Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : outubro 2013

“As pessoas não tem mais que ir ao cinema”, e outros sinais da revolução
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Ana Maria Bahiana

 

netflix

Três ecos do fim de semana ilustram uma industria em absoluta transformação:
_ Falando a profissionais de efeitos especiais no fim de semana, Chris Meledrandi, CEO da Illumination Entertainment, responsável por fazer uma ponte importante entre animadores europeus e o mercado internacional com os dois Meu Malvado Favorito, repetiu exatamente o que Steven Spielberg e George Lucas disseram meses atrás: os estúdios estão canibalizando a si mesmos com a obsessão do mega-mega-blockbuster. “Eles ainda não compreenderam que há uma geração que simplesmente não precisa ir ao cinema.”, ele disse. “Há uma variedade de outras formas de entretenimento audiovisual competindo com o ir ao cinema.”. Meledrandi condenou a “resposta de pânico” dos estúdios a essa realidade criando apenas lançamentos gigantescos que o mercado não tem condição de absorver. “Um super filme evento devora a plateia de outro super evento. E isso acontece com filmes de ação e de animação, do mesmo modo.”

_ Curiosamente, no mesmo evento (mas numa outra palestra), o diretor Henry Selick  (Coraline, O Estranho Mundo de Jack) desceu o pau na franquia Meu Malvado Favorito, colocando os filmes da Illumination num bolo de “desenhos feitos em fórmula, todos parecidos uns com os outros, onde não é possível distinguir o estilo ou a criatividade de quem fez”. A saída? “As outras midias”, Selick disse. “Ponho mais fé na TV por assinatura e em opções como Netflix, Amazon e Google.” Dois dias depois, Selick fechou com a independente FilmNation para dirigir um filme com atores, adaptando o livro infantil A Tale Dark and Grimm.

_ Num outro evento, promovido pela Film Independent, que reúne produtores e diretores independentes,  Ted Sarandos, o presidente de conteúdo da Netflix, resumiu tudo e foi um passo adiante: não são só os grandes estúdios os responsáveis por um apocalipse iminente – os exibidores são até piores.  Novamente, Sarandos lembrou que ir ao cinema é algo cada vez mais remoto para as novas gerações – e para todas as pessoas, de qualquer idade, que moram em locais sem um cinema próximo.  “O cinema não é o único lugar onde se pode ver um filme”, disse Sarandos. ” Os produtores precisam se conscientizar disso, e os distribuidores precisam parar de se deixar intimidar pelos donos de cinemas e lançar os filmes simultaneamente em todas as plataformas- inclusive a Netlflix.”

Isso vai render…


Notícias da não-TV: Netflix, Amazon aumentam poder de fogo
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Ana Maria Bahiana

 

John Goodman e um amigo numa cena da série Alpha House, da Amazon

Enquanto os canais “tradicionais” debatem que séries continuam e quais vão pro além, as notícias quentes da semana vem da outra TV, aquela que baixa em qualquer lugar onde haja uma tela de qualquer tamanho e acesso à internet.

* Em seu relatório anual para os acionistas, a Netflix anunciou que tem mais de 40 milhões de assinantes nos Estados Unidos – ou seja, muito mais que a HBO que, segundo analistas do mercado, tem cerca de 28. 7 milhões de assinantes (o canal não revela oficialmente quantos assinantes tem). É um marco: um serviço de distribuição de conteúdo fora do sistema tradicional (TV aberta/TV paga) com um volume de público maior que seus antepassados.

* Como consequência de sua base de audiência, aliada ao que o relatório chama de  “análise do comportamento de consumo de nossos espectadores”, a Netflix anunciou que vai dobrar  seu investimento em séries originais, aumentado e diversificando a oferta, acrescentando longa-metragens ao mix e alocando orçamentos “modestamente” mais generosos. Este é um ponto de divergência na competição: a HBO gasta 40% de seus recursos em produção original, enquanto a Netflix prevê, para 2014, a reserva de 10% de seus recursos para o mesmo fim. “Ainda temos muito espaço para crescer”, disse o diretor de produção Ted Sarandos.

