Blog da Ana Maria Bahiana

Categoria : Corrida do Ouro

O bom, o mau e o feio da indicações do Globo de Ouro
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Ana Maria Bahiana

 

Olivia Wilde anuncia os indicados ao Globo de Ouro 2014, hoje de manhã.

Olivia Wilde anuncia os indicados ao Globo de Ouro 2014, hoje de manhã.

Indicações Globos 2013: até que não demos vexame. Sempre espero uma escorregada tipo O Turista (ou coisa pior) porque meus colegas tem esses momentos de delírio quando vêem muita gente famosa junto. Mas este ano as escolhas tem uma coerencia que me agradou.

Vamos por etapas. Primeiro, o que mais me agradou:

  •  Ninguém caiu nas armadilhas de O Mordomo da Casa Branca ou A Vida Secreta de Walter Mitty, filmes bem intencionados mas que, de longe não estão entre os melhores desta safra.
  •  O reconhecimento de Rush e Daniel Bruhl. Ambos estavam nos meus votos, e gostei de ver os colegas compreendendo um filme que os americanos, suspeito, vão esnobar.
  •  As escolhas em filme estrangeiro. Quase todos os meus votos entraram, exceto um- o belga Alabama Monroe  (The Broken Circle Breakdown) que era minha quinta escolha. As opções este ano eram muitas e excelentes, uma safra muito forte de onde eu tiraria sem esforço 10 indicados – e onde senti muita falta do Brasil.
  •  A consistencia no reconhecimento dos dois filmes que definem a disputa este ano: Gravidade e 12 Years A Slave.
  •  Na TV, o reconhecimento a Liev Schreiber e Ray Donovan, uma série que os locais aparentemente detestaram, mas que é uma das minhas favoritas; e as indicações gerais a Breaking Bad (que, salvo algum susto, deve levar todas…)

Agora, o que surpreendeu/irritou/entristeceu:

  •  Como assim nenhuma menção a Fruitvale Station? Nem mesmo ao excelente trabalho de Michael B. Jordan no papel principal?
  •  All Is Lost é um tremendo feito de direção e roteiro (e fotografia, e montagem….). Mas só se lembraram do Robert Redford…
  •  American Hustle é Scorsese diet. É David O. Russell querendo ser Scorsese. Gostei dele, adorei sobretudo os atores, mas temos também o produto genuíno na parada – O Lobo de Wall Street. Como indicar Russell na categoria direção e esquecer Marty?
  •  E já que estamos na mesma categoria: cadê Spike Jonze? Se ele ficasse no lugar do Paul Greengrass eu ia ficar muito mais feliz…
  •  Great Gerwig? Seriously? Eu sei que Frances Ha tem fãs. Eu não estou entre eles: prefiro minha nouvelle vague no original. A moça foi muito simpática na entrevista conosco. Acho que ganhou a indicação ali.
  •  Admito que as opções na categoria animação não eram das melhores este ano, já que tiveram a insana ideia de retirar todos os longas de animação não-americanos e por em “filme estrangeiro”. Mas The Croods e Meu Malvado Favorito 2? Não.
  •  Aliás, quando recebi meu listão fiquei intrigadissima com as classificações de muitas filmes. Em qual planeta Álbum de Família é uma comédia, por exemplo?
  •  A divisão de TV, pra mim, foi quase um desastre. AINDA indicando Modern Family e The Good Wife? Só pode ser cacoete. Brooklyn Nine-Nine? Jura? Num ano em que tínhamos Enlightened e o desempenho divino de Laura Dern, completamente esquecidos, aliás? E Orange is The New Black, fenomenal, ousada, superbem escrita, com um elenco maravilhoso de mulheres, coisa tão rara neste indústria? Nem vou falar da gema perdida que tínhamos a chance de catapultar para o alto, Getting On, adaptação americana de uma cáustica, linda, série inglesa, feita pelo mesmos produtores de Enlightened. Será que comédia muito inteligente tá dando surto nos meus colegas?  E vamos continuar: nada de The Bridge ou The Americans? Ou Walking Dead, excelente nesta temporada? Ou Game of Thrones, que é tudo o que aquela pobreza de White Queen queria ser? Ah… vou parar por aqui pra pressão não subir…

