Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : setembro 2012

Adeus, Emmys – agora, a correria dos outros prêmios
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

E aí, gostaram dos Emmys? Da minha parte, resumidamente:

  • A abertura foi xoxa, comparada com anos anteriores (lembram do “Born to Run” de Jimmy Fallon e companhia em 2010?)
  •  Não aguento mais Modern Family, me pareceu um voto preguiçoso, especialmente considerando que este ano, além da eternamente injustiçada Big Bang Theory (será que só vão premiar quando ela definitivamente não for mais o que era? Prêmio faz muito disso…), tínhamos as excelentes estreantes Veep e Girls.
  • Homeland é uma bela série, mas o nível da dramaturgia e direção de Mad Men e Breaking Bad é muito superior – são duas séries que já fazem parte da história da TV contemporânea, e que se provaram ao longo do tempo, desenvolvendo magnificamente seus personagens e tramas.
  • Perder na “minha” categoria – categoria especial – para os Tonys foi um prazer. Explico o “minha”: fui, como consultora de roteiro, parte da equipe do show de entrega dos Globos de Ouro 2012, indicado na “categoria especial” dos Emmys, este ano, primeira indicação que o evento recebe. Eu me senti super lisonjeada, mesmo com meu papel minúsculo na empreitada. E não me importei nem um pouco em perder para os Tonys.

Mas o assunto da cidade, agora, não é mais Emmy, mas a momentosa temporada dos prêmios de cinema, que se aproxima com a mesma velocidade fulminante do temperamental outono angeleno (um dia, calor escaldante; dia seguinte, chuva, 17 graus e folhas pelo chão).

O amador, bizarro e propositalmente incendiário filmeco feito por um egípcio num subúrbio ao sul de Los Angeles acabou de custar alto para o cinema iraniano : em represália ao tal Innocence of Muslims, o Irã decidiu boicotar os Oscars e não submeter nenhum título este ano.

A história desse filmeco é um interessantíssimo tema para uma discussão sobre liberdade de expressão, responsabilidade e intolerância, mas neste momento o que mais lamento é a ausência do cinema iraniano numa das maiores janelas de exposição do mundo – e um ano depois  da vitória do sensacional A Separação.

A mudança das datas é uma história mais complexa_ e vamos esclarecer, o anúncio das indicações aos Globos de Ouro, dia 13 de dezembro, continua sendo antes do anúncio das indicações ao Oscar, dia 10 de janeiro. Para começar, não creio que isso altere em nada o efeito-balaio que os Globos de Ouro tem sobre os demais prêmios. Sempre disse que os Globos criam uma pré-seleção com suas indicações, não com seus vencedores – a composição, temperamento e ponto de vista dos votantes é completamente distinta. Uma olhada nas listas de indicados, ano a ano, comprova esse fator – e as diferenças entre os vencedores mostra como clareza os diferentes critérios de escolha de Academia, Guildas e correspondentes estrangeiros.

E aqui está o x da questão, que ainda não vi comentada com a importância que merece, a não ser num artigo da Variety: ao mudar a data de entrega das indicações para dia 3 de janeiro a Academia encurtou em cruciais 10 dias o tempo de reflexão e, em tese, de acesso aos filmes concorrentes.

Bato nessa tecla porque ela explica muito sobre a personalidade e a natureza das premiações. Os Oscars são escolhidos por pessoas que fazem cinema e, em sua maioria, não tem tempo, paciência ou inclinação para  ver todos os filmes qualificados. Os Globos são escolhidos por pessoas que, por oficio, precisam ver a maioria dos filmes exibidos ao longo do ano e que, portanto, estão qualificados.

Ao roubar 10 preciosos dias do tempo que os acadêmicos teriam para , em tese, ver os filmes do ano, deu ainda maior importância para a pré-seleção que os Globos já terão feito e anunciado dia 13 de dezembro.

Na verdade, o único impacto importante da antecipação foi sobre os estrategistas, que agora tem que correr com a bola durante novembro e dezembro, sem parar, pulando por cima de festas e férias.

E – outra coisa que lamento muito – essa pressa toda pode tornar a competição especialmente injusta para filmes menores, independentes, sem condições de fazer barulho.

Vamos ver o que acontece…


À deriva no mar sem fim da alma: The Master, obra prima
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

 

Numa cena essencial de The Master, o novo filme de Paul Thomas Anderson, Freddie Quell (Joaquin Phoenix) pergunta a Lancaster Todd (Philip Seymor Hoffman): “Quem é você?” Lancaster, que já havia afirmado ser, enganosamente, o “comandante” do barco onde os dois se encontram, responde: “Sou muitas coisas. Um escritor, um doutor, um físico nuclear e um filósofo. Mas acima de tudo um homem.Um homem como você.” Mais adiante na mesma cena, Lancaster pergunta a  Freddie, a respeito de uma garrafinha que ele carrega consigo: “O que você põe aí dentro?” E ele responde: “Segredos.”