* Tem espaço e mais competição:  depois de alguns balões de ensaio a Amazon está entrando firme na distribuição de conteúdo próprio. A sátira política Alpha House, estrelada por John Goodman e criada e escrita pelo cartunista Garry Trudeau, a série de comedia Betas, sobre a vida nas start ups do Vale do Silício, e três seriados infantis estreiam em novembro . E  a Amazon já anunciou que a próxima leva trará séries de drama na próxima leva…


A prisão de cada um: Os Suspeitos e o desafio de rever o thriller
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Ana Maria Bahiana

Um dos principais problemas dos thrillers de crime, no cinema – especialmente os que envolvem serial killers – é o quanto a TV, especialmente a TV aberta, esvaziou o gênero. A competição de séries de arco narrativo longo, como The Killing e The Bridge, é o menor dos problemas. O pior são esses duzentos mil e oitenta seriados que a cada semana apresentam um novo monstro “como nunca foi visto na história “ ou coisa parecida e, em 48 minutos, resolvem o caso, acham o criminoso (depois de exatamente 2 e ½ pistas falsas) e pegam o dito cujo, dramaticamente.

Uma consequencia importante desse desgaste é dessensibilizar o público, tornando crueldade e  violência coisas banais, que precisam ser amplificadas cada vez mais para atrair e manter a atenção das pessoas.

Para mim uma das qualidades centrais de Os Suspeitos (Prisoners, 2013) é exatamente subverter esse princípio. Há violência, e muita, no filme do canadense Denis Villeneuve (que nos deu o maravilhoso Incendies em 2010) mas ela é mostrada com  a clareza e a dureza de algo que não é espetáculo, mas horror. E – o que mais nos perturba e nos obriga a um olhar diferenciado – a violência é cometida não pelos personagens que enquadraríamos como “vilões” numa narrativa mais previsível, e sim por aqueles que somos levados a ver como “heróis”.

Há outras qualidades em Os Suspeitos – a fotografia do mestre Roger Deakins, a música de Johán Johánnson, os desempenhos de todos os atores, incluindo Hugh Jackman num papel fora do comum em sua trajetória – mas fiquei marcada especialmente pelo modo cuidadoso, deliberado, preciso, com que Villeneuve conduz e enquadra a narrativa, tocando exatamente em nossos cacoetes de plateia e revertendo nossas expectativas. É perturbador e é bom, como um jorro de água fria no rosto, de manhã, pode ser bom : para estimular, acordar.

O título original, Prisoners, encerra melhor essa ideia. Ao longo da história, diversos personagens serão retirados de suas vidas habituais e confinados, restritos, aprisionados. A trama, em si, é simples. Duas meninas desaparecem misteriosamente no dia de Ação de Graças, num subúrbio classe media dos Estados Unidos. O pai de uma delas – Hugh Jackman – convence-se de que sabe quem é o raptor – Paul Dano, o rapaz que dirigia uma van pela vizinhança no dia – e resolve tomar as medidas que acha apropriadas, à revelia do policial – Jake Gyllenhaal – encarregado do caso.

A questão, contudo, não é nem quem fez o que (embora essa parte seja muito interessante) mas quem é, de fato, prisioneiro – e de que. Quem está absolutamente aprisionado, abrindo mão de sua capacidade de escolher e decidir? E até onde violência é o instrumento desse aprisionamento?

O roteiro original de Aaron Guzikowski (Contrabando) tem lá seus furos, mas a clareza com que Villeneuve conduz nosso olhar, e o quanto ela nos faz pensar, vale tudo.

Os Suspeitos está em cartaz nos EUA e  estreia hoje no Brasil.