Enfim… torcendo por bons e justos resultados dia 12 de janeiro. Estarei lá no salão captando tudo pra vocês…


Temporada ouro: primeiros sinais
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Ana Maria Bahiana

globes ballot

Esta semana, por mais incrível que pareça, é quando começam a se definir as disputas da corrida dos premios. Explico: esta semana, feriadão do Dia de Ação de Graças, meus colegas da Hollywood Foreign Press Association estarão com tempo para ver as verdadeiras montanhas de DVDs que chegaram com os filmes e séries de TV elegíveis para os Globos de Ouro – mais um catálogo de 220 páginas com os dados de todos eles e as respectivas categorias em que cada um (e  seu elenco e equipe) concorre.

Como sempre digo – não é que os Globos antecipem os Oscars ou outros prêmios. O pool de votantes é completamente diferente, levando a escolhas muito diferentes. O que os Globos fazem, especialmente nas indicações, é estabelecer quem está e quem não está no páreo. Olhem para os anos anteriores e vejam se não tenho razão.

Temos até dia 10 de dezembro para entregar os votos – os indicados serão anunciados dia 12 – e esta pausa vem logo a calhar. Por isso os divulgadores, estrategistas e adjacencias passam esta semana enchendo nossas caixas com emails e nossas salas com posters, cartões, caixas de bonbons e, este ano, até um poster com nossos nomes (para um filme muito ruim, infelizmente…)

Last Vegas poster

A esta altura da disputa, apenas quatro filmes não foram exibidos para os votantes: Lone Survivor,  Trapaça (American Hustle), O Lobo de Wall Street  e O Hobbit – A Desolação de Smaug. Todos estão no nosso calendário das próximas duas semanas, com screeners vindo no rebote. É uma tática radical e um pouco suicida – os estrategistas acreditam que filme que é visto por último tem mais chances de ser lembrado e indicado.

Tem também, na verdade, mais chances de não ser visto. Espero que os estrategistas saibam disso.

Até porque tivemos um bom segundo semestre e já posso contar em ver alguns títulos entre as escolhas finais: Blue Jasmine (que entrou como drama) e Cate Blachett; Gravidade; Antes da Meia  Noite; All is Lost (especialmente para Robert Redford); 12 Years a Slave (pra mim, o melhor filme do ano até agora, e o único que eu vi meus colegas verem e reverem em exibições diferentes).

Não subestimem de jeito nenhum: Saving Mr. Banks;  Mandela:The Road to Freedom; O Mordomo da Casa Branca (e Oprah e Forest Whitaker); A Vida Secreta de Walter Mitty (que está entre as comédias), Philomena . São todos amplos, cheios de apelo sentimental e (o que, eu sei, é um fator decisivo para meus colegas) estrelas.

Álbum de Familia (August:Osage County) está entre as comédias e embora não tenha muitos fãs entre meus colegas, possui estrelas o bastante para ter chances  (Meryl Streep, lead; todo o resto, inclusive Julia Roberts, coadjuvante). Nebraska e Inside Llewyn Davis (ambos entre as comedia), não tenho tanta certeza. Enough Said e Frances Ha, por incrível que possa parecer, tem mais chances, especialmente para James Gandolfini, Julia Louis-Dreyfuss e Greta Gerwig. Her (também entre as comédias) é, por enquanto, um grande ponto de interrogação.

Deixei o filme estrangeiro para o final. Não, nenhum filme brasileiro está concorrendo. Flores Raras, de Bruno Barreto, está concorrendo como drama na categoria principal, onde tem que brigar com esse povo todo aí em cima.

Não me perguntem porque o pessoal no Brasil não inscreve seus filmes. O resto do mundo parece estar completamente  ligado – só na América Latina temos filmes do México, Peru, Argentina, Chile. Nem vou falar de Europa e Asia porque nem tem nem graça – tem até um filme da Moldavia, pais simpático que tive que procurar no mapa, e onde, segundo a brochura que veio junto com o filme, produz-se bons vinhos.