É possível dizer que tudo o que se passa com esses dois personagens, orbitando um em torno do outro ao longo dos 137 minutos desta obra prima, está contido nesta troca.

Lancaster, o “mestre” do título (a palavra, na língua inglesa, significa tanto professor quanto senhor, dono), é um fanfarrão, megalomaníaco, carismático, falastrão, absolutamente seguro de si e das estranhas conclusões que tira do nada, como um passe de mágica, a respeito do sentido da vida e da natureza do espírito humano.  Mais da metade das definições que oferece a Freddie são mentiras, mas isso não importa para a natureza da troca que se estabelece naquele momento, e cujas inspirações e expirações, contrações e expansões são o tecido vivo da narrativa.

O ex-marinheiro Freddie, que Lancaster prontamente define como “meu protegido, minha cobaia”, é um ser partido em mil pedaços, reduzido a explosões de raiva incontida, choro profuso e inconsciência alcoólica, incapaz de determinar o que faz no mundo, à deriva entre o oceano que abre o filme e a areia da praia que o encerra. Os “segredos” que traz na garrafinha não são apenas os misteriosos elementos da fórmula que ele mesmo prepara, o elixir que usa para calar seus monstros, e que pode incluir terebentina, querosene e os produtos químicos usados  para revelar filme fotográfico.

A força de Lancaster é uma fachada que esconde fraturas tão ou mais profundas que as de Freddie. O caos de Freddie tem, em seu núcleo, um grão de uma força resoluta, um impulso para a sobrevivência que, numa outra cena magistral, o impulsiona, numa moto (roubada) em disparada rumo ao horizonte, flecha certa em busca de seu destino, contra todas as probabilidades.

 

Desta dança delicada e imprevisível entre o forte o fraco, o mestre e o discípulo, o senhor e o escravo, o caos e a ordem, a verdade e a mentira, a lucidez e a inconsciência, se faz a história de The Master. Não é o exposé da Cientologia que muitos esperavam, embora PTA tenha clara e assumidamente se inspirado nos primeiros anos da vida pública de L. Ron Hubbard, o controvertido escritor de ficção científica que fundou a seita. Como fez anteriormente com Sangue Negro –- que era um riff em cima da vida de Edward Laurence Doheny, barão do petróleo e um dos patriarcas do sul da California – PTA , em The Master, usa Lancaster e sua “escola filosófica”, The Cause, como uma base metafórica para explorar um outro elemento e um outro período da experiência norte americana.

Se em Sangue Negro Daniel Plainview/Edward Doheny/Daniel Day Lewis nos levava numa jornada pela ganância, a sede de conquista, a embriaguez do capitalismo em estado puro ocupando uma nova fronteira geográfica, o oeste, em The Master Lancaster Todd/L. Ron Hubbard/Philip Seymour Hoffman nos conduz pelo pós guerra da abundância, da paranóia, da vertigem da novidade de um mundo reconfigurado e repleto de novas ideias.

O mestre Lancaster prega o otimismo militante dos Estados Unidos dos anos 1950, a possibilidade de saber tudo, controlar tudo, remover traumas, dores, inseguranças, vergonhas, pelo simples ato de querer, pelo triunfo de uma vontade absoluta, dominando o “animalismo” de nossas pequenas vidas tortas. Lancaster está – como um de seus filhos aponta para Freddie— “inventando à medida que prossegue”, mas esta é, possivelmente, o que toda a nação está fazendo, na mesma época. No início de suas  “práticas terapêuticas”, Lancaster pede a Freddie que “recorde”. Confrontado com o poço de trevas na alma de sua “cobaia”, povoada apenas por ódio, sexo e álcool, ele muda seu comando de “lembrar” para “imaginar”. No bravo mundo novo do pós-guerra, tudo pode ser refeito pelo passe de mágica da imaginação.

Mas The Master não é a história de Lancaster, mas de Freddie, torto, ferido, quase mudo, que, como o Plainview de Sangue Negro, cortou todos os laços com o mundo dos seres humanos além do mais básico – bebida, dinheiro, sexo. Ele é o id para o superego delirante de Lancaster, a massa bruta, o impulso primal que ao mesmo tempo anseia por e rejeita a ordem, o carinho, o conforto. Lancaster acredita estar salvando Freddie mas, aos poucos, é Freddie quem insinua sua escuridão pelas frestas da fachada do Mestre, quem o ensina a rir, a beber o líquido repleto de segredos, a desejar o que não tem nome, a imaginar.

