhar e consumir narrativa, trazido pela tecnologia digital, está forjando.

O moderador John August, roteirista de, entre outros , A Fantástica Fábrica de Chocolate, A Noiva Cadáver, Sombras da Noite e Frankenweenie, abriu a noite com um ótimo aperitivo: a apresentação de No Signal, um viral do You Tube sobre como roteiristas odeiam admitir que um celular que funcione pode acabar com a maior parte de seus truques narrativos.

Isso teria sido uma conversa fantástica, que às vezes emergia em menções dos convidados, especialmente Damon Lindelof (Lost, Star Trek) e Mark Boal (Guerra ao Terror, A Hora Mais Escura): a plateia, hoje, sabe muito mais, compreende muito mais rápido, e não precisa ser, nas palavras de Boal, “pega pela mão como uma criança no primeiro dia de escola, para ser ensinada o que é o que e quem é quem em cada cena”.

O fato de que existe todo um novo contexto, uma “leitura meta” (palavras de Boal) do que antes eram segredos do ofício de realizador teria sido o estopim para um papo interessantíssimo sobre o futuro da narrativa, especialmente quando, em dez anos, praticamente toda a plateia do cinema e da TV terá crescido num mundo digital.

Seria assustador demais? A conversa não foi por aí… Nem abriram para perguntas da plateia, onde havia o maior índice de pessoas com menos de 40 anos que eu já vi na Academia (eu já estava preparada para mandar “E aquele episódio final de Lost, hein?”, pro Lindelof…).

Mas salvaram-se algumas coisas preciosas.  Como por exemplo:

A hora mais escura de A Hora Mais Escura.

– O oscarizado montador William Goldberg descrevendo sua reação ao receber, no seu laptop, as primeiras imagens das sequências do ataque à fortaleza de Bin Laden, em A Hora Mais Escura. “Eu estava no skype recebendo as imagens e falando com o Mark (Boal), sentado na minha sala ensolarada, aqui em Los Angeles, e as imagens ainda eram cruas, sem tratamento. E eu não via absolutamente nada. A tela do meu laptop era 100% negra, com um ou outro risco verde de vez em quando. E o Mark me perguntando: Então? Que tal? Arrepiante, não é? E eu pensando – como vou dizer para ele que eles não captaram nada?”

-Goldberg, novamente, explicando a minuciosa seleção de suportes físicos e técnicas de montagem para diferenciar cada um dos atos de Argo: o ataque à embaixada norte-americana em Teerã, o “projeto” em Hollywood e, finalmente, o resgate dos diplomatas. “Muita gente pensa que usamos material de noticiários da época nas cenas do ataque à embaixada. Mas o que Ben (Affleck) fez foi dar câmeras super-oito para os extras e pedir que eles filmassem à  vontade. Todas as imagens que vocês vêem e que parecem documentário, no início do filme, foram captadas assim.”

-O surgimento de um novo sistema de criação, mais coletivo e mais rápido, produto tanto do imediatismo da produção digital quanto da presença cada vez maior de criadores vindos da TV, acostumados a pensar em grupo.  “Hoje não precisamos terminar um roteiro para começar a filmar”, disse Lindelof. De fato – os dois Star Trek foram gerados com roteiro, filmagem e montagem rolando simultaneamente , cada processo interferindo no outro. “J.J. (Abrams) diz sempre a todos os seus atores _- não cortem o cabelo tão cedo”, disse Lindelof. “Vocês nunca sabem quando eu, as montadoras ou os roteiristas vão querer mudar essa cena.”

 

 

 

 

 

 

 

 


Todo aquele jazz: O Grande Gatsby, sonho de uma tarde de verão de Baz Luhrmann
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Ana Maria Bahiana

Depois de ler as críticas negativas, mordazes ou simplesmente furiosas, dos colegas norte-americanos, fiquei positivamente intrigada: será que eles viram o mesmo Grande Gatsby que eu vi? Porque embora não seja o filme mais sensacional do ano (esse ainda não apareceu, mas tenho fé em Cannes…) ele não é de jeito nenhum o horror que os críticos americanos estão desenhando.

Pensando bem, acho que compreendo a reação local. Em primeiro lugar, a obra de F. Scott Fizgerald é um monstro sagrado da literatura norte-americana, lida desde o ginásio, entranhada profundamente na cultura do país. Em segundo lugar, nenhuma das três adaptações anteriores – em 1926, 1949 e a que todos os críticos recordam como um monumento de chatura, em 1974 (escrita por Coppola, dirigida por Jack Clayton, estrelada por Robert Redford) –foi bem sucedida, criando a fama de “obra inadaptável”.

Há dois modos de se tratar um monstro sagrado de má reputação: com extrema cautela e reverência, ou com ousadia e risco. Eu fico muito feliz que Baz Luhrmann, que não é americano (como aliás não eram dois dos três diretores anteriores…) tenha, ao contrário  de seus antecessores, escolhido a segunda opção. Se reverência não deu certo, por que não tentar a irreverência?