O Azul é a Cor Mais Quente, A Caça e O Passado são os favoritos, mas muita coisa ainda pode acontecer. Eu queria muito que o Brasil estivesse nessa briga. Quem sabe, ano que vem…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


American Hustle estreia novo trailer com bóbis, pança e ELO
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Ana Maria Bahiana

Confesso: nunca fui grande fã de David O. Russell. Sempre achei que havia mais badalação do que substância no trabalho dele, e sempre fiquei intrigada com a extrema vontade de gostar  generalizada com que seus filmes são recebidos. Tendo dito tudo isso, fiquei muito bem impressionada com o novo trailer de American Hustle, o candidato de Russell à Corrida do Ouro deste ano. Só a barriga do Christian Bale, os bóbis do Bradley Cooper e a trilha com Electric Light Orchestra já estariam valendo. Mas acho que tem mais caldo nessa história….

 

 

 


Número recorde de títulos na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro
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Ana Maria Bahiana

The Grandmaster, de Wong Kar-wai

A Academia anunciou hoje de manhã, oficialmente, os filmes concorrendo ao Oscar deste ano na categoria “filme estrangeiro”. Um número recorde países – 76- submeteu títulos, com três deles – Arábia Saudita, Moldova e Montenegro- entrando na briga pela primeira vez. Outras curiosidades incluem um filme submetido pela Grã Bretanha – Metro Manila–  inteiramente falado em tagalog, a língua nacional das Filipinas e o primeiro filme enviado pelo Paquistão  desde 1963 – Zinda Baag.

É importante saber o pano de fundo em que a disputa se dará, este ano: pela primeira vez em muito tempo, eu diria que pelo menos o tempo em que acompanho o Oscar (ou seja, mais de 25 anos) sinto um real impulso de transformação da categoria. Não é a toa: junto com documentário, é a categoria que mais dá dor de cabeça, controvérsia e críticas. Mas ao longo de todas essas décadas nunca senti na diretoria da Academia uma real vontade de fazer algo sério a respeito de todo o processo, da submissão de filmes ao sistema de escolha dos indicados.

Nada vai acontecer agora, este ano, mas vejo um desejo real de re-pensar todo o processo à luz de uma produção internacional cada vez mais globalizada e cooperativa cujos resultados poderão mudar a disputa já no ano que vem.

O Passado, de Asghar Farhadi

Um ponto que a Academia sempre se recusou a tocar foi o aspecto “concurso de misses”, com apenas um filme representando cada país. As crises que esse processo criou já levou a várias falhas na gama de títulos concorrentes e, este ano, podem ser sentidas na falta dos elogiadissimos e premiados A Vida de Adele (a França escolheu Renoir, de Gilles Bourdos, que passou ao largo, aqui), A Touch of Sin, de Jian Zhangke (a China preferiu o mais tradicionalmente heróico Back to 1942, que tem Adrien Brody no papel de um correspondente norte-americano – uma fórmula semelhante à submissão chinesa de 2011 As Flores da Guerra, outro drama de guerra com um astro anglo-falante, Christian Bale, num papel importante) e  The Lunchbox, de Ritesh Batra, que, apesar de críticas positivas no circuito de festivais e distribuição norte-americana assegurada pela Sony Classics, foi preterido pela comissão indiana por The Good Road – uma escolha que ainda está causando controvérsia na Índia.

Gloria, de Sebastián Lelio

Pelo menos posso dizer que  a escolha do Brasil- O Som ao Redor- é a melhor que já vi nos últimos anos. Queria poder dizer também que está na linha de frente para as indicações, mas não arrisco tanto. Pus o orelha no chão, troquei figurinhas com alguns distintos personagens e, na “chave” da América Latina (porque é assim que se dá a pré-pré seleção, com filmes grupados em chaves com representantes dos diversos continentes…) ouvi com frequencia menções ao mexicano Heli, que valeu ao seu diretor Amat Escalante o prêmio de melhor direção em Cannes, e o chileno Gloria, de Sebastián Lelio, que passou por quase todos os festivais importantes e tem distribuição nos EUA via Roadside Attractions_ ouço até ruídos de uma indicação de melhor atriz para sua estrela,Paulina Garcia.