 

Numa das muitas cenas maravilhosamente compostas por PTA, Lancaster e Freddie estão lado a lado numa cadeia – o primeiro por fraude e apropriação indébita, o segundo por encher de porrada os policiais que vão prender seu Mestre. Como cada um reage ao aprisionamento nos mostra claramente a dinâmica entre eles, entre – outra frase de Lancaster – o “dragão pingando sangue dos dentes” e o “homem consciente” que o “coloca numa coleira”.

A jornada de um protagonista atormentado e fragmentado em busca de algo que possa ser seu porto seguro, sua família, é constante e essencial na obra de Paul Thomas Anderson. Cercado de acólitos e filhos de vários casamentos, Lancaster se fixa de algum modo em Freddie, que não consegue se ancorar em ninguém mas anseia pelo conforto da alma. No final, tudo se resolverá  (ou não) com uma canção e a memória de uma praia onde, quem sabe, Freddie encontrou ou imaginou encontrar algo que ele também não sabe enunciar.

O elenco de The Master é de absoluta primeira ordem. Joaquin Phoenix, fisicamente transformado numa espécie de Marlon Bradon torturado, estabelece um nível de interpretação que há muito tempo não se vê – é uma alegria te-lo de volta, exercendo tão magnificamente seu talento. Philip Seymour Hoffman é uma aula de desempenho, tão perfeitamente modulado entre a arrogância e a carência de seu Lancaster. Num papel menor mas essencial, Amy Adams está exata como Peggy, esposa de Lancaster, uma mistura de stepford wife e Lady Macbeth.

Com o apoio magistral da música de Jonny Greenwood e do diretor de fotografia Mihai Malaimare Jr (Tetro, Youth Without Youth), filmando em película 65 mm com toda a luxuosa cor Kodachrome dos 50, PTA não dirige seu filme- rege uma orquestra de imagens, absolutamente em controle de seus adágios, staccatos, crescendos, longos planos sequencia perfeitamente compostos, um olhar destacado olhando um navio iluminado, quase um bolo, um artificio, deslizando na noite de San Francisco debaixo da Golden Gate, e, subitamente, uma câmera ansiosa correndo por um campo de repolhos ou ao encontro do horizonte infinito do deserto.

Aviso- não é um filme fácil, que se abre imediatamente para a plateia ou rapidamente oferece catarse e solução. Quem gosta de muita história com certeza vai se se sentir perdido – não é o que acontece, mas com quem e como acontece, que impulsiona a narrativa.

É, antes, uma experiência hipnótica e envolvente, quem sabe um “processo terapêutico” criando em nós novas memórias inventadas, impressas em nossas retinas pela pura força de um verdadeiro gênio cinematográfico.

The Master estreia hoje (dia 14 de setembro) nos EUA e dia 25 de janeiro no Brasil.


A batalha pelas estatuetas de metal, parte 3: o zum-zum dos festivais e as promessas da animação
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Enquanto vocês curtiam o feriadão, algumas coisas interessantes aconteceram por aqui,  cada uma delas acrescentando mais um pouco de foco e detalhe ao panorama do fim de ano – que, por sua vez, é quando se estabelece o tema e o tom deste momento na indústria cinematográfica.

Na Academia – que tem presidente, diretor executivo e chefe de marketing novos este ano – os planos para o Oscar 2013 começam a tomar forma. Os premiados com Oscars honorários, este ano – aqueles que foram tirados da cerimônia principal e colocados num evento fechado, em novembro – não incluem nem atores, nem atrizes, nem diretores de ficção. Jeffrey Katzenberg, mega-executivo e presidente da DreamWorks Animation (e um dos responsáveis pelo renascimento da Disney nos anos 1980 e 90) ficou com o troféu Jean Hersholt, por atividades filantrópicas, e George Stevens Jr., um dos fundadores do American Film Institute, ganhou um Oscar honorário.

Para mim, os mais interessantes são os outros dois Oscars honorários: D.A. Pennebraker, mestre documentarista e responsável por alguns dos filmes formativos da minha vida – Monterey Pop, Don’t Look Back, Ziggy Stardust and the Spiders From Mars (cujo poster está aqui atrás de mim enquanto escrevo) – e Hal Needham, um dos pioneiros do árduo ofício de dublê profissional (Star Trek e Missão Impossível na tv, e dezenas de títulos no cinema, inclusive Operação França, Rio Lobo, Chinatown e Nasce uma Estrela) e inventor do atual modelo de camera car, que permite tomadas em movimento realistas e de baixo risco.