Tá chovendo zumbi: quarta temporada de The Walking Dead promete
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Ana Maria Bahiana

Enquanto escrevo este post o grande debate da cidade é se a “linha invisível” que separa a TV por assinatura da TV paga foi ou não rompida com o mega sucesso do episódio de estreia de The Walking Dead, ontem: mais de 16 milhões de espectadores, sem contar os estimados 500 mil que baixaram o episódio informalmente pelo mundo afora.

A questão é a seguinte: ficou estabelecido que a TV por assinatura tem mais liberdade, mais qualidade, mais ousadia e, em tese, atinge um público mais reduzido e , por definição, segmentado.; a TV aberta não tem direito a nenhuma dessas regalias, mas atende uma massa de público muitas vezes maior.

Só que os zumbis da AMC acabam de quebrar esse conceito: 16 milhões é audiência de um NCIS, CSI da vida. Os cálculos ainda estão sendo feitos, mas parece que ontem o programa de maior audiência na TV norte americana foi mesmo The Walking Dead. Não da TV por assinatura, vejam bem: da TV.

Não é pouca coisa, principalmente considerando os percalços no caminho, com trocas sucessivas de showrunners (e, por consequencia, de pontos de vista…) e aquilo que muitos analistas consideravam um obstáculo irremovível para alcançar o grande público em casa: violência e sangueira.

Mudou a TV ou mudou o público? Ou ambos?

Com essa dúvida na cabeça, acrescento – Vi os dos primeiros episódios desta quarta temporada e ainda não sei se sei para que lado o novo showrunner, Scott M. Gimple vai levar a narrativa e a atmosfera da série.  Há uma desaceleração clara – “30 Days Without An Accident” se permite o luxo de explorar a bizarra paz da prisão, quase bucólica com suas hortas, refeitórios comunitários e horas de lazer para crianças (lembrem-se que a população aumentou consideravelmente com a chegada dos refugiados da terra do Governor…)… e com a mesma calma nos lembrar que esse condomínio campestre tem altas cercas de arame farpado cercadas por todos os lados por zumbis furiosos…

É um ritmo interrompido apenas quando é preciso com o habitual combate humanos/walkers (eu chamaria a do episódio de abertura de “Chuva de Zumbi”… com os devidos parabéns a Greg Nicotero – que dirige o episódio -e sua equipe, que está cada vez mais arrasando com os prostéticos..) e com uma trama secundária que vem vindo para o primeiro plano com grande força, trazendo novos obstáculos e novos zumbis (se eu entrar em mais detalhe será SPOILER…).

 

Mas de tudo o que vi nos dois episódios o que mais me impressionou foi esta cena aqui em cima – o encontro de Rick com uma sobrevivente, na mata em torno da prisão. Ali está Walking Dead no que tem de melhor – prendendo a atenção pelo suspense emocional, nos envolvendo em algo ao mesmo tempo terrível e misterioso, do tipo que não suportamos ver mas não resistimos não olhar. Palmas para a irlandesa Kerry Condon, irreconhecível como a mulher faminta que vagueia pelo mato, a verdadeira morta que caminha – como Rick, que perambula pela vida como um sonâmbulo nos braços da morte.


American Hustle estreia novo trailer com bóbis, pança e ELO
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Ana Maria Bahiana

Confesso: nunca fui grande fã de David O. Russell. Sempre achei que havia mais badalação do que substância no trabalho dele, e sempre fiquei intrigada com a extrema vontade de gostar  generalizada com que seus filmes são recebidos. Tendo dito tudo isso, fiquei muito bem impressionada com o novo trailer de American Hustle, o candidato de Russell à Corrida do Ouro deste ano. Só a barriga do Christian Bale, os bóbis do Bradley Cooper e a trilha com Electric Light Orchestra já estariam valendo. Mas acho que tem mais caldo nessa história….