A Caça, de Thomas Vinterberg

Outros rivais de peso são o iraniano O Passado, do já oscarizado Asghar Farhadi, único da turma a ser exibido no famosamente pé-quente festival de Telluride;  o dimarquês A Caça, de Thomas Vinterberg, que está em cartaz aqui e foi para a Mostra São Paulo de 2012; e The Grandmaster, de Wong Kar Wai, submetido por Hong Kong, que teve pré-estreia na Academia  e que, mesmo em versão reduzida, arrancou elogios eloquentes da crítica daqui. O delicado Wajdja, estreia da Arábia Saudita na disputa, também pode ser um adversário e tanto.

Mas guardem o fôlego : a corrida apenas começou….


Os filmes da temporada ouro: Gravidade
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Ana Maria Bahiana

A temporada-ouro começou. Mesmo sabendo que uma grande parte destes filmes só estrearão no Brasil em 2014, vou procurar manter vocês atualizados com resenhas dos títulos mais importantes da temporada.

Terra, Terra/ Por mais distante o errante navegante/quem jamais te esqueceria” – Caetano Veloso, “Terra”

 

Os primeiros minutos de Gravidade (Gravity, 2013) são tomados primeiro pela escuridão absoluta, depois por uma única imagem: o azul profundo do planeta Terra, coberta de nuvens como na canção de Caetano, girando lentamente no silêncio abissal do espaço. Nada mais é preciso para estabelecer a narrativa que vai  ocupar os próximos 90 minutos – certamente entre os mais rápidos na vida de qualquer espectadora ou espectador. É aqui que estamos: suspensos onde aquilo que torna possível nossa humanidade é algo distante, intocável, e o abismo está por toda parte, crivado de luz e ocasionais vestígios da passagem de nossa espécie.

A Terra, que ocupa quase todos os quadros deste elegantíssimo e absurdamente bem feito exercício em sci-fi filosófico, é, na verdade, o tema recorrente de sua trama. Suspensos  no vazio ao redor de um ônibus espacial, aquele azul imenso ao fundo, a engenheira médica Ryan (Sandra Bullock) e o veterano astronauta Matt (George Clooney) conversam menos sobre a tarefa que os ocupa e mais sobre o planeta acima do qual flutuam. O que ela, Terra, é, a gravidade com que atrai as vidas, emoções e desafios de seus filhos, tão doidamente distantes de seu abraço, são o que acaba nos prendendo completamente à trama, além da exatidão dos efeitos, além da estranha beleza desse cenário completamente novo.

Mesmo quando, em seu terço final, o filme ameaça flertar com o esquema “mais é melhor”, atirando todo tipo possível de obstáculo na direção da pobre Ryan, continuamos inteiramente comprometidos com ele por esse motivo simples: porque, com imagens poderosíssimas, ele nos dá a real dimensão de ser humano longe de casa.

Cuarón, fã de pesquisa espacial, confessa ser admirador fanático de 2001: Uma Odisséia no Espaço, a obra prima de Stanley Kubrick que, nos idos de 1968, nos deu pela primeira vez a real dimensão do que a vertigem do espaço representava para nossa espécie, em termos físicos, emocionais e existenciais. Cuarón também diz que evitou rever 2001 enquanto trabalhava em Gravidade por “puro medo. Não há comparação. O filme de Kubrick é um extraordinário ensaio filosófico. Eu ficaria completamente petrificado se sequer pensasse nele enquanto realizava Gravidade.”

E no entanto, os dois filmes têm muito em comum, começando pelo salto quântico que cada um deles trouxe para os efeitos visuais. 2001 foi diretamente responsável pela nova dimensão que os filmes de ficção científica tomaram a partir dos anos 1970. Gravidade mostra o que é possível fazer neste momento, na encruzilhada entre arte e ciência, entre o que a exploração espacial nos informou, o que a tecnologia digital realiza e o que um realizador imagina.

Mas isso seria um exercício frio se Cuarón, realizador sensível, não desse um coração profundamente humano ao seu filme. Matt e, especialmente, Ryan, tem tanto de cada um de nós que sua odisséia, seu naufrágio no oceano sem fim acima da Terra, nos toca e nos prende. Ficamos, como eles, pequenos, frágeis, desorientados, procurando o amparo da ciência e da tecnologia mas no fim descobrindo apenas uma coragem animal que, contraposta àquele imenso disco azul girando ao fundo, se torna radicalmente comovente.