Os Globos de Ouro continuam no mesmo formato de sempre  (mas ainda não se sabe quem será o host…), e dia 1 de novembro conheceremos o recipiente do troféu Cecil B. de Mille, por conjunto de obra. E, como este ano é o 70 ° aniversário do premio ( e da Associação dos Correspondentes Estrangeiros que o outorga) teremos um troféu especial, a mais, que só será entregue desta vez… conto mais assim que souber…

Na bilheteria, a crise criativa se tornou espetacularmente aparente: este fim de semana foi a pior arrecadação desde o ataque às Torres Gemeas, quando um trauma real paralisou produção e consumo de entretenimento. As coisas estavam tão ruins – 37% a menos que a pior bilheteria deste ano — que o filme com maior venda de ingressos por sala foi…. Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida, relançado em Imax. Ou seja – reciclagem por reciclagem , melhor rever o original.

E os primeiros ecos dos festivais de outono, Veneza e Toronto, apontam The Master, de Paul Thomas Anderson, e Argo, de Ben Affleck, como os pesos-pesados confirmados do final de ano. Não fosse um item do seu regulamento, The Master teria levado o Lido inteiro. Como não levou, abriu-se um foco de luz sobre o coreano Pieta, de Ki-duk Kim, na disputa de filme estrangeiro (onde, cada vez mais, reina Amour, de Michael Haneke).

 Cloud Atlas ganhou uma excelente matéria da New Yorker (que, entre outras coisas, documenta com precisão o que é levantar a arquitetura de financiamento de um projeto original, hoje…) e foi ovacionado em sua primeira sessão em Toronto, mas eu não percebo a unanimidade que cerca Master e Argo. E não é apenas porque as resenhas foram meio a meio – é porque há mais entusiasmo pelas tranças pink de Lana Wachowski (ex-Larry) do que pelo filme como um todo.

Vou conferir todos eles em breve, e continuo monitorando as reações dos formadores de opinião – estou bastante curiosa para saber o que, num ano de eleição, crise econômica e colapso de bilheteria, o cinema poderá expressar, coletivamente.

O que nos leva aos longas de animação. Quando a categoria foi criada nos Oscars, 10 anos atrás – e , cinco anos depois, nos Globos de Ouro, como resultado de uma campanha da qual tenho orgulho de dizer que participei – haviam basicamente três contendores: Disney, Pixar e DreamWorks (a última ganhou o primeiro Oscar com Shrek, a Pixar ficou com o primeiro Globo por Carros).

As coisas mudaram muitíssimo nos últimos anos – um olhar sobre os indicados das premiações deste ano revelam um panorama muito mais amplo, pontuado por estreantes (como a Paramount com Rango e a Fox  com O Fantástico Senhor Raposo) e independentes de paises fora dos EUA (O Segredo de Kells– que foi feito em grande parte no Brasil—  O Ilusionista, Um Gato em Paris, Persepolis, Chico e Rita).

Acho que a disputa deste ano será particularmente saborosa. A Pixar vem com Valente, que literalmente estabeleceu um novo padrão de qualidade na animação digital,  a Disney tem Frankenweenie, de Tim Burton, a DreamWorks vem com A Origem dos Guardiões e Madagascar 3 (um dos maiores sucessos de bilheteria de um ano de vacas anoréxicas).

Mas é sobretudo no território além dos pesos- pesados que vejo grandes possibilidades: Piratas Pirados!, da Sony/Aardman; Paranorman, da Focus;/Laika (os mesmos de Coraline) ; Hotel Transilvania, da Columbia, e O Lorax- Em Busca da Trúfula Perdida, da Universal.

From Up Poppy Hill, do Studio Ghibli

E atenção especial a uma pequena companhia que, título por título, pode ser a mais poderosa distribuidora no mercado norte-americanio: a Gkids, especializada em animação independente de qualidade e produtora do Festival Internacional do Cinema Infantil de Nova York – que qualifica para os Oscars…

Em 2011, a GKIds emplacou Chico & Rita e Um Gato em Paris. Para este ano a Gkids vai lançar cinco títulos dentro dos prazos qualificadores: From Up Poppy Hill, do Studio Ghibli do Japão, A Letter do Momo, também do Japão, e os franceses Zarafa, Le Tableau e o meu favorito, The Rabbi’s Cat (sobre um gato que engole um papagaio e se torna subitamente douto em doutrina judaica). É uma imensa lufada de ar fresco e novas ideias vindas de outros quadrantes, que o departamento de animação da Academia tem recebido de braços e olhos bem abertos.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>