Neste momento é bom notar que irreverência não significa  necessariamente falta de respeito. Luhrmann e seu roteirista Craig Pearce (seu colaborador em Vem Dançar Comigo, Romeu +Julieta e Moulin Rouge!) têm tamanha paixão pelo texto original que o colocam literalmente como um elemento de cena. É um grafismo repleto de amor que muitos críticos aqui consideraram “ridículo”, mas que funciona de um modo especialmente dramático, porque Gatsby é, desde o livro, uma história contada por alguém que acaba se tornando escritor por acaso – Nick Carraway, o alter ego de Fitzgerald, vivido no filme, na medida exata, por Tobey Maguire. Aqui as palavras têm, portanto, tanta importância quanto em, digamos, As Mil e Uma Noites. O conto é a pessoa que o conta.

As “liberdades” que Luhrmann tomou com a obra foram essencialmente duas: mudar o recurso narrativo que emoldura a história e praticar seu habitual anacronismo consciente na trilha sonora e na estética do filme.

A primeira não me pareceu nem necessária, nem oportuna. Luhrmann colocou Nick Carraway num sanatório, escrevendo um diário terapêutico sobre seu verão de excessos em Long island, 1922. Não consigo ver como isso adicionou ou iluminou alguma coisa no já complexo e luminoso texto de Fitzgerald.

A segunda é uma delícia, e onde a irreverência de Luhrmann se revela com mais energia e genialidade. Ao alinhavar hip hop e charleston, jazz e pop, mover sua câmera nervosamente (em impecável 3 D, que usa amplamente os recursos dramáticos da terceira dimensão) e montar ao ritmo das emoções, Luhrmann traduziu, para mim, a intensidade dos anos 1920, a embriaguez de um capitalismo absolutamente selvagem, energizado por dinheiro fácil, cocaína, álcool proibido mas abundante, lei e fora da lei se confundindo num abraço positivamente erótico.

Com esse turbilhão em volta, é mais fácil compreender as três ilhas de quietude no centro do furacão, cada uma delas aprisionada, e portanto imóvel, pelas escolhas que fez: Nick, o narrador passivo que pode não estar entendendo nada ou pode estar entendendo mais do que admite (o conto é a pessoa que o conta…). Seu vizinho Gatsby (Leonardo Di Caprio, absolutamente sensacional), o jovem  novo-milionário de passado misterioso, um personagem numa história que ele mesmo criou; e Daisy (Carey Mulligan, perfeita), a moça de alta sociedade que é a obsessão dele.

O gosto de Luhrmann é extremo e, sim, dependendo do ponto de vista, pode flertar com o mau gosto. Mas o mundo de Gatsby é um mundo de excesso, de vulgaridade, e as escolhas de Luhrmann só fazem acentuar este delírio do consumo extremo, claramente informado pela outra crise da bolsa norte-americana, a de 2008.

Quando, a partir do segundo ato, Luhrmann acalma sua narrativa, revela-se a outra turbina de Gatsby : seus extraordinários atores. DiCaprio em especial está absolutamente no controle de sua persona e de seu personagem, enchendo a tela com a mistura de carisma e fragilidade que é a assinatura do verdadeiro movie star.

Uma gratíssima supresa é Joel Edgerton como Tom, o marido sangue-azul de Daisy, um papel que passou por Ben Affleck e Bradley Cooper até chegar a ele. Ainda bem: a truculência que Edgerton usou de forma tão literal em Guerreiro e A Hora Mais Escura traduz-se aqui em uma ameaça mais sutil e talvez ainda mais potente, o poder do dinheiro antigo, da arrogância dos bem-nascidos, a atitude de dono de tudo e de todos.

O desempenho de Carey Mulligan é exemplar: sua Daisy não é inteiramente uma pessoa de carne e osso, mas o produto da fantasia dos homens à  sua volta- Gatsby, obcecado por ela; Tom, que se considera seu dono; e Nick, que conta a história e, portanto, tem o poder de editar seus próprios sentimentos. Luhrmann dá a dica logo na primeira cena de Daisy: ela emerge, diáfana, uma mão, um braço, um suspiro entre as cortinas esvoaçantes, o sonho de uma tarde de verão.

 O Grande Gatsby está em cartaz nos Estados Unidos, abre hoje o Festival de Cannes e estréia no Brasil dia 7 de junho.

 

 

 

 


Este é, possivelmente, o filme mais interessante de Cannes 2013
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Ana Maria Bahiana

The Congress,de Ari Folman, explica o que o realizador de Valsa Com Bashir esteve fazendo nos últimos quatro anos e meio: é mais uma engenhosa, perturbadora, maravilhosa colagem/colisão de animação e ao vivo, atacando com unhas, dentes e coração mais um tema que só vale a pena ser visto por todos os lados. No caso, o poder de criar mitos e o que fazemos com ele. Elenco de sonho: Robin Wright, Jon Hamm, Harvey Keitel, Paul Giamatti. Está estreando mundialmente na Quinzena dos Realizadores em Cannes. E já é, oficialmente, o filme da Croisette que mais quero ver.