Um dos grandes trunfos de Gravidade é seu uso do som. Como Kubrick, Cuarón mantem-se fiel à realidade de que, no espaço, não há som. O que ouvimos é o que captam os microfones nos trajes espaciais dos personagens – e, novamente como Kubrick, Cuarón usa a sonoridade e o ritmo da respiração como um recurso dramático da mais alta eficiência. O silêncio do espaço é quebrado apenas pela nossa presença, pela intrusão humana – mesmo a trilha musical é usada economicamente.

Considerando que Gravidade é um tour de force praticamente solo de Sandra Bullock e que em nenhum momento damos um passo atrás em nossa empatia com ela,posso dizer que aí está um caso raro em que a tecnologia digital não limitou, mas expandiu o trabalho humano. Mais um ponto: o excelente 3D, que não distrai, não interfere, apenas contribui para a completa experiência do filme.

E, no fim das contas, Gravidade – de novo como 2001, ou como Solaris, de Tarkovsky, que Soderbergh refez em 2002, com George Clooney – é sobre vida e morte. Mérito de Cuaron por realizar, com enorme precisão e delicadeza, o paralelo entre flutuar em  zero gravidade no ventre do espaço e flutuar em líquido amniótico no ventre materno, onde outros cordões nos prendem à sobrevivência, ao que tem peso, pulso, oxigênio, terra.

Gravidade estréia nos Estados Unidos dia 4 de outubro e no Brasil dia 11 de outubro.


Os filmes da temporada ouro: Blue Jasmine
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Ana Maria Bahiana

A temporada-ouro começou. Mesmo sabendo que uma grande parte destes filmes só estrearão no Brasil em 2014, vou procurar manter vocês atualizados com resenhas dos títulos mais importantes da temporada.

 

 

Eis o que admiro em Woody Allen: que em sua maturidade ele continue  correndo riscos. Sua fase aventuras-em-belas-cidades-ao-redor-do-mundo tem os altos e baixos que se esperaria de um jovem realizador cheio de ideias e indiferente à possibilidade de dar com os burros n’água.

E quando eu começo a suspeitar que parte dessa oscilação talvez tenha a ver mais com preguiça do que com inspiração, eis que vem um filme como Blue Jasmine e responde, alto e bom som: não. Aqui está o que Allen faz de melhor: compreender plenamente a complicada condição humana e encapsulá-la em duas horas de precisa dramaturgia.

Mais jovem, Allen comentava nossas falhas e fraquezas com o riso, seu humor neurótico afagando o neurótico em cada um de nós. Com a perspectiva do tempo, ele ficou mais comedido, mais exato, deixando o ridículo da divina comédia se expressar sem a necessidade de sublinhar.

Blue Jasmine é um riff woodiano em cima de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. O bonde agora não se chama Desejo, estamos  não na Louisianna barroca mas entre duas costas, entre a dolce vita dos novos milionários de Nova York e o bravo mundo novo de San Francisco. Como Blanche Dubois, Jasmine (Cate Blanchett) inventou seu nome, perdeu uma vida de luxo por motivos que nem ela consegue articular bem e precisa viver “dependendo da gentileza de estranhos” – a começar por sua irmã  Ginger (Sally Hawkins), que mora num apartamento modesto , dá duro para criar dois filhos e agora abriga a fugitiva “em busca de uma nova vida”, mas sem a menor noção de como vivê-la.

Como em Bonde, há um homem bruto, dominador e sensual – aqui, o namorado de Ginger, Chili (Bobby Cannavale), vagamente ecoando o Kowalski de Marlon Brando na montagem original da peça, em 1948, e na sua adaptação  cinematográfica, em 1951. Ao contrário da obra de Williams, contudo, não é ele o catalisador do drama:  disso Jasmine em pessoa se incumbe, com seus modelitos Chanel e seus copos de uísque mal servindo de defesa contra uma realidade que nega enquanto pode _ até que ela, inevitavelmente, acerta o passo.