 

 

 


Número recorde de títulos na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro
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Ana Maria Bahiana

The Grandmaster, de Wong Kar-wai

A Academia anunciou hoje de manhã, oficialmente, os filmes concorrendo ao Oscar deste ano na categoria “filme estrangeiro”. Um número recorde países – 76- submeteu títulos, com três deles – Arábia Saudita, Moldova e Montenegro- entrando na briga pela primeira vez. Outras curiosidades incluem um filme submetido pela Grã Bretanha – Metro Manila–  inteiramente falado em tagalog, a língua nacional das Filipinas e o primeiro filme enviado pelo Paquistão  desde 1963 – Zinda Baag.

É importante saber o pano de fundo em que a disputa se dará, este ano: pela primeira vez em muito tempo, eu diria que pelo menos o tempo em que acompanho o Oscar (ou seja, mais de 25 anos) sinto um real impulso de transformação da categoria. Não é a toa: junto com documentário, é a categoria que mais dá dor de cabeça, controvérsia e críticas. Mas ao longo de todas essas décadas nunca senti na diretoria da Academia uma real vontade de fazer algo sério a respeito de todo o processo, da submissão de filmes ao sistema de escolha dos indicados.

Nada vai acontecer agora, este ano, mas vejo um desejo real de re-pensar todo o processo à luz de uma produção internacional cada vez mais globalizada e cooperativa cujos resultados poderão mudar a disputa já no ano que vem.

O Passado, de Asghar Farhadi

Um ponto que a Academia sempre se recusou a tocar foi o aspecto “concurso de misses”, com apenas um filme representando cada país. As crises que esse processo criou já levou a várias falhas na gama de títulos concorrentes e, este ano, podem ser sentidas na falta dos elogiadissimos e premiados A Vida de Adele (a França escolheu Renoir, de Gilles Bourdos, que passou ao largo, aqui), A Touch of Sin, de Jian Zhangke (a China preferiu o mais tradicionalmente heróico Back to 1942, que tem Adrien Brody no papel de um correspondente norte-americano – uma fórmula semelhante à submissão chinesa de 2011 As Flores da Guerra, outro drama de guerra com um astro anglo-falante, Christian Bale, num papel importante) e  The Lunchbox, de Ritesh Batra, que, apesar de críticas positivas no circuito de festivais e distribuição norte-americana assegurada pela Sony Classics, foi preterido pela comissão indiana por The Good Road – uma escolha que ainda está causando controvérsia na Índia.

Gloria, de Sebastián Lelio

Pelo menos posso dizer que  a escolha do Brasil- O Som ao Redor- é a melhor que já vi nos últimos anos. Queria poder dizer também que está na linha de frente para as indicações, mas não arrisco tanto. Pus o orelha no chão, troquei figurinhas com alguns distintos personagens e, na “chave” da América Latina (porque é assim que se dá a pré-pré seleção, com filmes grupados em chaves com representantes dos diversos continentes…) ouvi com frequencia menções ao mexicano Heli, que valeu ao seu diretor Amat Escalante o prêmio de melhor direção em Cannes, e o chileno Gloria, de Sebastián Lelio, que passou por quase todos os festivais importantes e tem distribuição nos EUA via Roadside Attractions_ ouço até ruídos de uma indicação de melhor atriz para sua estrela,Paulina Garcia.

A Caça, de Thomas Vinterberg

Outros rivais de peso são o iraniano O Passado, do já oscarizado Asghar Farhadi, único da turma a ser exibido no famosamente pé-quente festival de Telluride;  o dimarquês A Caça, de Thomas Vinterberg, que está em cartaz aqui e foi para a Mostra São Paulo de 2012; e The Grandmaster, de Wong Kar Wai, submetido por Hong Kong, que teve pré-estreia na Academia  e que, mesmo em versão reduzida, arrancou elogios eloquentes da crítica daqui. O delicado Wajdja, estreia da Arábia Saudita na disputa, também pode ser um adversário e tanto.

Mas guardem o fôlego : a corrida apenas começou….


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