Semana do Oscar: como funciona a cabeça dos votantes?
Ana Maria Bahiana
Os Oscars foram criados para “destacar e honrar qualidade e excelência na arte cinematográfica”. Junte três pessoas e peça que cada uma defina “qualidade e excelência”. Agora junte 6 mil.
Pois é.
Não é possível fazer um estudo estatístico preciso sobre o que os votantes do Oscar –em sua maioria homens brancos com mais de 50 anos, semi-aposentados, como se viu ontem – pensam quando escolhem os vitoriosos, mas alguns traços aparecem com clareza durante os mais de 80 anos do prêmio:
1. Complexo de inferioridade. Há anos digo isso e fiquei feliz ao ver o Los Angeles Times concordar comigo _ a Academia prefere sempre o que menos se parece com aquele filmão feito em massa, especificamente para atender o mercado. É um estranho processo de baixa auto-estima que funciona mais ou menos assim: adoramos ganhar tubos de dinheiro com um monte de filmes mais ou menos, mas sabemos que a maioria deles não presta mesmo; portanto, qualquer coisa que não seja este modelo tem que ser premiado.
Ou seja: tem filme ''pra ganhar dinheiro'' e filme ''pra ganhar prêmio''. As duas coisas ao mesmo tempo… aí complica.
Isso explica a aversão a comédia, ficção científica e fantasia e a cisma com diretores que trafegam com grande facilidade entre o comercial e o artístico, como Steven Spielberg e Christopher Nolan: seu trabalho bate de frente com a percepção de que há algo profunda e essencialmente errado em fazer um filme sobre, digamos, um extra terrestre perdido na Terra ou um milionário que se torna super herói, e querer que ele seja reconhecido como algo mais além de uma fonte de dinheiro. Spielberg só conseguiu vencer esse preconceito com A Lista de Schindler (leia o item 3). Nolan…. Acho que vai ter que esperar mais um pouco.
2. Anglofilia. Um desdobramento comum do complexo de inferioridade é achar que, em princípio, qualquer coisa feita na Grã Bretanha é melhor do que qualquer coisa feita em qualquer outro lugar do mundo, especialmente nos Estados Unidos. Isso explica porque Carruagens de Fogo bateu Indiana Jones (um filme pipoca! E de Spielberg!) em 1981, O Paciente Inglês derrotou Fargo em 1996, a vitória de Shakespeare Apaixonado em 1998 (e Judi Dench levando um Oscar por cinco minutos de tela) etc etc etc. Este ano Sete Dias com Marilyn , se produzido nos EUA, seria talvez um bom filme de TV sem maiores ambições. Mas é britânico! Com Kenneth Branagh! E Judi Dench! Como vamos ignorá-lo?!
3.Fixação com o Holocausto. Aqui o sempre agudo J. Hoberman apresenta uma estatística impressionante nos Los Angeles Times: nos 83 anos do Oscar 20 filmes indicados tinham o Holocausto como tema e pano de fundo; apenas dois não converteram em estatueta a indicação. Este ano, preparem-se : A Separação é o filme a ser batido na categoria filme estrangeiro. Mas abram o olho para In Darkness, de Agniezska Holland, sobre judeus poloneses refugiados nos esgotos da cidade de Lvov. Até porque, no passado, Holland dirigiu um dos dois filmes sobre o Holocausto que foi indicado mas não levou _ Colheita Amarga, de 1985.
4. Saudosismo. É curioso como um prêmio que nasceu destacando o ousado – Asas, um filme adiante de seu tempo em muitos níveis – rapidamente começou a ter saudade de tudo. Culpe-se a chacoalhada dos anos 1970 e da geração sexo drogas e rock n roll? A engorda do blockbuster nos anos 1980-90? O fato é que, desde Titanic, tudo o que lembra “os bons tempos” àqueles senhores brancos de meia idade cai no paladar. A ideia de que “os filmes eram melhores naquela época” é uma fantasia que põe os votantes num estado de transe…. E este ano vai premiar, pela primeira vez na história, uma produção da França… onde o cinema começou. Salut, Lumiére!