Nos seus anos dourados Woody Allen se tornou cada vez mais um dramaturgo, e a precisão do texto e a construção dos personagens são sua principal preocupação. Ainda bem que ele tem a colaboração de Javier Aguirresarobe na fotografia, captando as diferentes intensidades de luz de Nova York e San Francisco, Atlântico e  Pacífico, e esgueirando-se em torno de Jasmine/Cate, da poltrona de classe executiva no vôo que abre o filme ao banco de praça onde ela aterrissa, na última cena.

Sally Hawkins desincumbe-se brilhantemente de sua Ginger, e Alec Baldwin está perfeito num papel que é sua especialidade – o tubarão falso e insensível. O restante do elenco é repleto de nomes bons , alguns surpreendentes – Louis C. K.,  Andrew Dice Clay, Peter Sarsgaard. Mas a verdade é que o filme é Cate. Sem ela, seria um bom filme. Com ela, com sua profunda compreensão de quem Jasmine é,com  sua capacidade de traduzir ideias, memórias, dores e esperanças pela pele, pelos olhos, por um tremor de lábios, Blue Jasmine é um mergulho gradual , brilhante, sem amarras, no poço sem fundo das ilusões humanas.

Blue Jasmine está em cartaz nos Estados Unidos e estreia no Brasil dia 11 de outubro.

 

 


O festival de Telluride anuncia: o fim de ano promete
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Ana Maria Bahiana

 

Este fim de semana é o feriadão do Dia do Trabalho nos Estados Unidos e Canadá _ e embora oficialmente o verão no hemisfério norte só termine com o equinócio, dia 21 de setembro, este é, para todos os efeitos, o final das férias e da temporada pipoca do meio de ano.

O que quer dizer duas coisas: a ansiosa contabilidade da bilheteria da pipocada (previsão: sujeita a tempestades de ira e ranger de dentes) e a chegada do grande oráculo da temporada-ouro- o Festival de Telluride.

Todo ano eu falo dele aqui (podem procurar nos arquivos) porque todo ano cresce minha admiração por este evento pequeno, altamente curatorial, movido unicamente por uma enorme paixão pelo cinema. Não há mercado, não há grandes festas, lançamentos, tapetes vermelhos, badalações. Completando 40 anos neste fim de semana e inteiramente apoiado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, tudo o que Telluride oferece é cinema da maior qualidade, numa cidadezinha histórica com arquitetura do Velho Oeste, no alto das Montanhas Rochosas.

E sempre, todos os anos, as escolhas do festival antecipam as escolhas dos prêmios da virada do ano. Antes mesmo dos Globos de Ouro – os primeiros a anunciar seus indicados, em meados de dezembro – a seleção de Telluride aponta claramente quais os títulos de peso na segunda metade do ano. E um índice muito alto deles acaba colecionando indicações e estatuetas lá no final da temporada-ouro…

Por isso, vale a pena sempre ver quem vai subir a montanha neste final de semana.

De imediato, acho muito interessante ver dois filmes que exploram basicamente o mesmo tema – a absoluta solidão de um ser humano diante de forças infinitamente maiores – com destaque em Telluride. All Is Lost, de J.C. Chandor (Margin Call), que foi sucesso em Cannes,  é um projeto com quem tenho uma relação pessoal, e que amei desde que li o roteiro: é O Velho e o Mar, de Hemingway, numa dimensão mais íntima, com Robert Redfotrd como o Velho e o Mar como o infinito com o qual não há negociação, apenas aceitação.

É esse mesmo o tema de Gravidade, de Alfonso Cuarón, que, neste momento, está arrasando em Veneza. Sandra Bullock é a astronauta à deriva no oceano do espaço, num desempenho que, suspeito, vai colocá-la na mesma lista onde já está Cate Blanchett por Blue Jasmine

Olho vivo também em Nebraska, de Alexander Payne (foto), que, aposto, vai fazer de Bruce Dern um indicado entre os atores, e Inside Llewyn Davis, que foi Grand Prix em Cannes.

Um punhado seleto de filmes não-americanos estará em Telluride, aumentando sua exposição na temporada ouro. Destaque principalmente para Blue Is The Warmest Color, o vencedor de Cannes que está sendo agressivamente divulgado aqui e em Nova York, desde já; The Past, de Ashgar Farhadi; o chileno Gloria, de Sebastian Lelio, e o britânico The Invisible Woman, sobre a amante secreta de Charles Dickens, estrelado e dirigido por Ralph Fiennes.

E assim vai terminando um verão de sustos e surpresas, já desenhando um outono bem mais interessante…


Nova presidente da Academia cria departamento para diretores de elenco
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Ana Maria Bahiana

Cheryl Boone Isaacs, nova presidente da Academia.

Essa eu gostei – a primeira iniciativa da recém-eleita presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, foi criar um departamento que há muito tempo fazia falta – o de diretores de elenco.

Isaacs, executiva de marketing com longa carreira principalmente na Paramount, foi eleita por esmagadora maioria. Ela é a primeira mulher desde 1983 e a primeira afro-descendente a ocupar o posto. Sua campanha foi toda focada na ideia de diversidade, internacionalização e modernização. E logo de cara ela está pondo em prática um projeto que circula há décadas pela Academia, sem sucesso – o devido respeito aos diretores de elenco.

Marion Dougherty, possivelmente a maior diretora de elenco que já existiu, nos anos 1960 com seu arquivo de imagens.

Recomendo, urgente,  o documentário Casting By, da HBO, para que se compreenda a importância do papel desse profissional, e como sua intuição, gosto e  rede de contatos foram responsáveis, entre outras coisas, pelo fenômeno James Dean, pela descoberta de Clint Eastwood e pelos novos rostos femininos e masculinos que deram a forma final à virada do cinema norte-americano nos anos 1970.

Embora todas as decisões finais sejam do diretor – e em muitos casos projetos já são desenvolvidos com determinados astros e estrelas acoplados – o diretor de elenco é quem faz a planta baixa da arquitetura humana de um filme e série de TV, sugerindo nomes e com isso, muitas vezes, alterando completamente o rumo de uma obra. Para citar dois exemplos: o modo como Dustin Hoffman tomou o lugar que tinha sido imaginado para Robert Redford em A Primeira Noite de Um Homem, ou como Sigourney Weaver, e não um ator, tornou-se Ripley em Alien: O Oitavo Passageiro.

Vocês imaginam outras pessoas nesses papéis, hoje? Então: esse é o talento de um bom diretor de elenco.

Embora os profissionais tenham sido aceitos, ao longo dos anos, pela Academia, eles ficavam como membros gerais, sem um departamento específico e sem representação na diretoria. Agora, os diretores  de elenco tem as duas coisas. E, na progressão natural dos fatos, é bem possível que, em breve, tenhamos um Oscar de escolha de elenco, como o Emmy já possui.

Confesso também que estou rindo à toa com um detalhe. No documentário o diretor Taylor Hackford deita falação sobre como “nunca” a  Academia vai reconhecer o trabalho de seleção de elenco como departamento, principalmente com o título de “diretores de elenco”. Hackford, que admite ser contra até o termo “diretor de fotografia”, é enfático: só o diretor dirige alguma coisa, ninguém mais pode ter esse título!

Ora pois…


Academia escolhe seus novos diretores
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Ana Maria Bahiana

 

Você sempre quis saber quem manda na Academia? Para o periodo 2013-2014, anote estes nomes: Tom Hanks, Kathryn Bigelow, Robin Swicord, Lisa Cholodenko, Michael Apted, Dante Spinotti, Annette Bening, Gale Ann Hurd, Kathleen Kennedy, Bill Condon, John Lasseter, Richard Edlund, Rick Carter, Ed Begley Jr.

Eles estão entre os 48 profissionais e integrantes da Academia escolhidos pelo voto direto de seus colegas para dirigir os 16 departamentos ou “branches” da entidade. _ cada departamento tem três diretores. Não pensem, contudo, que esse pessoal tem poder de decisão direto sobre os Oscars : a função desses 48 profissionais é administrar o que o ex-presidente Robert Wise definiu para mim como “a grande visão” da Academia, sua função na indústria, na sociedade e na história do cinema.

Indiretamente, contudo,  sua posição é de peso _ cabe aos 48 “governors” (daí o Governors Ball que celebra indicados e vencedores depois da entrega do Oscar…) implementar e alterar as regras de escolha do prêmio, além de escolher o CEO e o COO que administram a Academia no dia a dia.

O que gostei do Governors’ Board deste ano: tem mais mulheres…